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quinta-feira, 21 de maio de 2020

Três perguntas a Dominique Venner sobre “Le Cœur rebelle”

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Dominique Venner (16 de Abril de 1934 - 21 de Maio de 2013)


Com Dominique Venner

Numa das suas missivas, redigidas numa escrita angulosa, Dominique Venner escrevia-me que “a memória das origens é o alimento da alma”. Tão bela quanto justa – é um todo –, a fórmula ilustra o talento do seu autor, um atirador que nunca falhava o seu alvo. A bem-vinda reedição de “Le Cœur rebelle” [“O Coração Rebelde”, inédito em português], na minha opinião o seu mais belo livro a par do “Dictionnaire amoureux de la chasse”, permite-nos compreender: pegando no meu exemplar de 1994, lido com entusiasmo e júbilo, recaio sobre as minhas múltiplas anotações a lápis. Vinte anos depois da sua primeira leitura, cada frase sublinhada ainda fulmina. Que belo hino à determinação viril, que vigorosa carga contra a decadência e a resignação! O antigo cadete da Escola de Guerra de Rouffach, uma espécie de mosteiro guerreiro fundado por De Lattre, o antigo comando da fronteira tunisina, o antigo militante radical que planeará assassinar De Gaulle no Eliseu, o futuro historiador “meditativo”, Venner o espartano deixa-nos aqui o fundo do seu pensamento e, como o precisa num posfácio inédito datado de 2008, exorciza o seu passado. O cúmulo para um homem tão púdico, que detestava as histórias de antigos combatentes e a quem, paradoxo para um historiador, o seu próprio passado deixava indiferente. Nascido de uma dor e de um esforço sobre si próprio, “Le Cœur rebelle” é de alguma forma um misto do “Jeune Européen” de Drieu e de “La Guerre notre mère” de Jünger – o manual do insurgente moderno. Sem ser ingénuo, Venner congratulava-se de ter podido conhecer “o casal divino, a coragem e o medo” outrora cantados por Drieu após a carga de Charleroi, como uma guerra quase feudal, a última (?) que deixava ainda a iniciativa ao indivíduo e não à máquina. Se não escondia a face atroz da sua guerra da Argélia, onde descobriu a crueldade pura (“uma criança triturada como uma lebre”), Venner descrevia bem a traição da retaguarda, o masoquismo odioso dos progressistas, a sua cobardia com pretensões humanitárias. Para Venner, esta guerra que nunca ousou verdadeiramente dizer o seu nome constitui uma experiência fundadora. Estou aliás convencido de que o seu suicídio foi a sua última consequência: o homem de espada, que durante tantos anos havia reprimido as suas pulsões nascidas do estrondo das armas, quis voltar a juntar-se aos seus camaradas do “djebel”, de pé, com os olhos abertos e pelo sangue derramado. Como ele escreve em “Le Cœur rebelle”, onde o tema do suicídio – o de Montherland e o do seu amigo Grossouvre, que se matou no seu gabinete no Eliseu – conclui o ensaio de maneira profética: “alcançar a sua morte é um dos actos mais importantes da vida”. Das muitas páginas que poderiam ser citadas, escolho a última, que é de um escritor de raça e que não pode deixar de virar do avesso todas as almas de qualidade, de onde quer que elas venham: “Sou do país das árvores e da floresta, do carvalho e do javali, da vinha e dos telhados inclinados, das canções de gesta e dos contos de fadas, do solstício de Inverno e das festas de São João no Verão, das crianças loiras e dos olhares claros, da acção obstinada e dos sonhos loucos, das conquistas e da sabedoria. Sou do país onde fazemos o que devemos porque o devemos em primeiro lugar a nós próprios.” Leiamos este livro, ofereçamo-lo às jovens almas ardentes. E saudemos Pierre-Guillaume de Roux, o editor, e Bruno de Cessole, o prefaciador, pela sua fidelidade a um amigo desaparecido. Testemunho sobre uma juventude de tempestade, tratado estóico de saber-viver, reflexão sobre a acção, meditação sobre o trágico, “Le Cœur rebelle” ficará e encontrará novos leitores, porque este livro extraordinário ilustra o primado do estilo sobre as ideias, do instinto vital sobre as abstracções. “Le Cœur rebelle”, ou o suor e o sangue transmutados em espírito.

Christopher Gérard

Dominique Venner, Le Cœur rebelle, édition augmentée et préfacée par Bruno de Cessole, Pierre-Guillaume de Roux, 22€.

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Três perguntas a Dominique Venner sobre “Le Cœur rebelle”
Christopher Gérard – Em “Le Cœur rebelle” evoca com simpatia “um jovem intolerante que levava em si mesmo como um odor de tempestade”: você mesmo no tempo dos combates militares na Argélia e, depois, políticos em França. Quem era então este jovem Kshatriya, donde vinha, quem eram os seus mestres, os seus autores predilectos?
Dominique Venner – É aqui que encontramos uma alusão ao “gerfaut” da sua primeira pergunta, recordação de uma época estimulante e perigosa onde o jovem que eu era acreditava poder inverter um destino contrário através de uma violência assumida. Isto pode parecer extremamente presunçoso, mas, à época, eu não reconhecia qualquer mestre. É claro, eu ia procurar estímulos e receitas no “Que fazer?”, de Lenine, ou em “Os Reprovados”, de Ernst von Salomon. Acrescento que as leituras infantis contribuíram para forjar em mim uma certa visão do mundo que no final foi muito pouco desmentida. Em conjunto, citarei “Éducation et discipline militaire chez les Anciens” [“Educação e Disciplina Militar nos Antigos”, de Marcel Poullin (1883)], pequeno livro sobre Esparta que vinha do meu avô materno, um antigo oficial, “A Lenda da Águia” de Georges d’Esparbès, “O Bando dos Ayacks” de Jean-Louis Foncine, “O Apelo da Floresta” de Jack London, enquanto não lia mais tarde o admirável “Martin Eden”. Tratavam-se de livros formadores dos meus dez ou doze anos. Mais tarde, por volta dos vinte ou vinte e cinco anos, tinha passado naturalmente a outras leituras, mas as livrarias eram então mal fornecidas. Era uma época de penúria intelectual da qual não temos ideia hoje. A biblioteca de um jovem activista, mesmo de um devorador de livros, era magra. Na minha, por entre obras históricas, figuravam “Reflexões sobre a Violência” de Georges Sorel, “Os Conquistadores” de Malraux, “Genealogia da Moral” de Nietzsche, “Serviço Inútil” de Montherland, ou ainda “O Romantismo Fascista” de Paul Sérant, revelação dos anos 60. Vemos que não ia muito longe. Mas se as minhas ideias eram curtas, os meus instintos eram profundos. Muito cedo, enquanto ainda era soldado, senti que a guerra da Argélia era uma coisa diferente do que se dizia ou do que pensavam os ingénuos defensores da “Argélia francesa”. Percebi que se tratava de um combate identitário para os europeus porque na Argélia estavam ameaçados na sua própria existência por um adversário étnico. Senti igualmente que lá defendíamos – muito mal – as fronteiras meridionais da Europa. Contra as invasões, as fronteiras defendem-se sempre para além dos mares ou dos rios.

Neste livro, que é um pouco a sua autobiografia, escreve: “Sou do país das árvores e da floresta, do carvalho e do javali, da vinha e dos telhados inclinados, das canções de gesta e dos contos de fadas, do solstício de Inverno e das festas de São João no Verão.” Que estranho paroquiano é você, afinal?
Para dizer as coisas de maneira breve, sou demasiado conscientemente europeu para em nada me sentir filho de Abraão ou de Moisés, ao mesmo tempo que me sinto plenamente o de Homero, de Epicteto ou da Távola Redonda. Isto significa que procuro as minhas referências em mim, o mais próximo das minhas origens e não num lugar longínquo que me é perfeitamente estranho. O santuário onde me vou recolher não é o deserto, mas a floresta profunda e misteriosa das minhas origens. O meu livro sagrado não é a “Bíblia”, mas a “Ilíada”, poema fundador da psique ocidental, que atravessou miraculosa e vitoriosamente os tempos. Um poema que vai às mesmas fontes que as lendas célticas e germânicas de que manifesta a espiritualidade, se nos dermos ao trabalho de o decifrar. No entanto, não esqueço os séculos cristãos. A catedral de Chartres faz parte do meu universo da mesma forma que Stonehenge ou o Partenon. Esta é a herança que é necessário assumir. A História dos europeus não é simples. Depois de milénios de religião indígena, o cristianismo foi-nos imposto por uma série de acidentes históricos. Mas foi ele próprio em parte transformado, “barbarizado” pelos nossos antepassados, os bárbaros, os francos e outros. Foi amiúde vivido como uma transposição dos cultos antigos. Atrás dos santos, continuou-se a celebrar os deuses familiares sem se fazer grandes perguntas. E nos mosteiros recopiavam-se os textos antigos sem necessariamente os censurar. Esta permanência é ainda verdadeira hoje em dia, mas sob outras formas, apesar dos esforços da predicação bíblica. Parece-me necessário ter em conta a evolução dos tradicionalistas que constituem tantas vezes ilhas salutares, opondo ao caos ambiente as suas famílias robustas, as suas crianças numerosas e o seu agrupamento de jovens em boa forma. A perenidade da família e da pátria que eles reclamam, a disciplina na educação, a firmeza nas provas não tem evidentemente nada de especificamente cristão. São réstias da herança romana e estóica que a Igreja mais ou menos assumiu até ao início do século XX. Inversamente, o individualismo, o cosmopolitismo actual, o culpabilismo são heranças laicizadas do cristianismo, como o antropocentrismo extremo e a dessacralização da Natureza nos quais eu vejo a fonte de uma modernidade faustiana enlouquecida de cujos efeitos pagaremos um elevado preço.

Em “Le Cœur rebelle” diz também: “Os dragões são vulneráveis e mortais. Os heróis e os deuses podem sempre regressar. Não há fatalidade a não ser no espírito dos homens.” Pensamos em Jünger, que conheceu, que via em acção Titãs e Deuses…
Matar em si próprio as tentações fatalistas é um exercício que não tolera descanso. Quanto ao resto, deixemos às imagens o seu mistério e as suas múltiplas radiações, sem as apagar com uma interpretação racional. O dragão pertence desde a eternidade ao imaginário ocidental. Ele simboliza umas vezes as forças telúricas, outras as forças malignas. Foi pela luta vitoriosa contra um monstro que Hércules, Siegfried ou Teseu acederam ao estatuto de herói. À falta de heróis, não é difícil reconhecer na nossa época a presença de diversos monstros, que eu não creio que sejam invencíveis mesmo que o pareçam.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

«Reacção feroz. Temem a dissidência»

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Uma punição cruel e desproporcional contra uma acção absolutamente simbólica. É assim que a CasaPound classifica a reacção da polícia à tentativa de içar a bandeira italiana na sede da representação da União Europeia. «Para todos os efeitos, é actualmente a sede de um exército de ocupação económica», afirma Gianluca Iannone, o líder da CasaPound.

O que é que aconteceu?
A detenção de Simone Di Stefano [vice-presidente da CasaPound] por «furto de bandeira» foi surreal. A manifestação era absolutamente pacífica. Mesmo assim, perante italianos desarmados, sem capacetes, sem bastões e sem bombas, foi lançada uma reacção violenta, furiosa e desproporcional. Uma repressão feroz como não se via há muito tempo e um «castigo» feroz contra quem se limitou a um executar um gesto totalmente simbólico. Não tenho visto episódios destes perante manifestações bem mais agressivas.

Já foram excomungados por Letta [primeiro-ministro italiano]. Qual é a sua justificação?
A nossa resposta é que a velha política tem medo de uma verdadeira dissidência, que não conseguem interceptar. Tinha razão o grande Pound quando dizia que os políticos são os empregados dos banqueiros...

Não esperavam ser classificados como um movimento anti-histórico?
Do ponto de vista social a Itália regrediu ao século XIX, e nós é que somos os anti-históricos? Além disso, esta ideia segundo a qual existe um caminho obrigatório que já está escrito e do qual não nos podemos desviar é supersticiosa, medieval, e como tal, anti-histórica. A verdade é que se pode imaginar uma economia complexa e em grande parte diferente da actual perspectiva desastrosa da globalização.

A vossa batalha é também contra o euro. Porquê?
A nossa batalha é contra qualquer moeda que não seja cunhada pelo Estado, seja a lira ou o euro. Nós somos contra o Banco Central Europeu, não necessariamente contra qualquer tipo de moeda única europeia.

Se saíssemos do euro, os preços dos produtos seriam mais baixos, mas perderíamos o guarda-chuva da moeda forte para adquirir matérias primas.
Para ser franco, acho que os italianos não se sentem sob a protecção de qualquer guarda-chuva.

Os vossos argumentos são os mesmos que os de Grillo. O que têm em comum com ele?
Grillo sepultou as suas ambições revolucionárias quando enviou para o Parlamento dezenas de nerds confusos e impreparados, que como primeira medida propuseram endurecer os crimes de opinião. Se quer realmente fazer alguma coisa, largue o computador e venha às ruas onde pode realmente sentir a raiva que as pessoas sentem. É verdade que tanto a CasaPound como Grillo dizem que quem é atirado à água deve começar a nadar, mas o problema é que os vários Letta e Alfanos sugerem que devemos esperar a ajuda da mão invisível do mercado.

Isso não é pescar no desespero?
Nós dizemos as mesmas coisas há mais de dez anos. Agora que os factos confirmam as nossas ideias somos acusados de oportunismo? Além disso, dar resposta ao desespero é exactamente uma das tarefas da política. Ou devemos talvez limitar-nos a olhar por nós mesmos, como aquele político grego que recentemente afirmou que "dar de comer ao povo não pode ser um dever do Estado"?

Se a Itália saísse do euro podia ser o caos.
Isso é um equívoco: nos caos económico já nós estamos! Já caímos no fundo, estamos a tocá-lo com as nossas próprias mãos. Agitar o espectro de um cenário pós-apocalíptico é inútil, dado que muitos italianos já não têm nada a perder. Dito isto, repito que a posição da CasaPound não é anti-euro, mas nós não combatemos um fetiche, combatemos um sistema criado para endividar os povos.

Que opinião tem relativamente aos "forquilhas" [revolta das forquilhas, movimento independente que envolve agricultores, camionistas, artesãos, pequenos comerciantes e estudantes, e que se propôs parar Itália durante cinco dias, de 9 a 13 de Dezembro, recorrendo a manifestações, concentrações, bloqueio de estradas e fecho de comércio]?
Trata-se de um movimento largamente espontâneo, que nasce de uma raiva genuína, e que portanto é ainda algo confuso. Houve no entanto a clareza de escolher como único símbolo a bandeira italiana. Para nós foi o suficiente para tomarmos partido por eles, sem símbolos, instrumentalizações ou infiltrações. As barricadas em torno da bandeira tricolor, fazemo-las há dez anos. Temos por isso o direito de nos sentirmos em casa, conquistámos esse direito no campo.

Que pensa da actual classe política?
É composta unicamente por inimigos do povo. Quanto à gestão da crise, simplesmente não existe. Foi confiada a aprendizes de feiticeiro da alta finança e a programas governamentais organizados pelos mesmos que criaram a crise. A nossa solução é simples: congelamento, pelo menos por um ano, dos encerramentos ordenados pela Equitalia [empresa pública que em Itália se encarrega da tributação de impostos], o congelamento da dívida externa e proteccionismo europeu para evitar que os trabalhadores italianos sofram a concorrência dos escravos chineses. Seria um bom ponto de partida.

Tradução de uma entrevista de Gianluca Iannone ao jornal «Il Tempo».

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Entrevista com Ernesto Milá

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Ernesto Milá é um jornalista e escritor espanhol, autor de várias obras. O seu livro “Identidade, patriotismo e enraizamento no século XXI” foi recentemente traduzido para português e publicado no nosso país pela editora Contra-corrente. Esteve em Lisboa para a apresentação deste seu trabalho.

Qual é a ideia fundamental deste livro e qual é o seu objectivo?
Quero dizer, em primeiro lugar, que não sou um doutrinador, nem ideólogo, mas jornalista e escritor. Interessa-me o mundo das ideias e sinto-me tributário das ideias tradicionalistas de Julius Evola e René Guénon e das ideias da Nova Direita francesa, da mesma maneira reconheço um tributo devido à obra dos pensadores nacionais-sindicalistas espanhóis, especialmente José Antonio Primo de Rivera e Ramiro Ledesma. O problema com que me deparei nesta obra foi como actualizar, definir e sintetizar todas estas influências tendo em conta a realidade iniludível da modernidade.
A ideia deste livro é sintetizar ideias prévias, definir alguns conceitos claros e estabelecer uma série de questões novas que todos nós sentimos e que não foram interpretadas pelos mestres de pensamento da nossa corrente. Na prática, neste livro defino o paradigma identitário.

Traça a distinção entre nacionalismo e patriotismo. Porque é que é importante definir tais conceitos?
É fundamental que nos movamos com conceitos claros com os quais todos estejamos de acordo. Um deles é o patriotismo que tem que ver essencialmente com a ideia de Tradição. A “pátria” é a “terra dos pais”, liga com um passado que se quer projectar para o futuro. A nação, ao contrário, é outra coisa: é um conceito fundamentalmente moderno, não anterior à Revolução Francesa e que substitui o “reino”. Assim, como nos reinos antigos o poder estava nas mãos de uma aristocracia, na nação histórica é a burguesia que detém a hegemonia. Dito de outra maneira, a origem do nacionalismo é fundamentalmente liberal e burguês, referindo-se a uma ordem de ideias que tem que ver com os valores inerentes às revoluções liberais do século XIX.
Em cada país atribui-se um sentido diferente a estes conceitos. Em Espanha, por exemplo, quando se fala de “nacionalismo” está-se a falar de ideias de tipo regionalista que apareceram espacialmente na Catalunha, no País Basco e na Galiza. Em França, pelo contrário, a partir da escola da Action Française e da obra de Charles Maurras, o “nacionalismo integral” vem a ser uma forma de patriotismo. No entanto, é importante recordar que as palavras estão carregadas e podem ser perigosas: todo o pensamento deve ser “orgânico” e ter uma ordem de ideias perfeitamente encadeadas. Se aceitamos que a nação aparece onde a guilhotina corta a cabeça dos reis, temos que aceitar que uma coisa é a ordem liberal e outra é a ordem tradicional e a primeira tem como valores a Nação, o mercado livre, a burguesia, o republicanismo, enquanto que a ordem tradicional tem como valores a Pátria, a economia corporativa, a monarquia, etc. É muito perigoso inserir em cada elo da cadeia um elemento que pertence a outra, por isso prefiro referir-me ao patriotismo em vez de ao nacionalismo.

Em Portugal, quando nos referimos ao nacionalismo, é diferente?
Não, creio que não. Em cada país europeu há uma forma de chamar as coisas. O que me parece importante é que, seja qual for a palavra utilizada para definir uma ordem de ideias, esteja acompanhada de uma tomada de posição nítida. Por exemplo, é importante que quando um “nacionalista” define o seu projecto deixe claro que se trata de um projecto fundamentalmente antiliberal e antiburguês. Isto implica resgatar a palavra das garras de quem detém historicamente o monopólio da mesma e dar-lhe um conteúdo que está nos antípodas do conceito que tinha originalmente. Creio, definitivamente, que de uma forma ou de outra temos que estar de acordo quanto aos termos a utilizar na luta política e o conteúdo a atribuir a cada termo.

No seu livro fala também no enraizamento. É possível num mundo urbanizado?
A ideia do enraizamento foi teorizada inicialmente por Charles Maurras, cujo pensamento influenciou poderosamente a reconstrução do património doutrinal de todas as direitas nacionais europeias, especialmente dos monárquicos no início do século XX. Posteriormente foi incorporada no património da Nova Direita francesa na medida em que supunha uma modulação de um instinto que está presente nas espécies animais, especialmente nos mamíferos superiores: o instinto territorial que, basicamente, faz com que se tenha tendência a identificar-se com o local que se considera como próprio e a defendê-lo, especialmente porque se nasceu ali. É o que em França se chama “as pátrias carnais” e em Espanha se chama a “patria chica", é a terra natal. Explica por que sentimos mais ou menos atracção pela zona que nos viu crescer. Nas cidades esse sentimento é muito mais atenuado. Não é por acaso que uma velha tradição dizia que a primeira cidade foi construída por Caim. As cidades modernas converteram-se em colmeias massificadas, em monstros burocrático-administrativos com cheiro a gasolina e em que a capa de asfalto, para cúmulo, nos separa da terra natal. É indubitável que nas grandes cidades se destrói a ideia de enraizamento. Mas isto também tem implicações: é evidente que as nossas cidades são como são porque o factor especulativo, o mau ordenamento, conceitos urbanísticos obtusos, geraram verdadeiros monstros que progressivamente se vão tornando mais hostis e incómodos para os seus habitantes. Era preciso um novo urbanismo capaz de dar um rosto mais humano às cidades e que estas recuperassem a dimensão humana.

O nosso pior inimigo é a globalização?
Sim, sem dúvida. A globalização é o aspecto económico de um fenómeno mais amplo e anterior: o mundialismo, matriz doutrinal de que a globalização é a aplicação económica. Já no início do século XX aparecem algumas tendência “mundialistas” sempre nos contornos da maçonaria internacional. Há que dizer que a maçonaria foi o laboratório de ideias da burguesia laica, republicana e liberal. Já nos finais do século XX trabalhava com a ideia de “unificar a humanidade”. Esse projecto teve em 1945 um novo impulso até ao ponto que algumas correntes maçónicas considerarem a fundação das Nações Unidas como o inicio da “era da luz”. A partir de 1945 a soberania dos Estados nacionais ficou limitada face a uma entidade supranacional controlada durante 40 anos pelas duas superpotências. Quando caiu a URSS e depois da Guerra do Koweit afirmou-se que tínhamos chegado ao “fim da História”, ou seja, ao período onde não haveria conflitos nem contradições e que, por isso, não haveria História, havendo no seu lugar forças económicas que operavam a nível mundial e que contribuiriam para construir um “mundo feliz”. Hoje sabemos que a livre circulação de capitais levou directamente à globalização e a esta crise económica que é, ao mesmo tempo, a primeira da globalização e talvez seja a última: o capital açude à chamada de novos benefícios e ultrapassa fronteiras constantemente, passa de um país a outro, sem fixar-se em lado algum, sempre à espera de maiores expectativas de lucro. O resultado é a instabilidade económica internacional e a formação de “bolhas” que nascem, crescem, rebentam, semeiam a dor, a ruína e a crise em certas zonas do planeta, para transferir-se imediatamente a outras gerando o mesmo impacto. Resumindo, o grande inimigo do ser humano é, hoje, a globalização.

Como podemos combatê-la?
É evidente que a competição entre diferentes economias apenas é lícita e aceitável quando ambas têm as mesmas condições de vida, os mesmos níveis de desenvolvimento e o mesmo tipo de protecções sociais. Quando na Europa o salário médio é de mil euros (na Europa do Sul) e na China é de 175 euros é evidente que não há concorrência possível. A indústria de manufacturas mudará sempre para onde seja mais barato produzi-las: as economias europeias que não podem desvalorizar a moeda, o que fazem para “ganhar competitividade” são “desvalorizações sociais”, limitando e reduzindo os salários. Mas estes nunca alcançarão os níveis da China, muito menos os do Vietname (133 euros por mês), nem os de África (apenas 50 euros por mês)... Assim, para combater a globalização, o primeiro a fazer é um rearme tarifário. O segundo é criar zonas de livre mercado homogéneas, ou o mais homogéneas possível.

Como vê a crise actual? É uma consequência da globalização?
Sim, sem dúvida. Não creio que haja saída. Quando se resolver a crise na Europa (no próximo ano prevê-se um crescimento do PIB em Espanha e que a crise acabará com um crescimento reduzido), a crise rebentará no Brasil e noutras zonas da América do Sul e provocará a quebra brusca das importações da Europa, porá bancos europeus em dificuldades e voltará a aparecer no Velho Continente o fantasma da crise extrema. Creio que esta é a primeira grande crise da globalização, mas à medida que avança temo que também seja a última. Quem diz globalização diz instabilidade e não pode existir uma instabilidade permanente. Esta, antes ou depois, acabará por desintegrar o sistema económico mundial.

Não é apenas uma crise europeia. Como está a afectar outros países?
A crise actual começou nos EUA no Verão de 2007 e depressa contagiou a Europa. A livre circulação de capitais fez com que o contágio fosse especialmente rápido. Agora, o elemento central da crise foi o aparecimento de “bolhas”. A imobiliária e a do crédito foram as centrais. Os preços da habitação tinham subido excessivamente, construía-se mais do que se podia consumir e a um preço insuportável para as populações. Apesar disso, os bancos davam créditos fáceis porque acreditavam que o preço das casas continuaria a subir. Mas, de repente, tudo parou. A bolha rebentou. Os bancos ficaram descapitalizados e em bancarrota. Ora, este processo que se viveu no “primeiro mundo”, essencialmente na Europa e nos EUA, corre o risco de se reproduzir agora, exactamente com as mesmas características em países como o Brasil e outros da América do Sul. O capitalismo move-se sempre em busca de maiores benefícios e pouco lhe importa como se obtêm ou os ensinamentos de experiências passadas. O que importa é apenas o lucro imediato. Sim, a crise continuará nos próximos anos porque as exportações europeias para as zonas que proximamente se verão afectadas pelo rebentar de novas e sucessivas bolhas pararão bruscamente. E, quando a crise acabar na América Latina, rebentará na China. Não, não há qualquer possibilidade do sistema económico mundial sobreviver a estas crises sucessivas.

O sistema político actual tem alguma solução ou está submetido ao poder económico?
Creio que esta questão é o núcleo de todo o problema: a economia governa a política. Na globalização a democracia é uma ficção porque o capital é detido por estados maiores cada vez mais reduzidos. A política é luta, criação, destino. A economia é uma ciência auxiliar da política destinada a satisfazer as necessidades das pessoas, não o afã de lucro e de usura de reduzidíssimas elites económicas. É preciso não esquecer isto: enquanto a política não voltar a conter as mais enlouquecidas ambições dos senhores do capital, não há possibilidades de acabar com a crise. Agora, é evidente que os políticos actuais não têm capacidade nem formação, nem sequer interesse suficiente, de tomar as rédeas dos novos destinos das suas nações; isso apenas os verdadeiros estadistas são capazes de fazer e o que temos são pobres espertalhões, corruptos, incapazes, egomaníacos que constituem o essencial da classe política dirigente. Há que renovar esta classe política, forjar uma nova classe política que recupere o destino dos povos e imponha as directrizes políticas à omnipotência da economia.

Como vê a questão da imigração?
Creio que a imigração é uma ameaça contra a identidade europeia. Há duas ameaças geradas pela globalização: a deslocalização e a imigração maciça. Ambas têm como denominador comum a optimização dos rendimentos do capital.

Afirma que a família é a base da identidade. Há um ataque À família?
Qualquer sociedade articula-se em torno de uma comunidade básica. A tradição diz-nos que sempre foi em torno da família. Mas esta hoje está destruída. Gostava que houvesse um país europeu que aprovasse uma lei em defesa da família. Mas não espero nada nesta direcção, antes pelo contrário. A família era de tal forma tida como essencial que em Roma era considerada como uma instituição sagrada. Se olharmos para as orientações da UNESCO – matriz intelectual da globalização – veremos que os ataques à família são uma constante. E é a família a instituição em que se forja e transmite a identidade dos povos. Não é estranho que a UNESCO a considere como o principal inimigo a abater. Da mesma forma que nós a consideremos a primeira instituição a defender.

Entrevista de Duarte Branquinho publicada na edição de 8 de Outubro de 2013 do semanário O Diabo.

sábado, 2 de novembro de 2013

Entrevista com Constantino, militante do Aurora Dourada, depois do assassínio de dois militantes do partido

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Há cerca de um mês, na sequência da detenção do secretário-geral do Aurora Dourada e de alguns deputados, entrevistámos Constantino, militante histórico do partido grego e um dos responsáveis da transmissão da Radio Bandiera Nera em língua grega. Voltamos ao contacto numa ocasião ainda mais triste, o homicídio de dois militantes gregos, Manolis e Giorgos, que teve lugar no final da tarde da última sexta-feira, junto à sede do Aurora Dourada em Atenas.

Depois das detenções, na última entrevista, desta vez as notícias são ainda piores. Em primeiro lugar, peço-te que faças uma reconstituição de tudo o que aconteceu.
A sede estava aberta, eram 19 horas. O edifício está situado na periferia norte de Atenas, numa zona "bem", muito frequentada. O Primeiro-Ministro retirou a protecção policial aos deputados e a todas as representações do partido. Por isso, estes dois rapazes, assim como um terceiro que foi ferido, todos jovens, estavam encarregados da segurança junto à sede. Como disse, a zona é muito populosa. Nisto, passou uma mota de alta cilindrada com duas pessoas. Dispararam, dois rapazes caíram e o outro conseguiu esconder-se, embora tenha sido atingido no peito. Os dois da mota desmontaram e atiraram à queima-roupa sobre os rapazes caídos, num golpe de misericórdia. Isto foi o que disseram todas as testemunhas.

Ou seja, estavam apenas três rapazes fora da sede do Aurora Dourada a fazer o serviço de ordem, e os outros militantes estavam todos no interior?
Sim, só aqueles três é que estavam cá fora, porque estavam a fazer o serviço de ordem. Todos os outros estavam dentro do edifício. De qualquer forma, este homicídio recorda-me bastante de Acca Larentia [n.d.r. ataque a tiro à sede do Movimento Sociale Italiano no bairro de Acca Larenzia, ocorrido a 7 de Janeiro de 1978 em plenos Anos de Chumbo, no qual morreram três jovens activistas do Fronte della Gioventù: Franco Bigonzetti, Francesco Ciavatta e Stefano Recchioni]. Não sei o que vai acontecer amanhã, mas tenho a certeza que isto é uma armadilha do sistema.

Na entrevista que fizemos no mês passado, falaste de forma profética dos anos 70 italianos. A situação grega actual é ou pode tornar-se semelhante à daquele período?
Sim. Eu próprio estou neste momento a traduzir um livro italiano sobre os Anos de Chumbo, com declarações e comentários de camaradas italianos que viveram esse período na primeira pessoa, para que os mais jovens, que não fazem ideia da situação italiana daquela época, possam assim conhecê-la. E perceber que a situação exige muita prudência. O próprio porta-voz da Aurora Dourada afirmou ontem, na televisão grega, que é preciso ter muita calma. Eu tenho receio pelos mais jovens: devem entender que isto é uma armadilha do sistema. Não acredito que isto tenha sido organizado pela extrema-esquerda. Acho que foram os serviços.
Mesmo depois da detenção do nosso secretário-geral, as sondagens continuavam a dar-nos mais de 10%. Eles têm de encontrar uma forma de destruir o nosso movimento. Querem encontrar uma maneira de desacreditar a esquerda e a direita anti-mundialistas e fazer do Primeiro-Ministro o "salvador da pátria".

Ou seja, na tua opinião a autoria desta ataque não pode ser atribuída directamente à extrema-esquerda. É preciso olhar para outro lado?
Sim, não acredito que matariam dois simples militantes de base do movimento. O secretário-geral do partido e outros dirigentes com visibilidade já não têm protecção policial, não teria sido muito difícil tentarem matá-los. Não os acho tão estúpidos ao ponto de criar um problema destes para matar três militantes de base.

Como está o rapaz ferido?
Está mal. Os médicos mantêm-no vivo, à espera de melhoras, mas encontra-se em estado grave.

Qual foi a atitude da imprensa grega perante estas notícias?
Falaram mais do tiroteio no aeroporto de Los Angeles do que do assassínio dos nossos rapazes em Atenas. Para o rapaz anti-fascista morto no mês passado fez-se um minuto de silêncio e já lhe foi dedicado o nome de uma rua. Para os nossos nada. Falarão qualquer coisa hoje, e depois nada. Foram mortos dois fascistas e vocês sabem melhor que eu o que significa "matar um fascista". Infelizmente, o mesmo se aplica aqui.
Repito, tenho receio da reacção dos mais jovens, especialmente nos subúrbios de Atenas, onde os rapazes poderão ver apenas "o inimigo", o antifa, e não a verdade.
A situação está muito tensa.

Qual foi a reacção dos políticos e do governo grego?
A maior parte dos políticos tentou instrumentalizar a situação, dizendo ou dando a entender: "Viram? Devem votar nos moderados para salvar a pátria". Para eles a vida humana não conta. Só interessam os votos.

A tal estratégia da "oposição extremista".
Sim, a estratégia da tensão. Há um jornalista, de esquerda mas intelectualmente honesto — se é que ainda há alguém assim à esquerda — que fala há meses da estratégia da tensão. Ele viveu em Itália e conhece o fenómeno. Nós vivemos quase 40 anos depois daquilo que a Itália passou na década de 70.

E a estratégia, na tua opinião, pode funcionar junto da opinião pública?
É uma bela pergunta. Na semana passada organizámos uma manifestação junto à nossa sede nacional.
É verdade, as pessoas têm medo, a economia acabou, quem manda agora está no estrangeiro, os nossos políticos são fantoches que dançam a música tocada pelos bancos mundiais. As pessoas pensam unicamente na forma como vão pagar os impostos de amanhã e levar as crianças à escola. Tentam criar pânico para fazer as pessoas voltar a votar nos velhos partidos e não em quem combate a mundialização. Mas não sei se a estratégia deles vai funcionar. As pessoas estão cansadas. Os 5% de gregos (agora talvez 10% ou 15%, de acordo com as sondagens) que votam no Aurora Dourada fazem-no, não porque são fascistas ou nacionalistas, mas porque acreditam na nossa batalha.
Quem orquestrou tudo isto sabe-o. Não serão certamente os serviços secretos helénicos, mas gente de fora.
Antes das despedidas, quero agradecer-te a ti, à vossa rádio, a todos os camaradas italianos e a todo o mundo pelo apoio, que para nós é emocionante. Chegaram contactos da América do Sul, Espanha, Rússia, Polónia, Inglaterra. E também ao Dimitris, que é o verdadeiro coração da RBN Hellas, e que há dois anos gere a redacção grega da Radio Bandiera Nera.

Traduzido e adaptado de uma entrevista à Radio Bandiera Nera.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Entrevista exclusiva a Davide Di Stefano, elemento da Frente Europeia de Solidariedade pela Síria

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Uma delegação italiana da Frente Europeia de Solidariedade pela Síria visitou a Síria no final do último mês de Agosto, enquanto nos Estados Unidos o Presidente Barack Obama anunciava uma intervenção militar iminente. Os activistas italianos estiveram em Damasco e Tartus, foram recebidos pelas autoridades sírias e puderam testemunhar em primeira mão a situação do povo sírio num violento conflito que já causou milhares de mortos e milhões de deslocados. Numa entrevista exclusiva, o Dissidente.info fez algumas perguntas Davide Di Stefano, um dos elementos da Missão que esteve presente na Síria.

Estiveste numa missão a Damasco, no final do mês de Agosto, quando havia uma séria ameaça de uma intervenção militar norte-americana na Síria. Podemos dizer que estavas no olho do furacão. Qual era a sensação de estar na capital da Síria naquela altura?
Havia com certeza um pouco de apreensão em toda a delegação, visto que a imagem que chegava a Itália através dos meios de comunicação social ocidentais era a de um país totalmente destruído. Ainda para mais tendo em conta que chegámos a Damasco na sexta-feira, 30 de Agosto, dois dias depois de Obama ter anunciado o início iminente de uma intervenção militar no país. Mas para dizer a verdade, o nosso maior medo era que a missão fosse cancelada por razões de segurança.

Damasco é uma cidade cercada. Apesar dos avanços do exército sírio, ainda há diversas áreas à volta de Damasco controladas pelos rebeldes. Como é que a cidade estava a lidar com isso? Sentiste escassez de alimentos na cidade? Havia falhas de electricidade ou interrupções no abastecimento de água?
A imagem transmitida por Damasco, pelo menos na maior parte do seu território, é a de uma cidade sitiada mas paradoxalmente “calma”. Passeando nas ruas da cidade, o maior medo é sempre o de um possível atentado. Nos subúrbios a Leste da cidade, como no bairro de Jobar, é onde a situação continua mais quente. De resto, a população parece enfrentar a situação com aparente tranquilidade, apesar das dificuldades económicas e práticas envolvidas. Existe racionamento de energia eléctrica e de alguns bens de primeira necessidade, sobretudo medicamentos e leite em pó, que escasseiam. A recordar que existe uma guerra existe a artilharia governamental, que das posições do Monte Quasioun fustiga os rebeldes entrincheirados nos subúrbios de Leste, frequentemente escondidos em túneis subterrâneos.

Apesar da ameaça de um ataque militar por parte dos governos de alguns países ocidentais, o povo sírio tinha ideia que no Ocidente a opinião pública está contra uma potencial intervenção militar?
O povo sírio, assim como as autoridades, conhecem a diferença entre os nossos governantes e maior parte da opinião pública ocidental. Os duros golpes recebidos por Obama a nível político, tal como a posição de não-intervenção da Itália e da Alemanha e a reprovação do Parlamento inglês geram confiança. Quando estávamos na Síria, a televisão pública e os principais jornais deram muita importância à nossa missão, também para mostrar à população que na Europa não estão todos alinhados Também a posição do Papa e o jejum contra a guerra tiveram muita importância na Síria, principalmente nos dias em que lá estivemos.

Durante a missão tiveste oportunidade de conhecer diversos elementos do exército sírio. Estiveste até no funeral de um jovem soldado, quando estavas a caminho de Tartus. Qual é o espírito do exército sírio? As tropas estão moralizadas para derrotar os fundamentalistas islâmicos ou temiam um ataque americano?
O exército sírio é composto por muitos soldados válidos e convencidos das suas próprias razões. Existe um sentimento muito difundido por toda a população de que um ataque contra a sua nação representaria uma grave injustiça e que nessa eventualidade teriam todo o direito a defender-se. Como muitas vezes acontece no Médio Oriente, o exército é o pilar do Estado. Cerca de 80% do exército é composto por elementos de etnia alauita, a mesma de Assad. Entre as tropas existe algum cansaço, mas a verdade é que 28 meses de guerra civil são cansativos para qualquer um. Até ao dia 21 de Agosto, o exército governamental tinha reconquistado muitas cidades e posições, e os rebeldes estavam a atravessar uma fase péssima. A seguir ao alegado ataque com armas químicas, as coisas mudaram e a atenção focou-se num possível ataque americano, juntamente com a Grã-Bretanha e a França. Esta possibilidade gerou muita preocupação, mas os sírios mantêm-se confiantes, até porque contam com o apoio dos seus aliados, a Rússia e o Irão, a força e solidez da própria nação e o receio de Israel de sofrer um ataque com mísseis.

Quais os planos para futuras missões da Frente Europeia de Solidariedade coma Síria?
Esta foi a primeira missão da Frente Europeia de Solidariedade com a Síria e teve um grande significado político e simbólico, representando uma iniciativa de solidariedade directa no momento mais difícil. Para o futuro, sobretudo através da associação Solidarité Identités, temos a intenção de realizar uma missão de solidariedade nos próximos meses. Temos óptimos contactos, sobretudo em Tartus, que sendo o segundo maior porto da Síria, reúne boas condições para o envio de bens de primeira necessidade como leite em pó e medicamentos.

Por último, se pudesses enviar uma mensagem ao Presidente dos Estados Unidos depois da tua experiência na Síria, o que lhe dirias?
Para devolver o Prémio Nobel da Paz.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Entrevista a Constantino, militante do Aurora Dourada

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Constantino é um militante histórico do Aurora Dourada. Um daqueles que já eram militantes antes da explosão eleitoral, dos tempos em que o partido grego navegava em torno do 1%. É há seis anos um dos animadores da RBN Hellas, a transmissão da Radio Bandeira Nera em língua grega, emitida todos os domingos às 22h. Encontramo-lo, via Skype, numa cidade grega que, por motivos de segurança, preferimos não revelar. Apesar do momento dificílimo que o partido atravessa, Constantino mantém o humor e a tranquilidade de quem sabe combater por uma causa justa. Estudou em Itália e responde num italiano perfeito.

Através da imprensa chegaram a Itália notícias do que se passou mas, como imaginas, de uma forma distorcida. Entrámos em contacto contigo para saber o que realmente aconteceu.
Depois da morte de um rapaz antifascista há duas semanas, na sequência de uma discussão futebolística na periferia de Atenas, a esquerda, o centro, socialistas e mesmo a direita helénicas começaram a atacar o Aurora Dourada. Tudo isto numa altura em que as sondagens davam mais de 15% dos votos a nível nacional. O número três do nosso movimento era dado pelas sondagens como o provável próximo Presidente da Câmara de Atenas, com mais de 60%. Podes imaginar o que significaria conquistar a Câmara da cidade mais importante da Grécia.

Ele também foi preso?
Claro. Foi preso juntamente com o nosso secretário-geral, o vice-secretário-geral e outros quatro deputados que faziam parte do núcleo histórico do Aurora Dourada. Não foram detidos membros recentes. Sabiam muito bem quem prender. Começou uma caça ao "fascista", com mais de 30 detenções. E ainda não acabou. As acusações são brutais: a principal é a de associação criminosa. Agora todos os militantes, e os eleitores que já são mais de meio milhão, são tratados como delinquentes nos telejornais e na rádio. Também há acusações de extorsão e posse de armas. Devem ser aviões, porta-aviões e tanques. Só que temos os tanques muito bem escondidos.
Além disso, na semana anterior prenderam quatro importantes agentes da polícia por alegadas ligações ao nosso movimento, assim como agentes das forças especiais gregas. Podes ver que o ataque foi bem estudado.
Depois prenderam os nossos dirigentes no sábado, quando o Parlamento grego estava fechado, e sem esperar pela votação para a suspensão da imunidade parlamentar dos nossos deputados. É a primeira vez, não apenas na Grécia mas em toda a Europa, que um líder de um partido e deputado é detido sem a suspensão da imunidade ser votada no parlamento.

Podes explicar como funciona exactamente a imunidade parlamentar na Grécia? Existe uma lei parecida à italiana?
Sim, é uma lei parecida. Para prender um representante parlamentar é necessário recorrer ao parlamento e os deputados devem votar para anular a imunidade. Isto é o que dizem as normas democráticas. Mas a nós não foram aplicadas.

Esta é a situação judicial. Podes falar da situação política? O movimento está a reagir? Como é óbvio, diz-me só o que é oportuno anunciar publicamente.
Sim, mesmo com o líder na prisão, a sua mulher, que também é deputada, é a sua porta-voz e tem estado em contacto com ele. Dentro de três ou quatro dias teremos desenvolvimentos, mesmo a nível judicial.
Mas sabes o que eles fazem? Entram na casa dos militantes, apreendem camisolas do Aurora Dourada e bandeiras gregas. Relativamente a isto, o ministro da Justiça declarou oficialmente que a polícia tem o direito de abordar e revistar qualquer pessoa que ande na rua com uma bandeira grega. Agora até a bandeira nacional é algo criminoso. Quanto ao resto, o mais grave que encontraram foram armas de ar comprimido.
Esta semana o parlamento vai votar uma nova lei "anti-racista" e podes imaginar o que estão a preparar.

Qual é a lei actual na Grécia? Existe alguma lei análoga à lei Mancino [n.d.r. lei proposta pelo ministro democrata-cristão Nicola Mancino, introduzida em 1993 como Decreto-Lei 122, que condena gestos, acções e slogans ligados à ideologia fascista, punindo ainda a incitação à violência e a discriminação por motivos raciais, étnicos ou religiosos]?
Existe uma lei, mas é considerada demasiado "suave". Por exemplo, é possível usar o fascio e fazer a saudação romana. Já a nova lei que o parlamento vai aprovar será ainda mais dura que a lei alemã.

E qual é a reacção popular?
Quanto a tudo isto, há uma coisa positiva: as pessoas comuns não "comeram" esta mentira. Falo com muita gente e todos estão connosco. Mesmo gente que nunca votou no Aurora Dourada diz "agora vou votar!". A Grécia é um Estado que está a atravessar uma crise terrível, provavelmente já está falido, os bancos levaram tudo, há um novo memorando que já foi votado e ninguém sabe o que vai acontecer, mas agora a imprensa só fala do Aurora Dourada.
Vocês, italianos, viveram os anos 70 e sabem como o Estado é capaz de mentir. Mas desta vez provavelmente exageraram.
Por fim, gostaria de agradecer a todos os camaradas italianos que me telefonaram. O Gianluca, tu, os rapazes da CasaPound e mesmo gente de outros movimentos. Todo este apoio ao nosso movimento conta muito. Em Espanha protestaram por nós junto à embaixada grega em Madrid. Houve acções de solidariedade na Polónia e até de um pequeno movimento nacionalista chileno. Tudo isto é muito importante para nós. O nosso moral é alto e sempre que posso vou protestar à frente do Tribunal, mesmo arriscando ser preso.

Traduzido e adaptado de uma entrevista à Radio Bandiera Nera.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Entrevista com Gianluca Iannone

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CasaPound, um nome que representa o mal supremo na sociedade italiana. Os proclamados herdeiros de Mussolini. Razão suficiente para investigar um pouco mais a fundo e mergulhar nas profundezas deste explosivo movimento de direita radical que já atingiu um imenso número de membros e uma grande influência, comparativamente a todos os outros movimentos do género. Sabendo que nesta área a investigação podia ser difícil, decidi pedir uma entrevista a Gianluca Iannone, fundador, actual Presidente da CasaPound Itália e vocalista dos ZetaZeroAlfa.

Salve Gianluca, obrigado por teres aceite a entrevista mesmo com este calor. Imagino que até tu te sentes numa frigideira gigante neste momento, tal como o resto da Europa. Vamos começar então, para termos mais tempo para saborear umas bebidas na praia. Então, como é que tudo começou com os ZetaZeroAlfa (ZZA)? Quais são as tuas raízes musicais?
Gianluca Iannone: Começámos a tocar no final dos anos 90, numa altura de mudança. Tanto política como na sociedade em geral. Na altura o mundo não estava poluído por telemóveis e a Internet era uma coisa apenas ao alcance de alguns. Nessa altura referias-te ao livro do George Orwell quando falavas do Big Brother... O nosso mundo não tinha estruturas, apenas o "Cutty Sark", que ainda hoje é o nosso bar. A grande maioria dos projectos nasceu lá. Parece que 1997 foi há um século, realmente o tempo passa pelo país a uma grande velocidade. Graças aos ZZA, os grupos, livrarias, locais de reunião multiplicaram-se e as pessoas voltaram a falar da política e do activismo com entusiasmo.

Em comparação com outros países, Itália tem uma grande tradição da chamada "Musica Alternativa". Lembro-me de ouvir coisas como os Amici del Vento dos anos 70, por exemplo, que tiveram uma grande influência em bandas do Neofolk italiano, como os IANVA, Egida Aurea ou Roma Amor (talvez não tanto ideologicamente, mas definitivamente na perspectiva musical). Estas bandas, tal como a maior parte da música italiana em geral, têm um tom muito inspirador, se é que me entendes. Gosto de chamar a isso a sonoridade Dolce Vita. Podes dizer-nos o que é para ti a sonoridade tipicamente italiana, a música que representa a alma italiana?
Boa pergunta. Honestamente, não acho que exista uma sonoridade italiana por excelência. No nosso país cada região tem instrumentos e sons associados à tradição cultural local. Mesmo assim, se analisarmos a sonoridade desde os Amici del Vento aos SottoFasciaSemplice, estamos a saltar de um estilo musical para outro, mas mesmo assim, se os ouvirmos, encontramos raízes comuns. Digamos que a sonoridade italiana tende a ser aventurosa, romântica e bélica. Quem conseguir combinar musicalmente estes atributos terá sucesso.

ZetaZeroAlfa e futebol! Duas coisas que combinam. Qual é o teu clube, Gianluca?
A minha ideia de futebol não corresponde à realidade. Uma equipa de jovens que representa a sua cidade, talvez com um ou dois bons jogadores estrangeiros, é algo impossível de encontrar hoje em dia. Além disso, acho que o dinheiro está a envenenar o futebol, já para não dizer que há cada vez mais repressão sobre os adeptos verdadeiros e apaixonados. No meu caso deixei de ir ao estádio, mas é óptimo ver que as bandeiras dos ZZA estão presentes numa série de estádios em Itália e na Europa. Os nossos rapazes estão por todo o lado! Os ZetaZeroAlfa são formados por cinco elementos, todos adeptos da AS Roma. Mas quando os ZZA estão em palco, tocamos para todas as pessoas, não por uma determinada equipa.

Claro que também tropecei na Cinghiamattanza, que para aqueles que não estão familiarizados é uma espécie de mosh, mas com os participantes a agitar os seus cintos, agarrados pela fivela. Como é que essa prática começou? Foi só uma ideia de alguns fãs malucos ou saiu da vossa cabeça?
Cinghiamattanza é uma versão extrema do Pogo. Foi uma ideia nossa. Achámos que seria divertido para nós e um choque para os fracos. Em tempos a juventude decidia o que vestir e o que estava na moda, se seria um mohawk ou uma Lambretta. Agora quem faz isso são as celebridades. Eles dizem aos miúdos que música ouvir, qual é a última moda e até como dançar. Em '69, quando a cena do mosh começou, os tipos eram vistos como loucos. É a mesma coisa com o pessoal da Cinghiamattanza, chocam as pessoas e nós achamos piada a isso.

Quando estava a preparar esta entrevista, li que uma vez tocaste com os ZZA numa prisão. Acho que isso é uma coisa impossível em qualquer outro país, ter uma banda da "nova direita" a tocar em frente de reclusos. Porque é que o panorama político italiano é mais aberto a coisas como a "terceira via"? Consegues explicar essa aceitação da sociedade italiana por ideias da "terceira via" ou da nova direita?
Apesar de não gostar dessas duas definições, em Itália há uma grande maioria que ainda está próxima do fascismo e do princípio do líder. Isto baseia-se no facto de o fascismo ter deixado as pessoas ingratas. Apesar da propaganda moderna não perder uma oportunidade de pintar esta grande revolução italiana como o mal absoluto, a verdade é que os calendários com a imagem de Mussolini vendem milhões nos quiosques. Além disso, os jornais continuam a explorar a figura do Duce. Isto demonstra que ainda há muita curiosidade e interesse sobre um período luminoso que muitos desejavam morto e enterrado. No caso dos ZZA, o concerto na prisão de Rebibbia foi um evento organizado por alguns reclusos como uma festa para as crianças nascidas na prisão. Foi um concerto muito duro, talvez o mais duro que já demos.

Outra coisa que reparei na minha pesquisa é que a CasaPound é uma realidade com algumas parecenças com a Guarda de Ferro de Codreanu. Isto porque vocês também têm muitos projectos sociais dentro da CasaPound. Por outro lado também têm a ética guerreira como referência. O espírito legionário está muito presente. Também consegues encontrar esta ligação entre a Guarda de Ferro romena e a CasaPound? Haverá mais coisas em comum?
Podemos ter algumas semelhanças a nível organizacional. No fundo, a CasaPound Itália (CPI) inspira-se em todas as formas comunitárias e revolucionários que sugiram no último século. Daqui a fazer um paralelismo com Codreanu, talvez seja exagerado. No fundo, a CPI é simplesmente a CPI. Única e inimitável.

O início da CasaPound está marcado pela ocupação de um edifício em Roma no final de 2003. Sou alemão e nos anos 70 tivemos vários casos semelhantes aqui em Hamburgo, ligados à área da extrema-esquerda. Agora, tal como naquela época, o objectivo é obter um espaço de habitação barato e parar o envelhecimento. Na minha opinião, a "direita" e a "esquerda" não irão muito longe com a sua política de vistas curtas. A CasaPound e outros partidos e organizações da "terceira via", assim como apoiantes da chamada quarta teoria política (Alexander Dugin, etc.), não fazem parte deste esquema. Será o século XXI a pôr fim aos partidos políticos clássicos como os conhecemos?  
A CPI começou como um ocupação mas não se esgotou nesse modelo de luta. O sistema corporativo do Estado não se combate unicamente dando casas a famílias italianas. Fizemos propostas para legislação com o objectivo de partir os tectos de vidro que protegem os especuladores imobiliários. Os partidos falharam com toda a sua mesquinhez. São apenas caixas vazias, usadas para encher com dinheiro, enquanto as pessoas normais passam por grandes dificuldades no quotidiano. Todos os partidos falharam pelo simples facto de que a democracia é um grande falhanço, está a implodir e a mostrar a sua verdadeira face, a face da corrupção diária, a face dos modelos errados que tentam exportar de forma forçada.

Falemos um pouco de estética. Na Itália há um passado ilustrado quando se fala de arte e política. O futurismo de F.P. Marinetti continua a ser a representação mais proeminente. O movimento identitário, por exemplo, mas até a CasaPound utiliza uma iconografia muito moderna e evita a típica estética skinhead e outras representações ultrapassadas para atrair uma grande quantidade de jovens. Achas que uma simbologia forte é algo que assusta a classe política dirigente? Se sim,  podes dizer aos nossos leitores o que é que os partidos medíocres actuais poderiam fazer neste campo, apenas em teoria, para obter mais sucesso?
A Itália teve os chamados "três F": fascismo, futurismo e fiumanesismo. Este último foi idealizado por D'Annunzio com a ocupação da cidade de Fiume no final da Primeira Guerra Mundial, em resposta à "vitória mutilada". Ler estas páginas de história, a "Carta del Carnaro", ler a história daqueles homens extraordinários, aventureiros, combatentes, visionários e gigantes perante os outros homens dessa época e todas as épocas, é uma inesgotável fonte de inspiração. O mesmo se pode dizer do Fascismo e do Futurismo. Porque estamos a falar de gigantes, de homens que caminharam por esta terra com elegância, de forma marcial e poética. Pessoas excepcionais. Um partido pode inspirar-se nisso, mas se não tiver gente com essa atitude, será apenas uma cópia de uma cópia de uma cópia. Não são precisos novos programas, são precisos homens novos. É aí que está a dificuldade.

Vocês têm também uma associação de estudantes ligada à CPI, o Blocco Studentesco. Podem dizer-nos o que faz o Blocco Studentesco pelos estudantes? Posso imaginar que será semelhante às fraternidades de estudantes alemãs, que dispensam quartos para os seus membros se estes precisarem de um sítio para ficar e esse tipo de coisas.
O Blocco Studentesco é a organização estudantil e universitária da CPI. É o movimento estudantil líder em Roma e arredores, com 11.000 votos em eleições internas das universidades. Tem também vários representantes académicos em diversas cidades. Organiza ainda concertos, festivais e competições desportivas, contribuem para fazer crescer a juventude desta nação de uma forma saudável. Tem algumas diferenças em relação às fraternidades alemãs, parece-me mais próximo do associativismo estudantil francês.

Qual é a tua opinião sobre a Síria e a sua guerra civil? Uma guerra pela liberdade do povo ou apenas mais um plano do imperialismo "democrático" para um mundo "melhor"?
Subitamente a Al-Qaeda, inimiga do mundo Ocidental, tornou-se uma organização de rebeldes democratas que combatem pela liberdade. Os "rebeldes" são afegãos, somali, chechenos, sauditas e por aí fora. E as forças armadas sírias, fiéis e Assad e verdadeiramente sírias como o povo que defendem, são os maus? A única nota positiva nesta tragédia é que a Síria pode tornar-se um novo Vietnam para os americanos. Talvez isto interrompa, pelo menos por enquanto, a exportação da democracia para o Médio Oriente.

Li recentemente um artigo de Ettore Ricci sobre o significado que a "juventude" tem para ele. Ele cita-te na frase "der Marmor, der den Sumpf besiegt" (o mármore contra o pântano), a propósito do que acontece quando vocês ocupam casas. Quero terminar esta entrevista com uma pergunta: como descreves, numa palavra, a tua missão auto-imposta que é a CasaPound?
Uma tirania!

Traduzido e adaptado de uma entrevista de Gianluca Iannone ao blogue alemão Bellum Musicae.

domingo, 28 de julho de 2013

Entrevista a Pedro Varela

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Pedro Varela é conhecido pelo seu trajecto enquanto editor, escritor e historiador revisionista. É proprietário da Livraria Europa, famosa por difundir material relacionado com a Segunda Guerra Mundial. Os livros que se podem encontrar na sua livaria não são os que estão expostos na Fnac ou no El Corte Inglés. Tem ainda uma editora, Ediciones Ojeda, que dá voz àqueles que muitos não querem ou não podem escutar. O que lhe deu vários problemas.

Como definiria a Livraria Europa?
É um centro de difusão de cultura alternativo ao sistema, com livros, edição de livros e conferências. O sistema oferece a possibilidade de chegar a outro tipo de livros no resto das livrarias, mas há livros a que não é possível chegar. Porque simplesmente não estão expostos. Nós corremos o risco de expô-los e oferecê-los ao público. Não obrigamos ninguém a entrar na livraria, e quem entra fá-lo voluntariamente. Lê ou não lê, mas pelo menos pode comparar.

Porquê difundir este material?
Porque de outra forma não há maneira de chegar a ele. Podes ler "O Capital" de Marx e nem por isso defender o gulag soviético. Queres informar-te. No entanto, não podes ler "A Minha Luta" de Hitler porque não há forma de encontrá-lo. As pessoas deviam ter a possibilidade de informar-se. Podes ler a versão dos vencedores da Segunda Guerra Mundial. Logicamente, quem escreve a história são os vencedores, os vencidos não têm nada que dizer, primeiro porque foram todos mortos e depois porque não os deixaram escrever. Acho que é necessário publicar ambas as versões.

Na vossa página de internet está escrito que foram proibidos de vender o "Mein Kampf".
Bom, dizem que o editámos sem pagar os direitos, mas o que o pobre Hitler queria era que o livro se difundisse, não era cobrar taxas. É um truque legal para nos perseguirem. O fiscal de ódio, como é chamado aqui na Catalunha, diz que temos de pagar os direitos, não se sabe exactamente a quem. Mas o livro é de livre difusão e posse universal. Só nos perseguem a nós, é uma questão política.

Diria que censurar favorece a difusão?
Eu acredito que sim. Não existe na história nenhum texto que tenha sido proibido e que tenham feito desaparecer. Na época de Franco não queriam que as pessoas lessem "O Capital" de Marx, e todas as livrarias o vendiam em mão. É um livro aborrecido, podes morrer se o leres, mas podes lê-lo se quiseres. Mesmo o Marquês de Sade foi acusado de sadismo. Mas tu podes ler o Marquês de Sade e não ser um sádico. O que eles querem é fazer passar a ideia de que se leres estes livros és um monstro anti-semita. Isso é uma manipulação da informação.

E fizeram-no destruir 20.900 livros...
Condenaram-nos como material proibido, o que em democracia é algo inédito. Tanto criticam Franco, a Inquisição, a Idade Média, e fazem o mesmo, mas com hipocrisia. Porque, obviamente, com Hitler ou Franco, já sabias como era. Mas aqui dizem que há liberdade de expressão. E na realidade não há. Não destruíram 20.900 livros, apenas uma parte, aqueles títulos que o juiz condenou. Um dos livros proibidos é "Raça, inteligência e educação", de Eysenck, porque o polícia entrou, viu a palavra raça e assustou-se. Eysenck é judeu, a sua família fugiu da Alemanha porque não concordava com Hitler. No mundo anglo-saxão é uma eminência. Em Barcelona não podes estudar psicologia sem nunca ter lido este livro, mas os ignorantes apreenderam-no. (...)

Afinal, foi indemnizado pelo Estado espanhol ou não?
Ainda não é claro. Pedimos 100 000€ porque em 17 anos houve três apreensões de livros, uma de 20.900 títulos, outra de 6.000 e outra de 4.000. Ao preço de 20 euros por livro, imagina o prejuízo. Cada vez que a polícia vem, levam todos os computadores. Os sete Macintosh de alta qualidade que tínhamos para editar livros nunca foram devolvidos. Mudámos depois para PC, que também nunca foram devolvidos. Da terceira vez devolveram-nos as carcaças vazias. Uma coisa incrível. Boicotam as nossas iniciativas sempre que trazemos alguma personalidade. Põem-se à porta e não deixam entrar ninguém. E se acabam por deixar entrar o público, colocam uma câmara e gravam tudo. As pessoas têm medo. Os prejuízos são enormes. Estrasburgo condenou-os a uma multa de 13.000€, que são para pagar ao advogado. Por 17 anos não é suficiente. Mas o Estado ainda pode recorrer.
Vou ler isto para ver a sua opinião. Escreveu-o um colunista do El País: "Por outro lado, o livreiro nazi é proprietário da Ediciones Ojeda, uma editora que publica todos os psicopatas desmiolados do mundo. A Livraria Europa é um lugar contraditoriamente estranho a uma livraria. As suas traseiras são um viveiro de cachorros fascistas, os seus escaparates desconsolo universal, e os textos que adornam as prateleiras torpeza intelectual". Isto quer dizer que nem sequer visitou o local. Na livraria podes encontrar todos os clássicos espanhóis, textos religiosos, textos dos Aliados... e quanto às traseiras veja por si. Não és um cachorro fascista. O que se passa é que os incomoda que o público possa ter uma formação diferente da que eles dão. Eles querem que todo o mundo pense à maneira deles, e temem que se alguém diga uma coisa diferente, as pessoas concordem. Temos aqui conferências com as quais às vezes não estou de acordo. Eu sou católico e por vezes temos pagãos ou muçulmanos... mas isto é uma livraria, não um centro de doutrina. Qualquer um pode falar. O que é certo é que permitimos que falem pessoas que em outros sítios não poderiam falar. (...)

Que acha que falta para que houvesse liberdade de expressão?
Eu acho que o problema é que muitos dos que se dizem democratas não são. Porque eu não sou, mas estou interessado em escutar todo o mundo, saber o que pensam e envolver-me em conversas e troca de informação. No momento em que censuram livros, conferências, em que não te permitem dizer certas coisas, há uma censura de facto. Mas o pior de tudo na nossa época é a auto-censura mental. (...) Há um esquema ideológico e não podes sair dele. Por isso quando me condenaram e me meteram na prisão por vender livros, os intelectuais, professores, jornalistas e outros, não disseram nada. Isto é uma democracia. É uma coisa incrível. Não podemos condenar livros. Concordamos que os livros não são criminalizáveis, certo? A não ser que dês com ele na cabeça de alguém, um livro não provoca dor. Poderá estar bem escrito ou mal escrito, mas um livro em si não provoca dor.

Há quem diga que os seus livros são um passo para o crime racial.
Desde que a Livraria Europa existe, não consta que as estatísticas de crimes raciais tenham aumentado. Não conheço ninguém que por ler um livro dos que temos aqui tenha matado alguém. E em qualquer caso não é culpa nossa. É como dizer que se alguém lê o Marquês de Sade, sai por aí a fazer coisas estúpidas com mulheres. É um absurdo absoluto.

Há uns anos li o "Diário de um Skin", e fazem sempre referência a esta livraria como lugar de origem de uma série de conflitos relacionados com skinheads e gente bastante perigosa. Podia dizer-me se há verdade nesta história?
Acho que isso não é verdade porque esse senhor que escreve, que parece ser um jornalista, não o conheço. E em teoria terá que ter estado aqui dentro, na livraria, nas conferências... e nunca se apresentou. O normal seria dizer: sou um jornalista, vamos falar... como tu fazes. Nunca o fez. Ele tinha de vender o livro, e para vendê-lo precisava de uma história apaixonante e tal. Quanto muito veio comprar um livro, e isso foi o máximo que fez. Mas montou um espectáculo. Realmente foi um êxito comercial, e felicito a editora por essa encenação. A verdade é que aqui não vês um skin. Se os skins lessem livros não seriam skins. São tribos urbanas das grandes cidades do capitalismo. Os skins surgiram nas grandes capitais do capitalismo, nas tribos urbanas dos bairros como protesto ao sistema. Mas são a sua juventude. É a juventude democrática. São os seus. Mas como não gostam deles, culpam-nos mais uma vez. Oxalá aqui viessem skins. Se lerem os livros, já é bom sinal. Estou certo que todos os que leiam um livro, vão avançar culturalmente. Aqui sempre recomendámos que venham às conferências, que ouçam música clássica, que vão à montanha... Queremos a saúde das pessoas. É uma livraria que cultiva a cultura.

(Traduzido e adaptado de uma entrevista de Pedro Varela ao jornal galego Compostimes).

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Entrevista com Marine Le Pen

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Como vê a situação na UE perante a crise económica e financeira actual?
A obstinação dos líderes europeus em salvar o euro a todo o custo condena os povos à austeridade e à pilhagem social. É espantoso o autismo das elites ultraliberais, que impõem às opiniões públicas as suas loucas certezas. Os planos de salvamento impostos à Grécia e à Irlanda e, talvez amanhã, a Portugal, criam dívida e sofrimento à custa do poder de compra e da prosperidade.

Disse que o euro está morto. Que devem fazer países como Portugal? A UE e o FMI não deveriam ajudar?
Os planos de salvamento têm a marca do FMI e das organizações supranacionais, com um único objectivo: salvar a moeda seja a que preço for. O pacto proposto pelos dirigentes europeus, com a bênção do FMI, criará regressão económica e social sem precedentes: baixa de salários, prestações sociais e pensões, aumento da idade de reforma... e tudo sem resultados, porque as taxas de juro da Grécia, por exemplo, voltam a níveis históricos!

Qual é a alternativa?
Relançar a economia com uma política monetário eficaz. Promover uma saída organizada do euro, reencontrar a liberdade monetária, para que os bancos centrais nacionais financiem o Tesouro sem terem de pedir dinheiro emprestado nos mercados internacionais, predadores. É preciso criar protecções razoáveis nas fronteiras.

Os portugueses imigrados em França são amigos da França e da FN? A sua presença é positiva para o país?
A FN não alimenta ressentimentos contra estrangeiros que respeitem as regras, princípios, valores e cultura do nosso país. É o caso dos portugueses, que sempre mostraram vontade de assimilação. A minha ‘cantina’, e dos dirigentes e pessoal da FN, é um restaurantezinho português ao pé da nossa sede. É muito caloroso.

Tem tido bons resultados eleitorais e boas sondagens. Como vê as próximas presidenciais, dentro de um ano?
Não sou obcecada por sondagens, mas é certo que há uma dinâmica à volta da minha candidatura. Traduz o desejo dos franceses de uma alternativa credível e eficaz ao sistema instalado há décadas e que conduziu o país ao caos económico e social. O povo percebeu que não há diferença entre o Partido Socialista, a ala esquerda do ultraliberalismo, e a União para um Movimento Popular (UMP), sua ala direita. Em 2012 vamos oferecer-lhes outra escolha ideológica: a nação contra a globalização.

Como vê o debate lançado pela UMP sobre o Islão e a laicidade?
É mais uma manobra do partido de Sarkozy para seduzir os nossos eleitores, mais vai sair-lhe pela culatra: divide a UMP. Mas não é razão para o promover. O que é preciso é aplicar a lei. Defendo que deve ser inscrito na Constituição que a República não reconhece qualquer comunidade, para evitar reivindicações comunitaristas. Não aceito que os contribuintes franceses financiem mesquitas ou outros locais de culto.

Que pensa da intervenção internacional na Líbia?
Sou contra. Há dois pesos e duas medidas: no Iémen, Síria e Bahrein também morrem muitos manifestantes vítimas da repressão e isso não interessa à comunidade internacional. Receio que na Líbia as coisas vão durar, porque este país — composto por tribos, minado por conflitos e com muita gente armada — parece mais o Iraque ou o Afeganistão do que a Tunísia ou o Egipto. Sarkozy sucumbiu de novo aos impulsos, sem reflectir sobre as consequências geopolíticas e militares. Acho, até, que se meteu nesta guerra devido à aproximação das presidenciais do que por outras razões... Não estou com o chefe de Estado e o Governo neste conflito, mas estou, firmemente, com as nossas forças armadas: receio pela vida dos nossos soldados enviados para lá.

Fonte: Expresso, 2/4/11.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Entrevista com Riccardo Marchi (2/2)

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3. Existe realmente uma Direita em Portugal? Depois de 1974 passou a ser quase um crime ser de Direita e mesmo no hemiciclo o partido que se senta mais à direita diz pertencer ao Centro.

Atenção: também o Estado Novo nunca se definiu um regime de direita, pois achava perigoso e anti-nacional oficializar uma dicotomia que acabaria por dividir a unidade orgânica da nação que o regime tanto prezava. Certa hipocrisia da linguagem política é transversal a todos os regimes, qualquer seja a sua orientação e tipologia.
Em relação ao pós-25 de Abril, estava mesmo a comentar alguns dias atrás com um colega como seja engraçado o facto que todos os partidos portugueses à direita do espectro político tiveram a necessidade de incluir a denominação “democrático” no seu nome: Partido Social Democrata, Centro Democrático Português ao passo que nenhum partido de esquerda teve que fazer isso apesar de 2 em 3 (BE e PCP) estarem abertamente contra o modelo de “democracia ocidental” em vigor praticamente desde a fundação do regime democrático português. Há, como é óbvio, razões históricas sobejamente conhecidas que explicam este fenómeno, que, para além disso, não é uma exclusiva da relativamente jovem democracia portuguesa. A história da direita parlamentar do meu país (Itália) é feita de 50 anos de fuga ao rótulo “de direita” por parte das suas expressões moderadas (Partito Liberale) e de utilizo do termo “direita” por parte do partido herdeiro do Fascismo (Movimento Sociale Italiano) principalmente para evitar o rótulo oficial de “fascista”. Mais, o MSI, após ter representado por 50 anos, ininterruptamente e no parlamento, 2 milhões (4%) de eleitores fascistas, acabou com definir-se anti-fascista uma vez alcançado o poder em meados dos anos 90. Se é compreensível abandonar o rótulo de “fascista” uma vez que se passa a representar já não 4% mas 13% do eleitorado, definir-se “anti-fascista” apesar da própria história é pelo menos de mau gosto.
Esta comparação Itália-Portugal serve para sublinhar que organismos como os partidos, supostamente representantes máximos das liberdades políticas dos cidadãos, estejam há décadas reféns de condicionalismos históricos e de “ditaduras intelectuais” do politicamente correcto, contribuindo assim a desvirtuar aqueles mesmos princípios básicos que afirmam defender.
Felizmente a história das ideias (enfoque da conferência de 29-30 de Novembro) deve preocupar-se em descrever e explicar estes fenómenos sem procurar nenhum consenso eleitoral, razão pela qual posso deixar estas pruderie terminológicas aos competidores eleitorais.
Dito isto, a conferência não tem nenhum objectivo de legitimação do termo “direita”, pelo menos nas intenções do seu organizador…ou seja, eu. Francamente, do ponto de vista das ideias, nunca consegui raciocinar em termos de “legitimidade” ou “ilegitimidade”. Por outro lado, do ponto de vista da acção política, a legitimidade não a considero uma dádiva, mas uma conquista.

4. As diferenças entre Esquerda e Direita tenderão a diluir-se no futuro?

Depende do que entendem por “Esquerda” e “Direita”. Se falam dos partidos mainstream, sem dúvida as diferenças vão diluindo-se. Este é um processo já em curso há algumas décadas e acompanhou a agonia das ideologias. Para além disso, hoje em dia os decisores políticos nacionais estão cada vez mais dependentes de condicionalismos supranacionais de diferentes níveis (desde a União Europeia, à Aliança Atlântica, à ONU, etc.) em quase todas as áreas antigamente exclusivas da soberania nacional. Por essa razão os partidos que pretendam realisticamente aceder ao poder sabem a partida que têm que acatar com princípios, perspectivas, regras, normas, compartilhadas nestes patamares supranacionais. E fazem-no sem grandes dificuldades. São socializados politicamente nestes princípios e, nos cada vez mais raros casos em que não acedam à “alta política” já compartilhando estes princípios, a aproximação às esferas do poder habitua-os rapidamente a este esbatimento das diferenças.
Não se trata todavia de uma inevitabilidade finalística. Felizmente com o sistema demo-liberal não chegámos ao fim da história nem ao melhor dos mundos possíveis, razão pela qual o homem continuará a elaborar ideias políticas e a sonhar e realizar sistemas de convivência. Estas elaborações e realizações vivem amiúde acelerações repentinas devidas a momentos de crise ou oportunidades inesperadas, o que me leva a pensar que poder-se-ão criar novas dicotomias ou, melhor, novos cenários plurais refractários à convergência “catch-all” que caracteriza os nossos dias. Estes novos cenários possivelmente não se desenharão nas antigas dicotomias direita/esquerda, mas em novas sínteses, contaminações, encontros, definições: a história está cheia destas nascenças.

5. Há futuro para a Direita em Portugal?

Esta já não é pergunta da 1 milhão de dólares mas de cartomante de feira. Estou a brincar e aceito o vosso desafio. Bom, depende a que futuro e a que direita se referem. Se falam das direitas (centro) parlamentares nada leva a crer que nos próximos anos deixem de alimentar a alternância bipartidária de governo, consolidada em Portugal desde o 25 de Abril. Se se referem às direitas extra-parlamentares – partidos ou movimentos, liberais ou radicais – nada leva a crer que possam sair da marginalidade na qual sobrevivem desde a sua fundação. Se se referem às direitas intelectuais (em todas as suas vertentes) nada leva a crer que estejam, não digo empenhadas, mas nem sequer interessadas em experimentar novas sínteses nem em jogar batalhas culturais de uma qualquer envergadura. Limitam-se e limitar-se-ão a reproduzir ideias de respeitáveis mas antigas (ou velhas?) direitas sem desafiar substancialmente o status quo das ideias já há muito estabelecidas. Para parafrasear Nietzsche, não me parece que nas direitas haja muito caos interior que permita predizer o parir de uma estrela que dança. Mas, como disse antes, a história sofre acelerações repentinas geradoras de caos e estrelas. Até lá, deixo-vos a vós julgar se e quão radioso será o futuro da direita em Portugal: cada um com os seus gostos.

6. Muito obrigado pela entrevista e boa sorte na organização do seminário. Queres deixar alguma mensagem final?

Nenhuma “mensagem final”. Só um “convite inicial”: quem puder apareça nos dias 29 e 30 de Novembro. O debate animado pelo público é o que valoriza os resultados das conferências, principalmente em temas onde há ainda muito trabalho para fazer. E obrigado pela entrevista.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Entrevista com Riccardo Marchi (1/2)

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Em vésperas do Seminário "As raízes profundas não gelam? - Ideias e percursos das direitas portuguesas", entrevistámos o investigador italiano Riccardo Marchi, que teve a amabilidade de responder às nossas questões, cuja publicação será dividida em duas partes.



1. O que te levou a organizar este Seminário sobre as ideias e percursos das direitas portuguesas?

Quando há cinco anos atrás comecei a interessar-me de direitas portuguesas nas minhas investigações de doutoramento sobre as “direitas radicais”, procurei em primeiro lugar um instrumento bibliográfico que me proporcionasse uma panorâmica do tema geral na qual poder colocar, do ponto de vista histórico e ideológico, o tema específico das minhas investigações. Procurei e não encontrei. Ou seja, havia uma falha na bibliografia portuguesa. Essa ocupou-se (e ocupa-se) de períodos e acontecimentos históricos determinados ligados a esta ou aquela direita, mas nunca procurou (que eu saiba) desenhar uma genealogia de conjunto desta família política, pelo menos desde a formalização histórica das etiquetas de “direita” e “esquerda”. Desde então fiquei com a vontade de resolver este estímulo intelectual, mas ao longo dos anos de doutoramento e nos primeiros de pós-doutoramento nunca tive a oportunidade de o fazer. Finalmente decidi-me e fi-lo, por enquanto, em forma de conferência. Estou a trabalhar na organização pelo menos desde Fevereiro, pois quis reunir peritos de cada área específica das direitas que permitam desenhar um fil rouge desde o miguelismo contra-revolucionário até ao liberalismo dos nossos dias. Como é óbvio, não procuro uma lógica unívoca que conecte coerentemente tudo o que se moveu na direita em Portugal nos últimos 200 anos. Procuro sim identificar quais raízes afundam no terreno das ideias das direitas portuguesas e, a partir desta pluralidade, pretendo desvendar quais frutos produziram, se ainda são fecundas ou se, pelo contrário, secaram de vez. O intuito final dos dois dias será produzir uma colectânea com as contribuições dos oradores e de outros autores: uma fonte para os apaixonados de pensamento politico e principalmente um instrumento de orientação para jovens investigadores que se queiram debruçar sobre estes temas.

2. O que distingue actualmente uma pessoa de Direita?

Pergunta de um milhão de dólares! Digo já que não vou responder à tua pergunta, mas aproveito para fazer algumas considerações.
Não posso responder porque, em primeiro lugar, não existe “uma pessoa de direita” visto não existir “uma direita” mas “muitas direitas”. Faço-te apenas quatro exemplos retirados da actualidade para sublinhar a impossibilidade de definir de forma unívoca “uma pessoa de direita”.
Em relação ao Estado, há direitas que apelam à centralidade do Estado entendido como comunidade politicamente organizada, mas há também direitas que advogam o Estado mínimo em nome da defesa e primazia do indivíduo face à comunidade.
Em relação à cidadania, há direitas que defendem uma visão contratualista da sociedade e portanto a inclusão nela de todos os que trabalhem, paguem os impostos e respeitem as leis. Mas há também direitas que reclamam (consciente ou inconscientemente) uma visão imperial (não confundir com “imperialista”) e entendem que a nação é uma comunidade de destino na qual se devem poder integrar todos os que acreditam e se comprometem neste caminho comum independentemente das suas origens. Há finalmente direitas que consideram esta comunidade exclusiva dos que partilham determinadas origens étnicas e culturais e portanto excludentes dos elementos alógenos nos seus direitos de cidadania.
Em relação aos chamados “direitos civis”, há direitas que defendem o princípio da laicidade e do respeito e reconhecimento legal da livre escolha do indivíduo em matérias sensíveis como a orientação sexual e a bioética; e há direitas que, em defesa deste mesmo princípio de laicidade, apelam à restrição de comportamentos individuais que consideram ostensivos e ofensivos da mesma laicidade, como por exemplo certos hábitos religiosos. Há finalmente direitas que julgam certas expressões de laicismo como extremistas e atentatórias dos costumes, tradições, valores dominantes da comunidade, apelando, por exemplo, à defesa do modelo de família tradicional e ao direito à vida.
Em relação à geopolítica, há direitas que se sentem parte integrante de um modelo (o Ocidental) caracterizado por uma estrutura económica (liberal-capitalista) e por um sistema político (democracia) bem determinado, representado pelo eixo Estados Unidos–Europa-Israel, mas há também direitas que consideram o Ocidente não uma pátria comum ameaçada, mas sim uma área de dominação político-económico-militar norte-americana em fase de expansão contínua em detrimento de outros povos e civilizações (inclusive a europeia).
À luz destas rápidas considerações (muitas outras poderiam ser feitas), torna-se mais fácil perceber a impossibilidade de definir o que distingue actualmente uma pessoa de direita. Pode-se dizer que uma pessoa é de direita quando apresenta um pendor estatalista, anti-ocidentalista, integracionista. Mas também quando apresenta um cariz liberista, ocidentalista, laicista e assimilacionista. E também quando se demonstra anti-europeista, “welfare-chauvinist” e tradicionalista. Enfim, podemos teorizar (e encontrar na realidade do dia a dia) qualquer mistura destes “ismos”; misturas que afastam algumas “direitas” de outras “direitas” ao passo que as aproximam desta ou daquelas “esquerdas”. Por esta razão, o exercício melhor não é perguntar a uma pessoa “você é de direita?”, mas sim “você o que acha acerca de…?”. Exercício que, diga-se de passagem, ajuda a evitar companhias indesejadas e assumidas apressadamente em nome apenas de etiquetas banalizadoras.
 
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