É outono, cheira bem e até é possível que já vendam violetas no Carmo e castañas na Baixa.
O céu é mais cinzento e menos azul. A temperatura ambiente ainda é cálida. A linha do horizonte está mais perto. O Sol foi-se embora mais cedo. A terra adquiriu um tom avermelhado, assim como a linha do horizonte o rubro, que parece em chamas. Os campos menos férteis aguardam um novo ciclo, uma nova jornada.
As praias vão ficando sòzinhas, vazias de gente, muito mais belas na sua solidão. As gaivotas voam mais baixo buscando o alimento de cada dia, lentas, caprichosas, convencidas de que com essa envergadura o seu voo é firme, seguro, dando ao conjunto uma bela imagem de outono. Até os barcos pararam, como para contemplar tão sumptuoso quadro, um panorama típico da época mais desejada do ano, o outono!
As árvores, até agora engalanadas e belas, elegantemente vestidas de folhas adornando a ramagem, proporcionaram-nos a sombra tão desejada durante o Estio. Agora vão desprendendo-se delas dando passo à nudez, desprotegendo-as. permitindo que os raios de Sol penetrem através delas.
Pouco a pouco, uma a uma, até que acabam por cair todas, num lento, belo y sensual strip-tease, sem posibilidades de poder ocultar esse pudor que a mãe natureza possa-lhe despertar.
Caem lentamente, descrevendo um voo sinuoso, como o piloto mais experimentado, ou a ave que saboreia essa liberdade tão desejada, até deixar-se cair sobre a terra que lhe deu vida, suavemente, como querendo acariciarla; mesmo aos pés de quem a manteu cautiva, formando um manto de frondosa folhagem, um tapete espesso, o colchão da natureza.
Continuam cáindo folhas, notas de outono, como lágrimas vegetais, por um periodo mais , cumprindo um ciclo de vida, pois, quem sabe donde pode ir parar essa folha que da rama se sultou sem destino? Ao álbum dum coleccionador? Ou simplesmente para cumprir o fim biológico que a fez cair. Da terra saiu e à terra voltou para viver o seu outono.
O romantismo que forja o entorno, convida a uma longa caminhada entre a arvoreda, por esse túnel de braços cruzados e entrelaçados, que envolve o caminho.
O vento ao soprar entre esses braços erguidos, tão altos, tão fortes, mais livres e tão nus, ramagem solta ao vento, na busca dum infinito inalcançável, provoca um forte silvo, que tão só o outono o torna audível. Gemidos e murmúrios cruzam-se no caminho, até que um arrepio nos desperta desse encantamento, envolvendo-nos numa atmosfera de tristeza, melancolia e prazer que motiva o estado de ánimo do momento desse deambular.
Escurece, começa a arrefecer. Chove, as gotas já não se detem por breves momentos entre a folhagem, agora são açoitadas com forte chicotada pela fina ramagem. O outono é assim, tudo é mais directo, mais natural, por vezes duro. A folhagem caida, espessa almufada já sem vida, antes verde, depois seca, agora húmida, deixou traspasar o fluxo líquido para que notemos ese aroma inconfundível, tão entranhável e sublime, que nos aproxima à nossa origem e, nos permite perceber o cheiro a terra molhada.
O vinho já repousa nas pipas esperando o dia de São Martinho; entretanto bocas sedentas aguardam o momento para partir em busca desse manantial, desejosas de saborear-lo e deleitar-se com o seu aroma.
Castañas, vinho novo, magustos, música, alegria, corações ardentes que amam o que de bom e maravilhoso nos dá a mãe natureza no outono.
Será que nasci no outono? O certo é que para mim é a estação do ano na que melhor me encontro, com a que melhor me identifico, a que reune nessa relação ser humano natureza o binómio perfeito, logrando todos esses encantos que nos concede a vida no equinócio do outono, daí esta inspiração, provocada por este outono que uma vez mais me acercou ao momento e à terra, na que vim ao mundo para viver o MEU PRIMEIRO OUTONO.