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quarta-feira, 26 de março de 2025

Das Eleições: Regionais e Nacionais


Por
Henrique Sampaio
Funchal Notícias

1.Tendo em conta as duas sondagens que foram conhecidas a escassos dias do acto eleitoral, percebeu-se logo que a grande questão, a incógnita, era saber se o partido mexicano local obteria ou não maioria absoluta.



Numa terra com as características da Região, nada já constitui surpresa. A rede tentacular montada há 49 longos anos e uma sociedade marcadamente conservadora e subserviente, só ruirá quando ocorrer um cataclismo. Foi isso que sucedeu em 2013, quando, nas eleições autárquicas desse ano, o polvo laranja só resistiu em 4 das 11 câmaras municipais. Tudo porque, na sequência da aplicação do famigerado PAEF (Plano de Ajustamento Económico e Financeiro), os madeirenses e portosantenses viram as suas condições de vida e de trabalho serem fortemente degradadas. Foi, de resto, essa conjuntura que levou o auto-intitulado “único importante” a sair de cena. Consciente de que, a manter-se no poder, nas eleições desse ano de 2915, muito provavelmente, e na melhor das hipóteses, não garantiria a maioria absoluta e teria de negociar, o que como é sabido não faz parte do seu adn político caudilhista.

Entretanto, nas eleições regionais seguintes, de 2019, o maior partido da oposição, o PS, convenceu-se de que chegara a sua hora. À pressa, substituiu o então líder, Carlos Pereira, e foi buscar à autarquia funchalense, o seu messias, Paulo Cafôfo. O desfecho é por demais conhecido: não só não ganhou essas eleições como, dois anos depois, perdeu a principal autarquia local. E, de seguida, Cafôfo foi de ziguezague em ziguezague. Demitiu-se da liderança partidária e anunciou o regresso ao ensino, para, escassos meses volvidos, embarcar para o palácio das Necessidades, e daí, de novo, para a chefia do partido. Um autêntico saltimbanco.

E, se dúvidas houvesse, sobre a existência de um eventual efeito Cafôfo, os resultados das eleições de Maio passado revelaram que o mesmo já se desfizera. Daí que insistir na sua candidatura (passados dez meses) e esperar por um desfecho diferente, por uma espécie de milagre das rosas, era, como se veio a comprovar, manifestamente utópico e suicidário. Com efeito, conseguiu a proeza de ser ultrapassado pelo JPP, como 2ª força política com representação parlamentar. Repetiu-se, aliás, o que já sucedera nas referidas eleições de 2015, na ocasião com o CDS, numa candidatura protagonizada, registe-se, pelo “apparatchik” que reclama o mérito de ter sido o patrono de Paulo Cafôfo.

Devo confessar que não sei se o PS-M tem conserto (lá diz o ditado, o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita). Agora, não tenho dúvidas que para ganhar credibilidade política urge romper com a clique instalada em redor da actual liderança. Ou seja, são precisos novos protagonistas, o que significa deixar de dar palco a gentinha há demasiado tempo instalada, até porque também fazem parte dos perdedores, para já não falar de personagens inenarráveis, como o ex-autarca de Água de Pena que continua como par(a)lamentar! Uma urgência que não pode esperar, na medida em que a actual liderança não dispõe de quaisquer condições políticas para conduzir os processos eleitorais que se avizinham. Tornou-se, aliás, factor de chacota. Ontem mesmo, no seu blogue (“Duas ou três coisas”), o embaixador Francisco Seixas da Costa escrevia: “O cabeça de lista do PS pela Madeira teve a sua 10ª derrota. Perder 10 vezes não é uma coisa por aí além; bem pior seria 20 vezes, não é? E assim até pode entrar no Guiness! Mas ao PS nunca ocorreu tentar outro nome? É uma ideia «fora da caixa», eu sei!, mas pensem nela!”.

Por outro lado, e ao contrário do que muita gente alega, também não me surpreendo por Miguel Albuquerque, apesar de constituído arguido, ter voltado a ganhar as eleições, ficando à beira da maioria absoluta. Para os mais distraídos ou esquecidos, recordo que, em 2010, Isaltino Morais foi condenado a dois anos de prisão por fraude fiscal e branqueamento de capitais (a célebre conta na Suíça), e, liberto da prisão, candidatou-se de novo à Câmara Municipal de Oeiras, tendo voltado a ganhar as eleições, com maioria absoluta. No entendimento da denominada vox populi, a explicação sustentar-se-á numa espécie de argumento: “rouba, mas faz”. E não deixa de ser sintomático que, tendo o líder nacional do PSD à época, Marques Mendes, lhe retirado a confiança política, o mesmo se prepare para recandidatar-se à referida autarquia, contando desta feita com o apoio do mesmo PSD.

Voltando à temática regional, não restem dúvidas de que, tal como no passado, o CDS disponibilizar-se-á para garantir as condições de estabilidade governativa, muito provavelmente com a moeda de troca já conhecida: a presidência do parlamento. Por muitas declarações solenes que faça o seu líder é esse o objectivo que o move, pouco se importando em saber se no futuro próximo o CDS desaparecerá do mapa eleitoral. E, já agora, que também não subsistam quaisquer dúvidas: um partido, como o PPD/PSD, em que, para evitar a perda do poder, todos os meios são lícitos, se o resultado eleitoral tivesse sido outro, seria, se necessário, encontrada uma solução, nem que fosse preciso afastar o actual líder, se, entretanto, falhassem as possibilidades de entendimento com outros partidos, com base na presente liderança. No plano nacional, a avaliar pela mais recente sondagem divulgada pelo semanário Expresso (edição da passada sexta-feira, dia 20 do mês em curso), as questões de natureza ética que envolvem o primeiro-ministro, Luís Montenegro poderão não ser determinantes no desfecho do resultado das eleições legislativas nacionais antecipadas de 18 de Maio próximo.
 
Umas eleições que, ao contrário das regionais, foram precipitadas pelo próprio Luís Montenegro que preferiu submeter-se a novo sufrágio, em lugar de dar explicações em sede parlamentar.

Desengane-se, porém, quem pense que a questão ética se resolve nas urnas. Quem assim procede está a ajudar a disseminar ainda mais o populismo que se foi instalando, também, entre nós.

O que, certamente, estará a deixar deveras satisfeito o novo D. Sebastião, o almirante Henrique Gouveia e Melo. Que vem sendo apresentado como uma espécie de regenerador da Pátria. E, ou muito me engano, ou mais tarde ou mais cedo, haveremos de o ver a abençoar a criação de um novo partido, tentando reeditar o que Ramalho Eanes não conseguiu com o PRD, esperançado naturalmente noutro resultado.

Em todo o caso, em nada favorecerá esse desiderato, ver pela enésima vez a gritar contra o sistema, uma figura como AJJ que personifica ele próprio esse mesmo sistema, a que, de resto, atribuiu a designação de “máfia no bom sentido”!

Num ano, em que o calendário já contemplava eleições autárquicas e presidenciais no início do próximo, impor aos portugueses uma outra ida às urnas não abona a favor da tão reclamada estabilidade governativa, até porque nada garante que o actual cenário parlamentar se venha a alterar significativamente. Montenegro e o PSD devem ter concluído que fazê-lo agora configura menos riscos eleitorais do que tal suceder no próximo ano, na sequência de uma provável rejeição do Orçamento de Estado. Entenderão que o dinheiro que foram distribuindo por diferentes sectores profissionais (professores, médicos, forças policiais, oficiais de justiça, etc.) terá um efeito favorável no eleitorado. Poderão é estar simultaneamente a desvalorizar os graves problemas, por exemplo, no acesso à saúde que prometeram solucionar em dois meses e que, longe de melhorar, se agravaram, e a bomba relógio que constitui o sector da habitação com os dramas subjacentes que comporta. Sem esquecer todo o noticiário que, como se tem constatado, irá continuar a vir a público em torno da empresa Spinumviva.

*por opção, o presente texto foi escrito de acordo com a antiga ortografia.

Post-Scriptum: 
1) Esclarecimento: Em 2015, no rescaldo das eleições regionais desse ano, comuniquei ao secretário-geral do PS, António Costa, as razões que me levavam a abandonar a filiação partidária. Poderia tê-lo feito publicamente, mas remeti-me ao silêncio. A leitura que expresso no presente texto, está amadurecida há largo tempo. Se não a transmiti antes, fui apenas para não ser acusado de ter contribuído para o descalabro eleitoral de domingo passado.

2) Gaza: Israel continua impunemente a praticar em território palestiniano crimes de guerra, que configuram comportamentos próprios de um estado pária. É preciso pôr fim a esta barbárie!

segunda-feira, 24 de março de 2025

Enquanto assim for...


Não me recordo a data, tampouco se apresentei este acetato numa "Comissão Permanente" ou no decorrer de uma reunião do "Secretariado". Tenho presente que aconteceu há uns treze para catorze anos. Para ser perceptível e rápido junto dos pares, utilizei a matriz SWOT, uma ferramenta para caracterizar os ambientes interno e externo, neste caso, do partido. Fui encontrar este documento junto de um outro com uma frase de Péricles (495/429 aC): "O que eu temo não é a estratégia do inimigo, mas os nossos próprios erros".


Com as devidas correcções em função do tempo que estamos a viver, a matriz, então elaborada, parece-me, que  continua, no essencial, verdadeira. Em alguns casos bem pior, com o subtil afastamento de pessoas e a integração ou manutenção de outras sem reconhecimento nem político nem social. 

Sempre parti do pressuposto que há um tempo para estar e um tempo para sair. Eu tive o meu tempo, certamente cometendo erros, e saí. Outros também o fizeram. Nem para "senadores" serviram e o resultado foi o que se viu. 

Preocupante, porque a Democracia precisa de respirar.

Mas, enquanto assim for...

domingo, 16 de março de 2025

Farto de eleições? Não esteja!


Por
Fátima Ascensão
Dnotícias

Por cá e por lá, estamos mergulhados numa crise política. Podemos ter a tentação de considerar que se deveria deixar governar o partido que está no poder. Porém, é preciso ter em consideração as razões pelas quais estão a ser convocadas eleições.



São questões de conflitos de interesses e de dúvidas sobre a boa governação e gestão de dinheiros públicos. Não é uma questão de somenos. Por cá, Albuquerque está a ser investigado e metade dos Secretários Regionais foram constituídos arguidos. Montenegro contou uma história às pinguinhas que não convence e a sua idoneidade foi posta em causa para o exercício das funções como Primeiro-Ministro.

Casos de fortuna após o exercício de cargos governativos exigem escrutínio. O dinheiro não cai do céu. Custa-nos muito descontar o que descontamos no final do mês. Faz-nos falta esse dinheiro. Não brinquem conosco. O dinheiro público tem de ser usado de forma séria.

Não é aceitável a teoria de que só é um bom político quem fica rico após o poder. Se tem “ganhos extraordinários” tem de explicar como conseguiu o dinheiro. Os políticos respondem pela boa gestão pública.

É verdade que outros partidos também tiveram historial de má governação e houve líderes que só pensavam no seu umbigo. Mas, onde estão esses líderes agora? Afastados!

E qual a estratégia do PSD, nacional e regional? Reconduzir os causadores da instabilidade. Na minha opinião, um erro. O que demonstra esta recondução? Provavelmente que se tomou de “assalto” o partido para chegar ao poder. Com que objetivo? Bem comum ou benefício próprio? Sá Carneiro deve estar bem desiludido com o seu PSD. Não é, definitivamente, o partido que ajudou a criar.


A experiência regional já demonstrou quais os partidos que têm “apetência” para fazer acordos de governação com o PSD. No próximo domingo, temos a oportunidade de avaliar o trabalho realizado por todos os partidos que se aproximaram do PSD. Estão satisfeitos com a oposição realizada? Foi mesmo oposição, andaram a engonhar ou a jogar areia para os olhos?

A questão que se coloca nestas eleições regionais é simplesmente esta: Acredita em Miguel Albuquerque, mesmo com tudo o que tem acontecido, ou prefere uma outra solução? Porque quem vota no PSD-Madeira nas eleições do próximo domingo sabe que está a votar pela manutenção de Miguel Albuquerque como Presidente do Governo Regional da Madeira.

Os partidos que ficarem na oposição, se são contra a liderança de Miguel Albuquerque, vão fazer acordo com o PSD-Madeira? Na última semana, o líder nacional da Iniciativa Liberal afirmou ponderar um acordo com PSD-Madeira desde que não seja Miguel Albuquerque quem governe. E os outros que já fizeram acordo?

Não tenham a inocência de pensar que não indo votar, anular o voto, ou votar em branco vão conseguir ter qualquer impacto sobre a situação política.

Se está descontente, a melhor solução é escolher um partido da lista dos partidos que vão a jogo. Só faz a diferença quem vai votar e escolhe o partido que considera o melhor, ou então o mal menor entre todos à escolha.

sábado, 15 de março de 2025

E assim se passaram 49 anos!


Quase cinco décadas a escutar o mesmo vinil, as mesmas faixas, os mesmos temas e sons, os mesmos artistas, às vezes, em novos lançamentos com breves variações à guitarra e à viola, parece-me extremamente cansativo. A agulha há muito que riscou o disco!



Respeito quem goste, mas não faz o meu jeito de estar na vida. Aprecio a liberdade e rejeito amarras sejam elas quais forem; sempre me dei bem com o pensamento livre, colocando na borda do prato, na esteira de Régio, o convite dos que dizem, com olhos doces, "vem por aqui"; prezo o respeito pela democracia, intensamente vivida em toda a sua extensão, e distancio-me da ausência de rigor, dos subterfúgios, da mentira dita com tez de seriedade; não sinto qualquer atracção pela "moral de rebanho", sobre a qual falou Friedrich Nietzsche no quadro do mundo político.

A vida, a vivência e a convivência ensinaram-me isso. Colocaram-me nesse patamar. Voto em princípios e valores que estão para além das pessoas que encarnam a oferta política. Sempre com a noção que até posso vir a me sentir defraudado, porém, com a plena convicção que posso corrigir na próxima ronda.

O que detesto é observar que a cor, há 49 anos, seja mais importante que os princípios, valores e críticas abundantemente feitas, mesmo que em surdina. Sei da teia subtil e pacientemente engendrada, sei das cumplicidades, dos interesses, por ínfimos que sejam, conheço a lógica do cesto de cerejas, mas não me conformo que se reduza a democracia a um sentido obrigatório, quando são variados os pratos do menu.
Mais, o acto de votar devia ser obrigatório e sujeito a penalização. Se todos nós usufruímos de uma mancheia de direitos que o exercício da política nos concede, também temos o dever de participar, expressando o sentimento daquilo que consideramos ser, nesta conjuntura, o melhor para o país ou para a região.

Por isso, votem!

Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 13 de março de 2025

Em busca de terras raras num ambiente incivilizado cada vez menos raro


Por

Neste contexto, todas as economias mundiais têm uma forte ligação umbilical à China neste domínio e, concordemos, a China tem em suas mãos um grande trunfo que certamente vai/está a utilizar em sua causa.



As cenas da Sala Oval (28/02/2025), onde o contrato de exploração das Terras Raras e outros recursos naturais ia ser assinado pela Ucrânia e EUA, mereciam entrar numa película cinematográfica de Faroeste, de há alguns anos a esta parte. Faltaram as pistolas. Mas o esbracejar das personagens, as carrancas, os gestos corporais substituíam bem essa falha e imaginando uns empurrões que andaram bem por perto, nem pistolas eram necessárias e, assim, ficava criado o cenário perfeito para um Western americano moderno. Serão estes os sinais dos novos tempos?! Uma perda de qualidade face aos clássicos filmes de cowboys, mas é o que temos agora.

Entrando nas Terras Raras

Uma nota. A designação de Terras Raras não decorre de não existirem em vários locais do Planeta, mas de outras duas/três razões: não existem em estado puro na natureza, mas ligadas a muitos outros materiais e, assim, para as obter, é preciso um desmonte de “montanhas” de pedra e outros aglomerados; segundo, para separar “as gramas” de metais de terras raras são precisas tecnologias de alto teor de sofisticação, de difícil domínio, que a China levou tempo a aperfeiçoar; terceiro, não há (por enquanto) alternativas ao uso destes metais extraídos de Terras Raras que se apresentam como fundamentais para as indústrias de ponta do século XXI.

Sobre as Terras Raras, fala-se muito e pouco se diz e, por vezes, esse pouco distorcendo a realidade. Estatísticas existem. Sobre as tecnologias também muito está escrito por cientistas de qualidade científica comprovada. Sobre a história da situação presente, já menos se sabe, mas os EUA são os principais responsáveis ao empurrarem para a China a poluição e a “fábrica” do Mundo, quando as relações eram amigáveis, e que esta soube aproveitar bem no processo da sua industrialização.

A China, concordam os especialistas, tem um avanço muito difícil de igualar ou ultrapassar por outro país que pretenda apostar em sector tão determinante, por múltiplas razões ligadas à produção, ao domínio tecnológico ao longo de toda a cadeia produtiva (mineração, transformação e refinação, sobretudo estas últimas) e à contratualização na exploração dos metais de Terras Raras, porque as empresas chinesas são conhecidas por não imporem condicionalidades políticas ou valores contrários aos usos e costumes tradicionais das regiões onde operam, nomeadamente em África.

Ora, esta situação que levou tempo a consolidar-se é, de algum tempo a esta parte, um dado adquirido. Assim, para um potencial concorrente que tenha de fazer este percurso – dominar as tecnologias e oferecer melhores condições de comercialização – torna-se uma tarefa de extrema dificuldade como referem os investigadores da matéria.

A China, um actor decisivo a nível mundial

Ao dirigente chinês Deng Xiaoping, o Homem que esteve na origem da mudança estratégica de abertura da economia chinesa (1978), é atribuída uma frase marcante: o Médio Oriente dispõe de petróleo e a China de metais de Terras Raras.

O panorama mundial das Terras Raras é sensivelmente este: a China produz cerca de 60% das Terras Raras (17 metais) a nível mundial e transforma e refina cerca de 80% do seu total, tornando-se o actor decisivo das cadeias de fornecimento destes metais.

Se a esta situação se juntar os BRICS+ de que a China faz parte, o panorama complica-se com países como a Indonésia, rica em alguns destes 17 produtos, elevando a quota mundial acima dos 90%. É obra em sector tão determinante para as indústrias de futuro. Neste contexto, todas as economias mundiais têm uma forte ligação umbilical à China neste domínio e, concordemos, a China tem em suas mãos um grande trunfo que certamente vai/está a utilizar em sua causa.

E sabendo-se que não há fabricação de componentes electrónicos, não há investigação e equipamentos médicos, não há equipamentos militares sofisticados, não há centrais solares e eólicas, nem IA, isto é, na prática, poucas soluções técnicas escapam às Terras Raras, esta realidade torna-se um sufoco, sem um grande entendimento de fundo entre os países. Aqui temos uma área em que é fundamental uma diplomacia muito oleada a funcionar com todas as pinças, o que nem sempre acontece e as grandes tensões políticas EUA/China não facilitam. Pormenorizando um pouco, temos os EUA dependentes das importações da China em cerca de 80% e a UE numa percentagem mais elevada (90%).

Esta situação tem levado as administrações americanas e outras que apostam em muitos destes novos sectores de alta tecnologia a procurar fontes alternativas de Terras Raras e de outros metais críticos, para sair desta dependência chinesa.

As soluções não se apresentam fáceis. Há uns anos largos, o Ocidente apercebeu-se do “entalanço” e começou com algum cuidado a procurar formas de remedeio.

Trump com a forma tão “impetuosa” de agir que já se lhe conhecesse, queria “comprar” a Gronelândia, transformar o Canadá no 51º estado americano, porque também tem por lá uns quantos metais críticos e apercebeu-se que a Ucrânia dispõe de algum interesse, como se verá a seguir, e Zelensky entrou no jogo, esquecendo-se que tinha um compromisso com a União Europeia, segundo um relatório da Comissão publicado em Janeiro de 2025. Não se percebe como tudo isto foi sendo esquecido. Pelo menos, não percebo e não ouvi ninguém falar do assunto. Há aqui algo escondido que soa muito a falso.

As potencialidades da Ucrânia (revista « Conflits »de 26 de Fevereiro de 2025)

Segundo o Instituto das matérias-primas da UE, a Ucrânia detém cerca de 7% das reservas mundiais de grafite, essencial para a fabricação de baterias. O lítio, o “ouro branco” da transição energética, é presente em quantidades notáveis nomeadamente em Donetsk e Dnipropetrovsk. Segundo a Reuters, a Ucrânia dispõe igualmente de 20% das reservas europeias de titânio, crucial para a aeroespacial e indústria militar e de Zircónio utilizado nos reactores nucleares. As Terras Raras, indispensáveis aos semicondutores e equipamentos militares, são concentradas em Kramatorsk e Marioupol. O Instituto Geológico americano estima que a Ucrânia poderia transformar-se num fornecedor importante para a Europa (?).

Só olhando para os nomes dos locais, infere-se que grande parte dos metais (50%) se situam em zonas sob o domínio da Rússia, outro problema adicional para a contratualização.

Resumindo, sem entrar no domínio da política de como estancar a guerra, talvez fosse um bom caminho começar por um entendimento sobre as terras raras e outros recursos, mas certamente mais actores teriam de entrar no circuito. Constou que a Rússia estaria aberta a negociar com os EUA, mas num plano de igualdade, o que não parece ser o caso da Ucrânia e, no caso da Rússia, certamente com a vantagem de poder recorrer ao apoio da China no domínio das tecnologias.

A situação apresenta-se bem complexa. Sem negociações a três ou a quatro, em separado, porque as condições são diferentes, dificilmente haverá caminho para o entendimento e uma contratualização bem sedimentada.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

sábado, 1 de março de 2025

A vergonha em directo

 

Já foi tudo dito. Portanto, uma única palavra me ocorre: vergonha. Estou certo que milhões de americanos terão o mesmo sentimento, depois daquela palhaçada trumpista. Tudo leva a crer que aquilo que se passou na Sala Oval foi encenado. Intencionalmente pensado. Um encontro àquele nível, em circunstância alguma face às delicadas matérias em negociação, é aberto à comunicação social. Depois, naquelas circunstâncias, não é ao vice-presidente que compete enquadrar e defender seja o que for e da forma como o fez, dando o mote para que Trump vociferasse da forma tão abstrusa. 



O Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, suportou, estoicamente, aquele inqualificável ataque de dois homens, estes sim, impreparados para o exercício das suas funções de moderadores e diplomatas. Putin invadiu e conquistou espaços territoriais; Trump quer espaços territoriais geradores de riqueza. Qual deles o melhor? Entretanto, milhões sofrem e uma nação é espezinhada.

Assisti a uma peça entre dois palhaços de gravata e um Senhor que deseja a paz, mas não a qualquer preço. Porque há princípios, porque muitos milhões já morreram e, sobretudo, porque está em causa o equilíbrio num mundo em crescente ebulição.

Ilustração: Google Imagens.


 

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Inteligência Artificial: EUA vs. UE


Por
Economista

Persiste uma questão após a Cimeira Mundial de IA: estarão os Estados inclinados para apoiar uma IA onde contam e dominam os negócios das ‘Big Techs’, ou para uma IA entendida como valor público?



Quase sempre, cada um é levado a fazer aquilo em que se viciou. Só que, em muitos casos, não sair da rotina dominante em que se caiu, cria fortes obstáculos aos fins que se pretendem.

A União Europeia envereda insistentemente na regulamentação. É reconhecido esse seu pendor. Há quem afirme que, no seu ADN, funciona “a mente” de um chip “frenesim regulatório”, varrendo tudo em que toca para a burocratização. O melhor produto de Bruxelas é tóxico, burocratiza/emperra a vida de todos, empresas, estados, famílias. Tudo.

Ursula von der Leyen, na sua “bússola da competitividade”, parece ter despertado para esta malévola tendência do “frenesim regulatório”. Disse, então, que vai mesmo desburocratizar tudo e depressa, mas ao anunciá-lo caiu logo na armadilha, ao apontar caminhos ínvios, a criação de um leque de estruturas completamente inúteis para a finalidade de tornar uma União Europeia competitiva. Muito melhor seria, por exemplo, ter dito que iria pensar em como transformar a DG Concorrência numa entidade de apoio e não de bloqueio enviesado ao funcionamento eficaz da UE.

Está difícil à UE romper com esta teia em que se envolveu. Agora, inventou em parceria com Macron uma outra simulação para os problemas. “Retiros e Cimeiras” para tudo. E, daí, o que tem vindo ao mundo?! Conclusões úteis, poucas ou nenhumas, indefinições e divisões, muitas.

Inteligência Artificial

Na Inteligência Artificial (IA), os primeiros passos da União Europeia foram logo canalizados para a legislação, quando a União Europeia tinha ainda uma posição insignificante no Ecossistema da IA. Um ou outro país europeu, talvez com algum relevo a França, já ia aparecendo em alguns domínios da IA, mas em muito menor grau do que se passava nos EUA e na China, mas a União Europeia em si, pouco ou nada fizera e, quando “desperta”, empurra-se logo para a regulação que elegeu como sua prioridade.

Promover uma estratégia, pensar e implementar, de forma dinâmica, a cooperação entre laboratórios de investigação e empresas de diferentes países-membros pouco mereceu ou tem merecido a atenção da Comissão Europeia. Escusado é dizer que China e EUA discordam da UE nesta abordagem. E com razão dizem ser a legislação apertada, como defende a UE, um verdadeiro freio à evolução da IA.

Com Trump, sem dúvida, a situação acelera-se e o desígnio é dominar tecnologicamente o mundo da IA em que, de facto, os EUA estão na frente. Consolidar essa posição será o grande desígnio de Trump.

E, assim, em 21 de Janeiro, no dia seguinte à sua tomada de posse, lança o programa “Startgate”, a quatro anos, num montante de 500 mil milhões de dólares com o apoio de alguns grandes players do sector (OpenAI, Oracle, …) para disputar o mercado mundial que disputa 35% da capitalização bolsista, à frente de sectores como a energia e a banca.

Os EUA, com uma posição já confortável com Biden, querem consolidar e manter-se pioneiro como aconteceu com a OpenAI.

Só que a Start-up chinesa, DeepSeek, veio abalar o mercado, no final de Janeiro com o seu Chatbolt R1, provocando um tombo bolsista de gigantes tecnológicos americanos, como a Nvídia que, segundo alguns analistas, se encontra em situação complexa de sobrevivência.

A Start-up DeepSeek veio abalar a confiança dos grandes grupos tecnológicos americanos de IA pois com muito menos custos de investimento – seis milhões de dólares (contra cinco mil milhões da OpenAI/ano) – apresentou um produto similar aos existentes e com menos gastos de consumo de energia, outra área que está a exigir grandes cuidados e decisões, por exemplo, alguns grupos tecnológicos a fazer joint-ventures com produtores de energia nuclear para responder às necessidades previsíveis de consumo.

A dúvida está latente. Porque se gasta tanto, quando outros fazem igual ou parecido com muito menos Investimento e com menos consumo de energia?! Esta situação questiona a aposta no programa de Trump, (não será preciso repensar tudo?!) e aos grupos tecnológicos se não terão de corrigir os caminhos traçados.

Elon Musk até se mostrou perplexo com o programa anunciado e logo apareceram as vozes a clamar desentendimento! Pouco tempo depois, aparece com o Grok3, um software, última versão do seu robot conversacional, desenvolvido pela sua empresa de IA, para competir com o ChatGPT e o DeepSeek, anunciando que se trata da “IA mais inteligente da Terra”.

A Europa tenta algo…

A Europa tinha de responder e então Macron, agora numa roda-viva de promotor de “Cimeiras e Retiros”, nem sempre se percebendo como se substitui ou sobrepõe tão facilmente à UE, promoveu, em Paris, nos dias 10 e 11 de Janeiro, no Grand Palais, a II Cimeira Mundial de IA, com a presença de Chefes de Estado, Dirigentes de organizações internacionais, Peritos e Representantes da sociedade civil.

A Cimeira, coordenada pela França e Índia, apontou uma série de princípios genéricos interessantes. Para Macron, a Cimeira vai servir para “ressincronizar” a Europa com a China e EUA, garantindo que a regulação não vai sufocar o crescimento do sector na Europa. Parece ter percebido a mensagem dos adversários.

A Comissão Europeia, pela voz de Ursula von der Leyen, aproveita para anunciar no segundo dia da Cimeira que a União Europeia vai investir 200 mil milhões de euros de Investimentos em IA, saindo 50 mil milhões de fundos comunitários e sendo 20 000 milhões aplicados em centros de dados com equipamento mais avançado que os actuais, que, segundo a Comissão, é necessário para permitir o “desenvolvimento colaborativo” dos modelos de IA mais complexos.

Este anúncio segundo a comunicação social que cobriu o evento vem na sequência do de Macron que, no Domingo antes, apresentara um “plano de investimentos de 109 mil milhões de euros para projetos de IA em França, nos próximos anos”.

A Cimeira foi bem participada, Ursula von der Leyen passou a sua mensagem tentando “rivalizar” com Trump, mas sem um programa muito objectivo. A Cimeira culmina com uma declaração, assinada por 60 países, entre eles a China, mas sem a concordância dos EUA e Reino Unido.

Seis são as principais conclusões da Declaração: reduzir as divisões digitais; garantir a acessibilidade; impulsionar o desenvolvimento sustentável; fomentar a inovação; reforçar a governação global; assegurar que a IA contribua positivamente para o futuro do trabalho. Cada conclusão é um mundo com muitas leituras, algumas contraditórias.

Mas, de cada um desses “mundos”, não consegui retirar resposta clara para a grande questão: os participantes na Cimeira e, sobretudo os Estados, estão inclinados para apoiar uma IA onde contam e dominam os negócios das Big Techs, ou para uma IA entendida como valor público, orientada para o desenvolvimento tecnológico ao serviço da economia e da governação dos países.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Com eleições à porta...

 

Nos 50 anos de Abril, depois de uma árdua luta pela Democracia e pela Autonomia, infelizmente, tropeço a cada passo com situações causadoras de espanto pelo ridículo político que transportam. Nos últimos dias dei conta de dois momentos, do meu ponto de vista, absolutamente infelizes. Refiro-me ao Senhor Presidente do Governo, de binóculo, orientado para a frente marítima de Santa Cruz, a tentar ver as casas construídas pela respectiva Câmara; depois, aquela historieta do "Spaghetti alla puttanesca" (como diria o Herman: que mal que isto me soa), com jaleca de chefe, desenquadrada de um passado ao jeito, entre outros, do hobby da jornalista Clara de Sousa. 

 


Das duas uma: em termos políticos, sendo este um momento muito sério e delicado da vida de todos nós, ou há uma total ausência de criatividade no sentido de dizer aos eleitores, de uma forma frontal e explícita, o porquê da sua candidatura, ou está a partir do pressuposto que esta campanha "para quem é bacalhau basta", isto é, qualquer coisa serve, não sendo necessária qualquer qualidade na proposta política.

Aliás, em toda a intervenção política (ou não) quem a faz tem de ter presente as várias leituras possíveis, como quem vê o outro lado das coisas. Aquela dos binóculos possibilita um vasto leque de interpretações contra o próprio. Independentemente das palavras ditas e do contexto, sem precisar de fechar os olhos, passaram-me pela frente tantas situações, umas mais sérias, outras com tendencial humor corrosivo que dispenso aqui referir. Quanto ao "spaghetti", com toda a certeza muitos eleitores terão pensado na "puttanesca" de vida que levam e que as estatísticas oficiais confirmam. 

A minha perplexidade e tristeza advém do facto de, 50 anos depois, ainda andarmos a conviver com situações que exprimem ausência de qualidade e rigor que nada ajudam na emancipação e consolidação da Democracia e da própria Autonomia. 

"Chef" Miguel o exercício da política exige "olhares" muito para além da "massa".

Ilustração: Google Imagens.

domingo, 16 de fevereiro de 2025

A Comissão Europeia sob o fogo de mais um escândalo

 

Por


Falta à Bússola da Comissão Europeia um novo modelo de desenvolvimento da economia e consensos em domínios-base como na energia e aprofundamento das componentes do mercado único.



Dia 29 de Janeiro 2025, Ursula von der Leyen apresentou, em Bruxelas, aquilo a que chamou de “Bússola para a Competitividade” da economia europeia. Desconhece-se, contudo, se “a bússola” terá sido sujeita a calibração e passado no crivo das normas de certificação, ou seja, se reúne as condições mínimas para ter impacto futuro! Disso, falaremos adiante.

Passou foi ao lado de tema escaldante: a denúncia, em jornais europeus de vários países, pelo menos desde 23 do mês de Janeiro, de desvios de fundos comunitários para lóbis ambientais, ONG, com a finalidade de influenciar decisões e apoios a favor do “pacto verde europeu”, apresentado em Julho 2021 pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

O caso foi desencadeado pelas questões colocadas por Dirk Gotink, eurodeputado dos Países Baixos, membro do PPE. Até uma lista de “Membros a influenciar” foi encontrada, onde se mencionavam entidades a contactar para “tão nobres” missões lobistas!

Sobre esta investigação em curso, o novo Comissário para o Orçamento, o polaco Piotr Serafin, reconheceu os factos perante o PE.

Segundo o jornal mais lido dos Países Baixos, “DeTelegraaf”, a Comissão Europeia financiou, indiretamente, lóbis ligados ao ambiente para promover as suas políticas verdes, sendo muito activo nessas funções o ex-comissário Frans Timmermans.

O jornal francês “Le Point” denuncia que a Comissão atribuiu, a ONG do ambiente, fundos comunitários para promover junto de instituições e deputados o seu “pacto verde”, o programa europeu para a transição ecológica. Na Comissão de Controlo de Orçamento da UE terão soado campainhas de alarme que a levaram a divulgar documentos sobre o assunto.

Mas muitos outros meios de comunicação europeus, a que não ficou alheia a vizinha Espanha, abordaram o tema dos referidos desvios de fundos públicos, com títulos deveras escaldantes: novo escândalo de corrupção em Bruxelas; ingerências ideológicas verdes; Bruxelas sob o fogo de acusações de lobbying e ingerência; fundos comunitários desviados para influenciar o Acordo Verde da Comissão Europeia.

Todos os gostos têm o seu título.

Também é mencionado na comunicação social europeia que só, no ano 2024, foram consumidos 15 milhões de euros nesta promoção, tendo a ONG “Friends of the Earth Europe” recebido cerca de 1,5 milhões de euros da Comissão para desenvolver esse trabalho de convencimento sobre a “bondade” do pacto. Trata-se de uma ONG claramente antinuclear, um lóbi ao serviço das renováveis.

As consequências deste novo escândalo só vêm contribuir para o desprestígio da Comissão em políticas importantes, designadamente as relacionadas com o mundo agrícola que tanto tem contestado o pacto verde, um dos eixos centrais do programa da anterior Comissão.

A “Bússola” de von der Leyen

Para Ursula von der Leyen, Presidente da Comissão, “chegou o momento de agir” para elevar e tornar competitiva a economia europeia, sobretudo através de um “choque de simplificação” administrativa da máquina da União Europeia. Falou da necessidade de simplificar e reduzir a carga administrativa para um conjunto de directivas e regulamentos, mas as estratégias e as ferramentas de comando pecaram por ausência. Por outro lado, repetiu um rol de boas intenções, diminuir custos da energia, promover projectos de interesse europeu e investimentos em tecnologias avançadas e inovação.

A Bússola para a Competitividade, embora aproveitando recomendações positivas do relatório Draghi, dando muita ênfase às palavras e frases que empregou, soou a instrumento algo empanado. Há quem refira que se trata de um roteiro. Mas não passou dum roteiro de finalidades vagas, sem apontar os meios e os caminhos de as atingir.

Falta à Bússola da Comissão Europeia um novo modelo de desenvolvimento da economia e consensos em domínios-base como na energia e aprofundamento das componentes do mercado único lançado por Jacques Delors e uma leitura rigorosa do pouco progresso ou talvez fosse mais adequado falar de abandono desse caminho pelos sucessivos responsáveis da União Europeia. Sem um conhecimento do que se falhou e do porquê, não se avança, não se constrói estratégia sólida.

Draghi, no relatório, é muito claro sobre os montantes de financiamento/ano para montar a sua estratégia de competitividade e as potenciais fontes da sua obtenção. Von der Leyen, ao contrário, confirma apenas que vai avançar com a criação de um Fundo para a Competitividade. Sobre as fontes de financiamento diz pouco, apenas irá desviar fundos de outros departamentos dos planos comunitários e mobilizar investimentos privados, um trabalho a desenvolver pela Comissária portuguesa.

A grande mudança a este nível dependerá então da criação desse Fundo. Mais um. Não estará a contradizer-se, acrescentando apenas mais burocracia? A bússola empenada resolve-se com tão “poucochinho” dinheiro?!

Depois, em domínios como a energia, sem dúvida, um buraco negro, a nível da UE, nada é dito sobre como proceder à redução dos custos energéticos ao nível da União, embora haja uma passagem onde refere que é preciso “agir com rapidez e unidade”.

O que tem feito a Comissão para gerar a unidade necessária, por exemplo, para construir uma política energética, quando estamos perante a Comissão Europeia mais sectária, neste domínio, com uma vice-presidente antinuclear, um comissário da energia, pior ainda, que já criou conflitos em reuniões do Conselho da Energia com representantes da França, defensor da energia nuclear e uma presidente pendente da posição da Alemanha. Onde está a unidade de acção? O mercado interno lançado por Delors, como antes se referiu e como diz Enrico Letta e, Draghi retoma, nunca foi completado e era fundamental para que o modelo europeu tivesse tido sucesso.

[Nota: defender a nuclear como fonte de energia limpa, bater-se para que a União Europeia pratique com esta fonte as regras praticadas com as outras, no mínimo em plano de igualdade, o que não tem sido seguido até à data, não implica ter de investir na energia nuclear. Implica não criar obstáculos a quem decida seguir esse caminho, hoje reconhecido como idóneo].

Como se pode avançar, então, com uma Bússola da Competitividade, digna desse nome, sem consenso em áreas fundamentais como energia, automóvel, mercado único e sem financiamento escalonado à altura que, a prazo, coloque a União Europeia no patamar Internacional que lhe interessa?

Falta tudo ou quase: modelo económico, vontade política, consensos e dirigentes à altura para tão importante tarefa. Mais uma vez, uma oportunidade adiada e nas condições actuais, a UE acossada por Trump pode vir a enfrentar uma situação difícil.

Termino a pensar em duas ideias criativas avançadas por Enrico Letta, em resposta a Trump: por que não a Europa aproximar-se de Pequim neste contexto?! E porque não hiper-tributar as grandes multinacionais americanas na Europa?

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Trump2 e as energias de origem fóssil


Por
Economista

A União Europeia sai destas políticas de Trump maltratada, por sua culpa, e só tem uma saída: apostar seriamente em ser autónoma. Para Trump, a UE não é um aliado, mas um cliente.



1. Os EUA são um grande consumidor de energias, ocupando desde há décadas o primeiro lugar mundial. Para além de maior consumidor, ocupa a primeira posição mundial na produção de petróleo e gás, sobretudo a partir do fracking – uma técnica de exploração de recursos minerais de elevado risco ambiental e geológico (contamina os lençóis freáticos, liberta elevado CO2 e consome muita água), o segundo lugar no carvão embora em perda relativa e uma elevada posição como produtor de energia nuclear e de renováveis. O “mix” produtivo apresenta um certo equilíbrio a nível federal, embora muito desigual consoante os Estados, devido a factores específicos locais e a opções diferentes de políticas energéticas.

O que Trump2 vai “acrescentar”?

2. Trump, no seu discurso de tomada de posse, veio declarar uma emergência nacional no campo da energia, o que abre as portas à intervenção nos seus vários domínios. Na produção para privilegiar esta ou aquela fonte que na sua lógica traga poder aos EUA, nas infraestruturas para avançar com novos terminais de exportação de GNL, no financiamento, para anunciar a redução de apoios à aquisição de veículos eléctricos e da subsidiação ao Investimento (sem contrariar os interesses de Musk), desferindo ainda um grande golpe na transição energética com a decisão de saída do Acordo de Paris.

Assim, reverte as políticas de descarbonização de Biden, embora muito incipientes e contraditórias por vezes, avançando com as perfurações na prospecção de recursos no mar litoral que estavam suspensas e no desenvolvimento do gás e petróleo de xisto. Aliás, nomeou para Secretário de Estado da Energia, Chris Wright, um empresário muito conhecido na defesa das energias fósseis. “As energias fósseis não estão na moda”, uma frase de Chris Wright que caracteriza bem o seu perfil. Deve saber do que fala, pois é um grande construtor de equipamentos para as energias fósseis e, em especial, para o fracking (exploração de petróleo e gás de xisto).

Mas retomando a sua frase, diz que não partilha o desinteresse dos investidores e que será sua missão como Secretário de Estado da Energia colocar as novas tecnologias ao serviço do aumento da disponibilização de recursos energéticos fósseis (petróleo, gás, carvão…).

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Para Trump2, a aposta na energia é necessariamente um imperativo que decorre da vontade dos grandes magnatas do seu séquito, nomeadamente os dos grupos tecnológicos, ligados ao digital e à IA, cada vez mais sedentos de electricidade.

A procura de eletricidade (e também da água) está a crescer no Mundo de forma “estonteante”, decorrente do consumo que as actividades da IA (Data Centers) em expansão requerem.

No discurso de abertura não ficou clarificada a visão de Trump sobre a nuclear, enquanto sobre as renováveis, a redução sobretudo nas eólicas offshore parece adquirida.

3. A energia nuclear está a tornar-se cada vez mais popular no Mundo, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), admitindo vir aí uma “nova era” e, porquê?

Começou-se a compreender que se trata de uma energia estável e confiável, “permite produzir grandes quantidades de eletricidade numa área limitada e usando relativamente poucos materiais”, é totalmente independente da meteorologia, ao contrário das eólicas e solar. Segundo Fatih Birol, Director Executivo da AIE, a nuclear desde 1971 evitou a emissão na atmosfera de 72 giga-toneladas de dióxido de carbono (CO2).

Presume-se que Trump não se opunha ao crescimento da nuclear que “na opinião, entre governos, grandes empresas de tecnologia e instituições e organizações internacionais, envolvidas na transição, com a notável exceção da Comissão Europeia, a energia nuclear está em ascensão” em todo o Mundo, segundo afirma a Transitions & Énergies (20 de janeiro 2025), na base de um estudo recente da AIE.

Fatih Birol acrescenta que “mais de 70 gigawatts de nova capacidade nuclear estão sendo construídos em todo o mundo, um dos níveis mais altos dos últimos 30 anos, e mais de 40 países ao redor do mundo planeiam aumentar o papel da energia nuclear em seus sistemas de energia. Os reatores SMR [pequenos reatores modulares], em particular, oferecem um potencial de crescimento interessante. No entanto, os governos e a indústria ainda enfrentam alguns obstáculos significativos no caminho para uma nova era para a energia nuclear, começando com a entrega de novos projetos dentro do prazo e do orçamento, mas também em termos de financiamento e cadeias de suprimentos”.

4. A Agência Internacional de Energia reconhece que os EUA e a UE estão atrasados na indústria energética nuclear, sobretudo em termos de cumprimento de prazo de execução (7 anos de atraso) e de não cumprimento de orçamentos (2,5 vezes acima do planeado). São desvios inadmissíveis, difíceis de entender, enquanto China e Coreia do Sul cumprem, em média, o planeado.

5. No campo das relações económicas externas, Trump entrou em completa chantagem com a União Europeia, pois um dos seus grandes objectivos é a redução do défice comercial externo e então “impõe” ou mais aquisição de gás e petróleo, sobretudo de gás, ou taxas aduaneiras. Tudo indica que a UE vai entrar no aumento da compra de gás, aliás Von der Leyen já há muito aceita essa ideia, mas certamente as taxas também vão ser utilizadas, embora ainda não estejam definidas, pois segundo Trump, a Administração “não está ainda devidamente preparada”, ou seja, Trump está a pensar melhor a questão das taxas, pois a sua aplicação não é pacífica entre os grandes empresários, seus apoiantes. Os interesses nem sempre batem para o mesmo lado.

Falta-nos ainda muita informação para se apreender todo o alcance futuro. Mas, as energias fósseis são para explorar a fundo, o que poderá conflituar com a OPEP+, nada interessada em grandes aumentos de produção, nem baixa de preços. Na nuclear, as tendências de médio e longo apontam, no Mundo, para elevados investimentos e consequentes aumentos de capacidade com a China no comando. Nas renováveis sobretudo na eólica offshore reina uma não aposta.

A União Europeia sai destas políticas de Trump maltratada, por sua culpa, e só tem uma saída: apostar seriamente em ser autónoma. Para Trump, a UE não é um aliado, mas um cliente e enquanto a Europa não se convencer disso não rasga caminhos. Mas antes de tudo tem de se entender no seu interior, o que se torna difícil, numa Europa muito dividida, nas suas políticas como a da energia e face a Trump. Estamos perante uma União Europeia cada vez mais fraca, sem estratégia e sem dirigentes à altura. Visão e Capacidade para agir em falta. Uma União em grande défice, quando o Mundo está a mexer-se e não espera.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

sábado, 25 de janeiro de 2025

Tal como os chapéus... malas há muitas!

 

A Democracia, a verdadeira, precisa de ir à revisão. Tal como nós necessitamos, periodicamente, de um "check-up", de um exame profundo desde análises a "ecos" disto e daquilo. Precisamos de desnudar o regime de uma ponta à outra. Sem contemplações de danos colaterais. Se tal é possível, perguntar-me-ão, penso que sim. Haja vontade, já não digo por parte dos que exercem a política, mas pela pressão oriunda da sociedade. Embora, também seja verdade, uma significativa parte da sociedade se encontre capturada pelo sistema político. Há muitas dependências, muita engrenagem geradora de silêncios. Porque interessa ou porque o medo tomou conta das consciências.



De uma forma paulatina mas consistente, o regime produziu e fomentou monstrinhos, pessoas e instituições, que se espalharam de forma interligada e alinhados na obediência e na subordinação. Não existe patamar de intervenção política que não reflicta este sentimento.

Infelizmente o digo, entre um extenso rol de casos, tenhamos presente o esquisito jogo de influências diversas que, alegadamente, envolve o Senhor Presidente da República, refiro-me ao "caso das gémeas", o (a)normal número de arguidos no governo da Madeira até o último caso protagonizado por um deputado da Nação, suspeito de surrupiar malas em aeroportos nacionais. E no meio de tudo subsistem os conflitos de interesse que se tornaram normais, os alegados negócios onde, também alegadamente, sobra sempre para alguém, a economia paralela numa espécie de salve-se quem puder, os sistemas de saúde e de educação que soçobram, até a singularidade de indivíduos condenados e presos regressarem à actividade política como se nada tivesse acontecido.

Sem qualquer dramatismo ou sentimento de bota-abaixismo, até porque acredito na recomposição e regeneração dos processos, temos de assumir que resvalámos, deixámo-nos ir numa onda de muitos "falsos prestígios", de excelências medíocres e ausência de escrúpulos. Verdade, também, talvez para disfarce de culpas institucionais, a investigação criminal escuta de forma quase indiscriminada e abusiva, prende sem culpa formada, deixa escapar para a comunicação social o resultado de investigações em segredo de justiça, arruinando a imagem pessoal e pública de quem, até, pode ser inocente, mas que deixa em "paz podre" outros que a evidência, pelo menos parece, demonstra culpabilidades várias. É o resvalar de um outro pilar, o da Justiça, para uns, tendencialmente rápida e, para outros, ao jeito das pilhas "duracell", onde se encontram, pasme-se, políticos, juízes e procuradores. Vive-se no país da "casa dos segredos", dos futebóis, da mentira, do subterfúgio, das novelas embrutecedoras promotoras de distração e de muitos comentadores de gritante fragilidade conceptual e histórica.

O país está em causa, a precisar de um "chech-up", é certo, mas também uma Europa e o Mundo que estão neste declínio de figuras inspiradoras e de políticas que tenham em consideração novos equilíbrios sociais, que expurguem a má-fé, a podridão e o pântano, porque muito do que se passa está entregue a gulosos, especuladores e vendedores de sonhos. As "malas" dos interesses são grandes e nela cabem muitas outras "malas" médias e pequenas que rolam no tapete da desgraça colectiva.

Ilustração: Google Imagens. 

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

O trumpismo e a "pilhagem que continua"

 

Interessa-me q.b. a história da tomada de posse de "sua excelência" Trump. Os americanos que o carreguem. Se lhes deram uma maioria em todos os patamares dessa espécie de "democracia", na dita pátria das liberdades que, pressupostamente, garante a viabilização de "sonhos", que convivam com as suas políticas e se amanhem.  



Aliás, ele está para ali a falar enquanto digito o meu pensamento. Palavras e posicionamentos que, de tanto repetidas, sei-as e domino-as de cor.

O que me preocupa, isso sim, é o "trumpismo", o "bolsonarismo", o "orbanismo", o "mileinismo", o "melonismo", entre uma série de tantos outros que por aí andam a brincar com a humildade e a tolerância dos povos. Preocupa-me enquanto movimento político, tendencialmente global, que estende tentáculos por todo o lado e cujo fim último é o controlo absoluto das sociedades. Preocupam-me as doutrinas deles saídas, situadas no espaço extremo-direitista, que buscam na insatisfação dos povos o alimento necessário para fortalecerem as suas riquezas, algumas assustadoramente pornográficas. Preocupam-me, por essa via, o cada vez maior desequilíbrio patente na humanidade, fruto do avassalador pensamento económico vigente, onde poucos dão conta do precipício, montado de forma paulatina e inteligente, de acordo com os interesses que caracterizam o que demais negativo tem o populismo enquanto corrente teórica. Preocupam-me, também, os sistemas políticos de poder rigorosamente nada democrático, as guerras de maior ou menor escala concebidas por tresloucados actos expansionistas e/ou geoestratégicos. Entre uns e outros que venha o diabo e escolha.

Para quê tudo isto, questiono-me, esta louca e esbanjadora corrida ao armamento arrasador de tudo, de pessoas e bens, para quê esta economia de guerra, esta aflição permanente onde se incorporam todo o tipo de desesperos, a pobreza extrema, fome, desesperança, eu sei lá sobre a infindável lista de desilusões e incapacidades para tornar a vida humana minimamente decente. 

Registei, em Novembro passado, num estudo da Hellosafe, que 10% dos mais ricos controlavam 76% da riqueza mundial e 50% dos mais pobres ficam com 2%. Segundo a Oxfam, em 2024, a riqueza combinada dos multimilionários, "aumentou, por dia, dois biliões de dólares (1,94 biliões de euros , o equivalente a 5,7 mil milhões de dólares (55,4 mil milhões de euros)". Isto é, três vezes superior ao ano anterior, o que levou aquela organização não-governamental a titular, no relatório apresentado em Davos, "A pilhagem continua". "Em 2024, havia em todo o mundo 2.769 multimilionários, em vez de 2.565 no ano anterior, e a sua riqueza combinada aumentou de 13 para 15 biliões de dólares (12,6 para 14,5 biliões de euros) em apenas 12 meses". Como e à custa de quê e de quem?

O que isto significa é que esta conjugada e intencional estrutura do poder económico está nas tintas para o Artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos do Homem: "todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos". Culpados: primeiro, genericamente, os povos, na sua crónica incapacidade de ver longe e de, talvez por isso mesmo, ser presa fácil de quem os manobra à descarada e distribui migalhas; depois, a abdicação (e venda) por parte dos poderes instituídos, governamentais e partidários, na regulação de tudo quanto se manifeste desadequado; finalmente, uma mentalidade, para mim absurda, em gerar riquezas quase incalculáveis, quando para ser feliz nesta tão curta vida, não são necessários milhões. A ambição é salutar, obviamente, mas sempre com o sentido da medida.

A edição de hoje do "Público, assinado por Amílcar Correia e Nuno A. Coelho, é muito clara: "Trump e os mais ricos do mundo tomam posse dos Estados Unidos. Fortunas, donativos e conflitos de interesse. Donald Trump regressa a Washington com um elenco governativo sem paralelo na história norte-americana, com uma dezena de figuras no seu interior ou órbita imediata com mais de mil milhões de dólares em activo. À cabeça, Elon Musk. O homem mais rico do mundo, com uma fortuna estimada em 450 mil milhões de dólares, não integra formalmente a próxima Administração Trump mas terá a cargo um ambicioso projecto de reforma do Estado, acesso aos vários departamentos governativos e um gabinete nas imediações da Casa Branca".

Para o futuro fica a imprevisibilidade do novo inquilino da "Sala Oval". Para já, não deixa de ser preocupante que nenhum alto representante da União Europeia tivesse sido convidado para a cerimónia. Trata-se de um indicador muito importante. 

Retive do seu discurso, aqui e ali, lido com pezinhos de lã: "A idade de ouro da América começa agora mesmo" (...) Vamos ser uma nação como nenhuma outra, cheia de compaixão, coragem e excepcionalismo. Vamos ser prósperos, orgulhosos, fortes, e vamos ganhar como nunca ganhámos antes" (...) "A partir de hoje, será política oficial do governo dos Estados Unidos que existam apenas dois géneros: masculino e feminino e os militares que não quiseram tomar a vacina da covid-19 podem voltar ao serviço" (...) assegurou, também, que os EUA não vão deixar de usar combustíveis fósseis, pelo contrário". Tudo isto envolto em papel religioso: "Fui salvo por Deus para tornar a governar os EUA". Como   disse o comentador José Milhazes, este discurso é preocupante porque se compagina com o de Putin!  De facto, nem uma palavra sobre a Ucrânia. Ou, como comentou Clara Ferreira Alves, Trump discursou como um "evangelista iluminado".

Aceito que alguém ainda confira o benefício da dúvida. Não a concedo, porque andam, todos juntos, nos vários tabuleiros políticos, numa cruzada pelo domínio e espezinhamento dos povos! O ano de 2025 parece-me que tem tudo para ser muito complexo. Veremos.

Ilustração: Google Imagens.

sábado, 18 de janeiro de 2025

A MAIS AMPLA E BRILHANTE MENSAGEM DE ANO NOVO



Aconteceu Ano Novo na RTP/M!

Quando digo Ano Novo, quero dizer mais que novo ano, novo calendário, fogos fátuos, balonas e estrelas cadentes que saem do chão e mais depressa ao chão regressam. Aconteceu Ano Novo – verdadeiramente Novo! - na grande paisagem da Ideia, da Acção, da Saúde física e mental, da Crença, enfim, da Vida.

Quem no-lo trouxe foi o Padre José Luís Rodrigues, secundado pela excelente condução do jornalista Paulo Santos que soube interpelar com mestria o distinto entrevistado, abrangendo uma polícroma diversidade de temas e problemas do mundo actual, desde as questões sociais às ideológicas e religiosas, com tal realismo e sensibilidade que parecia responder a todos e a cada um dos telespectadores que tiveram o privilégio de ver e ouvir a histórica entrevista do Pároco de São José, no Funchal.

Bem andou a RTP/M em abrir novos horizontes a crentes e não crentes, através da palavra lúcida, segura e transparente do padre romancista, poeta, contista e ensaísta, orador e blogger de merecido reconhecimento público. Ele identifica a metamorfose necessária à Igreja na Madeira, onde o imobilismo intelectual e o exibicionismo processional enfermam a religião católica nesta ilha, desde a hierarquia ao presbitério e aos fiéis em geral.

Corajoso e polémico para alguns, mergulhados que estão no obscurantismo oportunista, gerador de resquícios de poder anti--evangélico, o Padre José Luís Rodrigues nos dias que correm incarna a personalidade – também corajosa e polémica – do Papa Francisco, cujo lema pastoral é o de “UMA IGREJA EM SAÍDA” ao encontro da Humanidade, no seu sentido holístico, esteja onde estiver o ser humano.


Estamos perante um discurso intelectual e um programa comportamental idênticos ao de Jesus de Nazaré que, sem prejuízo da verticalidade da fé, pautou os seus actos pela horizontalidade humanista, tal como o saudoso Padre Mário Oliveira definiu quando titulou o texto eminentemente clarificador no seu livro “Do Cristão ao Humano”.

Ao mesmo tempo que nos congratulamos com a luminosidade esperançosa que o Padre José Luís Rodrigues jorrou jubilosamente na alvorada do 2025, fica-nos – a todos nós que queremos um mundo novo – fica-nos, sim, a mágoa e a desilusão de ver a hierarquia e a sua casta de mini-satélites subalternizarem, senão mesmo proscreverem, os lídimos valores representativos da genuína espiritualidade humana e cristã.

Força, Padre José Luís, deste amigo e veterano das mesmas causas, cientes que estamos de não poder salvar o planeta – nem o próprio Jesus o conseguiu – mas activos e conscientes de que, por nós, o mundo não andou para trás!

15.Jan.25
Martins Júnior

quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Trump acelera perda de peso do dólar no mercado mundial


Por
João Abel de Freitas, 
Economista

A Europa está em má posição para responder, quaisquer que sejam os caminhos escolhidos pelos magnatas de Trump.



1. Inicia-se este artigo com uma afirmação bem conhecida: o dólar tem ainda um peso esmagador no sistema monetário internacional ou, em linguagem menos precisa, mas mais corrente, domina as trocas comerciais no mundo inteiro, de forma avassaladora. O que não estará tão interiorizado é a dimensão real da economia dos EUA posicionar-se muito aquém da intervenção internacional do dólar (embora continue como primeiro país em PIB corrente). Em valores aproximados, o dólar americano partilha em cerca de 80% das trocas e pagamentos mundiais, de forma desigual consoante os diferentes blocos económicos e Continentes, enquanto o PIB (nominal) rondará os 26%. Uma tamanha desproporção!

Como se encaixa este desajuste entre o desempenho do dólar americano (há outras moedas designadas de dólar) e a sua economia?

Não há uma resposta simples. Mas, a principal razão, entendo, assenta no seu poderio militar global e também na sua história política, embora, como mostra a história, este poderio à partida não seja sinónimo de ganhador, basta relembrar a guerra do Vietnam. Mas talvez seja de juntar, como vários analistas o fazem, o elevado prestígio das suas escolas de ensino superior, que atraem uma elevada percentagem de doutorandos e quadros técnicos estrangeiros, muitos deles regressando aos seus países para o desempenho de altos cargos na economia e gestão de empresas e na política. Países da dimensão da China, Índia, Brasil enquadram-se neste conjunto.

2. A importância do dólar na economia mundial tem uma história longa. Arranca com a Primeira Guerra mundial e segue um percurso de consolidação, embora aqui e ali objecto de controvérsia, como ficou célebre, na década de 60, na expressão de Giscard d’Estaing, o “privilégio exorbitante”, a respeito do dólar como moeda global dominante.

Como aqui se escreveu em tempos: “é o dólar que, na Segunda Guerra, ainda mais se reforça, inclusive pelos lucros das vendas de armamento e dos empréstimos financeiros aos seus parceiros e, depois, com o plano Marshall de apoio à reconstrução da economia europeia, acentua o estatuto de única moeda forte, substituindo, assim, naturalmente a libra nas suas funções, designadamente como moeda de reserva mundial e principal veículo de transação comercial e serviços”.

Mais recentemente, desde os fins do século XX/ inícios anos 2000, a controvérsia sobre o dólar como moeda global acentuou-se, assumindo várias frentes e iniciativas com maior ou menor sucesso. Podemos aqui incluir o lançamento do Euro que poderia ter tido um papel significativo e não titubeante, como tem sido o caso. Mas, sobretudo, o processo de desdolarização da economia mundial tem vindo, pouco a pouco, a ganhar consistência, designadamente sob o impulso da China, devido à sua ascensão na economia mundial.

A guerra da Ucrânia, com as sanções económicas indiscriminadas contra a Rússia, gerou um clima de desconfiança alargado, sobretudo em economias emergentes que tinham pouco a ver com a guerra. Os países do Sul Global reprovaram ou não apoiaram as sanções e mostram-se preocupados com potenciais represálias dos EUA, o que desencadeou certos movimentos como a recomposição das reservas cambiais dos seus bancos centrais (segundo o FMI 70% em 1990, 2ºT. 2024 58,2%) na tentativa de reduzir a dependência em dólares dos seus activos, bem como fomentou o aumento das reservas em ouro e a procura de meios alternativos de pagamento das trocas, expulsando/reduzindo o dólar de fatias já largas nas transações internacionais, p.e. áreas da energia e outras matérias-primas e mesmo na venda de equipamentos entre Brics e Brics e países terceiros.

E aqui, a acção dos BRICS tem contribuído para desenhar e desenvolver alternativas que vão consolidando “a expulsão” do dólar. Esta é uma tendência cada vez mais arreigada nos BRICS e com influência nas economias emergentes dos países do Sul Global.

Perspectivas com Trump

Ainda é cedo para identificar com rigor os efeitos das “políticas”, algo errantes, de Trump na esfera mundial.

Uma política protecionista é adquirida, mas o grau de proteccionismo ainda não é claro e até alguma comunicação social tem vindo a “adocicar” as taxas aduaneiras, alegando que vários dos conselheiros de Trump são mais generosos, defendendo “a selectividade das taxas” a áreas da defesa e soberania alimentar.

Sejam quais forem, não há dúvidas que uma guerra económica sobretudo entre EUA e China vai ser real. Segundo a informação dominante, a China tem vindo a preparar-se para essa guerra, tendo já definidas as linhas vermelhas de actuação futura.

Essa não é a realidade na União Europeia que tem dado pouca atenção às questões estratégicas, devido à grande instabilidade política em França e Alemanha, onde concentra a grande preocupação nos problemas nacionais. Por outro lado, países como a Áustria também não se encontram em bom momento político. Aliás, é difícil indicar um país europeu estabilizado. E, sem os países a funcionar, os órgãos da UE menos ainda fazem de útil.

A situação, na realidade, é a de uma Europa dividida, sem estratégia para responder às políticas de Trump. Dividida quanto à forma de encarar a dívida pública, onde é normal falar-se de “três Europas” (Norte, Sul e Leste), na energia nem é bom insistir na profunda divisão, no mercado comum financeiro que não existe e quanto ao Mercosul a situação é pública. E não vale carregar o ambiente com outros domínios de desentendimento que são muitos. Temos uma Europa desarmada de respostas.

Começa a vingar a sensação de que a União Europeia perdeu capacidade para enfrentar as fragilidades. Esta sensação é, em si, uma grande fragilidade. Claramente, os problemas globais nesta situação pouco contam e, alguns países tendem a entrar em negociações bilaterais com os EUA para resolver certas questões que são globais e há quem atribua dentro daquela máxima que “não há almoços grátis” que a visita muito recente de Georgia Meloni a Mar-a-Lago para um jantar pode “indiciar” esse caminho, o que levará outros países a tentar segui-la. Mas uma coisa é certa. A Europa está em má posição para responder, quaisquer que sejam os caminhos escolhidos pelos magnatas de Trump.

O que vai acontecer ao dólar, não em termos de câmbio mas de desdolarização neste contexto?

Muitos cenários são possíveis. Mas uma situação é certa, no domínio das trocas mundiais antecipam-se alterações significativas em termos de preços e quantidades transacionadas. E, assim, face à tendência em curso de encontrar alternativas para a substituição da intervenção do dólar uma baixa previsível da participação dos EUA nas transacções mundiais só vai emagrecer o papel do dólar. Com “as ameaças” avançadas de Trump ao Canadá, ao Panamá e à Gronelândia, o ambiente mundial só pode piorar, avancem ou não essas ideias pouco viáveis.

A desconfiança irá evoluir em crescendo e o dólar ainda irá reduzir mais o seu espaço, o que, em todo este contexto, é deveras positivo para um maior equilíbrio internacional.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

A Escola não é um Spa

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Energia: Suécia furiosa com a Alemanha


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O próprio Tribunal de Contas Europeu tem apontado várias incongruências ao Pacto Verde de transição, a diversos níveis, incluindo o tecnológico.



“Je suis furieuse contre les Allemands”, palavras de Ebba Busch, Ministra sueca da Energia e Indústria, numa conferência de imprensa a 19/12/2024, largamente referidas na comunicação social europeia. Para Ebba Busch, a política energética (Energiewende) da Alemanha é irresponsável e injusta, porque sobrecarrega as famílias e empresas suecas (e europeias, acrescento eu) com os seus preços elevados de electricidade, os chamados “preços alemães”, que os europeus têm de pagar, quando, no seu território, muitos países produzem-na a custos bem mais baixos.

Isto acontece porque a União Europeia está interligada em rede, possibilitando, deste modo, um equilíbrio alisado entre a oferta e a procura, a nível de todo o espaço europeu, com um regime de formação de preços estabelecido no mercado por grosso, no mínimo discutível (?) e desadequado que se repercute numa prática de preços elevados de electricidade, em benefício da Alemanha.

A Suécia é o segundo maior exportador líquido de electricidade para a União Europeia (o primeiro é a França) e, quer um quer outro país têm um mix de produção conjugada de hídrica, nuclear e renovável, que lhes permite produzir a custo mais baixo e de forma regular (não intermitente). São também países de baixa emissão de gases com efeitos de estufa – CO2, enquanto a Alemanha é o pior da Europa.

2. A Alemanha, a principal economia europeia (por enquanto?!) apostou numa política energética de abandono da nuclear, iniciada com Merkel na sequência de Fukushima, reconhecida hoje como uma aposta falhada, inclusive por instituições e partidos da própria Alemanha, mas que nunca corrigiu como outros países o fizeram, entre eles, a Suécia.

Pior, esta política estendeu-se à União Europeia por imposição da Alemanha, e, hoje, continua com defensores ao nível da Comissão Europeia, com dois Comissários, assumidamente antinucleares, sendo um, o Comissário Europeu para a Energia, o dinamarquês Dan Jorgensen, que tem tentado dificultar quando não boicotar os países que não apostam cegamente nas renováveis (eólica e solar) como ainda recentemente aconteceu com a França e continua a pôr entraves a projectos da Aliança Nuclear Europeia, aliança essa maioritária, em termos de número de países, no seio da energia e reconhecida pela anterior Comissão de Ursula von der Leyen, para a qual foram aprovadas medidas, sobretudo no tocante a Investimentos em SMR (reactores modulares de pequena dimensão) a concretizar até 2030.

Neste contexto, é perfeitamente entendível e merecida a expressão de zanga profunda da ministra sueca, porque não é justo que suecos e restantes europeus paguem “preços alemães” por teimosia dos lóbis das renováveis que nem as necessidades da Alemanha conseguem satisfazer, em dias sem sol e sem vento, como ultimamente tem acontecido e continuará a acontecer, se a teimosia continuar e a UE não corrigir o rumo, apostando numa estratégia óbvia para a energia, em que a nuclear tenha o espaço que lhe compete. São estas decisões/falhas de fundo que levaram a UE a perder competitividade à UE e a entrar em declínio continuado no contexto mundial.

O problema de fundo é grave

3. As sucessivas Comissões Europeias, desde o tempo em que Merkel decidiu sair da energia nuclear (houve uma onda, então, por toda a Europa, até Macron alinhou na redução da energia nuclear em França para substituir por renováveis), são corresponsáveis por toda esta estratégia de tragédia para a competitividade da União. As culpas maiores recaem, contudo, nas últimas Comissões que se demitiram de ter pensamento sobre a energia, apesar das boas achegas que a Ciência, entretanto, tem acrescentado, no sentido da escolha de outros caminhos. A Alemanha não mudou, os lóbis das renováveis instalaram-se e, até à data, domina a orientação das renováveis, apesar das provas de que não resolvem a situação. Para as eleições de Fevereiro, as expectativas de reviravolta apresentam-se favoráveis.

Lendo, com cuidado, o estudo do think tank Bruegel, de Bruxelas, pró-europeu, publicado em 2 de Dezembro 2024, sob o título: Uma estratégia de investimento para manter o Pacto Ecológico Europeu no bom caminho, deduz-se que a Europa não tem recursos financeiros para implementar a transição energética (tecnicamente discutível como refere o Tribunal de Contas e vários especialistas da matéria), traçada por Ursula von der Leyen em Julho de 2021.

O estudo, na prática, contém uma denúncia do mau desempenho da Comissão, embora não tenha sido essa a intenção do Bruegel. Mas, ao afirmar que a UE não tem capacidade financeira para despender os custos reais da transição energética de cerca de 1,3 triliões (trilions, francês) de euros por ano até 2030 para atingir a meta climática definida de redução de emissões de 55% e de 1,54 triliões/ano de 2031 a 2050 para atingir a neutralidade carbónica, não há outra leitura possível. Aliás, está escrito: “a Europa não está no caminho certo para atingir as suas metas climáticas”, apontando uma resistência à descarbonização cada vez mais forte e o esgotamento de meios financeiros quer ao nível da União Europeia quer dos Estados-membros.

A resistência das populações é cada vez mais forte porque ao Pacto Verde europeu se associam o aumento sucessivo de preços da energia e a noção de que as complicações recaem sobretudo sobre a vida dos mais pobres e com muitas empresas de diversos sectores a atravessarem profundas crises, encerramento e/ou deslocalização para outros países. Por outro lado, a ameaça de desemprego é uma realidade em empresas ícones da indústria europeia (química, automóvel, metalurgia, etc.) que estão a encerrar em vários países europeus. Numa outra frente, os agricultores estão em luta contra o Pacto Verde há muito tempo e agora, de novo, o Mercosul veio despoletar uma situação de concorrência desleal, ajudando a consolidar ainda mais essa resistência de rejeição.

Finalmente, o próprio Tribunal de Contas Europeu tem apontado várias incongruências ao Pacto Verde de transição, a diversos níveis, incluindo o tecnológico. A juntar, especialistas há que têm atacado a Comissão Europeia de não ter quantificado, deliberadamente, os verdadeiros custos do Pacto Verde por temer a rejeição de um programa debilmente fundamentado e dispendioso.

Situação a nível global

4. O modelo económico subjacente a esta transição energética está em causa pelos seus efeitos designadamente a grande desindustrialização que tem vindo a provocar, desde há anos. Como saída tem sido avançado o mito da “reindustrialização” que não está a acontecer porque lhe faltam as bases e os consensos.

Sem um largo consenso, no campo da energia, base de tudo, (a energia tem de ser encarada não como um simples ramo da economia, mas como algo instrumental para toda a economia) não há saída, até porque a UE tem vindo a perder vantagem em várias frentes (tecnologia e inovação) e se não acomoda o essencial dificilmente arrancará. E as instituições da União Europeia não estão a dar grande contributo até porque os desentendimentos entre si são muito profundos embora mais ou menos velados. Dirigentes europeus capazes (pensamento, conhecimento e acção) é o que faz falta porque, na realidade, não os há.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.