Semana On

Mostrar mensagens com a etiqueta entrevistas. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta entrevistas. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Entrevista com Marcelo Branco: “As redes sociais estão revolucionando o Jornalismo”

Eram 15h20 de terça-feira, 4 de maio, quando me acomodei no banco traseiro do veículo que levaria Marcelo D’Elia Branco para o Aeroporto Internacional de Campo Grande (MS), após ter participado do evento “As redes sociais na campanha do PT”. Gaúcho de Porto Alegre, 49 anos, Branco é ativista do software livre e foi por três anos diretor-geral da Campus Party Brasil, maior evento de internet do país. Recentemente, assumiu a missão de comandar as estratégias de redes sociais da pré-candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff. A entrevista, generosamente concedida durante os 20 minutos que separam a universidade sede do evento e o aeroporto da capital sul-mato-grossense girou em torno da relação entre as redes sociais, a política e o Jornalismo. (A foto acima foi gentilmente cedida pela minha colega de Jornalismo Fabiana Silvestre)


Como você analisa o momento atual da liberdade de expressão na internet brasileira?

Acho que a internet, com a mudança da legislação eleitoral, vai introduzir milhões de brasileiros na cena política. Não só como espectadores, ou como militantes, mas como voz ativa. Pessoas vão poder manifestar sua opinião através de textos, fotos e até através do áudio-visual. Acho que isso qualifica a democracia brasileira, pois coloca foco em pessoas que não teriam a oportunidade de se expressar de forma plena em uma campanha eleitoral. Acho que isso devolve aos apoiadores das campanhas políticas a direção sobre os seus rumos, pois a campanha na internet não consegue ser centralizada. O ritmo e a dinâmica da campanha vai estar muito em função do que estes apoiadores estarão fazendo na rede. As opiniões que eles colocarão na internet, nas redes sociais é o que vai direcionar os rumos da campanha. Acho que é muito importante para o aprofundamento da democracia brasileira esta possibilidade de indivíduos conectados em rede se expressarem sobre o momento político que estamos vivendo. Esta compreensão nova dos legisladores, de que a internet não é a mesma coisa que um meio de comunicação de massa por concessão pública, que precisava ser regulamentada de forma rígida, o entendimento de que a internet é um espaço de expressão individual, foi uma grande vitória para a democracia brasileira.

Você aposta, então, na força da comunicação horizontal? Acredita que as pessoas nas redes sociais terão voz com poder suficiente para fazer frente à mídia tradicional?

Sim. Acho que isso já está acontecendo, pois pela primeira vez a plataforma tecnológica do usuário, do público é a mesma que a do veículo. Se o veículo é uma rede de tevê poderosa e tem um blog, um Twitter, o público desta rede de tevê também tem um blog e um Twitter. Então, pela primeira vez, público, editores e empresas jornalísticas estão conectados na mesma matriz de mídia. Isso exige uma comunicação horizontal, um controle maior do público sobre as notícias que estão sendo publicadas. Este público vai poder intervir. Aquela soberba do jornalista ou do veículo de até mesmo destruir personalidades, atacar pessoas ou criar fatos, isso não é mais assim. Se um blogueiro, mesmo que seja de um grande veiculo, resolve atacar alguém de forma injusta, milhares de pessoas se manifestarão através de blogs e do Twitter, contestando aquela atitude. Uma noticia mal colocada poderá ser retrucada com fatos, vídeos, provas.

Algum exemplo?

Acho que isso aconteceu já nessa campanha, quando a Dilma esteve no ABC, falou sobre quem tinha fugido da luta e o jornal Folha de S.Paulo inventou uma frase dizendo que ela se referia aos exilados políticos. Isso foi contestado pela própria Dilma no Twitter. Ela foi lá e disse: “eu não falei isso”. Eles não levaram em conta, não deram bola. Aí, quando ela mostrou o vídeo do discurso, dando provas concretas, com fatos, de que ela não tinha falado nada em relação aos exilados políticos, pelo contrário, isso obrigou o jornal a reescrever aquele fato dizendo que a Dilma não havia dito aquilo que eles tinham publicado. Então, isso vai acontecer centenas de vezes durante a campanha eleitoral. A necessidade de que a verdade, os fatos desmintam possíveis noticias que interpretem mal uma realidade.

Por outro lado, esta fragmentação da informação também esbarra na audiência. O microcosmo deste ambiente virtual terá voz ativa?

Acho que o somatório destes microblogueiros sim. Mas é óbvio que audiência e credibilidade são coisas que se constroem ao longo do tempo. Então, quem tem ao seu lado uma coluna em um jornal diário tem mais chance de ter audiência na internet do que quem não tem. A internet não acaba com as desigualdades, mas acho que ela estabelece uma possibilidade de pessoas ganharem esta credibilidade na rede, influírem e muitas vezes pautarem os meios de comunicação. Isso tem acontecido nos últimos tempos. Vários fatos comprovam que a simples manifestação de pessoas nas redes sociais tem feito os veículos de comunicação corrigirem informações, em alguns casos até pautando estes veículos.

Até que ponto é válido para o Jornalismo ser pautado pelas redes sociais?

É um aprendizado importante. Que os jornalistas estejam sintonizados com a opinião dos leitores e não só com a opinião do dono do jornal. As redes sociais possibilitam esta relação na qual o jornalista precisa, cada vez mais, estar sintonizado com o público. Se o cara escreve num jornal, tem um programa na tevê, penso que ele não precisa se importar com o que o público está pensando dele. Ele se importa mais com o que o dono do veículo pensa dele, pois é desta forma que ele vai continuar trabalhando no veiculo. No caso da interação com as redes sociais é diferente. Se o cara começa a falar muita coisa que desagrada o público e esse público começa a se manifestar nas redes sociais, isso pode impactar na audiência do programa, da coluna, do espaço que ele tenha na mídia tradicional. Acho saudável para a comunicação essa possibilidade do jornalista ter a crítica e saber que nem sempre o profissional de comunicação é dono da razão. Muitas vezes, o público tem razão em relação à forma como está sendo feita uma cobertura e ele pode dizer: “olha, isso não está certo”. E isso tem acontecido. Os próprios veículos têm estimulado que o público faça a cobertura mandando informações, fotos.

Você considera positivo o chamado “jornalismo cidadão”?

Claro, acho positivo. A internet está questionando o papel do intermediário e não é só no jornalismo. Na indústria fonográfica foi assim. Ela fazia a intermediação entre o artista e o público. Toda a intermediação está sendo questionada. O jornalista intermediava a relação entre o fato e o veículo; e o veículo intermediava a relação entre o público e o fato. Então, tinha a intermediação do jornalista, que chegava com o fato no veículo, e do veículo, que intermediava este fato junto ao público. Hoje não. Hoje qualquer indivíduo em uma esquina com um smart phone nas mãos pode publicar algo. Se vai ter muita ou pouca audiência é outra discussão. Mas existe esta possibilidade. Então, o papel do intermediário, todo intermediário, tem que ser rediscutido. Acho que o papel do jornalismo pós internet, precisa ser rediscutido também.

E como fica a qualidade, a precisão da informação?

Isso é outra coisa que eu discuto. Quem garante que a qualidade de informação nos grandes veículos, nos grandes jornais, é boa? Quem sabe se a construção colaborativa de conteúdos não pode garantir uma qualidade melhor? Há o exemplo do próprio software livre. Os softwares feitos de forma comercial por grandes corporações são, sob o ponto de vista da qualidade técnica, muito inferiores aos softwares feitos por milhares de mãos, de forma colaborativa. Portanto, acho a notícia colaborativa interessante também. E o profissional não perde seu espaço. Ele terá a capacidade de elaborar textos mais articulados, artigos mais densos, que uma pessoa que não é profissional, que não tem formação nem experiência não conseguiria fazer. Esta cobertura do dia a dia será feita cada vez mais por pessoas que não tem a formação profissional em Jornalismo.

Você tem posição formada quanto à obrigatoriedade do diploma específico para o exercício do Jornalismo?

Acho que não há necessidade. Respeito a posição dos sindicatos dos jornalistas. Mas, como rato de internet que sou não posso concordar que o diploma seja um elemento chave para o Jornalismo, assim como não concordo que o diploma de analista de sistemas seja essencial para alguém exercer esta profissão. Fosse assim eu não poderia exercê-la, pois não tenho o diploma de ciência da computação e trabalho há 31 anos com isso.

Como você se informa?

Há 25 anos que eu não tenho tevê em casa. Então, nos últimos 25 anos não me informei pela tevê. Só assisto em quarto de hotel, em aeroporto. Eu lia jornais impressos até uns 10 anos atrás, mas tem quase isso que não assino nenhum jornal. Jornal eu pego por aí, mas não assino. Minha informação se dava, então, a partir da internet, dos portais, até três anos atrás. Foi quando passei a me informar exclusivamente pelo Twitter. Não que eu não leia informações da Folha Online, do G1, do Estadão Online. Eu leio o que eles publicam, mas a partir da minha rede de relacionamentos na internet. Pois as pessoas que a integram são relevantes, elas me mandam informações relevantes. Eu sigo jornalistas da grande imprensa, sigo amigos que não são jornalistas, mas que lêem muito o quê está sendo publicado nos portais. Mas, não busco informações diretamente nos portais. Acho que a era dos portais está acabando.

O Twitter é uma boa base de dados para filtrar informações?

O Twitter é o filtro perfeito. No twitter, se alguém me manda informação que eu não concordo eu paro de seguir. Então, se eu seguir 100 pessoas relevantes no Twitter – e hoje estou seguindo mais em função da campanha – estarei informado sobre tudo. E não significa seguir só aqueles com quem a gente concorda politicamente, isso é um erro. Tem fontes de informações que para mim são extremamente relevantes, mas que não concordam comigo em vários aspectos da política e da vida. Mesmo assim, são pessoas que trazem informação de qualidade. No Twitter eu não sou obrigado, como em um jornal ou um portal, a ver tanta coisa mal escrita, tanta coisa que eu não quero ler, mas que sou obrigado para chegar à informação que eu quero. O Twitter está fazendo uma revolução na comunicação, no Jornalismo, exatamente por ser o filtro perfeito. Eu só vou ler aquilo que as minhas fontes de informação, as fontes que eu considero relevantes estão publicando. Acho que isso é muito importante. Tem três anos que minha única fonte de informação é o Twitter. Se não vier pelo Twitter muitas vezes eu não fico sabendo.

Como você analisa o uso das redes sociais pela política partidária? Muita gente desconfia da presença do político nestas ferramentas.

É natural. As pessoas desconfiam dos políticos em todos os âmbitos. Na internet também, nas redes sociais também. É um novo espaço de convivência. Assim como as pessoas desconfiam das marcas e dos produtos, as agências de publicidade estão lá, presentes comercialmente no Twitter, no Orkut, no Facebook tentando posicionar seu produto. Com os políticos é o mesmo. É natural que eles queiram ocupar seu espaço nas redes sociais. Vai ter quem apóie isso e quem fique contrariado. Mas, nas redes sociais a gente segue e é amigo de quem a gente quer seguir e ser amigo. Essa é a diferença. Há pessoas que vão querer ser amigos no Orkut de políticos para ver o que eles estão fazendo. Há pessoas que vão querer seguir políticos no Twitter, pois consideram relevante acompanhar o dia a dia destes políticos. E há pessoas que não querem isso. As redes sociais são assim. É diferente do e-mail, onde você recebe um monte de informações indesejadas. As redes sociais são uma nova forma de relacionamento. Rede social não é só Twitter, Orkut ou Facebook. São novas formas de relacionamento que a humanidade está experimentando desde o surgimento da internet. É um novo espaço de convivência e cidadania. Então, é natural que a política partidária também se manifeste nele. Respeito e acho válido.

Que tipo de postura um político pode adotar nas redes sociais visando às eleições que se aproximam e que pode condená-lo perante os usuários?

Em primeiro lugar, ele vai ter que ter muita humildade. A humildade será muito importante. Esta comunicação horizontal exige uma mudança de postura por parte do político, pois ele vai ter que dialogar na mesma linguagem de quem o está abordando em uma rede social. Tem dois ministros, o Paulo Bernardo e o Padilha, que são tuiteiros inveterados. É muito normal a gente falar duas ou três vezes com eles por dia e ver que pessoas anônimas dão uma tuitada e eles respondem também. Imagine! Quando um brasileiro iria falar com um ministro? Quando um brasileiro falava com um senador, um deputado? Isso aproximou as pessoas e acho que a postura do político deve ser de interação e diálogo e não de soberba. Se ele ficar sempre com a razão, não estará interagindo, por isso a humildade é importante. Ouvir muito e levar em conta o que está sendo dito na internet.

Sabemos que é impossível para uma pessoa pública responder a toda a demanda gerada em uma ferramenta de rede social. Como você analisa o papel das assessorias que ajudam estas pessoas a selecionar perguntas, respondê-las etc.?

Acho que é uma nova área de atuação para os profissionais de comunicação. Tem o assessor que tuita pelo político - coisa que eu não condeno, desde que fique clara a participação da equipe, que ele não finja ser uma coisa quando é outra. Tem a assessoria que ajuda a organizar respostas, mas que conta com a participação direta do assessorado, que define o assunto e o que será dito. Um exemplo é a Dilma. Pelo menos até este momento em que estamos gravando, é ela quem está tuitando. O Twitter da campanha é outra coisa, mas o Twitter pessoal dela é uma reivindicação que ela tinha desde o ano passado e que teve a oportunidade de fazer agora. Mas é dela. Ela está decidindo durante a manhã o que ela vai tuitar. É obvio que a Dilma não é igual a mim, igual a nós que estamos o dia todo na internet. Ela tem um tempo limitado na rede. Ela não vai poder responder e interagir da forma que seria o ideal do manual do marketing social. Mas, ela expressa o que ela é na internet. Então, é natural que a Dilma não de tantas tuitadas por dia, mas ela está conseguindo ser ela mesma na internet. Foi uma opção dela, de não delegar à assessoria as suas tuitadas. É óbvio que a gente está pensando agora em ajudar a organizar esta demanda de interação, para que ela possa decidir o que vai responder, o que vai tuitar. Mas, até este momento, por incrível que pareça, é ela quem lê seus tweets e decide o que é relevante, o que vai postar.

Apesar de ser um novo campo para a saturada área da comunicação social, apesar de gerar oportunidades de trabalho para muita gente, a assessoria em redes sociais ainda é vista com desconfiança no meio jornalístico. O jornalista é conservador quando se fala em novas tecnologias?

Não posso generalizar, mas sim. Lembro que antes das redes sociais, da internet, o próprio uso do computador foi dificilmente assimilado pelos jornalistas. Usavam a máquina de escrever e, de repente, chega o computador. “Vou ter que aprender esta coisa nova!”. No início, nos anos 80, havia grande resistência dos jornalistas em usar micro-computadores. Eu tinha amigos jornalistas que se negavam. É a mesma coisa. Existe também uma questão geracional. Os jornalistas mais novos acham isso normal, vibram com a possibilidade das redes sociais. Os jornalistas mais antigos ainda têm uma resistência muito grande, uma desconfiança em relação às possibilidades geradas por elas.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Entrevista: Edney Souza fala de mídias sociais e Jornalismo

Empresário, blogueiro, sociólogo, poeta, cervejeiro, dublador, analista de sistemas, publicitário, filósofo y otras cositas más...”. Assim Edney Souza se apresenta no twitter, onde arrebanha 35.711 seguidores (até às 14h deste domingo). Atuando em informática desde 1990, Edney teve seu primeiro contato com os blogs em 2001, por meio de uma reportagem da Revista da Web. “Percebi que tratava-se de um CMS gratuito que poderia facilitar muito o processo de atualização do meu site então decidi transformá-lo em blog”. Passados oito anos, Interney, como é mais conhecido na rede, tem um dos maiores faturamentos da blogosfera brasileira, iniciado com o InterNey.net e, desde 2005, solidificado em parceria com Alexandre Inagaki no mais importante portal independente de blogs da internet brasileira, o Interney Blogs (hoje com mais de 4,8 milhões de page views mensais). Formado em Processamento de Dados pelo Mackenzie (1997), Edney Souza é um dos nomes mais respeitados da Web brasileira na atualidade. Em julho fundou a Polvora, consultoria em comunicação especializada em mídias sociais que nasceu da parceria estabelecida entre a Blog Content e o Grupo RMA. Ele esteve em Campo Grande entre sexta (21) e sábado (22) participando do Workshop Mídias Sociais, promovido pelo Sebrae. Suas palestras atraíram geeks, jornalistas e publicitários interessados em conhecer um pouco mais sobre esta revolução que tem exigido novos padrões de comportamento nas relações sociais e nos negócios. Logo ao chegar à cidade, na sexta, acomodado em um sofá no saguão do Sebrae, concedeu a seguinte entrevista ao Escrevinhamentos.

Fotografia gentilmente cedida pelo amigo Lucas Reino


Vivemos hoje uma febre das redes sociais, mas a internet sempre foi uma rede social...

Sempre foi. O pessoal entrava em BBS na primeira metade dos anos 90. Eu entrava em 95, para conversar com os amigos, falar. Internet, além desta plataforma onde você pode depositar conteúdo, é um grande meio de comunicação, com a vantagem de ser um meio de comunicação digital que permite que esta troca de informação ocorra por diversos meios. O que estamos vivendo hoje é esta facilidade que você tem de não só escrever, como também se fazia antigamente, mas de subir uma foto, fazer um vídeo ao vivo. Hoje, você tem MSN, Skype, pode falar em voz e vídeo ao vivo com outras pessoas do outro lado do mundo, em tempo real. É um caminho sem volta. Você não vai mais querer falar por telefone, não vai mais querer escrever uma carta. Não sei quais ferramentas estaremos usando no futuro, mas certamente a gente não vai abandonar o meio digital, a não ser que haja um colapso mundial.

Por outro lado, estas novas ferramentas surgem a cada dia. Até que ponto é difícil acompanhar esta revolução constante?

Você tem que separar os tipos de ferramentas. Se pegarmos uma coisa que todo mundo usa hoje, que é o MSN, na verdade ele é apenas o sucessor do ICQ. Há algum tempo todo mundo perguntava “ah, será que o ICQ vai acabar?”. O ICQ ainda existe, mas já não é a principal ferramenta de instant message. O formato, do MSN, no entanto, ficou, é o mesmo.

E o Twitter?

Não sei se o Twitter vai estar de pé daqui a dois anos, pois ele ainda não tem rentabilidade própria, depende de investimento. Mas o formato de microblog veio para ficar.

Por que?

Porque com ele você consegue acessar de qualquer lugar. Por meio de um celular, se você está em um jogo, em um debate, você já escreve na hora o que está vendo. Você está no trânsito, aconteceu algo, você tira uma foto e tuita aquela foto no mesmo instante. Esta velocidade, esta instantaneidade é um prazer que a pessoa tem e que dificilmente vai trocar por outra ferramenta. Amanhã, pode deixar de ter um Twitter, mas você vai ter esta ferramenta de microblog. Não importa muito o nome que se dá a determinadas coisas: Twitter, ICQ, MSN, Orkut, Facebook. O que importa é o tipo da ferramenta. Muita gente está migrando hoje para o Facebook, amanhã pode estar migrando para outro produto. Ms, provavelmente, as pessoas sempre estarão em alguma rede social, pois este comodismo, este prazer já está incorporado.

Trata-se de um novo ambiente de interação e comportamento.

Sim, e tudo muito novo. Eu e você nascemos em uma geração onde o telefone era um bem de consumo caro. Hoje, todo mundo tem um telefone celular. Hoje, mesmo quem não tem computador ou internet em casa pode ir a uma Lan e se conectar por um baixo custo. Hoje, o computador está à disposição de todo mundo. A geração que vai crescer com computador desde o minuto zero dentro de casa, vai explorar isso de formas como a gente nem imagina. Então, é uma onda que estamos vivendo agora. Assim como quem viu a TV em preto e branco se impressiona hoje com os efeitos em computação gráfica. A gente, que viu a internet através do BBS, praticamente só texto, se maravilha com as redes sociais. Daqui a 10 anos, vai mudar radicalmente de novo. Vai continuar mudando toda hora? Vai. Para onde vai? Não tenho a menor idéia.

Existe fórmula para transformar um blog em uma ferramenta rentável?

Existe fórmula. Agora, precisa ver se a fórmula se aplica a todo mundo. Existem algumas maneiras de você rentabilizar um blog. São três caminhos principais. Você é um produtor de conteúdo e usa o blog como portfólio para mostrar a qualidade de sua produção, conseguindo trabalhos através dele. Você pode usar o blog para criar reputação em um determinado mercado e, através desta reputação, se colocar em melhores trabalhos, vender mais produtos, conquistar mais clientes ou melhores funcionários, se posicionar melhor no mercado. Ou, você pode, efetivamente, criar um veículo, publicar textos diariamente sobre determinado assunto, conquistar uma grande audiência e vender publicidade. Então, você pode usar o blog como uma vitrine para vender algo, usar como uma vitrine para se vender, ou usar como vitrine para vender outros produtos através daquela audiência. Para cada um destes caminhos existem fórmulas diferentes. Agora, não necessariamente todo mundo precisa se encaixar nestas fórmulas.

E no meio disso tudo ainda há espaço para a vocação inicial do blog? Ser um diário pessoal.

Sim. Por exemplo, sou escritor e quero organizar um livro. Estou usando o blog como uma escrivaninha onde amontôo os textos enquanto o livro não sai. Estou fazendo terapia e estou usando o blog para descarregar as coisas da minha cabeça, para desestressar, para relaxar. Estou usando o blog para contar meu dia a dia, sem nenhuma pretensão. Tem que existir ainda este espaço despretencioso. Assim como no mundo offline existe este espaço despretencioso, isso continuará existindo no mundo digital. E o blog se presta a este papel.

Dentro destes três caminhos, dois se adequariam bem para jornalistas que queiram usar um blog como ferramenta de negócios.

Sim. Para os jornalistas, o portfólio é muito interessante. O cara quer contratar um jornalista, dá uma olhada no blog dele e já sabe qual a qualidade da produção textual daquele cara. Ou, transformar aquilo em um mini-veículo. Ao invés de você ser o colunista de algum jornal, você dá uma grandiosidade para sua coluna, na qual você pode vender publicidade diretamente nela.

Em 2007 você e o Alexandre Inagaki criaram o maior portal de blogs independente do Brasil. Que análise você faz desta experiência?

Em fevereiro de 2007 colocamos o bloco na rua efetivamente, mas começamos a conversar em janeiro de 2006. Parecia um negócio maluco na verdade. Hoje eu olho e a coisa parece muito óbvia: pegar um monte de gente que escreve e reuni-las em um veículo grande. Na verdade, os jornais surgiram assim. Reuniam um monte de jornalistas, colunistas, repórteres e tinham um jornal. Para mim, que não vim de comunicação, pensar que eu poderia ter um grande veículo era algo fantástico. Hoje, o Interney Blogs está com 4,8 milhões de page views por mês. É uma enormidade. É maior que muitos jornais pelo Brasil. A grande transformação foi mostrar que, mesmo alguém que não é de comunicação, tem condições de ter um espaço na rede se souber produzir este conteúdo adequadamente.

E este não é um campo privativo do jornalista.

Ontem (20) teve o Blogcamp Espírito Santo. Uma das funcionárias da Polvora que nos representou lá foi a Carla Coutinho e o pessoal perguntou a ela sobre o diploma de Jornalismo e ela disse que diploma de Jornalismo morreu com os blogs, há muito tempo. E não é que não valha a pena se formar em Jornalismo, é óbvio que se você gradua em Jornalismo, vai ter muito mais técnica e conhecimento para poder conquistar seu espaço. Eu sou formado em processamento de dados. Você não precisa se formar em processamento de dados para aprender a programar computador. Mas, quando você se gradua, tem muito mais capacidade e facilidade em crescer no mercado. O pessoal tem que perceber essa mudança de paradigma, esta liberdade, não como um esquema onde ninguém é de ninguém, onde as pessoas perdem seu espaço, mas onde há democratização da informação. Se você é capaz de produzir bom conteúdo, entende de alguma coisa, tem condições de ir à luta e conquistar seu espaço digital. O espaço digital não depende de concessão de governo, de grandes investimentos. Você consegue se estabelecer inicialmente com uma ferramenta gratuita.

Você lê algum jornal impresso, ou só se informa através da internet?

Só leio jornal impresso quando me entregam aquele Jornal Destaque ou o Metrô, no carro, quando estou indo para o trabalho. Dou aquela folheadinha rápida para dar uma olhada nos highlights. Se não jogassem estes jornais na minha mão eu não leria absolutamente nada de jornal tradicional. Acabo lendo links, um ou outro, em forma de twitter e rss feed. Muitas vezes, um blog que estou lendo no feed ou no twitter passa um link de uma mídia tradicional e aí eu vou ler. O que me pauta são os amigos e algumas pessoas que são referências para mim e não as capas de jornais e portais.

Em entrevista concedida ao Júlio Borges, no Digestivo Cultural, em maio do ano passado, você disse que “O jornal se distanciou da população e vive da transferência de reputação do papel — só que a receita do on-line não paga a estrutura off-line, que sustenta essa reputação.”. Esta situação piorou de um ano para cá?

Isso piorou um pouco. Se a gente pegar como exemplo os Estados Unidos, onde este processo está muito mais adiantado do que aqui, o grande problema dos jornais foi começar a vender a publicidade online como bonificação. O que aconteceu? No momento em que o público alvo daquela mídia já estava em grande parte no online e aquele anunciante começou a ver que o anuncio online estava dando muito mais retorno, ele disse que queria só o online. Só que o online era bonificação. Ele agora não topa pagar por algo que antes estava ganhando de graça.

Prostituíram o mercado muito cedo...

Exatamente. Eles estragaram o próprio mercado. Dizer que os blogs estão tomando espaço dos grandes jornais é megalomania de blogueiro. Os próprios jornais é que entraram errado no mercado digital. Lá nos Estados Unidos muito jornal já quebrou e estão criando um monte de modelos. Se você acompanhar o De Repente, do Rafael Sbarai, todo dia ele fala de alguma coisa nova que os jornais de lá estão tentando fazer para se manter. Criam sessões fechadas, serviços de rede social, misturam twitter com a home, criam jornalismo colaborativo, contratam blogueiro, demitem colunista, faz isso, faz aquilo, é um caos. Não dá para pintar um cenário de como isso vai se solidificar.

Você disse que o jornal se distanciou da população...

O Rodrigo Lara Mesquita diz que no tempo dele o jornalista andava no meio do povo, estruturava aquilo no jornal e no outro dia ele estava vendo como aquilo repercutiu. Ele era uma câmara que ressoava a informação da sociedade. A partir do momento em que o jornalista deixa de andar nas ruas, está na redação coletando informação pela internet, traduzindo o que chega, ele cria um mundo onde só repercute dentro dele mesmo. O que as pessoas estão discutindo no MSN, Orkut, blogs, fóruns, listas de discussão às vezes passa longe daquilo que o jornal está discutindo. Então, o jornal passou a ser um veiculo feito para os jornalistas e para os assinantes mais tradicionais, acaba virando uma câmara de eco ao invés de algo que está reverberando, algo que aborde assuntos que de fato a sociedade esta discutindo.

Você acredita que a tendência é que esta mídia tradicional vá perder cada vez mais espaço?

O que tem acontecido muito nos Estados Unidos, que como eu disse está mais adiantado nesta relação, é a criação de nichos locais. Sou um jornal de Nova Iorque, tenho um repórter no Central Park, outro no Brooklin, etc. Vamos falar do que está acontecendo aqui, no âmbito local. Vou falar de algo estadual, nacional ou internacional se é algo que o pessoal está falando nas ruas. É fazer o cara voltar às ruas. Obviamente, quando estou falando isso, estou generalizando. Tem muita gente que está trabalhando bem dentro deste espectro. Mas, no geral, eu vejo as redações dos jornais como lugares onde todos estão sentados traduzindo informações que vem de outro lugar. O cara não está na rua coletando. Confesso que não conheço os veículos aqui de Campo Grande, mas será que o que pessoal está falando aqui é efetivamente o que as pessoas estão falando nas ruas? Ou são apenas ecos de jornais de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília? O que é mais importante para a população local? É evidente que o que se decide em Brasília afeta o país todo, o que é decidido na economia de São Paulo também, mas será que o que está acontecendo a duas quadras da sua casa não pode afetar muito mais sua segurança, saúde, sua capacidade de criar negócios locais?

O que falta para que a imprensa encontre um modelo de negocio viável na internet?

Primeiro tem que aprender a valorizar o online e não desvalorizar, como foi feito. Não se pode hiper-valorizar também, como alguns estão fazendo. É preciso fazer uma transição entendendo que esta faixa da população, com idade entre 25 e 35 anos, que é quase 100% da população economicamente ativa, têm os veículos impressos no quarto ou quinto lugar entre suas fontes de informação. É preciso criar modelos para capitalizar junto a este público. O que faz este cara consumir esta informação digital em detrimento de outra? Falta entender quem é o seu leitor, quem é o cara para quem você está escrevendo. O jornal se tornou uma instituição que construiu um estilo próprio e se prende a este estilo. Talvez seja hora de mudar este estilo, de rejuvenescer sua linguagem e a forma como os assuntos são abordados para que você faça mais sentido para as faixas etárias que estão subindo na escala econômica.

Seria importante para a formação do jornalista um conhecimento mais aprofundado sobre as ferramentas da internet e sobre noções de empreendedorismo que permitam a ele atuar economicamente sobre estas ferramentas?

Sim. Acho isso absurdamente importante, 100% importante. Se os grandes jornais estão bem estabelecidos, eles começaram lá atrás, com um cara que escrevia e vendia o anúncio. Aos poucos, este cara criou uma estrutura e virou uma regra não misturar comercial e editorial. Só que, quando este cara começou, sozinho lá atrás, ele fazia tudo. Ele era o gráfico, escrevia, vendia, resolvia tudo. Estão faltando caras como estes nos dias de hoje. Falta o cara que construa do zero. É o cara que vai montar um veiculo digital, vai escrever, vai vender publicidade. Ele tem que repensar está fórmula do zero.

Qual sua opinião sobre a polêmica do conteúdo pago nos jornais online?

Muito difícil se estabelecer, pois as pessoas hoje são emissoras de informação. O cara lê uma coisa no jornal, o outro lê no Twitter, o outro no MSN, e a coisa anda. Quando tivemos em São Paulo o toque de recolher promovido pelo PCC, o vice-governador foi à TV dizer que não havia problema algum e ainda assim todo mundo foi para casa. A notícia se espalhou via SMS. A mensagem do SMS prevaleceu sobre todo e qualquer tipo de mídia estabelecida. A partir do momento em que as pessoas confiam mais na informação dada por seus amigos e familiares do que na imprensa, a imprensa querer cobrar por esta informação é querer criar uma barreira definitiva. O conteúdo pago é uma barreira adicional. Hoje ninguém tem aquela confiança no jornal que se tinha há 50 anos atrás.

Há um preconceito entre o profissional de imprensa e o blogueiro?

Existem mais blogueiros com megalomania, que acham que seus blogs são mais importantes que a mídia tradicional. Também há jornalistas preconceituosos, mas a maioria já está utilizando a ferramenta de blog para o colunismo. Acho que existem mais blogueiros com este pensamento que jornalistas. Alguns jornalistas escrevem puro lixo e são adorados, pois conseguiram transferir do meio offline tradicional para o meio online uma reputação e você vê nos comentários as pessoas endeusando o cara. Mas, se você for parar para ler o que ele escreveu e desconstruir, procurar até onde é verdade ou bulshitagem, você vê que o cara escreveu um monte de besteira. Quando as pessoas tiverem mais opções de informação, provavelmente estes caras já terão morrido. Agora, tem muito blogueiro que copia e cola notícia e acha que é um grande e relevante formador de opinião. Tem que entender que alguns caras que estão aí com muita audiência pesquisam para caramba antes de produzir um conteúdo. Sou fã de alguns blogueiros. Você lê o texto do cara e tem ali uns 15 links. O cara leu uma caralhada de coisa antes de escrever aquilo. Há um trabalho de pesquisa, cuidado, você não senta inspirado e espirra um texto. Você, por exemplo, está fazendo uma série de perguntas para mim de coisas que você leu. Esta é a diferença que a formação jornalística dá, coisa que muito blogueiro não tem e acha que vai surgir do nada.

Que análise você faz da blogosfera brasileira?

Falta muito blogueiro produzindo conteúdo primário. O cara que vai a campo apurar a informação no minuto zero. Hoje, o blogueiro vive muito, não de copiar e colar, mas de montagem. Ele lê um jornal, ouve uma pessoa, pega ali um comentário, e a partir disso monta algo. Falta o cara que vai à rua, fotografa, filma, entrevista, vai a campo para ver efetivamente o que está acontecendo. É o trabalho jornalístico. O blogueiro quer se posicionar como sucessor da mídia, mas ele não está fazendo trabalho jornalístico.

Mas, não necessariamente, um blog necessita ser composto por conteúdo jornalístico. O sujeito pode querer apenas comentar determinado assunto e pode fazer isso com ou sem qualidade.

Sim. Quando eu digo que falta esta produção primária é porque se há o desejo – e muitos blogueiros expressam isso – de ser a nova mídia, acho que para isso falta esta produção primária. Se você quer apenas um espaço de publicação de conteúdo, não precisa de nada, continua escrevendo descompromissado, beleza, tranqüilo, está certíssimo. Mas, para a galera do tipo “eu sou a nova mídia”, falta comer muito arroz com feijão. Assim como falamos de jornalistas que tem que aprender sobre empreendedorismo, o blogueiro que quer ser nova mídia tem que aprender técnicas jornalísticas, tem que aprender a escrever, não só na forma gramaticalmente correta, mas aprender a apurar, pautar, buscar informação etc.

Quais os blogs que você lê por prazer?

Gosto do Pensar Enlouquece, do Inagaki, do De Repente, do Rafael Sbarai, que fala sobre comunicação, do Thiago Doria, gosto de ler o blog do André Forastieri, do André Pugliesi, gosto do LLL, gosto do Filme do Chico, que é um blog de cinema. Gosto de ler o Blog de Guerrilha. Tem um montão de blogs bons.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Entrevista: Idelber Avelar fala das novas mídias, de política e Jornalismo

Mineiro, torcedor do Galo, apreciador de uma boa cerveja, figura extremamente generosa ao dividir seu tempo com quem propõe idéias instigantes, Idelber Avelar é mestre em literatura brasileira pela Universidade da Carolina do Norte, Ph.D em literatura latino-americana pela Duke University e professor titular de literaturas latino-americanas e teoria literária na Tulane University, em New Orleans. Além disso, Idelber também é blogueiro. Toca O Biscoito Fino e a Massa desde 2004, um dos mais importantes representantes da blogosfera brasileira. Ali ele aborda assuntos os mais variados, de futebol ao conflito entre israelenses e palestinos, navega pela política, música e literatura, aponta os descaminhos da mídia e também seus acertos, tudo isso com uma crítica fundamentada e embasada pela participação atenta de seus leitores. Entre os dias 24 e 26, Idelber Avelar esteve em Mato Grosso do Sul, mais especificamente em Dourados, onde participou de um congresso internacional de literatura na Universidade Federal da Grande Dourados. Na noite de sexta-feira, entre um e outro gole de uma Original gelada, ele concedeu a seguinte entrevista ao Escrevinhamentos.

Em janeiro, os blogs foram os principais canais de comunicação para que o mundo soubesse o que ocorria na Faixa de Gaza. Nas últimas semanas, no Irã, a informação circulou por meio do twitter. Qual a sua análise sobre estas novas ferramentas de comunicação que, diante do totalitarismo, têm forçado as fronteiras da comunicação para além dos seus canais tradicionais? Elas terão impacto decisivo nestas sociedades?

Acho que elas já estão impactando de alguma forma. No caso, por exemplo, da China, do Irã, há o interesse dos governos de censurar estas novas mídias que formam uma espécie de termômetro. Acho que o impacto será cada vez maior, porque são ferramentas extremamente baratas. Um blog, literalmente, não custa nada, ele custa só o preço de sua conexão na internet a partir da qual você pode usar várias ferramentas como o blogspot, o wordpress. Nos Estados Unidos foi fundamental. Lá, o que houve não foi um caso de censura, mas de grande concentração da mídia. Na época da Guerra do Iraque, a mídia conservadora e liberal falou com uma voz única. Não havia diferença entre a Fox, que é uma emissora de direita, e a CNN, que supostamente é uma emissora de centro. O Washington Times, que é um jornal de direita, e o New York Times, que é mais liberal, não mostravam diferenças. Todos estavam batendo os tambores da guerra. A chegada das novas mídias teve um impacto tremendo depois da Guerra do Iraque, no desmascaramento da mentirada que levou à guerra, e depois, na campanha do Obama. Foi chave na campanha. A diferença entre a campanha do Obama e a campanha da Hillary nas primárias democratas foi que ela estava trabalhando, ainda, com um modelo unidirecional de informação. Um modelo de informação pré-internet. E quando se deu conta desta diferença já era tarde, o Obama já tinha levado. Então, o impacto é não só no sentido de liberalizar sociedades que têm governos autoritários, mas, também, de democratizar o acesso à informação em sociedades que têm governos democráticos.

Governos têm se armado de tecnologia para fazer frente às ameaças que estas novas ferramentas apresentam. Quem vence este cabo de guerra em longo prazo?

Isso vai depender muito do contexto. Por exemplo, estou um pouco cético quanto a certas coisas que foram ditas sobre o Irã. Não acho que esteja sendo feita uma revolução via twitter no Irã. Acho que estamos muito longe disso. E acho que o mais provável, no caso do Irã, é que um outro tipo de situação se produza logo, logo, ali. Passando este período, o mais provável é que a república islâmica se mantenha sólida, com dissidências pró-ocidentais se articulando via redes sociais, conquistando algum espaço. Mas, eu não vejo, de forma alguma, uma mudança social via twitter no Irã. Acho que o caso de Cuba é diferente, inclusive porque é uma população com um nível de alfabetização altíssimo. A tendência é que se produza algum tipo de abertura muito em breve, há vários sinais disso. E com estas mídias tendo algum tipo de papel neste processo.

Você faz uma crítica ácida à Lei Azeredo. Diz que ela interessa aos lobbies bancário e dos direitos autorais. Este debate está claro para a população, em especial para os 60 milhões de usuários da internet no Brasil?

Acho que uma parcela cada vez maior da população está ligada, a informação está circulando. Agora, enquanto estamos conversando aqui, está acontecendo em Porto Alegre o Fórum Internacional de Software Livre, e o presidente Lula está lá. Acabei de saber via twitter que ele deu uma declaração bem incisiva contra a Lei Azeredo, dizendo que aquilo é estado policialesco, que tem que lutar contra isso. Ou seja: o recado chegou ao Lula. É o tipo de coisa que o Lula não estaria dizendo, não fosse o impacto que a mobilização na internet produziu e que chegou ao Ministério da Cultura, nas áreas mais progressistas do Governo.

Uma das principais características da internet é propiciar o debate, mas qual a qualidade deste debate? Ele é menos qualificado do que o debate que ocorre em outros meios? Ou ele reflete o debate possível em nossa sociedade?

Acho que o que acontece na internet é expressão de uma realidade que existe fora dela. A internet dá vazão a uma série de bate-bocas que nunca chegaram até a grande mídia. Basta você escolher o que quer acompanhar. Não acredito, por exemplo, que a caixa de mensagem do meu blog seja caracterizada por bate-boca. E uma coisa mais reflexiva, com um nível bem razoável. Quando as pessoas criticam os blogs pelos seus erros, ou pela linguagem meio descuidada, me preocupo pouco. Vejo tudo isso como uma espécie de termômetro da realidade e a realidade também é feita de chute na arquibancada, de palpite, de gritaria, de indignação. Este tipo de linguagem - que não costumava entrar nas mídias tradicionais - entra no blog. Mas o bate-boca não me incomoda, a existência de blogs onde eles existem não me incomoda nem um pouco. Sou um pouco como o nosso ex-ministro Gilberto Gil nesta questão. Eu acredito em abraçar o mundo, o bom e a porcaria que tem no mundo.

As mídias sociais poderão ocupar o papel da imprensa na intermediação da informação?

Essa é uma discussão complexa. Às vezes, por causa do meu entusiasmo com as novas mídias, por causa das minhas criticas violentas à grande mídia brasileira, algumas pessoas me acusam de defender a idéia de que os blogs vão acabar com a imprensa. Eu acho que não vão. Eu acho que vai morrer um certo modelo de Jornalismo, a minha crítica esta aí. Este modelo de Jornalismo, onde a notícia é impressa às oito da noite para ser lida, na melhor das hipóteses, às oito da manhã do dia seguinte vai morrer. Acho que este tipo de Jornalismo vai acabar. Vai acabar porque não tem o menor sentido você pagar para ler o que você já leu de graça no dia anterior, na internet. Mas, acho que estamos muito longe de qualquer tipo de cenário no qual os grandes grupos de mídia tendam a desaparecer. É sempre bom lembrar que o Grupo Folha, as Organizações Globo, a família Mesquita, elas não estão nem perto da insolvência, elas estão ganhando ainda uma boa grana. Acho, porém, que a produção de informação está se pulverizando um pouco, democratizou-se bastante o acesso à produção e circulação de informação. Isso está impactando na forma como os grandes grupos de mídia lidam com a informação. Hoje, todos os grandes portais têm blogs, jornalistas ligados à grande mídia estão abrindo seus blogs. Enfim, algumas respostas para esta nova realidade já são visíveis nos grandes grupos de mídia. Não acredito que os blogs, o twitter e as redes sociais, necessariamente, vão substituir a grande imprensa. A grande mídia vai perder um pouco da centralidade que ela tinha, de ser a única intermediadora da informação, mas não vejo nenhuma revolução à vista.

Que papel terá a internet na política brasileira em 2010?

Acho que a internet terá um papel muito importante na eleição brasileira do próximo ano, maior do que teve na última eleição. Em 2006 ela já teve um papel significativo, por exemplo, como aconteceu na véspera da eleição do primeiro turno, quando a Rede Globo colocou no jornal aquelas fotos, aquele pacote de dinheiro. Havia acontecido no mesmo dia o acidente da Gol e a Globo optou por não mostrar no Jornal Nacional.

O que existe de singular em um blog?

O que existe de singular no blog é que ele é movido, em geral, pelo desejo individual do blogueiro. Isso traz uma característica muito particular, que é o fato de muitos blogs se dedicarem a temas que o blogueiro realmente domina. É uma situação um pouco diferente, por exemplo, de uma empresa de Jornalismo onde o jornalista tem que cobrir temas que ele não domina. Claro que existem milhões de blogs onde o sujeito está escrevendo bobagens sobre temas que não domina. Mas, hoje, você tem uma especialização bem grande em muitos blogs. No caso da tecnologia, você tem blogs que te informam muito melhor do que qualquer caderno de tecnologia da imprensa brasileira. Hoje, quem quer estar atualizado sobre tecnologia não vai ler o caderno de informática do Globo ou da Folha, por que sabe que, principalmente nos blogs em inglês, ele vai encontrar informações muito mais atualizadas e especializadas. A grande vantagem é esta. O blog traz problemas no sentido de que é um espaço não editado, um espaço em que a interpretação crítica do leitor é muito importante, porque você tem que avalizar ou não aquela informação. Você tem que aprender a dissociar os blogs que têm credibilidade dos blogs que estão dando tiro para todo lado. Este tipo de triagem é o leitor quem vai fazer. Então, muitas vezes, o blog é criticado por não ter um editor, ou porque ninguém sabe se aquela informação é verdade ou não, mas esta é uma habilidade que o leitor vai desenvolver. No caso da Palestina, eu fiz questão de fazer uma cobertura diária, de plantão mesmo sobre o massacre em Gaza, porque é um tema sobre o qual eu me informo há bastante tempo. Sobre o Irã eu ainda não escrevi. Acho que eu não tenho nada a dizer que seja diferente deste festival de chutes que eu vejo por ai. Então, penso em me pautar com este cuidado. Não escrevo sobre cinema, por exemplo, que é um assunto que eu domino pouco. É claro que eu erro, é evidente, mas acho que eu não dou chute na arquibancada. Então, esse é a primeira singularidade que eu vejo. Existe uma gama enorme de blogs, onde o blogueiro está escrevendo sobre aquilo que ele é apaixonado. Nem sempre este é o caso nos grandes veículos de mídia. Então acho que esta é uma primeira distinção que poderia ser feita.

Os blogs surgiram como diários pessoais e hoje passam por uma transformação, tentando encontrar sua vocação. Qual é esta vocação em sua opinião?

Olha, é muito difícil generalizar a esta altura do campeonato. Ele é uma ferramenta mais ou menos neutra em relação ao conteúdo que veicula. Muitos blogs começaram como diários pessoais, mas nem todos. Um dos blogs pioneiros no Brasil, que é o Catarro Verde, do Sergio Faria, lá de São Paulo - um cara que está blogando desde 2001 - não tem nada de diário. São petardos, frases secas, curtas, como a gente diz: jogando a merda no ventilador. Acho que a vocação é produzir contatos horizontais entre o produtor e o consumidor de conteúdo. Acho que ele não tem uma vocação relacionada ao conteúdo, qualquer conteúdo entra nele. Não dá para rotular. Acho que, em algumas áreas, temos melhores blogs. Por exemplo, os blogs de tecnologia estão muito na frente dos blogs de literatura. Não temos, no Brasil, grandes blogs de literatura, seja de crítica literária, seja de produção ficcional ou poética mesmo. Tem muita gente colocando contos e poesias na internet, mas eu ainda não vejo uma qualidade. Posso estar errado, mas é o que observo de longe. Eu ainda não navego a internet em português procurando literatura. Quando eu quero ler literatura vou aos livros.

Mas isso não te deixa um pouco isolado do que pode estar acontecendo fora das grandes editoras?

Bom, eu estou de olho aberto, ligado. Mas até agora não vi muita coisa não. Assim, têm bons escritores que têm blogs, mas não necessariamente são bons blogs. Bons escritores que usam blogs para divulgar eventos, lançamento de um livro. Este tipo de coisa você encontra com freqüência. Mas, o que eu vejo de interessante em termos de criação são coisas que não são exatamente literatura no sentido estrito. Por exemplo, um dos meus blogs favoritos, o Ao mirante, Nelson!, não é exatamente literatura, mas é literatura de um jeito que funciona naquele espaço. Não é algo que existia antes como literatura e que foi colocada naquele espaço.

Qual o público dos blogs? Blogeiro escreve para blogeiro? Você consegue definir o perfil deste público?

Depende. Eu acho que todo mundo quer ser lido. Não conheço ninguém que escreva para si próprio. Até porque, se for para escrever para si próprio, é melhor deixar na gaveta. Vai colocar na internet pra que? Eu tenho uma idéia bem clara de quem me lê. Mas esta informação depende muito da sua familiaridade com a ferramenta. Hoje, nem olho muito as estatísticas, porque eu tenho já uma noção boa de quantas pessoas são, de onde elas vêm, etc. No caso do meu blog, a grande maioria é formada por um leitor que tende à esquerda, existe uma predominância de leitores com algum tipo de inquietude intelectual, tem uma grande parte de acadêmicos, muita gente da literatura, do direito. Então, tenho uma idéia bem razoável de quem me lê. Mas tem muita gente que não se preocupa com isso, que não está nem aí, e acho isso saudável.

Quais são os seus blogs preferidos?

Eu não vou aos blogs né? Eu uso o RSS, que é uma ferramenta de coleta de feeds, como se fosse uma assinatura. As informações chegam em minha página do google reader e eu só vou quando quero comentar alguma coisa. Então, fico sabendo se tem post novo em cada lugar. Os blogs que checo com mais entusiasmo são o Ao mirante, Nelson!, o Consenso, só no paredão, do Alexandre Nodari, o Descurvo, que é um blog de um jovem leitor do Biscoito, que abriu seu próprio blog, o Hugo Albuquerque. Entre os grandões, eu acompanho muito o blog do Luis Nassif, o Viomundo, do Luiz Carlos Azenha, acompanho o Amálgama, um blog coletivo de uma garotada muito boa. Ultimamente tenho lido com muito interesse o blog da Marjorie Rodrigues. Acho que estes são os que eu leio com mais constância, interesse e entusiasmo, mas tenho uma lista de 200 blogs aos quais estou sempre ligado.

Recentemente você se manifestou sobre um caso de anonimato na internet. Esta prática enfraquece a produção online?

Acho que este é um fenômeno mais ou menos inevitável. Este anonimato se quebra, é muito fácil descobrir quem é o anônimo. Com a polarização política, este tipo de coisa vai acontecer. No caso em questão era um blog anônimo que trazia ataques bem pesados, difamatórios, o conteúdo era calunioso. E aí depende de cada um se aciona a justiça, se não aciona. A minha tendência é sempre deixar para lá. Prefiro deixar passar batido. Neste caso, o Luiz Nassif achou que tinha ataques à honra ali, que ele queria resolver na justiça. É um direito dele. Era um negócio barra pesada. Até agora, inclusive, não está na justiça. Ele simplesmente acionou o Google para que os dados daquela pessoa fossem entregues, inclusive para que ele pudesse decidir se iria processar ou não. Judicialmente o procedimento dele foi corretíssimo. Primeiro ele acionou o Google para ter os dados, obteve os dados e agora sabe quem foi. Se ele quiser processar ele pode. Mas o fato é que faz parte da vida, entra no rol daquelas coisas que são componentes da realidade e que a internet apenas dá vazão. Ataques anônimos sempre existiram desde que o mundo é mundo. O caso é que a internet amplifica isso.

Qual a sua análise sobre a qualidade do Jornalismo praticado hoje nos Estados Unidos e no Brasil, e no que eles diferem?

Eu acho que a imprensa brasileira é muito ruim. Quando eu falo imprensa, estou pensando nos grandes oligopólios de mídia. Acho até que fora dos grandes centros há boas iniciativas locais. Mas o Jornalismo brasileiro tem uma característica que em outras sociedades latino-americanas você não vai encontrar: a concentração em quatro ou cinco famílias. São quatro ou cinco famílias que decidem no Brasil o que é notícia. O que acontece aqui, e que diferencia, eu acho, o Jornalismo brasileiro do americano, é que no Jornalismo americano existe algum tipo de confronto, algum tipo de embate. Então, na campanha eleitoral – diferente do que ocorreu na Guerra do Iraque, quando todo mundo disse o que o Bush queria – você via, por exemplo, certo tipo de generalização sobre o Obama na Fox, e você via, imediatamente, o contraponto na MSNBC, e, ainda, a CNN fazendo o meio de campo. Este tipo de embate de idéias não acontece no Brasil. O que acontece no Brasil é uma espécie de efeito manada. A Folha inventa um escândalo, a Veja e a Globo repercutem, o Estadão repercute e todos dizem a mesma coisa. O caso da Operação Satiagraha é um exemplo. O que aconteceu com o delegado Protógenes Queiroz foi absurdo. Aquela história dos grampos que ninguém nunca viu, os áudios que nunca apareceram. Gilmar Mendes simplesmente disse que foi grampeado, acusou a Abin e a Polícia Federal. Nenhum indício de grampo foi encontrado, o princípio mais básico do direito, que é a presunção de inocência, não foi respeitado. A imprensa bateu tambores com aquilo durante semanas, meses, em cima de nada, de um factóide.

Alguns blogs de esquerda utilizam o termo Partido da Imprensa Golpista (PIG) para se referirem aos representantes da grande mídia. Você crê neste tipo de articulação?

Não acho que seja, necessariamente, um partido organizado e golpista contra o Lula, nem que haja uma conspiração. É simplesmente o fato de que a concentração do capital midiático chegou a tal ponto que o os grandes grupos pensam mais ou menos da mesma forma. É como a gente diz em inglês: money thinks alike. O dinheiro pensa mais ou menos de forma parecida. Então, na questão política, eu acho que temos um Jornalismo cada vez mais fundamentado em factóides, em escândalos, em assassinatos de reputação, em uma escandalização da política que é muito daninha.

E nas demais áreas do Jornalismo?

Há também, nas outras áreas, problemas graves. Eu acompanho muito futebol, e o jornalismo esportivo que se faz no Brasil é péssimo. Você vê em alguns veículos, claramente, que as matérias têm dedo de empresário que quer vender tal jogador. Você vê repórter concominado com cartola. O que aconteceu com meu clube, por exemplo, o Atlético Mineiro, que no começo dos anos 80 tinha um dos maiores patrimônios do Brasil, é exemplo. Ele foi completamente dilapidado, hoje tem uma das maiores dividas do Brasil. Nos anos 80 vendeu meia seleção brasileira, aquele timão do Telê Santana. Todos estes nomes foram vendidos e ninguém viu o dinheiro. Se você abrir o Estado de Minas no caderno de esportes, você vê claramente o dedo do cartola. O jornalismo cultural é de qualidade cada vez mais baixa, cada vez mais centrado em fofoca, histórias do galã da novela, muito pouco conteúdo real. O caderno supostamente intelectual do maior jornal brasileiro, que é a Folha, é um negócio, sinceramente, vergonhoso. A grande maioria do que está lá são traduções de coisas já publicadas em inglês ou em francês que, quem tem condições de ler aquilo e entender, já leu na língua original. Quem não leu não tem interesse e nem quer acompanhar.

Falta uma produção original?

Sim, e não falta gente capaz de fazer isso no Brasil. No caso do Mais!, é uma opção por um determinado tipo de modelo de capital simbólico, de capital cultural, um certo tipo de expectativa sobre o que é que vai trazer distinção para o jornal. Fica um negócio completamente vazio. É um modelo de caderno cultural que não tem o menor sentido.

E o Jornalismo americano?

Não acho o jornalismo americano grande coisa, não. Mas acho que pelo menos lá você tem embate de idéias, você tem o contraponto.

É possível fazer um jornalismo de qualidade no Brasil dentro do mainstream? Ou não é possível e a saída poderia estar, inclusive, nas novas ferramentas que a internet está propiciando?

Eu acho que o mainstream pode mudar, ele está mudando. Acho que uma revista como a Carta Capital, com todos os problemas dela, faz uma coisa um pouco diferente do que você vê na Veja. Muitas vezes você se refere à Carta Capital e alguém vai dizer: “ah, mas é uma revista do PT, a única diferença é que ela é de esquerda e a Veja é de direita, é uma revista chapa branca, etc”. Eu não entendo muito esta crítica, pois a Carta Capital foi a revista que denunciou a armação do PT para sufocar o escândalo do chefe da Polícia Federal que torturou uma empregada doméstica. Foi a Carta Capital quem fez uma matéria sobre o Luis Eduardo Greenhall, mostrando como este sujeito que era advogado dos trabalhadores sem terra, ligado aos direitos humanos, virou advogado do Daniel Dantas. Foi esta revista que investigou a fundo o que foi o mensalão, além da bateção de tambor. Então, não vejo a Carta Capital como uma revista chapa branca. Vejo muitas críticas ao Governo Federal lá. Agora, é muito diferente do que se vê na Veja. Acho que o mainstream pode mudar, mas, sem dúvida, a transformação do Jornalismo brasileiro passa pela internet. Não só pelo que se produz na internet, mas pelo impacto que se dará sobre a mídia impressa, televisiva e radiofônica.

Qual sua posição sobre a inserção da chamada mídia alternativa na distribuição de recursos públicos de publicidade?

A primeira coisa que tem que ser dita é que o grosso do dinheiro público que vai para a mídia vai para a grande mídia. Se você tirar o dinheiro público da Veja, da Globo, da Folha de S.Paulo, se você tirar os anúncios da Petrobras, do Banco do Brasil, da Caixa, estes grandes grupos de mídia vão tomar um baque tremendo, eu não sei se eles se sustentam sem dinheiro público. Quando o dinheiro público vai para alguma iniciativa menor, alternativa, sempre tem gritaria. Mas pouca gente fala dos anúncios do governo nas páginas da Veja. É uma revista que bate no governo sistematicamente, e nove em cada dez vezes bate a partir de factóides ou de escandalização. Então, acho que esta foi uma das mudanças positivas do Governo Lula, mas podia ter mudado ainda mais. Diversificou-se muito o destinatário deste dinheiro público. Hoje o número de veículos de mídia que recebe publicidade oficial é muito mais alto do que era oito anos atrás. Houve uma certa democratização desta distribuição. E aí eles chiaram né? A Folha e a Globo chiaram. Fizeram matérias totalmente manipuladas, do tipo ”aumenta em 560% os veículos que recebem publicidade oficial”. É algo que não faz o menor sentido, porque para o leitor fica parecendo que houve aumento de gastos na publicidade, o que não houve. Simplesmente aumentou o número de veículos que recebem estas publicidades. Mas acho o Governo Lula ainda muito tímido quanto a isso.

Você pensa, então, que deveria haver uma pluralidade maior na distribuição destes recursos?

Maior, maior. Acho que a Veja, não tem nada que receber dinheiro público...

Alguém na mídia deveria, de fato, receber dinheiro público? Não seria mais adequado se o leitor bancasse a mídia? Ou é utópico?

Olha Barone, é difícil responder no abstrato assim. Se for para ser capitalista, vamos ser capitalistas de verdade. Que a dona Veja, que a dona Folha de S.Paulo renunciem a verba pública e se banquem com anúncios privados e com as assinaturas. Por que eles chiam tanto quando o governo investe, por exemplo, R$ 2 milhões em um projeto como o Overmundo, que informa milhões de internautas – ou centenas de milhares - sobre manifestações culturais brasileiras que jamais teriam espaço na grande mídia? Acho que o Overmundo é um site de qualidade muito irregular, têm coisas muito boas e têm coisas muito ruins, muito mal escritas. Mas é isso mesmo, a vida é isso mesmo. Você vai lá e faz sua triagem. O governo investiu R$ 2 milhões ali. Pode parecer muito dinheiro, mas no mar de verba publicitária do Governo Federal não é absolutamente nada. Quando abriram o Overmundo foi uma chiadeira tremenda. Acho que, se for para usar verba pública para mídia, que se estabeleçam critérios. Interesse público? Definido de que forma? Quem vai ser o comitê gestor disso? Que seja claro. Do jeito que está é muito fácil para os grandes veículos de mídia usar isso como chantagem. “Não tira o anúncio da Petrobras não, senão vamos cair de pau”.

O que é melhor, uma imprensa travestida do manto da isenção, mas que opera seus interesses nas entrelinhas, ou uma imprensa abertamente engajada?

Isenção no sentido de imparcialidade política não existe né? isso é bobagem. Eu gosto muito desta tradição americana, por exemplo, de fazer suas escolhas em editorial. Quer dizer: o New York Times fez uma escolha pelo Obama e deixou isso claro em editorial. No caso das eleições brasileiras de 2006, a Carta Capital foi a única que fez isso e fez uma cobertura das eleições muito mais isenta do que os veículos de mídia que supostamente eram neutros, mas que estavam claramente fazendo campanha para o Geraldo Alckmin. Pega as capas da Veja. É a manipulação insidiosa que é irritante, eu acho, para a inteligência do leitor. Você pega a capa com o Lula: é uma charge do Lula, com uma viseira, uma roubalheira acontecendo em volta dele, e ele sem ver nada. A capa com o Alckmin é iluminada, com um close up e a legenda: “a alternativa”. Tem que ser imbecil para não ver que aquela revista está manipulando. E aí depois eles reclamam de que a internet está acabando com os leitores deles, mas são eles que estão acabando com os leitores. Ninguém é burro, as pessoas não são burras. Eu insisto muito nisso na internet. Não subestime a inteligência das pessoas. É um principio pelo qual eu me pauto, que eu uso para criar meus filhos. É melhor ser honesto, contar a verdade. Dizer assim: a Carta Capital acha que a candidatura Lula é melhor por isso, por isso e por isso. Isso é no editorial, matérias jornalísticas são matérias jornalísticas. A credibilidade não tem nada a ver com neutralidade. São coisas completamente diferentes. Todo mundo que lê o meu blog sabe que eu não sou neutro, todo mundo sabe disso. Agora, a credibilidade vem do fato deles saberem que eu chequei a informação que eu estou passando. É evidente que eu posso errar, mas eles sabem que eu chequei a informação. Eles sabem que tem ali, embutido no argumento, o contraditório. Eles sabem quem eu sou, de onde eu escrevo, quais são as minhas escolhas políticas. A credibilidade vem disso, ela não vem de uma pretensa neutralidade. A Folha de S.Paulo tenta passar a impressão de que é um jornal eqüidistante das forças políticas deste país, quando todo mundo sabe as relações da Folha com o José Serra. Todo mundo conhece. Qualquer um que saiba o beabá da política brasileira sabe das relações da família Frias com José Serra. Os escândalos que se sucederam no governo paulista. Eles fizeram um contrato sem licitação para o metrô, abriu-se uma cratera no centro de São Paulo, uma cratera do tamanho deste quarteirão, morreu um monte de gente, o contrato era sem licitação, era superfaturado, todo mundo sabe disso. E não teve uma matéria que investigasse isso.

Dá para levar a sério uma imprensa assim?

Recentemente publiquei no meu blog os números da grande imprensa brasileira mostrando que todos os grandes jornais estão perdendo leitores de ano para ano. De 2000 a 2008 a Folha de S.Paulo perdeu 30% dos seus leitores. Você junta a falta de transparência com o fato de que estas escolhas políticas não ficam claras, com o fato de que a internet vai oferecendo cada vez mais opções plurais, instantâneas, e você tem a receita da crise da mídia. Não é muito difícil de entender.

Alguns apontam como saída para o Jornalismo impresso um aprofundamento da pauta, da análise. Isso não é o que estão fazendo os blogs, apesar da crítica de que eles apenas repercutem o que é publicado nos jornais?

É, é. Eu acho que esta critica procede em um certo sentido. Os blogs no Brasil ainda não produzem informação. A informação primária, da qual os blogs se nutrem, vem da imprensa mesmo. Eu não tenho um representante no Senado procurando informação para mim. Não tenho condição de ter isso. No caso da política é muito raro você ter blogs que realmente produzam a informação primária. Um blog que eu leio com assiduidade e que é um dos melhores blogs do Brasil - e que é uma exceção a esta regra - é o RS urgente. Eles produzem informação primária. O Marco Aurélio Weissheimer tem contatos na Câmara dos Vereadores, na Assembléia Legislativa, no Governo do Rio Grande do Sul, e quem segue o colapso, a crise profunda do governo Yeda Crusius sabe de tudo desde 2007. A imprensa começou a cobrir agora. A Veja fez uma matéria - porque a Yeda Crusius estava se transformando em um peso para a candidatura Serra – e a grande mídia brasileira resolveu rifá-la. Mas o escândalo está lá desde 2007. Eles levaram dois anos para descobrir que tinha superfaturamento no Detran, que tinha venda de carteira no Detran. É um escândalo que já tem cadáver. E o Zero Hora não dava nada. O Zero Hora, que passou quatro anos inventando um escândalo atrás do outro na época do Governo Olívio Dutra. Você pode olhar os artigos do Zero Hora nestes quatro anos do governo do PT no Rio Grande do Sul. Era um escândalo atrás do outro. Todos eles, no geral, inventados. Voltando a sua pergunta, é verdade que a grande maioria dos blogs não produz informação primária no caso da política, com algumas poucas exceções como o RS Urgente. O papel dos blogs tem sido aprofundar, checar dados, o que é muito importante. A informação em geral vem da grande mídia, mas a gente vai lá checar e muitas vezes achamos matérias mentirosas.

Este papel de aprofundar o debate não deveria estar sendo ocupado pelo impresso, até para a sua sobrevivência?

É claro. A história dos grampos, por exemplo, mostra isso. A imprensa toda noticiava os grampos sem prova nenhuma. O sujeito diz que foi grampeado pela Abin. Ele encontrou algum vestígio? Não. Qual é a prova? É o depoimento dele, que a própria revista que ele chamou foi lá e transcreveu e depois ele mesmo foi lá e disse que a transcrição era correta. É um negócio absolutamente delirante. E aí o que a internet fez? Vários leitores meus, por exemplo, que são engenheiros, demonstraram que, para que o tal grampo tivesse acontecido, determinado aparelho deveria ter sido instalado em tal lugar, o que, naquele prédio, era impossível por isso, por isso e por isso. Isso se dá com informação especializada, que muitas vezes não vem nem do blogeiro, vem dos leitores. No meu blog, modéstia à parte - e não é mérito meu, é mérito dos leitores - posso colocar qualquer coisa, dizer: “preciso que vocês chequem isso”. Não vai demorar duas horas e eles vão dar a resposta. Se eu coloco uma informação errada, o nome do goleiro que jogou a Copa de 38 por Cuba, não demora meia hora e alguém aponta este erro. É transparência.

Qual sua opinião sobre as possibilidades de financiamento de um Jornalismo blogueiro?

Há esta esperança de que a internet ocupe um pouco do espaço da grande mídia. A questão chave para isso é saber quem vai pagar a conta. Para que os blogs, portais, sites de internet ocupem este espaço, eles precisam ser financiados. Alguém precisa pagar os custos da produção de notícia. Esta ainda é uma questão que está no ar no Brasil. Os blogs brasileiros que conseguem algum tipo de renda que permita ao blogueiro viver daquilo são, em geral, blogs de tecnologia.

Você acha que o modelo de conteúdo pago não funcionaria no futuro?

O modelo de conteúdo pago não funciona. Esta história de você colocar uma grade no seu site na qual o sujeito tenha que pagar para ler este ou aquele artigo não funciona, pois a oferta é muito grande. É uma simples questão de oferta e procura. Como a oferta é muito grande, quem começar a botar grade paga vai dançar. O modelo do add sense, propagandas via Google, rendem uma mixaria que não sustenta ninguém. Outro dia estava conversando com o Miguel do Rosário, jornalista carioca que tem um blog muito bom, o Óleo do diabo, um blog de esquerda, e ele disse que tirou o add sense porque rendia R$ 30 por mês. Nos Estados Unidos a coisa esta um pouco mais adiantada. Aconteceu há seis meses uma coisa muito promissora. O Hunffington Post, que é um dos melhores blogs de política do país, conseguiu uma bolsa em uma fundação privada de US 1,2 milhão para fazer jornalismo investigativo. Mas esta é uma coisa bem americana, esta história das fundações que têm grana e investem.

Sem este respaldo fica mais difícil produzir conteúdo de qualidade?

Para ser o mais honesto possível, eu posso manter o Biscoito sem propaganda porque eu tenho um salário muito bom como professor universitário. Sou professor titular, já conquistei o que eu queria na minha carreira e posso dedicar uma boa parte do meu tempo ao blog, porque é importante e prioritário para mim neste momento. Se eu dependesse de trabalhar oito horas por dia, eu não teria o Biscoito do jeito que ele é.

Há um caminho neste sentido no Brasil, um vislumbre para o financiamento deste trabalho na internet?

Eu acho que no Brasil, os empresários e grupos empresariais que fizerem uma aposta inteligente vão se dar bem. O grupo empresarial que fizer um investimento em um grupo de meia dúzia de bons blogs - que estabeleça um contrato com eles em que fique claro o que se espera destes blogs, até a freqüência de posts, que permita que estes blogueiros preservem sua liberdade e independência - pode obter bons resultados. A burguesia brasileira é muito medrosa e pouco criativa, mas o cara que perceber que ali tem um filão, ele vai gastar dinheiro nos primeiros seis meses, no primeiro ano, mas se ele mantiver esta idéia e fizer uma boa seleção de blogs, uma boa aposta, ele vai se dar muito bem, pois a visibilidade é enorme. Pode até fazer uma escolha plural: um blogueiro de esquerda, um de centro, outro de direita, para atingir um espectro maior. Faltam ainda no Brasil modelos de financiamento para o jornalista que está na internet, mas estes modelos existem, estão aí.

Como você analisou a reação pública à decisão do Supremo Tribunal Federal pela não obrigatoriedade do diploma de Jornalismo para o exercício da profissão no Brasil?

Foi interessante. Eu senti nos jornalistas um pânico que foi absolutamente revelador. No final das contas, o Supremo não proibiu nenhum grupo de mídia de exigir o diploma, ele não proibiu o diploma, ele não acabou com a faculdade de jornalismo, ele não fez absolutamente nada, a não ser dizer que uma obrigatoriedade que já nem era respeitada deixaria de existir na letra da lei. Se você olha, por exemplo, o futebol. Quem são os jornalistas esportivos mais respeitados e de credibilidade no Brasil? Eu diria Juca Kfouri, que é formado em Sociologia, e Tostão, que é formado em Medicina. Alguém duvida que estes caras estão entre os três ou quatro melhores comentaristas de futebol do Brasil? Então, eu vi muito pânico, uma mostra da situação de crise do jornalismo brasileiro, a incerteza do jornalismo. Às vezes eu tiro sarro, pois tenho uma critica muito aguda à mídia, e os jornalistas foram muito arrogantes durante muito tempo. Agora é a nossa vez de tirar um sarrinho. Nós, os leitores de jornais, que passamos 20 anos escrevendo cartas para painel de leitor sendo ignorados, às vezes com correções importantes. Então, estamos agora, realmente, tirando um sarrinho com a reação dos jornalistas. No caso das reações negativas à decisão do STF, a única que realmente chegou perto de me fazer refletir foi a do Leandro Fortes, que eu considero o grande jornalista brasileiro de hoje. O Leandro argumentava que, com a queda da obrigatoriedade do diploma, os donos de veículos de comunicação do interior do Brasil estariam livres para contratar capangas. A manipulação ficaria mais fácil. Eu não conheço a realidade do interior do Brasil para dizer se o Leandro está certo ou não. Mas foi o único argumento que eu levei a sério. O resto foi desespero. Não vi nenhuma defesa da obrigatoriedade do diploma sendo feita por quem não fosse jornalista. Curioso.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Em entrevista exclusiva, José Dirceu fala de mídia e imprensa no Brasil

Na última sexta-feira, 6, o advogado (ex-deputado federal e ministro da Casa Civil) José Dirceu esteve em Campo Grande (MS), onde participou de reunião com militantes do PT, para discutir a conjuntura política e a crise econômica mundial. Durante visita ao escritório do ex-governador José Orcírio Miranda dos Santos, o Zeca do PT, Dirceu concedeu esta entrevista exclusiva ao blog Escrevinhamentos.

De costas para uma das estantes recheadas de livros que adornam as paredes do escritório de Zeca, sob os olhos de Mao, Che, Stalin, Churchill e outras personalidades cujas vidas foram alvos de biografias autorizadas ou não, o ex-homem forte do Partido dos Trabalhadores falou por cerca de 17 minutos sobre mídia e jornalismo no Brasil.

Desenvolto, articulado, Dirceu reclamou da ausência de mecanismos no Brasil que garantam o direito de resposta e os ataques contra a honra, clamou por regulamentação no setor, sugeriu a abertura do mercado audiovisual, defendeu a entrada das telefônicas no mercado de tevês a cabo, se disse pessimista quanto a possibilidade de o Congresso votar a reforma política, mas defendeu a instituição: “Não é verdade que o Congresso não faz nada, que deputado ganhe muito”, afirmou. Veja a seguir.

Ontem (quinta-feira, 5), em seu blog, o senhor voltou a manifestar espanto quanto a falta de debate a respeito da Lei de Imprensa, citando análises de Sérgio Murillo de Andrade, presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ). O senhor critica o que ele classifica como “proposta de lei nenhuma” e diz que é isso, lei nenhum para a imprensa, que querem os que o senhor aponta como "barões da mídia”. Pergunto: em sua opinião, quem são e o que querem os barões da mídia?
Os barões da mídia são aqueles que hoje, no Brasil, tem a propriedade dos principais meios de comunicação, as televisões e os jornais. São os grupos políticos que controlam jornais e rádios nos estados. Estes veículos vivem na dependência da publicidade oficial de prefeituras, dos governos estaduais e federal. Agora começa a surgir uma mídia empresarial no Brasil, em algumas regiões você vê que tem jornais, rádios e televisões que são de grupos empresariais, não são de gente ligada a deputados, senadores ou famílias tradicionais. O problema não é este, da propriedade. É lógico que existe problema de propriedade cruzada, de concentração, monopólio. Nunca se teve uma legislação no Brasil que colocasse limites ao monopólio ou que colocasse limites na propriedade cruzada, que impedisse que alguém tomasse conta de toda a mídia, como aconteceu recentemente na RBS (N. do R.: no Rio Grande do Sul), até que o Ministério Público entrou com uma ação contra seu proprietário. O problema é a falta de regulamentação para o setor.

E onde a falta de regulamentação gera mais problemas?
Você vai ao Canadá, Espanha, França, Inglaterra, aos países escandinavos, lá a legislação é duríssima no que se refere à regulação da imprensa. Em Portugal, inclusive, existe um código de ética para o jornalista seguir e há toda uma regulamentação que coloca limites e dá uma proteção à imagem e ao direito de resposta de quem foi vítima de crime contra a honra. No Brasil não há. Uma coisa é você ter censura, outra coisa é você preservar a imagem do cidadão. A liberdade de expressão está na Constituição. Agora, também está na Constituição a proteção à imagem e à honra. Hoje mesmo tem uma decisão inédita contra o João Paulo Cunha. Um juiz arquivou sua denúncia contra a Folha de S.Paulo. Eu considero uma aberração. O TCU tomou decisão final de que não havia irregularidade no processo, não era uma nota técnica, não era nem decisão do ministro, do TCU, nem do plenário. A Câmara contratou uma auditoria independente e balizou o processo e o contrato e a Folha escreveu o contrário. Praticamente investigou, processou e julgou o João Paulo na matéria e o apresentou como responsável por um ilícito grave. Não houve crime contra a honra dele? O juiz disse que não houve porque todo mundo sabe que ele foi acusado no processo do “mensalão”, mas o processo do “mensalão” ainda não acabou. E se ele for absolvido? Nós estamos vivendo uma auto-coerção em termos da reação da mídia pelas decisões da justiça. Muitos juízes temem condenar a imprensa em crimes contra a honra e dar direito de resposta, preservar a imagem do cidadão. Muitos prejulgam. Já teve ministro que falou: “como é possível dar um hábeas corpus para alguém que já foi condenado pelo Jornal Nacional, ou que foi apresentado como culpado pelo Jornal Nacional?”. Nós chegamos neste ponto no Brasil.

Tudo se resolve com a regulamentação?
É preciso uma legislação que garanta o direito de resposta e de imagem, é a democratização dos meios de comunicação. O país precisa de uma legislação e nós temos que debater isso. O Supremo Tribunal Federal diz que a Lei de Imprensa pode ser totalmente revogada, mas o país precisa de uma regulação neste setor, de proteção à imagem, de direito de resposta.

Como seria o formato ideal, em sua opinião, para uma regulamentação sobre o direito de resposta e de proteção à honra?
O direito de resposta tem que ser automático. Se o jornal não responde, tem que ter um prazo para ele responder para a justiça. Não pode ir para justiça e ficar 3, 6, 9 meses. Tem que ter um prazo. Não foi julgado, se publica o direito de resposta. Senão a lei não funciona. Não pode ter pena de prisão, mas tem que ter pena pecuniária. Não pode ter apreensão de jornal, mas o jornal tem que responder pelo que faz. Não deve e não pode ter censura em hipótese alguma, mas isso não quer dizer que um jornal pode atacar a honra ou a imagem de um cidadão ou de entidades. Muito menos, se pode fazer como fazem por aí, que é investigar, processar e julgar. Publicar em primeira página suas condenações.

O senhor pensa ter sido injustiçado pela imprensa, pela forma como foi retratado em casos como o do Waldomiro Diniz e o do prefeito de Santo André (SP), Celso Daniel?
Eu paguei estes dois micos, um no caso Waldomiro Diniz e outro com o irmão do Celso Daniel (N. da R.: João Francisco Daniel). Fui alvo de pelo menos umas cinco matérias de primeira página, umas 8 a 10 matérias internas de página inteira nos principais jornais do país sobre estes dois assuntos e depois, quando se provou que eu nada tinha a ver com os casos, não deram duas linhas. Foi feita investigação, processo, inquérito CPI e eu nem fui citado. O irmão do Celso Daniel se retratou em juízo.

Sobre o caso Waldomiro Diniz...
O mesmo ocorreu com o caso do Waldomiro Diniz. Ninguém diz que quando o principal acusador foi a CPI ele disse que não tinha nada a ver comigo. O Waldomiro Diniz nunca falou no meu nome, nem no governo. Aliás, a CPI dos Bingos acabou ali, ela virou uma CPI contra o Lula. Qualquer assunto contra o governo ia para lá. Quando foi divulgada a fita da gravação do promotor público que levou o denunciante de madrugada, ilegalmente, até o prédio do Ministério Público Federal, ele deixou claro que era uma conspiração contra mim, para me tirar do governo. Foi público, deu no Jornal Nacional. Aliás, a bem da verdade, o Jornal Nacional noticiou e colocou a fita no ar. Aquele caso do Waldomiro Diniz foi uma conspiração contra mim, para me ver fora do governo Lula. Mas não era um problema nosso, meu, do governo ou do presidente Lula, era um problema do governo do Rio de Janeiro, do governador Garotinho e da Loterj.

Visto que os principais interessados em manter como estão as regras de concessão de rádios e tevês são os próprios políticos, há esperança de uma democratização neste setor?
Sou muito pessimista que o Congresso faça uma reforma política ou que o Congresso mude as regras de concessões de rádio e televisão. Na verdade, no Brasil, nós precisaríamos de novas concessões licitadas de rádio e televisão, com outros critérios. Nós precisamos licitar novos canais de tevê. Não hoje, pois estamos em crise, mas até um ou dois anos atrás isso era possível. Se tivessem adotado o modelo digital, que permitiria abrir e licitar novos canais, talvez outras emissoras tivessem surgido.

Como o senhor analisa a tevê no Brasil?
Na verdade, no Brasil o que há é a Globo. A Bandeirantes tem um nicho de jornalismo e esporte em São Paulo, Gazeta, Rede TV e CNT vão indo, a Record cresceu e chegou ao teto, o SBT está evoluindo, não tem muito foco, é o Silvio Santos, o que já é muito, mas é isso. Não estou desmerecendo (N. da R.: o SBT), pelo contrário, é (N. da R.: Silvio Santos) uma pessoa excepcional, mas é um tipo de televisão que não tem nada a ver, por exemplo, com a Globo. A Globo é uma grande televisão, uma grande organização, tem uma produção cultural extraordinária. Nós devemos muito a ela no país sob o ponto de vista de produção. Agora, quero que exista oportunidade para uma produção independente no Brasil, produção de conteúdo nacional, financiamento, outras oportunidades e, principalmente, no caso das tevês a cabo, acabar com esta fórmula.

O que deve mudar na fórmula das tevês a cabo?
Não podemos ter uma tevê a cabo como temos no Brasil hoje. Primeiro, as telefônicas tem que ter o direito de entrar, até porque não existe definição constitucional para isso. Segundo, tem que ter produção, não pode ser só instrumento para veicular e a produção ficar monopolizada. A produção tem que levar em conta o conteúdo e a produção nacional. Todos os países fazem isso, não estamos inventando nada, não estamos inventando a roda no Brasil. Todo mundo financia a produção, o conteúdo nacional, a produção independente e financia de uma maneira poderosa em países como a França, por exemplo, onde há restrições sérias à produção estrangeira. Aqui no Brasil ela tem liberdade total e controla a distribuição. É um problema grave. Ou abre para o capital estrangeiro totalmente ou protege o conteúdo e a produção nacional e democratiza. Agora, não democratizar, não proteger o conteúdo nacional, não promover a produção independente e alegar na hora que é por interesse na defesa da cultura nacional... Não pode ter capital estrangeiro porque vai desnacionalizar, vai desnacionalizar o que cara pálida?

Convencionou-se em certos setores referir-se a alguns veículos de comunicação como membros do chamado “Partido da Imprensa Golpista” (PIG). O senhor acredita que há, de fato, um setor da imprensa dedicado a comprometer o Governo Lula e a adular o PSDB?
Não uso esta expressão, PIG, não gosto de quem usa, mas acho, sim, que houve uma campanha organizada, da qual grande parte da mídia participou e continua participando, de organizar a agenda do país. Por exemplo, agora há uma tentativa de organizar esta agenda, não falando sobre a crise, sobre o governo do Lula ou sobre o futuro, mas sim sobre o Jarbas Vasconcelos denunciando corrupção com o apoio do Orestes Quércia – aliás, vai acabar a corrupção no Brasil – e que há uma pré-campanha da Dilma. O Serra e o Aécio não estão fazendo pré-campanha... Os governadores, os prefeitos, todos pensando na reeleição não estão fazendo... Pauta encomendada, como foi a tentativa de transformar a crise no fim do mundo. Disseram que o Brasil ia acabar. Inclusive, estes dias mesmo, li um artigo de um jornalista dizendo que agora vem aí o desemprego e que o governo não podia esconder isso, que o desemprego era uma realidade, que o governo não podia querer gastar, entendeu?

O senhor considera que a imprensa brasileira se deixa manipular com facilidade pelo poder político, ou é o contrário?
É o contrário. Parte importante da mídia no Brasil tem uma articulação clara com o poder econômico e tenta colocar de joelhos, inclusive, o Congresso Nacional. Sempre digo: não é verdade que o Congresso Nacional não trabalha, não é verdade que um deputado ganha muito, não é verdade que o Congresso não fez nada. Fiz uma polêmica com o professor da Unicamp, Roberto Romano, por causa disso. Não pode jogar a criança com a água fora, entendeu? O Congresso aprovou as leis mais importantes dos últimos anos. Só para citar três reformas: judiciário, tributária e previdenciária. Só para citar duas leis importantíssimas para o país: a lei de inovação ou o estatuto de pequenas e médias empresas, o super-simples. Posso ficar aqui falando por dez minutos. Tem mazelas? Tem erros? As verbas indenizatórias, o corregedor geral, um deputado ou outro? Tudo bem, mas não se pode querer transformar tudo em erro. Manter o Congresso acuado, de joelhos ou diminuído não aprova legislações como, por exemplo, a que muda no Brasil a questão dos meios de comunicação ou a reforma política. Por que a imprensa não faz uma campanha para aprovar a reforma política?

Por que ela não faz isso?
Esta é uma pergunta que tem que ser feita para os donos dos jornais.

No Fórum Social Mundial de Belém, um dos assuntos debatidos foi a necessidade de construção de mecanismos que levem a políticas públicas que permitam à chamada imprensa alternativa ter acesso as verbas públicas de publicidade. Qual sua opinião sobre este tema?
Acho que é importante que as verbas de publicidade sejam regionais, locais e que haja também espaço para a imprensa nanica, pequena ou alternativa, que ela tenha parte destas verbas, pois ela tem o seu público também. É preciso desconcentrar as verbas de publicidade que estão hoje dirigidas para uma minoria de órgãos no Brasil. Mas são os órgãos que vendem e que tem audiência, pode-se dizer. Tudo bem, mas o país precisa de pluralismo na imprensa, precisa de mais democratização na imprensa. Na verdade, vamos viver um momento difícil, vai cair violentamente a verba publicitária das empresas no país e, infelizmente, vai aumentar muito a importância e o peso das verbas governamentais. Eu preferia que a imprensa dependesse menos de verbas governamentais e mais das verbas da iniciativa privada, do empresariado, do mercado. Mas não é esta a realidade do país. Você sabe que os jornais do interior são movidos à verba publicitária dos governos, mas o problema é que é da natureza do sistema que seja assim.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Entrevista: Maria da Penha, imprensa e mulher

A biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, cuja luta deu origem à Lei Maria da Penha – sancionada pelo presidente Lula em 2006, esteve em Campo Grande (MS) no dia 27 de novembro participando do seminário “Maria da Penha: história de luta que inspirou a Lei”, promovido pela Assembléia Legislativa de Mato Grosso do Sul. Após o evento, que reuniu cerca de 500 pessoas no plenário do legislativo estadual, pude fazer uma rápida entrevista com ela focando o papel da imprensa no combate à violência doméstica contra a mulher e sobre a forma como a tevê trata a figura feminina no Brasil.

Como a senhora analisa o papel da imprensa no combate à violência contra a mulher?
Acho que a imprensa é muito importante para levar informação para as mulheres que moram em lugares mais distantes, mulheres que não têm a felicidade de ter em sua cidade a implementação concreta da lei (Lei Maria da Penha). É importante para informar esta mulher, para levá-la a seu orientar, para saber sobre os seus direitos. Eu tenho falado muito pela Radiobras para o alto-amazonas.

A imprensa tem trabalhado esta questão de forma correta?
Eu tenho encontrado um apoio muito bom na imprensa, tanto na falada como na escrita. As revistas femininas têm me procurado. Estive, recentemente, em um encontro da Editora Abril, da revista Cláudia, falando sobre a Lei.

Uma análise do Instituto Patrícia Galvão concluiu que, embora a imprensa considere importante o tema da violência doméstica contra as mulheres, ela quer trabalhar com dados e estatísticas e dá preferência às fontes institucionais. Poucas reportagens usaram como fonte as PLPs (as promotoras legais populares) e mulheres em situação de violência. Isso afasta do noticiário a face mais humana deste problema, ou seja, as próprias mulheres?
Às vezes sim, mas depende do momento, dó veículo e de cada profissional. O fato é que existe uma preocupação da imprensa em divulgar o tema.

Durante o seminário “Democratizar a Comunicação para democratizar a vida social”, realizado em agosto, em Recife, as conclusões apontaram para a necessidade de as mulheres ocuparem ainda mais espaços de produção de conteúdo e representação na comunicação e também de ocupar espaços de tomada de decisão política neste setor. O que a senhora pensa disso?
Elas estão procurando estes espaços, assim como também estão fazendo isso na política. Mas, ainda é muito pouco em relação aos homens. Uma mulher que tem filhos pequenos e não tem com quem deixá-los, ela opta por se dedicar à família, deixando de fora a vida profissional, até a possibilidade de ela ser uma parlamentar, de atuar no movimento das mulheres. Nesta conjuntura a mulher ainda fica limitada.

Como a senhora analisa a abordagem da figura feminina na tevê?
Olha, em relação às novelas, inclusive esta que está passando agora (“A Favorita”, da Rede Globo), eu faço uma crítica, pois a violência doméstica, do homem contra a mulher, acontece daquela maneira, mas a resposta que a novela está dando não é aquela.

Como assim?
Deveriam mostrar que aquela mulher (a personagem Catarina, vivida pela atriz Lília Cabral) deveria procurar uma delegacia e garantir seus direitos. Mulher que sofre violência doméstica do jeito que aquela mulher sofre na novela tem que procurar seus direitos.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Entrevista: professor Pasquale e o Jornalismo

O professor Pasquale Cipro Neto esteve ontem (19) em Campo Grande proferindo palestra sobre as novas regras na Gramática da Língua Portuguesa. De forma geral, foi crítico quanto às mudanças que visam unificar o registro do idioma nos oito países que o utilizam: Brasil, Moçambique, Cabo Verde, Angola, Guine-Bissau, Portugal, Timor Leste e São Tome e Príncipe.

Pasquale Neto tem um forte envolvimento com o Jornalismo. É consultor de língua portuguesa do Departamento de Jornalismo da Rede Globo, em São Paulo, desde 1996, e colunista dos jornais Folha de S. Paulo e Diário do Grande ABC, entre outros. Também assinou o anexo gramatical do Manual de Redação da Folha, onde trabalha há dezoito anos no Programa de Qualidade e na Editoria de Treinamento.

Após a palestra – realizada na Câmara Municipal – tive a oportunidade de conversar rapidamente com ele sobre a qualidade do uso da língua portuguesa no Jornalismo tupiniquim. Veja a seguir.

O senhor tem um envolvimento forte com o jornalismo, convive com profissionais da área diariamente. Diante disso, como os jornalistas estão tratando a língua portuguesa?
Com altos e baixos. A coisa depende muito do veículo e, dentro dos próprios veículos, também existem altos e baixos. O jornalista tem uma particularidade que não pode ser desprezada nesta análise, que é o tempo. O jornal é feito de agora para daqui a pouco e isso complica muito a vida do jornalista, que precisa redigir depressa, sob pressão, e isso condiciona, tem que ser levado em conta. De modo geral, diria que há altos e baixos, existem textos bons e textos ruins, muito pobres e textos bem feitos, redondos.

Mas, de forma geral, focando o uso da língua portuguesa pelos que começam agora na profissão, que análise pode ser feita?
A coisa está mais para baixo do que para cima. Existe uma pobreza muito grande, não só de expressividade como também de conhecimento. O pessoal não lê. Jornalista que não lê é como médico que não põe a mão no paciente, como dentista que tem medo do barulho da broca.

Há um debate posto sobre a necessidade de alterar o currículo do ensino do Jornalismo no Brasil. O senhor considera que um foco mais pesado sobre a leitura, sobre a literatura, poderia melhorar a qualidade do texto jornalístico no país?
Poderia ajudar sim. A leitura dos clássicos, mas não só da literatura, pois o jornalista pode e deve ler outras coisas, deve ser informado sobre tudo. Tudo isso ajuda. Só que a gente vê hoje um mundo de faz de conta. Ta bom, vai... Vamos exigir a leitura, aí o sujeito vem com um resumo que ele pegou da internet. É preciso que haja uma cobrança efetiva disso e não um faz de conta. Se não houver uma cobrança efetiva, uma avaliação, fica tudo naquele esquema: eu finjo que faço, você finge que acredita e pronto.

Dentro destas modificações que vão ocorrer na língua portuguesa a partir do ano que vem, qual influirá mais no dia a dia do jornalista?
O uso do hífen talvez. Mas acho que isso é o de menos. Estas mudanças não vão influir em nada com a estrutura do texto, com a clareza dele, ou seja, não vai mudar nada. Quem sabe escrever continuará escrevendo bem.

Hoje, há profissionais que se fiam muito no corretor ortográfico do Word. O que o senhor pensa disso?
Desliguem o corretor. Com as mudanças que serão implementadas ele se tornará pouco confiável.

Em sua palestra o senhor disse que seu aprendizado da língua portuguesa, seu aprendizado profissional, se deu de forma mais concreta no dia a dia, na prática e não na universidade. O senhor acha que esta afirmação se aplica ao Jornalismo?
Acho. Do jeito que a coisa está, acho. Poderia não ser assim, mas do jeito que a coisa está, é assim que funciona. Vejo isso na minha prática diária.