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2014-09-03

«o tempo é renda», de isabel mendes ferreira (Lisboa, labirinto de letras, 2014)


1.

ensaio-me. para que a morte me seja ao som dos pés o som
das uvas esmagadas com o sangue de todas as rosas que não
vieram ser-me lençol. uma porta de chumbo a ser livro raso
a ser abate e abro-te a boca para te ser luz que não sombra.
em resgate._____________________________________

e se o eterno mais não fosse que este único momento de
trigo incerto? dirias que um pássaro me dividiu o corpo
ou antes que o fundo do abismo seria mais alto? como vês
nada sabemos da extrema solidão. fonte ou harpa seremos
sempre a metade de um livro alegórico.

[isabel mendes ferreira, o tempo é renda.]

2014-06-11

Herberto Helder, «A morte sem mestre», 2014.


«não sei se fazer um poema não é fazer um pão»

[Herberto Helder,  A morte sem mestre, Porto, Porto Editora, 2014.]

2013-12-21

OS LIVROS DE 2013: Gonçalo M. Tavares, «Atlas do corpo e da imaginação (Teoria, fragmentos e imagens)», Lisboa, Caminho, 2013 (setembro).


OS LIVROS DE 2013: Gonçalo M. Tavares, Atlas do corpo e da imaginação (Teoria, fragmentos e imagens), Lisboa, Caminho, 2013 (setembro).

Como uma volição, este atlas atravessa o corpo e é uma central de pensamento, abrindo caminhos, dialogando, interiorizando o exterior individual e interpretando. Alarmante, porque alarmado o «incipit», é sob o signo do pensamento que o corpo se revela em busca de um sentido para a ação, ainda que as hesitações nos avassalem – como se elas não fossem motor e avanço e descoberta.

Convocando pensadores fortes como Steiner, Heidegger, Bachelard, Ortega y Gasset, Wittgenstein, Barthes, Adorno, Vergílio Ferreira, Nietzsche e tantos outros, estes atlas é um manual de sobrevivência cultural, uma central de energia que nos invade, dando-se, sendo em nós.

2013-12-20

OS LIVROS DE 2013: Manuel Gusmão, «Pequeno tratado das figuras», Lisboa, assírio & alvim, 2013 [fevereiro].


OS LIVROS DE 2013: Manuel Gusmão, Pequeno tratado das figuras, Lisboa, assírio & alvim, 2013 [fevereiro].

É um raro tratado poético este livro. Dividindo-se em «O caderno das paisagens», «Os desenhos do escultor ou notas sobre o trabalho da inspiração – um poema em memória do Jorge Vieira», «No labirinto das imagens – o que falta para serem um filme?», «Filmar o vento» e «A pintura corpo a corpo – os corpos da pintura; pintores pintados», o Pequeno tratado das figuras de Manuel Gusmão exalta-se em movimento de aracne, desvelando a tapeçaria, a armadilha textual que é composta por «Ramos lianas folhas e fios» (p. 11) que tecem «a clara teia» que envolve, enreda e devém memória como marca de água na página em branco que deseja permanecer. Como Anteu, é na terra que a poesia ganha força, é aí que as palavras  queimam  e dizem «do surdo clamor/ do mundo, do vivo enquanto vivo» (p. 21).
Áspero, duro, pleno de marcas e cicatrizes, o «tratado» abre-se ao olhar, homenageia em memória a criação (de Jorge Vieira, por exemplo) e capta os inícios da possibilidade. As palavras são tintas sobre tintas, inscrições sobre inscrições devindo. Criado, o poema mostra a metalurgia, a fuselagem, as figuras da criação e o vento hábil. Perto, os desenhos e as pinturas são sangue, «corpos / atómicos, em relevo nas margens da luz, / estremecendo crepitantes» (p. 39).

Fundo, este Pequeno tratado das figuras é grande como tudo o que é essencial – a arte, v.g.

2013-12-18

OS LIVROS DE 2013: Herberto Helder, «Servidões», Porto, Assírio & Alvim, 2013 (maio).


OS LIVROS DE 2013: Herberto Helder, Lisboa, Assírio & Alvim, 2013 (maio).

Inconcluso e decetivo relativamente ao que é uma cabeça, como o diz o paratexto inicial, é toda uma cerebralidade memorial que logo ascende na «prosa» inicial (pp. 9-18) – é um tempo devastado, fundo, mineral e zoológico que povoa a meninice e o adolescer lá longe, é até um eco brandoniano que se despega fulgurante do fundo da primeira página: «Uma noite acordei com o som dos meus próprios gritos» (p. 9). Orgânicas, febris, pérfidas, perversas, quentes, na cabeça todas as imagens devinham mágicas e ácidas, como um antiquíssimo bestiário maligno e redentor. Não falta aí sequer o rito vergiliano do espanto especular. Desde aí, uma espessa cicatriz de liberdade e de insujeição não mais deixará o poeta.
A  poesia diz-se herbertianamente «nunca uma chegada seja ao que for» (p. 12) e uma difusão dos chamados «ganhos fundamentais». Devorante, sem mundo material, eis a limpidez da gramaticalidade.
Observando-se, o Poeta interroga as suas servidões («dos trabalhos do mundo corrompida / que servidões carrega a minha vida» [p.19]), os caminhos da desmemória e um à frente suspenso: « e eu esteja atrás vivendo desse próprio esquecimento, / a mão cortada, cortado o nome, além da morte escrita, / pelo buraco da voz o nome escoado para sempre» (p. 117).

Fulgurante, em história poética fulgurantíssima, como não ficarmos presos por estas Servidões de Herberto Helder?

2013-12-17

OS LIVROS DE 2013: Alberto Manguel e Gianni Guadalupi, «Dicionário de lugares imaginários», Lisboa, TINTA-DA-CHINA, 2013 (agosto).


OS LIVROS DE 2013: Alberto Manguel e Gianni Guadalupi, Dicionário de lugares imaginários, Lisboa, TINTA-DA-CHINA, 2013 (agosto).

Denegando os lugares, eis que uma boa parte da cultura e dos seus ecos vem até nós, em evidência nunca assim vista. Obliterando a materialidade hoje tão espiolhada, Manguel  e Guadalupi (RIP) levantam, em inventário que não «inventa», os «loci» imaginários que, sublimando o real, não o são, sendo-o.
Compêndio de evasão, de errância, de mitemas e de desejos, este dicionário é um lugar de muitos lugares, é uma viagem dentro e fora, uma contemplação que sabe o seu espaço – um além que o é, não o sendo ainda. E sendo-o.

De ABADIA, A a ZYUNDAL este dicionário é claramente obrigatório não só para os amantes das utopias. E, afinal, quem nelas não vive, podendo-o fazer?

2013-12-16

OS LIVROS DE 2013: Urbano Tavares Rodrigues: O livro aberto de uma vida ímpar, Diálogo com José Jorge Letria, Lisboa, Guerra & Paz, 2013 [setembro].


OS LIVROS DE 2013: Urbano Tavares Rodrigues: O livro aberto de uma vida ímpar, Diálogo com José Jorge Letria, Lisboa, Guerra & Paz, 2013 [setembro].


Trabalhando os afetos com mestria, José Jorge Letria levantou, neste final de novembro, uma das belas histórias literárias de amizade. Urbano Tavares Rodrigues, «fraterno e firme», como a abertura poética o diz, mostra-se como foi e é em nós – um monumento artístico e um prodígio de humanidade. Esta vinda a lume de uma conversa entre os dois escritores havida por dezembro de 2010 é um testemunho fundamental sobre um dos não muito escritores que trabalharam para a cultura portuguesas durante sessenta anos ou mais – ouvir Urbano em direto é saber que há mortes impossíveis e que há vidas que não cessam de nos iluminar.

2013-12-15

OS LIVROS DE 2013: Carlos Clara-Gomes, «crónicas do inverno», Viseu, Edições Esgotadas, 2013 [outubro].


OS LIVROS DE 2013: Carlos Clara-Gomes, «crónicas do inverno», Viseu, Edições Esgotadas, 2013 [outubro].
Perseguindo um tempo de palavras ditas e cantadas, na modulação do imediatismo comunicativo, estas crónicas chegam-nos da ação performativa. Recuperando a eficácia e o peso da verbalização, eis a luz do palco e a subtileza oral dos aedos – este livro antes de o ser já o era, dito e representado em direto antes do diferimento de objeto publicado.
Do contador, falam as palavras; da envolvência, também o contador fala. Encenadas, os ditos, ora finamente poéticos, ora ferinos como lâminas, trazem a escatologia de um modo de ser, de um modo de evocar, de um modo de esquecer. Desvelando-se, o sujeito condutor escreve-nos e inscreve-nos numa viagem que todos conhecemos, mesmo que o tenhamos esquecido.

Estas crónicas, magnífico derrame de histórias e ulcerações, merecem o melhor de nós – uma presença atenta, na mostração, e uma complementar leitura para outra compreensão. E o inverso também não é pior. Viver é isso: é aprender, é viver, é encostarmo-nos a estas palavras urgentemente, como quem aprende…

2013-12-14

OS LIVROS DE 2013: Eugénio Lisboa, Acta est fabula. Memórias - III - Lourenço Marques revisited (1955-1976), Guimarães, Opera Omnia, 2013 (outubro).


Estes escritos de Eugénio de Lisboa haverão de constituir um dos mais importantes documentos memorialistas sobre a cultura portuguesa do século XX. Compreendendo um espaço temporal entre 1955 e 1976, o nosso «maître à penser» escreve-se, no sentido de George Bernard Shaw, apresentando-nos um quadro luminoso sobre a sua vivência moçambicana e conexa aproximação às belas letras: desde o fascínio profundo com Fialho de Almeida, passando pela rendida admiração por Reinaldo Ferreira e a estreita amizade com Rui Knopfli, o fascinante encontro com Grabato Dias (António Quadros) e Zeca Afonso, até tantas outras figuras maiores da «feira cultural laurentina» - Alberto de Lacerda, João da Fonseca Amaral, Craveirinha, Virgílio de Lemos, Glória de Sant’Anna…

Avultam ainda viagens sentimentais, leituras, pensamentos e influências que nos ajudarão a melhor interpretar os signos em volta. Tais marcas, fortíssimas, são aqui o pagamento de uma dívida de Eugénio Lisboa à cidade de Lourenço Marques. Quem não quererá ter uma dívida assim?

2013-12-13

OS LIVROS DE 2013: Eu sou uma antologia – 136 autores fictícios de Fernando Pessoa – Edição de Jerónimo Pizarro e Patricio Ferrari [Lisboa, Tinta-da-China, MMXIII (novembro)].


OS LIVROS DE 2013: Eu sou uma antologia – 136 autores fictícios de Fernando Pessoa – Edição de Jerónimo Pizarro e Patricio Ferrari [Lisboa, Tinta-da-China, MMXIII (novembro)].

É uma nova luz sobre Pessoa este olhar atento sobre a desmultiplicação. Partindo da perplexidade pessoana  de não saber quantas almas tinha, Pizarro e Ferrari, provando que a consistência não tem idade nem pátria, encaram a «escritura» com o rigor dos apaixonados – amar é afinal perder quaisquer transbordamentos e respeitar o que está como quem sabe o que está. Esta lição filológica vem muitas vezes de fora. Dentro, há um emaranhado de quintinhas que torna os autores estéreis e manobráveis. Integrando e excluindo, e sempre explicando, este trabalho é, sem dúvida, um lugar maior sobre a magnífica orquestração daquele que disse: «sejamos múltiplos, mas senhores da nossa multiplicidade».

Não ver esta antologia em Pessoa é não ver a literatura em 2013 servida sabiamente por quem sabe. O resto é Pessoa e os estilhaços calculados.

2013-11-16

«Montemuro» de Carlos Clara Gomes


Carlos Clara Gomes, Montemuro, «Resus», Viseu, Edições Esgotadas, 2013. Ilustração da capa de Wilfred Hildonen. Revisão do texto de Ana Maria Oliveira. Prefácio de Martim de Gouveia e Sousa.