Mostrar mensagens com a etiqueta Manuel Veiga. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Manuel Veiga. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 25 de abril de 2017

Há nesta memória



Há nesta memória uma inóspita dor. Subterrânea.
Ou talvez uma gravidez calada.
E um rastilho aberto (ainda não fogo).
E um murmúrio de água que se deslaça do interior da pedra
Antes da fonte. E os dedos de colhê-la.

Ou a sede que se pressente
Neste arfar. E no desalinho da cidade...

Há nesta espera um novelo
Que os olhos desfiam. Gota a gota...

E há um estio bravio. E uma inquietação que lampeja.
E uma dor que se faz canto e uma centelha
Que almeja. E o fio oculto da chama.
Ou um grito.

Há talvez um dia outro - que a memória se desprenda!...
Ou uma brisa. Que incendeia. Ou um mar. E gente
Sofrida que não cala.

Há talvez alamedas. Míticas e cheias.
E flores no cântico das armas.

Que então a pedra seja chama. E as praças sejam parto.
E os corpos se incendeiem.
E a água seja cântico.

E Abril seja límpido. E claro.
E a justiça viceje no rosto do meu Povo.
E na boca dos famintos...

Autor : Manuel Veiga
...............................................
25 de Abril, Sempre!...
http://relogiodependulo.blogspot.pt/2014/04/

quinta-feira, 16 de março de 2017

De novo a montanha

Diggie Vitt

De novo a montanha e um silêncio íntimo
Em que percorro veredas d´água. E o magma
E nesse fogo se condensam estalactites. Afectos agora
Evanescentes. Essências matriciais ainda.

Fecha-se o círculo. Em redor as brumas
E os rostos. E os cheiros. E esta pedra
Em que trôpego desfaleço. A febre quente.
E o suor frio. E o grito d´alma que voa
Qual corrente. Veleiro sem regresso
Nem destino certo...

A vida? Esquivas corsas que de tão lestas
Se pressentem e apenas no rasto se iluminam.
Fortuitas são as horas. Não o caçador negro
Nem o coração da pedra. Apenas a água
(E sal da lágrima) são lírios e são heras.

Guardo sôfrego este silêncio e me retiro.
O fogo é agora esta paixão de nada: o eco de calcário
E meus dedos brasa. Poeira e caliça.

E muros derrubados.
E esta centelha viva que na queda
Se derrama.

Fim de tarde
Que no declinar do sol
Se incendeia.

Autor : Manuel Veiga
 "Do Esplendor das Coisas Possíveis" - Poética Edições
Lisboa Abril  2016

terça-feira, 2 de agosto de 2016

No outro lado do poema

Reisha Perlmutter

no outro lado do poema
aí onde a luz colapsa de tão negra
lá onde a palavra brota como lume no seixo
e o nada se faz fogo
inscrevo o nome das coisas...

e na luminosa obscuridade das palavras
e na tatuagem dos dias
e no estilete de bronze
que os deuses em seu desenfado
por vezes emprestam aos mortais
(re)escrevo as dores de meus pensamentos
resguardados da obscena exposição
de martírios, alegrias e de enganos...

e soletro em bebedeira de sentidos todos os rumores
e partilho o poema-outro
o que vem de fora
e de tão íntimo
se mistura no sangue cúmplice
e de tão grave se funde no desejo transgressor
em que vou

ardendo...

Autor Manuel Veiga
http://relogiodependulo.blogspot.pt/search?updated-min=2008-01-01T00:00:00Z&updated-max=2009-01-01T00:00:00Z&max-results=50

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Navego canela e marfim


Navego canela e marfim
E em meu sal marinheiro...

Solto os mares.
Que porto abandonado é fogo ardido...

Corsário de um corpo indefinido
Em cada remo me fundeio. A bruma é lua.
E o rosto indefinido vaga cheia...

Cartografia dos sentidos
Rebentando as veias...

Não mais bandeiras. Outras.
Apenas o convés engalanado
E o mastro altivo...

Tão grávida de Índias
Minha galera de glórias passageiras...

Autor : Manuel Veiga
"Do Esplendor das Coisas Possíveis" - pág 89
Poética Edições - Lisboa

sexta-feira, 11 de março de 2016

Curvam-se os dias


Saul Landell

Curvam-se os dias. E no declive
A íntima inquietude de meus passos...

Amável embora a sombra espraia-se
Em azul neutro. Névoa desprendida
A derramar prenúncios. Quase tímida.
Dulcificando a erosão da cor e abrindo-se
Vagabunda ao seu destino espúrio...

Sem alardes. Que nada pode a subtileza do voo
Nem a coada luz da nuvem...

Apenas a rota das trevas e a imanência do sopro
A moldar a curva e a frágil senda
E os calcinados sonhos
Do poeta...

Autor : Manuel Veiga

sábado, 28 de novembro de 2015

NADA ESTÁ ESCRITO !...



Christine Ellger

Na fogueira dos dias ardidos em que a cidade desmaia
Anuncia-se incerta uma luminosidade vespertina -
Destino sem rosto bem definido ainda...

Subtis prenúncios se levantam na combustão das palavras
Esventradas e nos latidos de cinza sobrevoando 
A noite como meteoritos de uma galáxia
Entretanto extinta...

O espectáculo porventura reluz e predomina
Numa embriaguez que os sentidos recolhem
Como lantejoulas de enganos no vazio exaurido
De títeres sem rosto quais vampiros de um insaciável
Sangue que lhes turba a voz e lhes empalidece a fronte... 

Nada porém está escrito que os homens não possam.
Nem as entranhas das aves são labirinto de secretas.
Fórmulas que apenas alguns decifram...

Nem o poder. Nem o tempo...

O dia e a noite seguem seu ritmo.
E respiramos. E no alvoroço das palavras reinventadas
Ateamos o fogo solar e o fulgor dos dias claros...

Nada está escrito!...

Autor : Manuel Veiga
http://relogiodependulo.blogspot.pt/