24 de novembro de 2025

Este país não é para velhos. Nem para novos.

Das notícias:

Em Março passado havia, ocupando camas em hospitais, 832 pessoas a que tinha sido dada alta clínica e que aguardavam vaga para alojamento num lar. Algumas esperavam há mais de quatro anos.

Nós vivemos, desde o tempo da pátria una e indivisível, do Minho a Timor, à sombra de governos patrióticos que se sacrificam dia a dia para que nós, cidadãos, não tenhamos carências básicas e sejamos felizes. Do doutor António de Oliveira Salazar ao doutor Luís Esteves Montenegro, da casota na aldeia do Vimieiro ao casebre de seis pisos e elevador na Rua Oito.

Agora vocês acham que um governo, seja ele qual for, rural ou cosmopolita, que em quatro anos não é capaz de alojar um velho num lar adequado é capaz de contratar um médico para uma urgência hospitalar? Ou para o serviço nacional de saúde? Bem, então vocês também acreditam que o simpático e saudoso Clube de Futebol Os Belenenses, ali do Restelo, vai ganhar a Premier League este ano, tendo o Matateu como ponta de lança e o nosso D. Sebastião como ferveroso adepto na primeira fila da bancada.

Os governos, especialmente os patrióticos, pensam em grande, não perdem tempo com merdices. Viajam em avião próprio para a Amazónia, a salvar o planeta do bióxido de carbono que nos arranha a garganta quando bebemos Coca Cola. E aproveitam para dar um salto a Luanda para extirpar  o racismo da face da terra e prometer para amanhã mais contentores de lixo nas ruas, onde os pedintes e vadios possam vasculhar um resto de pão para enganar a puta da fome. Acompanhados das insispensáveis mordomias e das comitivas solidárias que couberem no avião. Os velhos? Ora, que se fodam!

11 de novembro de 2025

Angola, 50 anos

Angola celebra hoje, 11 de Novembro, cinquenta anos de independência. Uma independência tardia e atribulada. Tardia, desde logo, por culpa do país colonizador e, depois, da sua própria indefinição. Do país colonizador por força do estado novo e do seu dirigente máximo, o doutor António de Oliveira Salazar, cujo espírito mesquinho e curta visão não foi capaz de compreender os ventos da história que começaram a soprar com o termo da segunda guerra mundial. Da sua própria indefinição porque o 4 de Fevereiro de 1961 foi uma ação isolada, sem retaguarda e sem nenhuma organização que, de facto, a pudesse suportar. E o 15 de Março foi outro acto desencadeado noutra região, por gente diferente, que não deixava antever nenhuma luta organizada para além da chacina de populações brancas e angolanas de etnia umbundo.

Depois Portugal e o 25 de Abril de 1974 que, após quase cinquenta anos, apanhou no exílio, completamente desprevenidos, os opositores ao regime que se apressaram a regressar ao país e a ocupar o seu lugar na fila de espera de acesso às cadeiras do poder. De forma desordenada e desorganizada, exceptuando o pragmático PCP e o seu secretário-geral, doutor Álvaro Cunhal. Os militares, por si, que nunca pensaram que o regime pudesse cair com tamanha facilidade, não tinham nem preparação nem vocação política, viram-se com o país nos braços sem fazer a mínima ideia de como lhe calar a boca e acalmar os excessos. O fim da guerra colonial era um propósito a prazo, que protegesse a sua juventude da mobilização para as paragens de África, sem se ter a ideia de como e quando isso poderia ser feito.

Os movimentos de libertação das diversas colónias foram apanhados tão desprevenidos como os opositores ao regime, mas aproveitaram a oportunidade para pressionar as impreparadas autoridades portuguesas no sentido de reconhecerem o direito das colónias à autodeterminação e à independência. Todas as independências foram apressadamente agendadas para o ano de 1975, culminando com a de Angola, a 11 de Novembro. Em Angola, com o mesmo propósito e génese completamente distinta, havia três movimentos que combatiam o domínio português e se guerreavam entre si. Foi possível reuni-los à mesma mesa, para os acordos do Alvor, uma peça irrealista, abstrata e digna de um capítulo próprio nas peripécias de Astérix pela lusitânia. E tanto assim foi que, num ápice, o compromisso foi descartado, o governo de transição foi eliminado e os movimentos se lançaram numa guerra aberta perante a complacência e a passividade das autoridades portuguesas que, inclusivamente, deixaram ao abandono os colonos e as populações que pretenderam optar pela cidadania do país colonizador.

A 11 de Novembro de 1975 foram proclamadas três independências, em locais distintos, uma por cada movimento. Em Luanda, ao que consta sem a presença das autoridades portuguesas, o doutor Agostinho Neto proclamou a independência da República Popular de Angola sem que, sequer, Portugal a tivesse reconhecido de imediato. A jovem nação começou a ser inundada por um inimaginável arsenal bélico, de proveniência soviética ou sua aliada e por forças cubanas que ainda chegaram a tempo de suster as forças que marchavam sobre Luanda, quer a norte, quer a sul. Esta guerra fratricida, sempre à revelia e em nome do povo angolano, durou mais do que o dobro do tempo que durara a guerra de libertação e consumiu recursos, quer humanos, quer materiais que nunca se imaginara ser possível reunir. E acabou da única forma que se sabia ser possível, pela morte do líder de uma das partes e pelo aniquilamento militar do respetivo movimento.

Foi isto há mais de vinte anos e, desde aí, Angola é um país único e indivisível, de Cabinda ao Cunene, ignorado que seja o tratado de Simulambuco e as pretensões separatistas do enclave além do rio Zaire. Engenheiro de formação, José Eduardo dos Santos foi cognominado de arquiteto da paz, como se a paz pudesse ser um simples condomínio fechado em pleno Maiombe, no Soio, nas lagoas do Panguila, no planalto central do Huambo ou nas vastas terras do fim do mundo. Angola era antes e continua a ser um país imensamente rico em recursos naturais, que nem sequer interessa enumerar. A sua população, que em 1975 era inferior a seis, suplanta hoje os trinta milhões. Se à produção de petróleo fosse retirado um dólar, só um, por barril, não haveria em Angola quem morresse à fome, quem não tivesse abrigo, quem carecesse de assistência. E os que enriqueceram muito, os que são muito ricos, continuariam a ser exactamente isso: muito ricos.

E isso sim, isso faria de todos os governantes, de todos os dirigentes, de todos os responsáveis, de todas as zungueiras, verdadeiros arquitetos da paz e do desenvolvimento. É esse percurso que vos desejo a todos, quando celebrais os primeiros cinquenta anos de independência. Parabéns Angola, em meu nome e do meu sempre amigo José Sapalo, que já me faltava há cinquenta anos. E que nunca ouviu falar dipanda.

18 de outubro de 2025

18 de Ourubro

Outubro é o décimo mês do ano, o terceiro que começa com uma vogal, o único que se inicia com um ditongo. O mês que amanhece depois das vindimas, com os dias a encurtarem, até ao último fim de semana para que a hora mude, a caminho do solstício de Dezembro, em vésperas de Natal. O que me traz a insegura dúvida de sempre, a incerteza entre dois dias, sempre os mesmos, dezassete ou dezanove. Pois, nem um nem outro. Dezoito, que é hoje.

É sábado e é o teu dia. Alheio-me do tempo, cumpro a minha rotina. Entre as oito menos dez e as oito e dez cruzo e ponte do Freixo, para sul. Até à rotunda sul sei de cor todas as curvas, conheço todas as árvores, apercebo-me do seu rápido crescimento. Dentro dos limites do código da estrada, vou mais leve hoje, com uma ligeira excitação que me faz piscar os olhos sem noção disso. Na rotunda dos pastorinhos comprarei o jornal e tomarei café, depois descerei para a vila pela estrada de Alvega. E chegarei à mesma hora de sempre. Quase tão certo como um relógio suíço.

Faço o caminho sorrindo sozinho com o efeito inesperado da surpresa. A tua felicidade é o teu sorriso luminoso, com um ramo de flores pousado no regaço. Não dirás palavra, não farás comentários, a conversa será só nossa e ficará para mais tarde ou para o dia seguinte. Almoçaremos só os dois, ainda não sei onde. Mas talvez no fim queiras saber como terei descoberto a taberna para almoçarmos. De resto todo o tempo será pouco para ouvir as tuas histórias de vida, para aprender com elas, para saber como a humildade pode ser um caminho. Na Urtiga, à sombra de uma azinheira, com a serra estendendo-se à nossa frente. Uma estrada para uma felicidade simples e grata. No dia do teu centésimo décimo quarto aniversário. Hoje!

12 de outubro de 2025

Eleições autárquicas

Fui votar. Era meio dia. A afluência era bastante e as bichas de espera em frente às secções de voto cresciam. Mas quase tudo gente de meia idade para cima, bastante para cima. São eles, gente velha e sem emenda, que querem mudar o mundo. Os outros, os de meia idade para baixo, bastante para baixo, querem que o mundo vá para Vila Real de Trás-os-Montes, para a Avenida de Carvalho Araújo. Ora bem!

Calhou-me uma mesa só de anas, que não se meteram comigo, uma até me foi buscar um banco onde me pudesse sentar e continuar a refletir, aguardando pela minha vez. Deram-me três papeis de cores diferentes: um branco, um amarelo e outro verde. Para que, depois de feita a cruzinha, ou sem ter feito nenhuma ou de ter feito muitas, dobrasse cada um deles em quatro e os metesse nas caixas da cor correspondente. Reclamei, duplamente: ó menina, se são três papeis como é que os dobro em quatro? E como é que meto cada um na caixa da cor correspondente se for daltónico? Menina simpática, menina disponível para ajudar a dobrar os papeis e a escolher a caixa da cor certa. Não quer que lhe faça as cruzinhas no sítio certo, até tenho a caneta aqui à mão?

Muito obrigado menina, agradeço-lhe muito a atenção, como se me tivesse ajudado a calçar as meias, mas sou muito tradicional, sou muito à moda antiga. Nisto de canetas, cada um usa a sua, mesmo que não acerte no penico. Guarde a sua para mais tarde ou para melhor oportunidade. Assim por assim o presidente da câmara já vai para a reforma, tratar dos netos e gerir a magra pensão de subsistência, para saber o que custa a vida. Quanto ao resto, nem faço ideia de quem sejam os candidatos à assembleia de freguesia ou à assembleia municipal.

Tenham um bom dia e façam um bom trabalho. E ao almoço afinfem-lhe nas tripas à moda do Porto. No dia vinte e cinco já nos encontramos de novo, para eleição do regedor da segunda circular, a caminho da mouraria. Amén!

23 de setembro de 2025

O Estado da Palestina

Depois de grandes hesitações e adiamentos o governo do país acabou a reconhecer o estado da Palestina, pela voz frouxa e vacilante do ministro dos negócios estrangeiros, contrito como humilde Madalena arrependida. O primeiro ministro achou por bem demarcar-se da questão, resguardando-se a coberto do reposteiro puído de uma qualquer avença ou de um outro arranjinho qualquer, não fosse a exposição prejudicar-lhe a eleição para a junta de freguesia. Mesmo assim levantaram-se vozes contra, como a do ocupadíssimo ministro Melo, dedicado a tempo inteiro ao armamento da sua tropa fandanga e à tarefa ingente da patriótica reconquista de Olivença, há anos perdida sob domínio do maligno e porco castelhano, de onde não sopra nem bom vento nem se espera casamento limpo e próspero.

Por mim, que persisto na intenção de recolher informação e usar a razão, reafirmo a convicção de que o reconhecimento peca por tardio, muito tardio, depois de em 1947 a resolução das Nações Unidas ter aprovado a solução dos dois estados e de Israel, unilateralmente, ter proclamado a independência antes de terminado o mandato britânico sobre a região. E duvido do alcance efetivo da decisão em que, como se sabe, Portugal não avançou corajosamente, à margem da opinião fosse de quem fosse. Porque a decisão não irá, para mal da Palestina e da justiça que lhe é devida, além do simbolismo inútil e inconsequente.

Entretanto esta estrumeira a que chamam rede social, seja lá isso aquilo que for, e que não é mais que o pródigo esgoto que faz subir a conta bancária do senhor Zuckerberg, encheu-se desde logo do discurso de ódio, ignorante e grunho. De gente que, para lá dos títulos, nunca foi à escola e nunca leu um livro, apesar de dar aulas e escrever romances. Por isso, sem alterar nada e nem sequer ajustar a redação às circunstâncias, transcrevo, literalmente, uma publicação aqui feita em ápoca anterior. Pode ter alguma utilidade se atentarem nas disposições que lá se referem. Leiam-na, vão à procura dos instrumentos referidos, procurem-nos, informem-se. Não falem como papagaios. Não digam o que não sabem.

 

[9 de Dezembro de 2023]

Duas linhas sobre a Palestina

Antes de começar, deixem-me declarar que não compreendo e não aceito a violência como forma de resolução de qualquer diferendo, seja ele qual for. Se a isso entenderem chamar pacifismo, aceito o rótulo sem hesitação e sem reservas, de forma absoluta.

A 7 de Outubro passado o Hamas desencadeou uma operação de terror, de grande alcance, sobre territórios, pessoas e bens sob domínio de Israel. Matou, feriu, raptou, destruiu. A operação é obviamente condenável, sem considerandos e sem condições. Mais do que isso, reserva-se mesmo ao estado agredido o direito à defesa e à resposta. Embora possa todavia perguntar-se como foi possível planificar e executar uma acção de tal envergadura, nas barbas e sem conhecimento da inteligência israelita, considerada das mais capazes e eficientes do mundo.

Alguns dias depois o secretário-geral das Nações Unidas, o português António Guterres, apelou à contenção e afirmou que, apesar de tudo, tal acto de terror não nascera no vácuo. Não fosse o seu cargo e algum esvaziado prestígio que ainda se lhe associa e certamente ele teria sido sumariamente executado ao dobrar de uma esquina em ruinas. Assim Israel teve de limitar-se a exigir a sua demissão, a recusar vistos a funcionários daquela instituição e, por fim, a remeter-se ao silêncio sobre o assunto.

Todavia seria aconselhável que recuássemos um pouco no tempo e colhêssemos alguma informação sobre a Palestina. Por exemplo, ao fim da primeira guerra mundial e à entrega daquele território ao mandato britânico em 1922, pela Sociedade das Nações, percussora das Nações Unidas. E, depois disso, ao anúncio britânico, em 1947, de que abandonaria o território e deixaria às Nações Unidas a decisão sobre o seu futuro. E, ainda, à criação consequente, no mesmo ano, do Comité Especial das Nações Unidas para a Palestina. Este comité apresentou dois relatórios, um deles preservando a unidade territorial dotando Jerusalém de um estatuto especial e outro, que colheu maior número de apoios, defendendo a partilha em dois estados, um árabe e outro judeu.

É neste contexto que é aprovada, em 29 de Novembro de 1947, a resolução 181 das Nações Unidas, conhecida como Plano de Partição da Palestina, desenhado no abrigo dos gabinetes, sobre a mesa de negociações, ao arrepio das populações residentes e interessadas e que viria a ter os resultados catastróficos que ainda hoje persistem sem fim à vista. No meio de uma guerra não declarada, ainda sob o mandato britânico, a poucas horas do fim deste, em 14 de Maio de 1948, é autoproclamado o estado de Israel e, em consequência, uma grande parte da população palestiniana é expulsa de suas casas e passa ao regime de refugiada.

Em Dezembro de 1948, em contexto de guerra israelo-árabe, é aprovada nova resolução, estabelecendo o direito de retorno dos refugiados palestinianos e as Nações Unidas virão a encarregar-se da supervisão dos diversos acordos do armistício entre Israel e a Jordânia. Síria, Líbano e Egipto.

Em 1967, no seguimento da chamada guerra dos seis dias, é aprovada a resolução 242 estabelecendo a inadmissibilidade de aquisição de território em resultado da guerra e estabelecendo a obrigatoriedade da retirada de Israel dos territórios ocupados, não cumprida até aos dias de hoje, embora estes princípios tenham sido reforçados em 1973, através da resolução 338.

Em 1977 a Assembleia Geral das Nações Unidas, reconhecendo a ocupação da Palestina por Israel e o direito do povo palestino à autodeterminação, recomenda o dia 29 de Novembro como o Dia Internacional de Solidariedade com o Povo Palestino. Em 1988 o Conselho Nacional Palestino aprova em Argel a declaração de independência da Palestina, aceitando implicitamente o estado de Israel e a partilha do território em dois estados. Em 1993 os acordos de Oslo permitiram uma breve nesga de esperança que rapidamente se desvaneceu.

Agora, no seguimento dos acontecimentos de 7 de Outubro, que se devem condenar frontalmente e sem subterfúgios, deve também reconhecer-se a Israel o direito de se defender. Devendo contudo entender-se que esse direito não pode compreender rechaçar o agressor, persegui-lo, invadir-lhe a casa, matar-lhe a família e os vizinhos, destruir-lhe a habitação e privá-lo dos mais básicos direitos de subsistência e de dignidade. Ou seja, extinguir-lhe a raça, expurgá-la da superfície do planeta. Ontem a civilização humana foi afundada de todo nas Nações Unidas, não a sempre invocada civilização ocidental, mas a civilização em sentido lato, decorrente de toda a evolução da espécie, desde o australopithecus. Com o seu incompreensível e inaceitável direito de veto os Estados Unidos da América associaram-se ao mais evidente crime contra a humanidade: o genocídio do povo palestino.