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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O Europeu

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"Se por ver o nome de George Clooney associado a um filme sobre um assassino profissional acha que encontrará em “O Americano” o habitual filme de acção de Hollywood, desengane-se. Este não é para as meninas que querem ver o galã, nem para os meninos que querem ver o engatatão. A frieza da sequência original, passada apropriadamente no clima gélido da Suécia, mostra que vamos entrar num mundo diferente.

Para sair dos ‘clichés’ cinematográficos deste género, a escolha do realizador não podia ter sido mais acertada. Anton Corbijn é um fotógrafo aclamado, desde há muito tempo ligado ao meio musical, que realizou vários telediscos e em 2007 nos concedeu uma verdadeira dádiva intitulada “Control”. Um filme fenomenal que é um relato tocante sobre o malogrado Ian Curtis, vocalista do grupo musical Joy Division, onde Corbijn revelou a sua mestria no grande ecrã.

É por isso que este “americano” é mesmo um “europeu”, com planos prolongados, sequências lentas, economia de diálogos e ausência de música desnecessária. Este último aspecto é bastante importante, já que confere ao filme uma dimensão muito diferente daqueles que na sua banda sonora desprezam o poder do silêncio. Em tudo isto há um ambiente ‘dark’, muito bem conseguido, que nos transporta a alguns ‘thrillers’ dos anos 70 do século passado. Nota ainda para o óptimo aproveitamento das magníficas paisagens da região de Abruzzo, opondo ao facilitismo de uma visão turística um olhar da terra.

Jack (George Clooney) é um assassino profissional em fuga que encontra esconderijo numa pacata povoação italiana. Durante o tempo que aí passa, começam a despertar dúvidas existenciais. Como lhe diz o seu enigmático protector num dos diálogos, “não costumavas ser assim”. Mas este homem duro e marcado por uma vida implacável e solitária tem ainda um trabalho, que deseja ser o último. Desta vez não tem que matar, mas transformar uma carabina para um assassinato que será cometido por outro. Aqui começa a revelar-se um artesão, um homem atento ao pormenor, ao mesmo tempo que a relação com uma prostituta evolui num sentido amoroso. Clooney encarna esta personagem com um desempenho profundo, a contrastar com os seus trabalhos mais ligeiros.

Apesar de este ser um filme substancialmente diferente, onde há Clooney tem que haver mulheres. Mas aqui, as três ‘belle’ que aparecem estão na casa dos trinta e, ao contrário da “beleza” artificial tão em voga, reflectem tipos europeus.

Uma das críticas que li e que reconheço é a do fraco argumento. No entanto, nem mesmo isso afecta grandemente a obra, porque por vezes há histórias na (de?) vida que são previsíveis e iguais a tantas outras. Um filme a apreciar."

Duarte Branquinho
in "O Diabo", 30 de Novembro de 2010.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Viagem a outro mundo

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O “Complexo do Alemão” é um conjunto de favelas na zona norte do Rio de Janeiro conhecido pela sua dimensão, pelo tráfico e, em especial, pela extrema violência. O mundo das favelas brasileiras sempre gerou grande curiosidade, mas depois do excelente “Tropa de Elite” (2007), de José Padilha, ganhou um mediatismo colossal. No final do ano passado, a enorme operação militar que se seguiu à série de ataques e atentados perpetrados pelos traficantes cariocas foi amplamente televisionada. Os telejornais abriam com verdadeiros cenários de guerra na “cidade maravilhosa”, que um dia foi capital de Portugal, e as imagens de soldados armados protegidos por blindados a subir os morros mostravam que não se tratava de um mero caso de polícia.

O documentário português “Complexo – Universo Paralelo”, que está agora em cartaz, beneficia muito de toda essa publicidade. Muita da sua promoção e até o próprio ‘trailer’ põem a ênfase nos “bandidos” e na violência. Mas atenção, o filme está longe de ser um exercício de câmara oculta ou uma colecção de imagens explícitas de combate urbano. Reparei que na estreia muita gente esperava algo do género e saiu claramente desiludida. Esta verdadeira viagem a outro mundo, o “universo paralelo” anunciado no título, é antes um olhar para a vida dos habitantes do Complexo.

Os irmãos Mário e Pedro Patrocínio, respectivamente o realizador e o director de fotografia do filme, chegaram ao Complexo do Alemão em 2005 depois de um convite para fazer um teledisco do músico de ‘funk’ MC Playboy. Essa experiência levou-os a frequentar a favela e a realizar várias entrevistas com moradores que captassem as várias realidades e histórias locais. Desse conjunto escolheram quatro personagens representativas. O próprio MC Playboy, “funkeiro” que é um símbolo cultural da comunidade, preocupado mais com a consciência social que com o crime. Seu Zé, uma espécie de ancião respeitado e influente, que preside à Associação de Moradores e é um conhecedor profundo desta favela que viu crescer. Dona Célia, uma mãe de oito filhos que sobrevive graças à sua “fé em Deus”, como ela diz, mas também a uma capacidade de resistência incrível. Vende embalagens para reciclagem para evitar que a família passe fome, incluindo o marido alcoólico que passa a maior parte do dia deitado. Nota-se que é a personagem central, uma imagem paradigmática do ambiente familiar na favela e um exemplo de perseverança. Por fim, os traficantes, jovens que tapam a cara e mostram as suas espingardas automáticas, afirmando estar preparados para tudo, que é como quem diz, a guerra com a polícia.

Os militares por seu turno são filmados como parte da paisagem. Farda camuflada, capacete e arma em punho, normalmente nas esquinas, a controlar os movimentos. A fazer lembrar, por exemplo, soldados israelitas numa operação na Faixa de Gaza.

Um filme bem construído que sai da reportagem sobre troca de tiros, mas que também podia ter ido mais longe. Um olhar interessante sobre um sentimento de fronteira entre dois mundos: o das favelas e o lá de fora.

Duarte Branquinho
in "O Diabo", n.º1777, 18 de Janeiro de 2011.

domingo, 28 de novembro de 2010

O crime compensa

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«Diz-nos a publicidade a “Inside Job” – título perfeito, mas infelizmente intraduzível – que este filme custou mais de 20 triliões de dólares a fazer. O pior é que esse dinheiro é de todos nós, melhor dizendo, de todos os afectados pela profunda crise económico-financeira que estoirou em 2008. Milhões de pessoas perderam os seus empregos, as suas casas e as suas poupanças. Como foi possível essa tragédia? Quais as suas origens? Quais os seus culpados? Algo foi feito para resolvê-la?

Este é um documentário corajoso que responde a estas questões de uma forma clara e acessível e incisiva, com o recurso a entrevistas, gráficos, títulos de jornais e imagens de arquivo. Tudo muito bem montado, em sequências bem ritmadas que nunca se tornam maçadoras e prendem a atenção do espectador e com a narração do actor Matt Damon.

O responsável por este trabalho de verdadeiro serviço público, isento e bem documentado, é Charles Ferguson que o realiza, produz e escreve. Ferguson é formado em Matemática e doutorado em Ciência Política. Profissionalmente foi empresário na área das novas tecnologias e entretanto passou ao cinema, onde se notabilizou com o documentário sobre a guerra do Iraque “No End in Sight” (2007). Para fazer este filme viajou pelo mundo questionando especialistas, políticos e alguns dos responsáveis pelo desastre financeiro, a quem não teve qualquer problema em colocar as perguntas mais difíceis. Alguns recusaram dar entrevistas e essa atitude é referida, outros ficam sem palavras, incomodados, enervados e há até quem peça para desligar a câmara.

Traçando um percurso desde que se abandonou o modelo financeiro tradicional americano, concretamente com a administração Reagan, mostra-nos como a alta finança começou a ser cada vez mais concentrada e poderosa, de tal forma que começou a dominar a política, independentemente de ser republicana ou democrata. Como é dito a determinada altura, o que existe é um “governo de Wall Street”.

Mas o que mais revolta é a impunidade generalizada que verificamos ao ver que os principais responsáveis continuam a fazer uma vida milionária, coleccionando mansões e jactos privados, ao mesmo tempo que recorrem a serviços de prostituição de luxo e ao consumo de cocaína. Tudo vale neste jogo de ganhar dinheiro à custa da miséria alheia.

A parte final do filme é bastante reveladora do que nos guarda o futuro. Apesar das boas intenções anunciadas pelo recém-eleito presidente Obama, a triste realidade é que nada, ou quase nada, se alterou. Aquele que se apresentava como apóstolo da “mudança”, afinal reconduziu ou colocou em lugares de topo vários responsáveis directos por um ‘meltdown’ nunca antes visto. Para reflectir e agir.»

Duarte Branquinho
in «O Diabo».
 
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