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sábado, 4 de fevereiro de 2017

Retrato de homem sentado com África na cabeça

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Tal como Kurt Schwitters, eu também prego os meus quadros. 
Ao contrário porém do grande artista alemão que morreu no exílio (num campo de refugiados, em Londres), eu não tenho qualquer esperança. Nem na Arte, nem no futuro, nem sequer na validade ou préstimo do meu trabalho. Mas isso não me inibe de o fazer.
Os tempos também são outros, embora pareça que se repetem, assustadoramente semelhantes. E não é em farsa. É em comédia, triste e negra. Sem humor nem remissão.

Assim, ainda que embarcado à força numa nave de loucos, vou deixando marcos, testemunhos, sinais exteriores do meu próprio exílio nesta viagem sem volta. Como este homem sentado com África na cabeça, uma composição de 130x94 com tábuas inúteis e velhos sarrafos que me tem ocupado os dias deste inverno.
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quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Homenagem a Joana Vasconcelos

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Se ao menos isto tudo se passasse
numa terra de mulheres bonitas!
Mas as mulheres portuguesas
são a minha impotência!
Almada Negreiros , in “Cena do Ódio”
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Estava eu, um dia pla tardinha, sentado no meu atelier, fumando um dos meus cachimbos e afiando o lápis para fazer mais uma daquelas caricaturas que tanta fama me dão quando desceu sobre mim (quer dizer, à minha frente) um anjo que me disse deste jaez:
- Porque não deixas, ó tu, o escárnio botabaixista e fazes pra variar algo de digno, de construtivo, enfim algo de, sei lá edificante ou assim? Olha, uma homenagem por exemplo.
Foi então que caí em mim (é o que acontece quando anjos descem sobre nós, quer dizer, à nossa frente, falando na linguagem dos mercados) e vi a luz.
Decidi fazer uma homenagem a Joana Vasconcelos.
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Joana Vasconcelos não é uma musa de poetas. Neste aspecto, receio mesmo que Joana encarne a mais capitosa explicação possível para os mais enigmáticos, e pouco elegantes já agora, versos da lírica portuguesa (em epígrafe). Não, Joana não é uma mulher portuguesa qualquer. É “uma artista portuguesa que vive e trabalha em Lisboa no circuito de arte contemporânea”. Mas não é uma artista qualquer. Ela é a artista portuguesa preferida dos mercados, a mais-que-tudo do mainstream, da crítica e até do nosso ministro dos estrangeiros.
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Em todo o caso, que melhor homenagem a um artista do que a citação ou mesmo imitação dos seus métodos de trabalho?
Decidi pois homenageá-la apropriando-me do seu próprio, digamos assim, processo criativo. Vai daí apropriei-me de um objecto pré-existente (fui às Caldas, comprei um vaso de 3 litros, o maior que encontrei) cheguei a casa, depositei-o sobre um plinto do atelier e deixei-o posar. Já tinha o meu objecto, devidamente “descontextualizado". Faltava "subvertê-lo”.
Há lá coisa mais portuguesa do que um das Caldas, pensei eu entretanto, satisfeito, de mim para comigo.
- Só se for uma renda de Bilros, disse-me a voz do anjo - o que, de imediato, desencadeou em mim uma “engenhosa operação de deslocação, reminiscência das gramáticas nouveau-realiste e Pop”: fui à rua da República, na Figueira da Foz e comprei, numa retrosaria que ainda lá há, umas rendas de confecção industrial que pensei poderem oferecer uma visão cúmplice, mas simultaneamente crítica da sociedade contemporânea e dos vários aspectos que servem os enunciados de identidade colectiva, em especial aqueles que dizem respeito ao estatuto da mulher, diferenciação classista, ou identidade nacional”.
E pronto. Já tinha o meu ready-made acabado e onde é bem visível um discurso atento às idiossincrasias contemporâneas, onde as dicotomias artesanal/industrial, privado/público, tradição/modernidade e cultura popular/cultura erudita surgem investidas de afinidades aptas a renovar os habituais fluxos de significação característicos da contemporaneidade. Assinei em baixo. Está desde 30 de Novembro em exposição no Tubo d’Ensaio d’Artes, em estreia mundial, até ao fim deste mês.
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Mas onde penso que ele ficava bem era, em escala monumental claro, nos jardins do Palácio das Necessidades.

Por isso, se por acaso este for um blog monitorado pelo gabinete que o governo criou para o efeito, aqui fica a referência. À atenção pois, de quem de direito. Ao que me dizem, os rapazes do ministério dos estrangeiros iriam a-do-rar. O conceito, ife iú nou uót’ ai mine, ófe córse.

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segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

A Fonte

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No texto (aviso) que coloquei ao dispôr do público da minha exposição Achados & Caricaturas (até ao fim do mês, no Tubo d’Ensaio d’Artes, na Figueira da Foz) anunciei, “em exclusiva première mundial”, a apresentação de “dois quasi-ready-made, cúmulo artístico das minhas recentes elucubrações no domínio do pensamento mais puramente conceptual que são outros tantos comentários à contemporaneidade”.
Um deles é o da foto acima.
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Trata-se de uma paráfrase da célebre “Fountain” de Marcel Duchamp, obra que foi recusada  na primeira exposição da Sociedade dos Artistas Independentes de Nova Iorque em 1917 e desapareceu desde então. Apenas as réplicas, certificadas pelo artista nos anos 60, são apresentadas hoje em dia em exposições. Uma delas foi adquirida em 1999 pelo milionário grego Dimitri Daskalopoulos por $ 1,762,500 (1,677 milhão de euros). O feliz proprietário terá declarado então que para ele - o mictório que Duchamp adquiriu em 1917 por três ou quatro dólares no armazém da sociedade J. L. Mott Iron Works - representava "a origem da arte contemporânea". Em Janeiro de 2006, estimava-se que a obra valeria cerca de 3 milhões de euros. 
Trata-se, por tanto, de uma obra seminal.
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Já a minha Fonte, pode não ser seminal mas não deixa por isso de ser, conceptualmente, um pertinente “comentário à contemporaneidade”.
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Trata-se, segundo o cânone de Duchamp, de um ready-made aided ou seja, ajudado, compósito: uma latrina (que não comprei em Nova Iorque) em cujo interior depositei um espelho (que comprei nos chineses) e assinei, em baixo.
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Não me cabe, é claro, elucidar o público sobre óbvias, possíveis ou rebuscadas interpretações do seu putativo significado obsceno ou escatológico, psicanalítico, político ou filosófico ou até artístico. São deduções que julgo do arbítrio exclusivo de quem vê.
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Não deixo contudo de fazer notar que a minha Fonte é também uma surpreendente obra interactiva.  Reparem. Vejam bem: o que dela brota é o olhar que a perscruta, ou contempla. Um manancial inesgotável, portanto. Mais ou menos como a Arte Contemporânea.

Pensem nisso. A arte, segundo o tio Marcel, não é coisa retiniana
É cosa mentale, dizia Leonardo que também era danado para a brincadeira.

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terça-feira, 24 de abril de 2012

O espantalho

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As favas que semeei em Dezembro estão agora, finalmente, a contribuir (com as chuvas de Abril) para o desagravo dos meus humores - estes retribuem com breves cantatas, eloquentes e agradecidas - digamos que a minha recente opção estratégica pelos grandes espaços abertos, referida no último post, se revelou muito judiciosa e justificada.
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A verdade porém é que a actividade de plein air aqui por casa não é só por causa das favas. Também há uma pequena horta, um bom punhado de árvores de fruto e, desde o ano passado - com o desvelo e entusiasmo permitidos pela minha vasta ignorância na matéria – groselhas, framboesas, mirtilos e até bagas goji. Contudo, isto de fruta biológica não é só flores; também tem espinhos. No caso dos frutos vermelhos, são os pardais.
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-Os pardais são uns cabrõezinhos alados e anarquistas que formam bandos vorazes de autênticas aves de rapina gourmet. Foram estes pentelhos trocistas que me levaram à construção de um espantalho.
-O espantalho é, no entanto, desde o início dos tempos (isto é, desde os alvores da agricultura) uma ambiguidade; um grito mudo; uma ameaça incompetente; um gesto pífio, uma bravata. Ou seja, um logro filosófico, uma santa ingenuidade.
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O meu espantalho, que também não é isento de ambiguidades, não é contudo um espantalho qualquer. É a representação de um espantalho; uma experiência estética e lúdica delirante. Ou seja, o meu espantalho é uma estátua; uma escultura.
Concebi-o com uma técnica que já expliquei aqui: o corpo com uns ferros retorcidos; a cabeça com duas pedras - uma redonda e bojuda, dentro de uma caixa quadrada de ferro de fundição e uma chata e oblonga por cima, à guisa de chapéu - e os pés numa única sapata, de betão, que é o pódio que o eleva; isto é, o pedestal. Tudo preso por arames.
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Chamei-lhe Reboredo, numa alusão óbvia a Mário Henrique Leiria, em cujas estórias há sempre um Reboredo e onde o não-sentido das coisas está sempre mais ou menos explícito.
- O meu espantalho é pois um monumento àquela espécie de inutilidade pretensiosa que tanto satisfaz o sentido de non-sense das crianças de todas as idades. Passa a vida naquela incansável e imprestável abstenção violenta que tanto tranquiliza os meus pruridos ambientalistas como os outros passarinhos, os pardais; estes estão, aliás, para o espantalho Reboredo como os cubanos para a grande águia americana: no le tienen absolutamente nengún miedo. Acho até que se divertem. Reboredo it’s for fun.
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Como objecto estético, no entanto, Reboredo não é de todo inóquo: faz-me lembrar os manequins de di Chirico. Tal como eles nas praças de Itália, Reboredo no meu jardim também me parece um tanto deslocado e absurdo ou premonitório.
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Todavia, se como objecto funcional ele é de uma inépcia já provada, pode ser que ainda tenha alguma utilidade como objecto político: podia sei lá, por exemplo, servir para épater les bourgeois; o problema é que poucos já passam ao meu portão.

Quem passa é cada vez mais da middle class ou mesmo do lumpenproletariat; de cabeça baixa e olhos no valado, à cata de outro pesadelo dos hortelões - os caracóis –essoutro petisco gourmet.

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quarta-feira, 23 de março de 2011

memorial


O meu pai morreu dois dias depois do início da Primavera. Faz hoje um ano.
Nós não concordávamos em quase nada. Mas não discutíamos (ele não discutia, trovejava). Falávamos de tudo e entendíamo-nos por sinais.
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Desde então tenho vivido uma estranha deriva. Como se ao meu corpo lhe faltasse a alma. Como um “bateau ïvre” em busca de algo indizível, tenho dado comigo, mais vezes do que gosto de confessar, falando sozinho.
-Descobri em mim o mesmo humor colérico e o mesmo desconforto com os desacertos do mundo; a mesma indignação impotente com a estupidez em geral e a mesma perplexidade muda pelo triunfo desta ignorância armada; o mesmo apreço pelo trabalho bem feito e o mesmo respeito pelo dinheiro honesto; o mesmo fascínio quase místico pelo mistério das árvores e pela resiliência da pedra à usura do tempo.
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Por isso construí-lhe um memorial. No meu jardim. Em pedra. Entre as árvores.
Trata-se de uma espécie de corpo piramidal constituído por pedras sobrepostas (que ambos recolhemos de uma demolição) encimado por uma cabeça que é uma velha pedra angular.
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O conjunto é bem capaz de parecer algo bruto. Ou primitivo.
Mas eu não tenho subtilezas para exprimir o indizível.
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quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Gárgula


Gárgula, 2006
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Os dias são curtos, húmidos e soturnos. O frio entra pelas frinchas, até aos ossos.
Os reflexos sombrios desta luz grisalha e gelada são propícios à introspecção e à melancolia; mas também, aqui e um pouco por toda a parte, ao crime e a toda a espécie de atentados.
Foi num dia destes, a olhar para dentro, que eu fiz esta espécie de gárgula. Com areia, cimento e algumas pedras.
Agora está lá fora, no meu jardim. A ver passar dias assim.
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terça-feira, 12 de agosto de 2008

O pássaro verde

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Esta “escultura”, que está no meu jardim, é mais uma das minhas experiências com “achados”: uns ferros retorcidos, despojos de uma demolição, com os quais “compus” uma “espécie” de escultura sem volume. Como um simples desenho no espaço.
Trata-se de um conceito (mais um) inventado pelo grande Picasso. (A importância de um criador mede-se pela quantidade de novos signos que introduz na linguagem, e aí Picasso é imbatível; tanto que todos nós comunicamos ainda com imensos signos “inventados” por ele.)

Este conceito utilizou-o Picasso em 1928 no seu estudo para homenagem a Guillaume Appollinaire. A “construção” alcança, na sua versão exposta no Museum of Modern Art em Nova Yorque, a altura monumental de mais de quatro metros. Segundo Ingo F. Walther “Para a compreensão desta escultura sem massa e sem peso, desenhada no espaço, flutuando no tempo, é elucidativo procurar a história da sua origem na obra do próprio Apollinaire. O seu conto “Le poète assassiné” contém a espantosa descrição de um monumento para o poeta morto Croniamantal. À pergunta, como e de que material ele imagina o monumento, o escultor interrogado responde: ”Quero erigir uma estátua do nada, como a poesia e a fama.” Foi o próprio Picasso que apontou para o seu entusiasmo sobre este “monumento do nada, do vazio”. De resto, os seus estudos para este monumento a Apollinaire, que se aproxima mais do espírito do poeta que mil eloquentes elogios, foi recusado pela comissão por ser “demasiado radical”. As esculturas transparentes de Picasso, que se apoderam do espaço, representam em contrapartida mais um importante impulso para a história da escultura, que viria a fecundar mesmo os maiores escultores.”
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A Isabel possui, há muitos anos, uma pequena xilogravura com uma ilustração ingénua e uma citação de Göethe: “Coloquei a minha casa sobre o nada; é por isso que o mundo inteiro é meu”. Quando em 2001 adquirimos finalmente a casa que agora habitamos e que entre nós, não me ocorre porquê, baptizei de Sítio do Pássaro Verde, lembrei-me de lhe fazer “um monumento do nada, como a poesia e a fama”.
Eis uma explicação, obscura mas possível, para este Pássaro Verde que desenhado sobre o nada, se vai apoderando do espaço.
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