Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

Mostrando postagens com marcador metapoema. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador metapoema. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, abril 11, 2013

AVES HERMÉTICAS



Essas palavras apenas vozeiam,
distraídos bandos sintáticos,
por pura obediência
às leis do ritmo e da contigüidade.
Nada pretendem dizer além do vôo.
Não fazem metáfora, nem mistério.
Vozeiam, simplesmente.

Mas eu as persigo
como um gavião faminto
persegue a sua presa
para renovar a (minha) vida...

Inútil,
esse (meu) desesperado afã de compreensão:
Herméticos, (as coisas, os motes),
milhanos, num vórtice,
devoram-me...



Fonte da imagem:
Aves atacam predador


Sounds of Nature - Forest Piano:


sexta-feira, abril 05, 2013

M'BOIÚNA (sete serpes linossígnicas)

Fauna e Flora
E. B. Brito



Desdobra-se em dobras, redobras,
por vértices e vórtices,
um ser de mil bocas
mil línguas
[in/tensa-cobra-mítica]

Quando acuada, estertora prosódias,
                                            [sucuri-fônica]

Debate-se em rimas, plurirrimas assimétricas
    [áspide-rítmica]  .................................................

Tenta escapar do cerco
             [serpe-sintática]

                               Enrosca-se sobre si
[jibóia-morfológica]

Estruge, ruge,
                                 [anaconda-simbólica]

                                 Engole a própria cauda
[m'boiúna verbofágica]


E reverbera em verbos
...semióticos guizos...

 [linossignos ]

        guizos...
                                             [linossignos]
                                                                                    guizos...
                                                                          [..................]
                                                      
                                                                 guizos...           
                                                                                                  
                                                    [...p o e s i a...]                     






Fonte da imagem:


sexta-feira, agosto 03, 2012

DEMARCAÇÃO DA POESIA Nº 1


Ao meu mestre e amigo Emanuel Bezerra de Brito


Meu canto é que nem um filete d’água
minando a pulso de um lajeiro.
É assim, arrastado, gutural,
canto monossilábico, melopéia pungente,
arrancada da pedra que sangra no reino de meu peito.

Canto esse meu canto agoniado, esse relincho, esse mugir,
essa infralinguagem,como a linguagem dos bichos
que tanjo em meu sertão profundo..
Vou cantando e tangendo esse gado invisível,
por entre espinharas sibilantes e seixos esbraseados.

Meu canto germina,
 feito um cardeiro em minha alma de abrolhos,
na solidão e no silêncio,
durante as léguas tiranas dessa caatinga interior.
Dessa terra rachada e sem húmus,
exsurge um léxico raquítico,
vocábulos mínimos
 que se alongam, tristes aboios, mugidos,
na minha garganta rouca e ressecada.

Com a morte em minhas lembranças
e a dor em minhas andanças,
canto uma agonia fechada, solitária,
universo parco de cabras e pedras,
quase sem palavras com que se cantar.


Eurico
in: Ser Tão Profundo/Mangue Interior


Fonte da imagem:

segunda-feira, novembro 28, 2011

AVES HERMÉTICAS (da leitura dos motes e das coisas)



Essas palavras apenas vozeiam,
distraídos bandos sintáticos,
por pura obediência
às leis do ritmo e da contigüidade.
Nada pretendem dizer além do vôo.
Não fazem metáfora, nem mistério.
Vozeiam, simplesmente.

Mas eu as persigo
como um gavião faminto
persegue a sua presa
para renovar a (minha) vida...

Inútil,
esse (meu) desesperado afã de compreensão:
Herméticos, (as coisas, os motes),
milhanos, num vórtice,
devoram-me...



Fonte da imagem:
Aves atacam predador


Sounds of Nature - Forest Piano:

domingo, novembro 13, 2011

d'AS COUSAS (e d'Os Motes)




se há poesia
em buscar vozes ao dicionário?
se há beleza em formar cores na paleta?
se na pedra já habita a forma inata?
Quem sabe...
Mas todas essas cousas
mesmo as que em desuso emergem
as mais obsoletas
querem um lugar ao sol
e mostram suas faces ávidas
essas cousas assim despercebidas
esse vaso vazio
essa cousa pressentida
essa idéia de vida
o poeta escava fundo e também lavra
essa palavra...




Eurico
Poema dedicado a alguém que me questionou sobre certas palavras
arcaicas em meus poemas.
Não são palavras, são cousas vivas, evidentes e presentes. Antigo é o sentido que se lhes dava.  rsrsrs

domingo, julho 10, 2011

TUBAL CAIM (artesania ancestral)





 
I
Acordo cedo
e acendo a forja.
Sopro-lhe vida,
a plenos pulmões.
Espanco a peça
na qual trabalho,
com marteladas
(nietzcheanas?)
numa bigorna.
Minha obra, arranco
da impura gusa,
p/arte abstrusa,
que, esbraseada,
quer ser forjada.
Por isso luto,
tarefa insana,
(opus alchimicum?)
contra a matéria
bruta, que em brasa,
cresta minh’alma,
na lavra lenta
das raras peças.
Eis o motivo
da obra escassa.

II
Como eu invejo o artesão da palha,
Fácil manejo, nas mãos, na mente.
Dedos velozes dançam nas tramas,
trançando em ramas o todo e a p/arte.

Também invejo o cantador de motes,
aquele da poesia num repente,
que embola versos agalopados,
deixando boquiabertos os feirantes.

E os cordelistas, pluviosos vates,
gosto de vê-los, nas rimas tantas!
Fazem chover versos aos milhares.
Canções de gesta, como enxurradas
que invadem ruas, feito as enchentes.

Ai...se fosse assim meu árduo ofício...


III
Lavoro às chamas, queimando em febre,
tisnada a pele, olhos ardentes.
Lavro a escória do ferro gusa,
com essa pa/lav(r)a quase vulcânica,
Logos brasil,
Verbum incandescente,
Léxico de hermética metalurgia.

Eis minha sina, eis o meu fado,
(e com que enfado vos digo isso):
fundir a gema, pétrea e absconsa,
(e o Transcendente está nessa Idéia),
entre o crisol e a crisopéia.



IV
E então desperto
o mistério disso:

Acordo cedo,
bem de manhã,
e acendo a forja
d’alma louçã.
Lutar com as pedras,
Luta mais vã...



Eurico
metapoema sem data



Gênesis IV, 20-22

20 E Ada deu à luz a Jabal; este foi o pai dos que habitam em tendas e possuem gado.
21 O nome do seu irmão era Jubal; este foi o pai de todos os que tocam harpa e flauta.
22 A Zila também nasceu um filho, Tubal-Caim,
fabricante
de todo instrumento cortante de cobre e de ferro; e a irmã de Tubal-Caim foi Naama.


Poema dedicado aos poetas itabiranos, Euza e Drummond
***

segunda-feira, julho 04, 2011

PEQUENOS NADAS

Rendados - Carla Schwab





















"A Poesia é feita de pequeninos nadas e
(...) cada palavra tem uma função precisa,
de caráter intelectivo ou puramente musical, e não
serve senão a palavra cujos fonemas fazem vibrar
cada parcela da frase por suas ressonâncias anteriores
e posteriores".    (MANUEL BANDEIRA).


.
.
.
Eu traço versos
como quem trança
                os nós du'a rede.
.
.
.
In/vento-os,
Pequenos nodos,
            pequenos nadas,
feitos de vozes
         com que desfio,
                    fio após fio,
em des(a)linho, esses retroses
de quase nada.
Não têm motivo,
           não têm sentido,
                 esses liames
esses barbantes de fino linho,
que só têm ritmo,
tecido e rima,
mas não têm nome que os defina.

Enlaço os versos como quem ata
cordéis ao vento. . . como um encanto. . .
(Fecha essa página, se até agora
Não tens motivo nenhum de espanto.)

A cada linha aqui tecida,
de mim se escorre,
e em mim se míngua
a tessitura dos véus da língua...

Pois nesses laços que agora vedes,
há uma parte de mim
que morre
e outra parte que (se) me amarra à (minha) vida.

(Eu faço versos como quem tece u'a estranha rede...)



Fonte da imagem:
http://carlaschwab.blogspot.com/2010/04/rendados-carla-schwab_11.html

Retome a teia, curtindo CLAUDE DEBUSSY - La Fille aux Cheveux de Lin

domingo, julho 03, 2011

A PALAVRA (poema desentranhado da prosa de Saramago)




















Cipriano Algor afastou-se em direcção ao forno, ia murmurando, como uma cantilena sem significado, Marta, Marçal, Isaura, Achado, depois por ordem diferente, Marçal, Isaura, Achado, Marta, e outra ainda, Isaura, Marta, Achado, Marçal, e outra, Achado, Marçal, Marta, Isaura, enfim juntou-lhes o seu próprio nome, Cipriano, Cipriano, Cipriano, repetiu-o até perder a conta das vezes, até sentir que uma vertigem o lançava para fora de si mesmo, até deixar de compreender o sentido do que estava a dizer, então pronunciou
a palavra forno,
a palavra alpendre,
a palavra barro,
a palavra amoreira,
a palavra eira,
a palavra lanterna,
a palavra terra,
a palavra lenha,
a palavra porta,
a palavra cama,
a palavra cemitério,
a palavra asa,
a palavra cântaro,
a palavra furgoneta,
a palavra água,
a palavra olaria,
a palavra erva,
a palavra casa,
a palavra fogo,
a palavra cão,
a palavra mulher,
a palavra homem,
a palavra, a palavra,
e todas as coisas deste mundo,
as nomeadas e as não nomeadas,
as conhecidas e as secretas,
as visíveis e as invisíveis,
como um bando de aves que se cansasse de voar e descesse das nuvens, foram pousando pouco a pouco nos seus lugares,
preenchendo as ausências e reordenando os sentidos.

José Saramago, A Caverna, pp. 126-127

Fonte do Texto:
http://www.triplov.org/alquimias/pinto1.html

Fonte da Imagem:
http://proseandoeversando.blogspot.com/2010/08/terra-do-barro.html

CEIA
























Assentados à mesa
repartem o peixe mitológico
(mil anos os espreitam das escamas carcomidas)
Mil olhos
Mil’entes
Ante a mesa posta, verbofágicos,
os comedores de palavras
― ceiam ázimos
― bebem verbo
― gestam lácteas estrelas.
Vejam-me d’entre eles,
meus múltiplos eus e eu,
afiando essa faca ineffabille,
repartindo, nesse médium volátil,
Esse pães guturais...



Eurico
Pina (Recife-PE)
06/11 /1995

poemeto dedicado ao amigo artista-plástico Eugênio Paxelly
e a todos os amigos do antigo Grupo Arrecifes.



Fonte da imagem:

http://betebrito.com/wp-content/fgallery/figurativo/fossil.jpg


Deguste, ouvindo Reverie, de Claude Debussy

quarta-feira, março 16, 2011

M'BOIÚNA (sete serpes-linossígnicas)

Medusa
( imagem Google)



Desdobra-se em dobras, redobras,
por vértices e vórtices,
um ser de mil bocas
mil línguas
[in/tensa-cobra-mítica]

Quando,acuada, estertora prosódias,
                                            [sucuri-fônica]

Debate-se em rimas, plurirrimas assimétricas
    [áspide-rítmica]  .................................................

Tenta escapar do cerco
             [serpe-sintática]

                               Enrosca-se sobre si
[jibóia-morfológica]

Estruge, ruge,
                                 [anaconda-simbólica]

                                 Engole a própria cauda
[m'boiúna verbofágica]


E reverbera em verbos
...semióticos guizos...

 [linossignos ]

        guizos...
                                             [linossignos]
                                                                                    guizos...
                                                                          [..................]
                                                       
                                                                 guizos...           
                                                                                                  
                                                                                              [...p o e s i a...]                     






Fonte da imagem:
http://www.tonomundo.org.br/

domingo, maio 09, 2010

A Inevitável Rosa

ou

Pequena Lição de Poíesis

A prosa, por sua natureza, pode ser poética
porque sempre traz, dentro de si, hermética,
uma pequena rosa.

Em sendo assim,
o que se chama simplesmente prosa
é a tentativa frustrada de ocultar
no discurso (coisa odiosa)
a poesia que há...
a inevitável
rosa
(poemeto ao modo de Mário Quintana)
Eurico
08.06.07

***

terça-feira, setembro 22, 2009

De barros e asas: MANOEL !



























fotopoema da blogueira Flor



RETRATO QUASE APAGADO EM QUE SE PODE VER PERFEITAMENTE NADA
................Manoel de Barros, in "O Guardador de Águas"


I

Não tenho bens de acontecimentos.
O que não sei fazer desconto nas palavras.
Entesouro frases. Por exemplo:
- Imagens são palavras que nos faltaram.
- Poesia é a ocupação da palavra pela Imagem.
- Poesia é a ocupação da Imagem pelo Ser.
Ai frases de pensar!
Pensar é uma pedreira. Estou sendo.
Me acho em petição de lata (frase encontrada no lixo)
Concluindo: há pessoas que se compõem de atos, ruídos, retratos.
Outras de palavras.
Poetas e tontos se compõem com palavras.

II
Todos os caminhos - nenhum caminho
Muitos caminhos - nenhum caminho
Nenhum caminho - a maldição dos poetas.

III
Chove torto no vão das árvores.
Chove nos pássaros e nas pedras.
O rio ficou de pé e me olha pelos vidros.
Alcanço com as mãos o cheiro dos telhados.
Crianças fugindo das águas
Se esconderam na casa.

Baratas passeiam nas formas de bolo...

A casa tem um dono em letras.

Agora ele está pensando -

no silêncio Iíquido
com que as águas escurecem as pedras...

Um tordo avisou que é março.

IV
Alfama é uma palavra escura e de olhos baixos.
Ela pode ser o germe de uma apagada existência.
Só trolhas e andarilhos poderão achá-la.
Palavras têm espessuras várias: vou-lhes ao nu, ao
fóssil, ao ouro que trazem da boca do chão.
Andei nas pedras negras de Alfama.
Errante e preso por uma fonte recôndita.
Sob aqueles sobrados sujos vi os arcanos com flor!

V
Escrever nem uma coisa Nem outra -
A fim de dizer todas
Ou, pelo menos, nenhumas.
Assim,
Ao poeta faz bem
Desexplicar -
Tanto quanto escurecer acende os vaga-lumes.

VI
No que o homem se torne coisal,
corrompem-se nele os veios comuns do entendimento.
Um subtexto se aloja.
Instala-se uma agramaticalidade quase insana,
que empoema o sentido das palavras.
Aflora uma linguagem de defloramentos, um inauguramento de falas
Coisa tão velha como andar a pé
Esses vareios do dizer.

VII
O sentido normal das palavras não faz bem ao poema.
Há que se dar um gosto incasto aos termos.
Haver com eles um relacionamento voluptuoso.
Talvez corrompê-los até a quimera.
Escurecer as relações entre os termos em vez de aclará-los.
Não existir mais rei nem regências.
Uma certa luxúria com a liberdade convém.

VII
Nas Metamorfoses, em 240 fábulas,
Ovídio mostra seres humanos transformados
em pedras vegetais bichos coisas
Um novo estágio seria que os entes já transformados
falassem um dialeto coisal, larval,
pedral, etc.
Nasceria uma linguagem madruguenta, adâmica, edênica, inaugural

- Que os poetas aprenderiam -
desde que voltassem às crianças que foram
às rãs que foram
às pedras que foram.
Para voltar à infância, os poetas precisariam também de reaprender a errar
a língua.
Mas esse é um convite à ignorância? A enfiar o idioma nos mosquitos?
Seria uma demência peregrina.

IX
Eu sou o medo da lucidez
Choveu na palavra onde eu estava.
Eu via a natureza como quem a veste.
Eu me fechava com espumas.
Formigas vesúvias dormiam por baixo de trampas.
Peguei umas idéias com as mãos - como a peixes.
Nem era muito que eu me arrumasse por versos.
Aquele arame do horizonte
Que separava o morro do céu estava rubro.
Um rengo estacionou entre duas frases.
Uma descor
Quase uma ilação do branco.
Tinha um palor atormentado a hora.
O pato dejetava liquidamente ali.


@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@

Esta postagem eu dedico ao poeta
Diógenes Afonso, grávido de poesia!

Fonte do texto:
Jornal de Poesia

Fonte da imagem:
Interlúdio em flor

@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@

MANOEL DE BARROS, poeta mato-grossense, nascido para a vida em 1916 e parido para a poesia em 1937, com a concepção do livro - "Poemas concebidos sem pecado". Passou a ser mais conhecido a partir do ano de 1998, quando ganhou o prêmio Cecília Meireles, de Literatura/Poesia, com o "Livro sobre Nada".

@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@

segunda-feira, julho 20, 2009

Arquitetura Volátil (sculptores lapidum liberorum)





























Gn. 28:12,13




Essas paredes ascendem
por verticais monolíticas;
Saem do chão abruptas
Fundadas na pedra bruta.
Sete carreiras, na rocha
Lapidada em cantaria.

Erguer degraus é poesia?

Alvenaria abstrata,
Frases de argamassa e cal.
Essa peleja não é vã:
Tirar arestas à pedra;
Erigir versos de arrimo
E por a prumo as vertentes
Du'a volátil escadaria.



@@@@@@@@@@@@@@@@


Fonte da imagem:
O Sonho de Jacob

@@@@@@@@@@@@@@@@

P. S.:
Retomando uma parceria antiga, com o Carlinhos do Amparo, desde os tempos do Eu-lírico impresso, em que ele fazia um breve comentário aos meus poemas , a partir deste Arquitetura Volátil, o leitor poderá, se quiser, clicar em Resenha Poética, para ir ao blogue Sítio d'Olinda. Lá estarão as inusitadas "explicações poéticas" do meu compadre Carlos Pequeno do Espírito Santo, filodóxo e hermenauta das Olindas. Divirtam-se!

@@@@@@@@@@@@@@@@

quinta-feira, julho 16, 2009

A PALAVRA - Carlos Pena Filho





























Navegador de bruma e de incerteza,
Humilde me convoco e visto audácia
E te procuro em mares de silêncio
Onde, precisa e límpida, resides.

Frágil, sempre me perco, pois retenho
Em minhas mãos desconcertados rumos
E vagos instrumentos de procura
Que, de longínquos, pouco me auxiliam.

Por ver que és claridade e superfície,
Desprendo-me do ouro do meu sangue
E da ferrugem simples dos meus ossos,
E te aguardo com loucos estandartes
Coloridos por festas e batalhas.

Aí, reúno a argúcia dos meus dedos
E a precisão astuta dos meus olhos
E fabrico estas rosas de alumínio
Que, por serem metal, negam-se flores
Mas, por não serem rosas, são mais belas
Por conta do artifício que as inventa.

Às vezes permaneces insolúvel
Além da chuva que reveste o tempo
E que alimenta o musgo das paredes
Onde, serena e lúcida, te inscreves.

Inútil procurar-te neste instante,
Pois muito mais que um peixe és arredia
Em cardumes escapas pelos dedos
Deixando apenas uma promessa leve
De que a manhã não tarda e que na vida
Vale mais o sabor de reconquista.

Então, te vejo como sempre foste,
Além de peixe e mais que saltimbanco,
Forma imprecisa que ninguém distingue
Mas que a tudo resiste e se apresenta
Tanto mais pura quanto mais esquiva.

De longe, olho teu sonho inusitado
E dividido em faces, mais te cerco
E se não te domino então contemplo
Teus pés de visgo, tua vogal de espuma,
E sei que és mais que astúcia e movimento,
Aérea estátua de silêncio e bruma


@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@




Fonte do texto:
www.fisica.ufpb.br



Fonte da imagem:
Brumas

Carlos Pena Filho (1929-1960)

poeta brasileiro, nascido no Recife -PE,
e que desapareceu tragicamente em um
acidente de automóvel, aos 31 anos.
Jorge Amado, que o chamava carinhosamente de Berrito D'Água,
a ele dedicaria, em 1961, a magistral narrativa,
"A Morte e a Morte de Quincas Berro D'Água".
(confiram o apelido e a dedicatória em
"Os Velho Marinheiros - duas histórias do cais da Bahia",

Livraria Martins Editora, 1969)

@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@

terça-feira, junho 16, 2009

Ode ao lirismo whitmaniano

imagem do Google



..................... 
Melhor mesmo é dizer que o céu está azul,
Quando ele, de fato, azul está.
E aconchegar-se à realidade de um dia azul...

Às vezes, me dá essa necessidade de um lirismo transgressor,
lirismo de automóvel desgovernado.
De céu vermelho em manhã tempestuosa.
Lirismo de força centrífuga em órbita incerta.

Então olho para meus pés
E, cá do alto, me vejo majestoso.
Essas bobagens que circulam
em um cérebro propenso às tolices místicas.

Achegar-se ao mundo com lentes convexas
E rir-se só pelas ruas.
Rir-se das inúteis verdades nuas e cruas.
Rir-se como um pândego
Ou como uma criança,
Que, em sua poderosa inocência,
supera leões e dromedários.

Rindo, apropriar-me das certezas
fugidias feito sons de pífanos.
Essas inumeráveis evidências que me seguem
Como a um flautista que enfeitiça camundongos.

Um mundo lá fora está a ruir.
Que me importa o mundo, ó meus botões!
Importa que desabrochem p/rosas desses brotos.
Importa o folguedo de homens rotos.
E a festa dos sentidos quando nada faz sentido.

Entanto, ouvia-se um fragor de catadupas
E era estranho o sono que me dava nalma.
Melhor mesmo é dizer que o céu está azul,
Quando ele, de fato, azul está.
E aconchegar-se à realidade de um dia azul...

sexta-feira, abril 17, 2009

Ciranda da Inutilidade (ou rondó silesiano)
























"A rosa não tem porquê.
Floresce porque floresce.
Não cuida de si mesma.
Nem pergunta se alguém a vê..."
Angelus Silesius


A luz dos olhos de um gato
na noite feita de breu
é inútil feito o piscado
das estrelas lá no céu.
Gosto da flor porque gosto.
E esse gostar é só meu.
Assim, gosto da poesia,
Posto que inútil, ela e eu:

Se o cravo arengou da rosa...
Se a rosa pôs-se a chorar...
Faz sentido, choro em rosa?
Algum sentido, em brigar?
Só faz sentido, na roda,
Girar, apenas girar.
Por que criança vai dormir,
No melhor da brincadeira?
E sei lá eu! E eu sei lá!
Não me perguntem por nada
Ciranda é só cirandar.

Se o dia é bom pra que noite?
Por que existem baratas?
Os chatos andam nas chatas?
Quem ama as botas é o boto?
Tantas perguntas, ó Deus!
E eu sei lá!
E sei lá eu!

Claro que eu não disse nada.
Nem vim aqui pra dizer!
É tarefa vã, baldada,
De quem veio me entender.
Poesia não é pensada
Poesia não tem porquê:

É inútil o olhar do gato tó
na noite feita de breu eu eu
Nada explica cá
o alvoroço çó
das estrêlas
das estrêlas
lá no céu.
Nihil!



**************************************
Eurico :)
(permitam-me essas pequenas tolices,
tão inocentes, quanto pueris rsrsrs)




**************************************
Clique na imagem para ver sua origem.
**************************************

sexta-feira, dezembro 05, 2008

DUDA (poemeto neobarroco)








Paira a Duda, assim, pingente,
sobre os raios de um biciclo,
mirando-me, ambiguamente,
nos olhos, de modo oblíquo.
***


Duda, niña semiótica,
transita por entre os signos.
Levita, longe da lógica;
leva o abstrato consigo.
***
Dona de mim, traça órbitas
com o dúbio ciclo, nonsense.
Lança-me os dados da sorte,
gira no globo da morte,
faz piruetas circenses


***


Duda, voz dissimulada,
questiona-me, inocente.
Vacilante, Duda indaga,
num sussurro reticente
:
há um mistério nas coisas
porque em mim habita o mistério
ou
há um mistério em mim
porque o mistério habita as coisas?


***
Olho os céus,
fico silente,
minha mirada se turva,
mergulho no inconsciente
e me abraço à imensa Duda...




***





Dedico este poema ao artista Michael Cheval
A imagem que inspirou a conclusão do poema é:


Down to Earth
20”x20”
oil on canvas
http://chevalfineart.com/gallery/sense/b/19/


******************************** ~
No esboço desse poema, guardado desde
22/12/1997, havia também um dedicatória
ao místico italiano Pietro Ubaldi.








quarta-feira, dezembro 03, 2008

O BEIJO E A FLOR (Ainda a fauna... e a flora.)






I


O Beija-flor
beija a flor
inteira e não-conotativa.
Beija a realidade, flor sem artifícios.
Beija, o Beija-flor,
o cerne mesmo da Flor.


II

( ...era o meu intento envasar o aroma
dessa despetalada Flor, numa redoma).




III


A Flor e esse cativo Beija-flor
(fabrico-os dessa matéria plástica e furta-cor)
A flor, a derradeira e inculta.

A Flor.



(
...e em suas pét’las
errático,
um beija-flor,
flâneur vibrátil,
floreteia,
oral e erétil,
à flor,
à ineffabile e bela flor


do Lácio
)

***


Fonte da img.:


*****************

Pós-escrito:
em tempo, dedico este poemeto à amiga,
blogueira com nome de flor,
que, pelo que me parece, adora os colibris.
Também gosto deles porque se criam livres e soltos.




*******************************************************

quarta-feira, novembro 26, 2008

Dilúculo (impressões)





















...a noite, ou o signo da noite,
esse envoltório, invisível e volátil,
cinge as coisas em derredor...

...nada faz sentido sem o envoltório
in(di)visível da palavra.
Nada.
Nem a escuridão da noite.
Nem mesmo a fugaz antemanhã...

...jamais serão pardos os telhados
dos pardieiros, sem o anúncio das gentes.
E o que dizem as gentes dos telhados pardos?
Dão vivas à revoada das aves na alva?
Ou aborrecem o arrebol,
esse vocábulo em que lucilam sombras?

Os pardos.
Os pardieiros.
E os padeiros.
Eis os que se insurgem contra as trevas,
a dividir o pão nas entrelinhas da madrugada,
grávida do dia-na-noite.

Eis os que despertam quais perdidos pardais....no impreciso Dilúculo.
Lê-se essa palavra (in)pávida,
claro-escuro,
lusco-fusco...
Bela,

enquanto bruxuleia
nas estepes do terrunho dicionário
em que hão de vir pascer os rebanhos da aurora.

Amanhece...

A palavra aflora, agora?
Ou passa a impressão
de quase manhã...











Fonte das imagens:
1) Vincent Van Gogh - Noite
http://sunsite.utk.edu/FINS/Knowledge_Organization/gogh-1.jpg

2) Claude Monet - Impressão, Sol Nascente, 1872
http://br.geocities.com/maritp31/monetsol.jpg

************************************************











sexta-feira, novembro 14, 2008

Regresso ao Drummond...



















Regresso ao Drummond, meu mestre, minha universidade, para
um novo exercício de leitura submarinha.
Leio e releio esse metapoema, desde muito jovem,
como quem recita um mantra:
repetidas vezes, mas com concentração profunda, com reverência.
Como não tinha disciplina para a vida academica,
estudei, desse modo inusitado, esquadrinhando os grandes poetas.
Nessa foto, em que Drummond aparece na intimidade,
sentado como um menino, despojada postura, eu também
aprendo algo.
Aprendo que o poeta não é o artista dos palcos, das luzes,
dos estereótipos (marginal, popular, letrista, cantador, erudito).
O poeta é apenas um ser humano, com suas pequenas e grandes
alegrias, tristezas, dúvidas, temores... angústias.
Eis o grande exemplo de poeta, como Pessoa, em Portugal:
simples, pacato e com a vida privada
resguardada dos holofotes da mídia.
Ave, Drummond!
Evoé, meu Mestre!
****************************


PROCURA DA POESIA

Carlos Drummond de Andrade

Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças versos com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.

Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.

O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante, vossas mazurcas e abusões,
vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema.
Aceita-o como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.



************************************************
Fonte do txt.:
http://www.memoriaviva.com.br/drummond/poema025.htm


Img Drummond lendo:
http://blog.uncovering.org/archives/uploads/2008/08041601_blog.uncovering.org_drummond.jpg


**************************************************************