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29 de outubro de 2009

O Silogismo é a Lógica do Extremista!


Uma amiga que está morando na Itália me enviou essa semana um email falando sobre "casamentos pedófilos do Hamas". O texto, mal escrito por sinal, continha explícitas referências preconceituosas em relação aos muçulmanos. Como dizia que a fonte da notícia era de um blog jornalístico, pensei: "Pôxa vida, esses jornalistas precisam de uma dose de antropologia para que se manifestem de um modo mais adequado". O artigo ainda vinha ilustrado com fotos e vídeos, mostrando noivas mirins com seus maridos na faixa dos 25 a 30 anos, crianças sofrendo abusos e relatos sobre o incentivo de tais práticas.

Fala sobre a mutilação genital e apresenta dados estatísticos sobre abusos contra crianças no Egito e na Jordânia, além de um suposto discurso do Aiatolá Khomeini. O tal discurso poderia ser comparado à tentativa de recriação de um trecho do kama sutra para pedófilos. Pesquisei na internet e encontrei o mesmo texto publicado na íntegra no blog "Salvação", cuja logomarca é uma cruz, que por alguma razão me fez lembrar da Ku Klux Klan. Procurei a fonte jornalística anunciada no blog, mas não encontrei. Até porque ando meio sem tempo. No site principal não havia um link disponível e pesquisar poderia demorar, se alguém quiser fazer isso, depois me manda o link, ok?

O que importa dizer aqui é aquilo que me fez parar de estudar para atualizar meu blog querido. As falas generalizantes que colocam TODOS os muçulmanos, TODOS os Árabes em um saco com o rótulo de "fanáticos religiosos", "terroristas" e agora "pedófilos" são pérfidas e apenas contribuem para que o senso comum fique recheado de preconceitos e sentimentos ruins, tendo a certeza de se tratar de verdade absoluta pois, ora bolas, está publicado e a fonte é jornalística! Para justificar tais idéias utilizam trechos de biografias deslocadas no tempo e no espaço. Justificaram a pedofilia, por exemplo, dizendo que Maomé se casou com uma menina de 6 anos. Esqueceram de dizer que isso aconteceu há mais de um milênio em um contexto cultural, social, político, geográfico e religioso completamente diferente do atual.

Pensei com meus botões que esse artigo fez algo horrendo e consegui alcançar uma analogia que me satisfez. O que o artigo sobre o Hamas faz, se compara a dizer que a pedofilia na Igreja Católica foi incentivada pela famosa frase de Jesus "deixai que venham a mim as criancinhas". Pode ser que eu seja atacada por algum fanático religioso após essa postagem, mas quem tiver o mínimo de inteligência saberá o que quero dizer com essa analogia. Mesmo assim, dou uma ajudinha para os menos favorecidos: podemos justificar qualquer coisa com qualquer argumento. É a famosa armadilha do silogismo: Maomé se casou com uma menina de 6 anos; casar-se com uma menina de 6 anos é pedofilia; logo: Maomé era pedófilo! E mais: Maomé é o pai da religiao islâmica, Maomé era pedófilo, logo: os muçulmanos são pedófilos.

Posso até ir mais longe. O que justifica os abusos contra crianças no Brasil? Alguma seita religiosa? NÃO! Por que existem casamentos de crianças na Índia? Porque eles são muçulmanos? NÃO! Por que um senhor de 112 anos se casou com uma adolescente de 17 na Somália? Será que a moça é gerontófila? NÃO! Por que alguns (muitos) pais fazem sexo com suas filhas? Porque gostariam de ser os Faraós do Egito? NÃO! Melhor parar por aqui...

Por fim, gostaria de anunciar que minha próxima postagem irá discutir os resultados da enquete que se encerrou há tempos sobre "o que é dança do ventre". Um assuntinho mais light! Até lá, queimemos nossos neurônios! Salam!


19 de julho de 2009

Dialogando com o Blog da Liana


Dia desses recebi um email de uma conhecida que indicava a leitura de um texto sobre dança, mais precisamente um post sobre dança do ventre em um blog. O nome do blog é bastante sugestivo: Life is a Drag. A autora é uma loira, chamada Liana. Fake ou não, Liana é bastante corajosa em expor tudo o que pensa sobre o mundo, as pessoas e o universo. Dei uma olhada no post sobre dança e em outros sobre as mulheres. E resolvi abrir um espaço aqui para dialogar.

Liana, você me trouxe à lembrança um pré-projeto que escrevi em 2001 onde eu me propunha a resgatar a dignidade da dança feminina. Peguei o velho esboço, estou com ele aqui no colo e decidi que é um bom momento para publicar algumas das idéias que estavam ali e que não tiveram espaço para se desenvolver - o projeto foi rejeitado pelo Programa de Pós-Graduação em História da UnB.

Na introdução eu dizia que minha experiência como mulher e artista era repleta de tensões, conflitos e questionamentos, que os anos de pesquisa gestual sobre o universo feminino no contato com as danças de orixás e na prática da dança do ventre me proporcionaram a percepção de que algumas manifestações femininas vinham sofrendo processos de descaracterização. Em 2001 identifiquei que esses processos consistiam basicamente no esvaziamento de sentido, na vulgarização e/ou na apropriação masculina dos papéis que eram essencialmente femininos.

No texto utilizei citação retirada do artigo "De Iyá Mi a Pomba-Gira: transformações e símbolos da libido" de Monique Augras, onde a partir de imagens míticas que se referem ao poder genital feminino a autora afirma que a difusão das representações brasileiras contidas nas religiões de origem africana

têm sofrido processo de progressiva pasteurização(...). Assim é que os
terreiros tradicionais de candomblé mantêm o culto dos deuses em toda

sua complexidade - embora de modo bastante discreto no que se refere

aos aspectos mais ameaçadores da sexualidade feminina -, enquanto a

umbanda parece ter promovido, em torno da figura de Iemanjá,
um
esvaziamento quase total do conteúdo sexual. (2000: pg.15)

Além desse trecho, citei as lutas travadas por algumas mulheres para conservar ou resgatar tradições e rituais em oposição à postura de outras mulheres que se comportavam como agentes opressores. Chamei esse comportamento de "aderência" ao opressor, referindo-me a termo de Paulo Freire e dei como exemplo o trabalho de Alessandra Belloni para resgatar a Tarantella da Calábria Italiana como dança ritual erótica e selvagem de purificação e cura. Belloni encontrou entre suas maiores opositoras as mulheres jovens, por incrível que pudesse parecer. Essa rejeição fortaleceu o trabalho dessa cantora e dançarina genial que passou a refletir sobre a necessidade de libertar essas jovens mulheres das teias sociais de repressão que elas mesmas ajudavam a tecer.

Não foi difícil pular da teia de Alessandra Belloni para a de Freud que em psicanálise abordou o "enigma da feminilidade" sugerindo que as mulheres inventaram a tecelagem para cobrir sua nudez e esconder o que nada tinham a esconder, utilizando a imagem da aranha que tece para representar o símbolo da mãe fálica.

Onde quero chegar com tudo isso, prezada Liana? Você já já vai entender... Após passar por Freud, dou uma parada na psicologia moderna para falar sobre a resistência ao arquétipo da grande mãe, utilizando para isso um texto de Carlos Byington: Dimensões Simbólicas da Personalidade (1988). Esse autor diz que a Inquisição causou uma dissociação entre a objetividade e a subjetividade, transformando os componentes subjetivos do saber em crenças supersticiosas e fontes de erro, enquanto o pólo objetivo tornou-se a única fonte possível de verdade. Em seguida, Liana, chego perto de você: afirmo que os obstáculos encontrados pelas mulheres que ousam trilhar o caminho que leva ao resgate da figura da grande mãe são variados e incluem a depressão, o desânimo e a discriminação. Você ainda foi além porque agregou os fatores competição e destruição! Parabéns! Só que... Pelo que pude notar, você não está do lado do feminino ao se posicionar, mas contra ele. Estranhei, mas cada um se manifesta como quer e pode. Aliás, eu deveria ter desconfiado quando li os slogans em seu blog "Pela volta dos loucos ao hospício" e "Só a lobotomia salva". Repito: corajosa essa tal de Liana! Em plena era de movimento antimanicomial (da qual sou adepta), levantar uma bandeira dessas requer bastante coragem. Pode também ser um pedido de ajuda, não? Porque a depender da interpretação, uma das primeiras a vestir a camisa-de-força seria você mesma, querida. Estou enganada? Nem me atrevo a negar que eu estaria também entre os primeiros candidatos a ocupar o pinel!

De todo modo agradeço a oportunidade e anuncio que o próximo post deverá continuar nessa linha, porque quero falar sobre mulheres maravilhosas que amargaram em suas vidas e carreiras simplesmente porque optaram por trilhar o caminho do feminino. É o caso de nós duas, colega Liana. Ainda bem que peguei uma bifurcação e meu caminho separou-se do seu há algum tempo!


10 de maio de 2009

As mães também dançam

Estranho começar um post com um título do qual discordo. Mas vou manter assim. Quando colocamos a palavra 'também' numa frase, de certo modo realizamos uma distinção. É como se as mães fossem diferentes de outras mulheres. Mesmo assim, deixarei que o título permaneça, a título de provocação.

Foi com a minha gravidez que tomei contato com a dança do ventre. Afinal de contas, eu estava na graduação em Dança na universidade e tinha que me manter dançando. Mas não podia mais jogar minha capoeira querida, ou estrebuchar nas aulas de dança contemporânea. Além disso, precisava de um dinheiro extra, porque a família ia aumentar. Por ironia do destino, passei a trabalhar como secretária de uma academia de dança do ventre. Detalhe: eu tinha o maior preconceito contra o que eu chamava de "aquela dancinha".

Mas aquela dancinha ardilosa foi tomando conta de meus sentidos. Véus coloridos atiçavam minhas vistas, o aroma dos incensos fumegava em minhas narinas, a música deliciosa vibrava em meus tímpanos, os tapetes persas faziam massagens em meus pés. Até mesmo meu paladar mudou, passei a apreciar os temperos árabes e logo me apaixonei por tudo. Via as aulas acontecendo e minha barriga crescendo, precisava dançar e num impulso passei a frequentar uma das turmas de iniciantes. Não preciso dizer que a maternidade transformou a minha vida. Eu era uma mamãe dançante e muito mais feliz por ter sido acolhida por uma prática suave e ao mesmo tempo forte.

Naqueles tempos, muitas das minhas colegas faziam abortos porque bailarinas não deveriam ser mães. Eram coisas que não combinavam. Como no antigo jogo da memória do SBT, poderíamos afirmar: dança e maternidade não formam par! Acompanhei o sofrimento de muitas delas, as crises existenciais, principalmente o desespero das que optavam por levar a gravidez adiante. Era como uma sentença de fim de carreira. E eu, que aos 19 anos havia encontrado o homem da minha vida, estava casada de papel passado, aliança e bênção católica, tomei uma decisão: transformar meu corpo em um símbolo da campanha a favor da gravidez dançante. Entusiasta como de costume, eu panfletava: vou provar para esse povo que uma mulher pode ser mãe e ter uma carreira de dança bem sucedida.

Não vou dizer que foi fácil. E nem sei se minha campanha deu certo. Descobri que não existe o homem da vida de ninguém, muito embora eu tenha o melhor ex-marido do mundo (sério!). Tenho uma filha de 13 anos que é uma das razões de eu continuar viva até hoje. Tanto que agora, no dia das mães, escolhi fazer uma homenagem a ela e a tudo o que ela me trouxe de maravilhoso e ainda me traz! Amo profundamente a Lara. Ela me faz forte, me apóia e até dança comigo. É um ser humano de qualidades inestimáveis! Minha filha, minha amiga, minha irmã e algumas vezes meu pai. Cuida de mim, como se fosse um pai. É que eu sou uma mãe um pouco diferente da maioria...

Concluam vocês se eu atingi minha meta. Continuei dançando, não saí da área em que escolhi atuar. Passei momentos sem dinheiro, precisando do apoio de outras pessoas: mãe, avó, ex-marido, namorado, amigos. Também consegui dinheiro com algumas coreografias premiadas, shows esparsos, aulas, oficinas, programas sociais, patrocínios. Fiz meu mestrado em arte, tendo a dança do ventre como tema, com direito a pesquisa de campo no Egito. Estou feliz. Ser mãe nunca me impediu de dançar e investir no caminho profissional escolhido. É certo que em alguns momentos precisei desviar as rotas. Mas sempre voltei para a trilha original, onde continuo.

Para as mães que dançam, um feliz dia das mães! Ainda que eu tenha minhas ressalvas em relação a essas datas comerciais instituídas. E que fique bem claro que eu não tenho nada contra o aborto. Minha campanha era para ampliar opções.

Que as mulheres possam decidir sobre seus corpos e seus destinos sempre! Que possam ser mães se e quando quiserem. Que tenham o direito de não ter filhos se assim o desejarem. E que ninguém as importune perguntando ostensivamente quando serão mães. Essa idéia de que só quem é mãe atinge a realização pessoal está deixando muitas mulheres desequilibradas, frustradas, deprimidas, desesperadas. Graças aos deuses a realidade está aí para atestar que isso é uma grande mentira. A realização pessoal depende de uma série de coisas, todas particulares, individuais, pessoais e intransferíveis. Sejamos felizes!

Mabruk! Mabruk! Habibas... Mabruk!