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sábado, 20 de janeiro de 2018

O VALOR DE UMA HISTÓRIA

Desta vez entrou na consulta acordado e a falar. O Gabriel tem seis anos. Conheci-o com três, metido num carrinho e muito ensonado. Vinha de Viseu sem diagnóstico. Tinha tido, desde os três meses de idade, crises epilépticas de vários tipos, muitas delas muito prolongadas e desencadeadas por febre. Quase não falava e os pais, gente inteligente, insatisfeitos com a abordagem clínica que o filho estava a ter num outro centro, decidiram partir em busca de novo parecer. Para mim o diagnóstico era óbvio e na consulta seguinte tinha a confirmação genética do síndrome de que suspeitara. Nesse Natal recebi por correio, num envelope almofadado, um lindo anjinho branco, enviado pela mãe do Gabriel. Ainda hoje o tenho pendurado no teto do meu gabinete.

Entretanto a epilepsia do Gabriel tem estado razoavelmente controlada e, apesar do atraso no desenvolvimento da linguagem, é uma criança com uma vida normal. Decidimos adiar um ano a entrada para o ensino básico, dando-lhe mais algum tempo de preparação na pré-primária. Hoje a consulta era rotina. Ajustar doses de fármacos, escrever informação para a escola....

Quando ele entrou no consultório, reparei que trazia na mão um saquinho cheio de M&Ms e pedi-lhe para me dar um. Fingiu não ouvir, foi direto à carteira da mãe onde meteu cuidadosamente a saqueta das guloseimas e em seguida correu o fecho.

Comecei a conversar com os pais e ele, entretanto, foi direto à mesinha das crianças onde se encontram jogos e livros.

- O Ruca! - exclamou entusiasmado.

- Pegou no livro e pôs-se de pé ao meu lado.

- Conta a história!

Aproveitei o momento para avaliar as suas capacidades intelectuais e linguísticas e comecei-lhe a contar a história. O Ruca levantava-se da cama entusiasmado, lavava-se e vestia-se sozinho rapidamente, pois estava convencido que naquele dia ia ao circo. Ao chegar à cozinha o pai disse-lhe que não era naquele dia mas sim no seguinte, sábado, que iriam ao circo. De repente reparei na cara do Gabriel. Estava quase a chorar. Eu estava muito preocupada a ler o texto e não tinha reparado no desenho que o acompanhava. Na imagem colorida, via-se o Ruca na cozinha em frente ao pai, com uma expressão tristíssima. Mudei rapidamente de página e continuei a ler, desta vez atenta à imagem que acompanhava o texto. O pai consolava o Ruca dizendo-lhe que nesse mesmo dia, depois da escola, iam lanchar a casa dos avós e comer bolo de chocolate. Olhei para a cara do Gabriel. A expressão de tristeza tinha desaparecido, tal como na cara do Ruca. Ia a virar a página mas o Gabriel prendeu-me a mão e ordenou:

- Espera!

Dirigiu-se à carteira da mãe e correu o fecho. Tirou de lá o saquinho de M&Ms e pediu à mãe para o abrir. Em seguida colocou-o na mesa à minha frente e disse-me:

- Come!

Não me fiz rogada, meti três dedos no pacote e comi um molhinho de bolinhas de chocolate. Era hora de almoço e eu tinha fome. Mais a mais eu senti que, segundo o Gabriel, eu merecia aqueles chocolates. Continuei a leitura com o Gabriel encostado às minhas pernas. Quando terminei a história, pegou no livro e arrumou-o em cima da mesinha. Os pais não fizeram mais perguntas sobre as capacidades cognitivas do filho. A história do Ruca tinha sido um instrumento valioso na avaliação cognitiva e emocional daquela criança.

Marquei a próxima consulta e despedi-me. O Gabriel beijou-me espontaneamente pela primeira vez.

Teresa Temudo
Fonte: Visão

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Portugueses criam 1º sistema 3D do mundo para ajudar doentes epilépticos

Uma equipa liderada por portugueses criou o primeiro sistema do mundo que usa tecnologia vídeo-3D, com baixo custo, para extrair movimentos durante crises epiléticas. Este novo sistema pode ajudar os profissionais de saúde no processo de diagnóstico e na definição de terapêuticas, não só em epilepsia, mas também noutras doenças neurológicas, como por exemplo na doença de Parkinson.

O objetivo passa agora por disponibilizar este sistema, que está a ser testado há um ano no Centro de Epilepsia do Departamento de Neurologia da Universidade de Munique, a outras unidades de monitorização de epilepsia e colaborar com elas para o bem dos doentes. O facto de se tratar de um sistema de baixo custo faz com que tenha potencial de generalizar o seu uso em unidades de diagnóstico e tratamento de epilepsia em todo mundo, mesmo nos países em desenvolvimento.

O sistema não requer nenhum tipo de intervenção nem no doente nem na cama onde estes doentes são monitorizados, uma vez que junta vídeo de grande qualidade (HD) a um radar de infravermelhos de alta velocidade para obter 30 imagens 3D por segundo. Os sensores 3D foram sincronizados com a atividade cerebral (EEG) do doente monitorizado e estão a ser utilizados em ambiente real hospitalar, em Munique (Alemanha), num centro médico que serve 8 milhões de habitantes só nesta área da neurologia.

«O nosso sistema 3D consegue extrair trajetórias de movimento corporal muito mais rápido do que os sistemas 2D anteriormente utilizados e, em conjunto com o EEG, oferece mais informação quantitativa para o diagnóstico e decisões terapêuticas em epilepsia», explica João Paulo Cunha, coordenador do Centro de Investigação em Engenharia Biomédica (C-BER) do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC), responsável pelo projeto.

Este trabalho desenvolvido por investigadores do INESC TEC, da Universidade de Aveiro, da Universidade de Munique e da Universidade Técnica de Munique foi publicado na passada sexta-feira, dia 22 de Janeiro, na revista PLoS ONE, uma publicação que na área de «Life Sciences & Earth Sciences» do Google Scholar só é superada em termos de métricas de impacto científico pelas revistas Nature, Science e PNAS.

«A publicação deste nosso novo desenvolvimento na PLoS ONE é o reconhecimento de todo o trabalho que temos vindo a desenvolver nesta linha de I&D e pode ser uma porta para que mais portugueses consigam publicar as suas descobertas nesta que é uma das mais reconhecidas revistas a nível mundial», conclui o docente da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP).

Fonte: Diário Digital por indicação de Livresco

sábado, 31 de outubro de 2015

A Epilepsia Para Além das Crises

A epilepsia é uma das mais frequentes doenças neurológicas com especial incidência nas crianças/jovens e idosos. Calcula-se que uma em cada 100 crianças tenha ou venha a desenvolver esta perturbação e, em Portugal, surjam cerca de 4000 novos casos por ano.
De acordo com a Liga Internacional Contra a Epilepsia (ILAE) esta patologia é definida como um conjunto de perturbações em que existe uma predisposição aumentada para a ocorrência de crises epiléticas e a ocorrência de pelo menos uma crise epiléptica não provocada, refletindo disfunções cerebrais que podem resultar de diversas causas e que tem consequências neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais.
Se é objectivo primário e fundamental o controlo das crises epilépticas, as consequências neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais resultantes desta perturbação são, cada vez mais, alvo de especial atenção quer de médicos e técnicos de saúde como de professores, familiares/cuidadores e, naturalmente, do próprio portador de epilepsia. Sem surpresa, surge promovida pela ILAE, uma campanha a nível europeu com o mote "Epilepsia é mais do que ter crises".
O grau de gravidade das epilepsias é extraordinariamente vasto. Desde epilepsias farmacorresistentes onde o recurso a cirurgia da epilepsia é colocado como hipótese, até epilepsias benignas da infância, onde as crises e consequências são escassas e, em muitos casos, não existe a necessidade tratamento farmacológico. Felizmente, a (larga) maioria dos casos de epilepsia em crianças são de baixa gravidade. Não obstante é fundamental estar alerta às consequências "para além das crises".
Estas podem estar directamente relacionadas com a doença. Por exemplo, podem surgir perturbações cognitivas temporárias relacionadas com as crises epiléticas, como também o desempenho cognitivo das crianças e jovens portadores de epilepsia pode encontrar-se afectado a longo prazo. São diversos os factores que fazem variar o desempenho cognitivo, como a idade de início, o tipo de crises, a medicação e o ambiente familiar. De uma forma geral, podem destacar-se défices ao nível da linguagem, da memória verbal, não verbal e memória de trabalho, da atenção, das funções executivas (principalmente inibição, flexibilidade cognitiva e tomada de decisão) e redução na velocidade psicomotora.
Outras serão resultado da forma como se vive com a doença. A epilepsia está associada a um elevado estigma social. O portador de epilepsia torna-se mais dependente, pode ser alvo de superprotecção e encontrar mais restrições. Encontra também maiores dificuldades ao nível das relações entre pares e, no caso dos adolescentes, nas relações amorosas. Também menores níveis de auto-estima e auto-confiança, surgindo sentimentos como vergonha, expectativas negativas sobre a forma como são vistos e tratados. Não são raros os casos de ansiedade e humor depressivo, no próprio ou na família.
Dois estudos recentes demonstram a falta de conhecimento e o estigma associado a esta patologia.
Um estudo comparativo com adolescentes entre os 13 e 16 anos avaliou os "Conhecimentos e Impacto social da Epilepsia e Asma" (Fernandes, 2012). Os resultados demonstraram diferenças significativas com prejuízo da epilepsia:
  • apenas 12.5% dos estudantes demonstraram conhecimento sólido sobre a patologia;
  • uma minoria de 6.3% saberia agir correctamente perante uma crise;
  • a maioria dos adolescentes entrevistados demonstra maiores reservas em contar a pessoas próximas (familiares, amigos ou professores) que padece de epilepsia quando comparado com asma;
  • manifestam também reservas em casar com alguém com estas patologias, mas sobretudo com epilepsia (-10% que com asma);
Um outro estudo (Pereira, 2014), avaliou o conhecimento e atitudes face à epilepsia de professores do ensino secundário, no qual se destacam dados como:
  • fraco conhecimento sobre a doença (16% consideram uma doença psiquiátrica, mais de metade não sabe que os antiepilépticos causam sonolência ou que a epilepsia pode causar dificuldades de aprendizagem e apenas 56% alguma vez tinha lido informação sobre a doença);
  • apesar de 93% dos professores demonstrar atitudes integradoras na escola relativamente a alunos com epilepsia, cerca de 33% não sabe indicar carreiras adequadas para estes doentes;
  • pouca preparação para lidar com uma crise (75% nunca realizou treino de suporte básico de vida e 54% colocaria algo na boca do doente que convulsiva).
Do estudo fica presente a necessidade de aumentar o conhecimento dos professores sobre a epilepsia e como agir perante uma crise convulsiva, reforçando a informação e sensibilização não só deste grupo profissional como do público em geral.
A epilepsia é uma perturbação frequente nas crianças e jovens. É uma perturbação que pode estar associada a consequências que "vão além das crises epilépticas", correlacionando-se com dificuldades cognitivas e psicológicas que devem ser estudadas e acompanhadas. Acarreta, ainda nos dias de hoje, um estigma a nível social fruto, provavelmente, de um desconhecimento face à natureza da epilepsia. Este desconhecimento e estigma são preocupantes e devem (têm) de ser combatidos.
Ricardo Lopes
Neuropsicólogo no CADIn
Fonte: Público

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Pediatras querem estudar benefícios da marijuana em crianças com epilepsia

Marijuana pode ser usada para tratar crianças com epilepsia? O tema promete muita polémica, mas a academia de pediatras americanos recomendou ao governo dos Estados Unidos que reveja a classificação da marijuana e a coloque no nível II, de acordo com a revista The Atlantic. Esta categoria inclui outras substâncias aditivas que são igualmente consideradas terapêuticas, como a morfina, a codeína e oxicodeína.

Os pediatras querem aprofundar os estudos sobre os efeitos positivos que a marijuana poderá ter no tratamento de crianças com epilepsia que não respondem bem a medicamentos convencionais. Mas para poder avaliar adequadamente as suas qualidades terapêuticas, a marijuana tem de sair do clube das drogas mais perigosas de nível I, onde estão a heroína e o ácido. Apesar de a cannabis já ter sido legalizada para fins médicos em 23 estados norte-americanos, a nível federal a droga ainda é ilegal, o que inviabiliza o desenvolvimento de pesquisas sérias e sólidas sobre os seus alegados efeitos terapêuticos.


O panorama para a utilização de marijuana com fins medicinais é desigual nos Estados Unidos e a Florida é um exemplo das contradições que envolvem a postura das autoridades para com esta droga. O estado aprovou uma lei que permite a prescrição de cannabis com baixo teor de THC (a principal componente) em certas condições médicas. No entanto, um juiz invalidou recentemente um sistema que permitia escolher os produtores habilitados, pelo que ninguém na Florida está autorizado a cultivar a marijuana que sirva fins terapêuticos.

A revista The Atlantic conta a história de uma família que vive no limbo por causa destes avanços e recuos. Os pais de uma criança de nove anos já tentaram tudo para controlar os sintomas da epilepsia, que incluem convulsões, e em desespero voltaram-se para uma alternativa não convencional: a marijuana. Há alguns indicadores, ainda prematuros, de que a droga pode ser eficaz no tratamento de sintomas em algumas formas epilepsia. Mas só quando cannabis for promovida para a liga das drogas terapêuticas, é a que FDA (agência federal de controlo de medicamentos) poderá envolver-se na pesquisa do uso desta droga em crianças com epilepsia.

Apesar da recomendação, a organização que representa os pediatras continua a ser contra a legalização da marijuana, lembrando que há provas claras dos efeitos nocivos do uso da droga em cérebros jovens. Nessa medida a academia de pediatras apoia a proibição de vender erva a menores nos estados que já legalizaram a cannabis. Desaconselha ainda os adultos a consumirem ao pé de crianças.

Fonte: Observador

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Como a marijuana devolveu a vida a uma criança

Com três meses de idade Charlotte Figi teve a primeira convulsão. Nos anos seguintes, chegou a ter 300 por semana. Diagnóstico: Síndrome de Dravet. Aos cinco anos, os pais decidiram arriscar e experimentar um tratamento com marijuana.

A primeira convulsão de Charlotte Figi foi aos três meses de idade. Durou 30 minutos. Os pais levaram-na para o hospital, de onde, depois de uma bateria inconclusiva de exames, os mandaram para casa. Uma semana depois, outra convulsão, mais longa ainda. Ao longo dos meses seguintes, a pequena Charlotte sofreu vários destes episódios, que começaram a prolongar-se entre duas a quatro horas, obrigando a repetidas hospitalizações. Exames normais, análises normais. Os médicos, recorda a mãe, Paige Figi, diziam que provavelmente tudo passaria com o crescimento. Não passou.

Segundo a CNN, que avança a história, aos dois anos, já Charlotte tomava sete medicamentos por dia, incluindo barbitúricos. As suas capacidades cognitivas começaram a entrar em declínio, perante o desespero dos pais.

Aos dois anos e meio acabaria por se confirmar o pior dos cenários avaliados pelos clínicos: Síndrome de Dravet, também conhecida como epilepsia mioclónica juvenil. Em Chicago, um especialista fez Charlotte seguir uma dieta rica em gordura e pobre em hidratos de carbono, o que obrigou o organismo da menina a produzir mais substâncias químicas para diminuir as convulsões. No entanto, os efeitos secundários foram desencorajadores, começando pelo enfranquecimento do seu sistema imunitário. 

A solução havia de chegar de surpresa. O estado do Colorado tinha aprovado, em novembro de 2000, o uso de canábis para fins medicinais. Nas suas pesquisas na Internet, o pai, Matt descobriu o caso de um menino com a mesma síndrome que estava a ser tratado com sucesso com a droga. Nessa altura já a filha não conseguia andar, falar ou comer. Tinha 300 convulsões por semana. O seu coração já parara por diversas vezes.

E assim, aos cinco anos de Charlotte, os pais decidiram experimentar o tratamento com marijuana. Depois de enfrentarem a relutância dos médicos em arriscar a terapia numa criança tão nova, e depois de várias respostas negativas, conheceram a Dra. Margaret Gedde, a que se juntou Alan Shackelford, especialista nos tratamentos com marijuana, para as duas autorizações necessárias.

Para o caso de Charlotte foi usado um extrato, em óleo. Os resultados foram surpreendentes: Durante as primeiras horas Charlotte não teve convulsões, nem nos sete dias que se seguiram.

Atualmente, a menina tem seis anos e recebe uma dose de óleo de marijuana duas vezes por dia, misturado nos alimentos. Por mês tem apenas dois ou três ataques mas já anda, já fala e até anda de bicicleta.
In: Visão

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

No mundo da epilepsia: enfrentando (pre)conceitos (parte 2)

A epilepsia de ausências é uma forma de epilepsia "generalizada" (por envolver os dois hemisférios cerebrais) que surge mais frequentemente no sexo feminino (70%) e tipicamente entre os 4 e os 12 anos de idade, com um pico entre os 5 e os 7 anos de idade - início da idade escolar. Por este motivo, a história típica que leva à sua descoberta é a da criança com um desenvolvimento normal que começa a apresentar diminuição súbita no rendimento escolar e em que os professores se começam a queixar do seu défice de atenção e concentração. De facto, esta epilepsia caracteriza-se pela interrupção súbita da atividade e da consciência, durante períodos de 5-20 segundos (em média: 8-10 segundos), em que a criança fica com o olhar parado, por vezes com pestanejo e/ou automatismos periorais/faciais (movimentos da boca, por exemplo). Tudo isto surge e desaparece espontaneamente, sem que a criança se aperceba dessas "pausas" na sua atividade e tendem a ocorrer várias vezes ao dia. Apesar de ocorrerem de forma espontânea, são conhecidos fatores precipitantes como a hiperventilação voluntária (que também se utiliza como prova diagnóstica durante a avaliação da criança na consulta médica). O prognóstico é excelente, sendo um tipo de epilepsia que normalmente responde muito bem ao tratamento e tende a desaparecer na adolescência.

A epilepsia rolândia ou de pontas centrotemporais (antigamente designada como epilepsia benigna) é, também, como já foi referido, uma das epilepsias mais frequentes da infância, com início entre os 3-12 anos (com um pico entre os 7 e os 9 anos) e, em muitos casos, existe história familiar deste tipo de epilepsia. Tipicamente, estas crises surgem em crianças com um desenvolvimento normal, manifestando-se durante o sono ou ao acordar como "crises focais motoras" com origem na área cerebral designada rolândica (daí o nome da epilepsia) que é responsável pela componente sensitivomotora da face e orofaringe. Como tal, a criança apresenta movimentos da região da boca, parte da face e, eventualmente, membro superior associados a sensação de formigueiro da língua, o que a impossibilita de falar ou apenas consegue emitir sons guturais rítmicos, mantendo-se inicialmente com a consciência preservada (daí ser considerada uma crise "focal"), embora se possa "generalizar" posteriormente. Cerca de 15% das crianças só têm uma crise e 60% terão 2-5 crises. O prognóstico é excelente, mesmo sem tratamento, com duração média de dois anos. Normalmente institui-se tratamento, com boa resposta, pelo incómodo que estas crises provocam na criança e nos pais.

Em ambos os casos apresentados, a história clínica típica associada ao eletroencefalograma é suficiente para estabelecer o diagnóstico.

Uma nota final apenas para as convulsões febris dada a prevalência e receio que inspiram. Como já referido, apesar destas crises se poderem repetir perante contextos de febre, tipicamente não são consideradas epilepsia. Trata-se de convulsões que surgem geralmente entre os 3 meses e 5 anos de idade, associadas à febre e de carácter benigno. E será que poderão ser o primeiro sinal de que a criança virá a ter epilepsia? De modo geral, a maioria das crianças com convulsões febris apresenta apenas um único episódio durante a vida (cerca de 70% dos casos; mas 20% terão 2 e 10% várias). A probabilidade de virem a desenvolver epilepsia embora possa ser ligeiramente superior à das crianças sem CF permanece em valores baixos, rondando os 2% e 7%, segundo alguns estudos, dependendo da complexidade da convulsão, história familiar de epilepsia e alterações no desenvolvimento e no exame neurológico da criança. Em alguns estudos, chega-se à conclusão de que o número de crianças com epilepsia que previamente tinha tido convulsões febris era muito discreto, existindo pouca relação entre estas convulsões e a epilepsia. 

Isabel Maria Santos, com a colaboração da Dr.ª Célia Barbosa, neuropediatra no Hospital de Braga
In: Educare

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

No mundo da epilepsia: enfrentando (pre)conceitos

Quando se fala de epilepsia, fala-se de uma doença neurológica caracterizada pela ocorrência de crises (crises epiléticas) recorrentes e espontâneas, ou seja, crises que surgem subitamente e que tendem a repetir-se. Apesar de se tratar de um problema crónico, em alguns casos verifica-se remissão espontânea. É das doenças neurológicas mais frequentes no Mundo e com maior prevalência na infância e adolescência.
Antes de se prosseguir mais a fundo nesta temática, convém esclarecer o que é uma crise: a crise é um sintoma e não um diagnóstico e, como tal, pode ser a manifestação clínica de várias situações. Trata-se de uma manifestação de uma atividade cerebral súbita, inapropriada e excessiva e, assim, dependendo da área do cérebro onde ocorre essa atividade súbita (área motora, área sensitiva...), essa crise poderá manifestar-se como um distúrbio motor (por exemplo, as convulsões), sensitivo, sensorial, psíquico e/ou da consciência. 
Classicamente, para se afirmar o diagnóstico de epilepsia, são necessárias pelo menos duas crises em momentos diferentes. Convém também esclarecer que há situações em que ocorrem mais do que duas crises e que não se definem como epilepsia, como o caso das convulsões febris. 
Para dar um exemplo de uma crise motora, destaco a convulsão - episódio de contrações musculares involuntárias associadas ou não a perda de consciência. Estas contrações podem ser mantidas (tipo tónico) ou interrompidas por momentos de relaxamento de duração variável (tipo clónico). 
As crises, por sua vez, podem ser divididas em "focais" e "generalizadas". As primeiras dizem respeito a crises com origem num foco cerebral específico e apenas num dos hemisférios cerebrais e, como tal, terão uma manifestação mais concreta embora, a seguir, se possam generalizar. Já as crises "generalizadas" traduzem desde o início um envolvimento difuso e simultâneo de ambos os hemisférios cerebrais, com perda de consciência. 
Saliento, mais uma vez, que muitas vezes e provavelmente na sua maioria, as crises não têm uma base epilética (ou seja, não resultam de alteração estrutural ou funcional cerebral), mas podem ser resultado de febre (convulsão febril), infeção, enxaquecas, síncope ("desmaio" em contexto do susto/medo/stress/calor), traumatismo craniano, distúrbios do sono, espasmos de choro, "distrações" frequentes (pseudoausências), arritmias cardíacas, entre outros.
A história da crise é fundamental na avaliação da criança/jovem. Assim, é importante tentar perceber:
• em que contexto é que a crise surgiu - o que a criança/jovem estava a fazer antes da crise, se foi durante o sono ou estando acordado, se havia estímulos luminosos ou outros possíveis precipitantes; 
• O início da crise: se houve sintomas iniciais (que "anunciaram" a crise em si); 
• Como foi a crise: se se iniciou em alguma parte do corpo, se foi generalizada e nesse caso se foi desde o início ou só no fim, se a criança estava consciente, como estavam os seus olhos e se havia movimentos, quanto tempo durou; 
• Após a crise: como reagiu a criança/jovem.
A partir destas informações e após a realização do exame físico da criança/jovem decide-se se há necessidade de realizar exames e, nesse caso, quais os indicados. Perante a suspeita de epilepsia, normalmente um eletroencefalograma (EEG) é o exame indicado e, por norma, suficiente. Este exame regista a atividade cerebral e tenta detetar se há alguma área mais ativa que possa estar a causar esta crise.
Grande parte das epilepsias iniciadas na infância têm evolução favorável, com controlo satisfatório das crises ainda dentro do primeiro ano de tratamento. 

Isabel Maria Santos, com a colaboração da Dr.ª Célia Barbosa, Neuropediatra no Hospital de Braga
In: Educare

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Epiléticos terão de ir a juntas médicas para manterem isenção nas taxas moderadoras

Neurologista diz que o novo regime vai implicar a "burocratização" do sistema atual, obrigando doentes a ir a juntas médicas. As novas regras vão entrar em vigor no próximo dia 1 de janeiro. 


O novo regime de taxas moderadoras vai "burocratizar muito" os pedidos de isenção para os doentes com formas graves de epilepsia, obrigando-os a requerer uma junta médica para a avaliação da sua incapacidade, critica o presidente da Liga Portuguesa Contra a Epilepsia (LPCE), Francisco Sales. "Os doentes vão ter que ir ao médico ou ao delegado de saúde para pedir uma junta médica e solicitar vários relatórios. Imagine-se a burocratização que isto vai implicar", lamenta o neurologista, que estima em cerca de 20 mil as pessoas com formas crónicas e graves de epilepsia em Portugal.

"São doentes que não respondem à medicação e têm crises com frequência. E que, quando têm crises no meio da rua, quase são obrigados a ir às urgências pelas pessoas que os socorrem. Vão ter que pagar taxas moderadoras? Isto é um bocado perverso", defende Francisco Sales. Existem 50 mil a 60 mil pessoas com epilepsia em Portugal.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Epilepsia explica alucinações de Chopin

Chopin sofria de epilepsia, doença que provavelmente explica as alucinações descritas pelo compositor, revelaram investigadores espanhóis.
O próprio compositor, que morreu em 1849, com 39 anos, descreveu as alucinações como "visões aterradoras" e a sua amante, George Sand, relatou momentos em que o músico se mostrou assustado com visões. 
Numa carta escrita para a filha de George Sand, Chopin descreveu um momento, durante um concerto, em Inglaterra, em 1848, em que se retira abruptamente .
De acordo com a pesquisa desenvolvida pelos investigadores espanhóis, agora divulgada na Medical Humanities, o tipo e a frequência das alucinações que o compositor apresentava é comum em pacientes que sofrem de epilepsia do lobo temporal.
Os cientistas explicam que as alucinações ocorrem em diversos distúrbios médicos e psiquiátricos, incluindo a esquizofrenia. Mas, normalmente, manifestam-se sobre a forma de vozes e não de visões. Portanto, concluem que a explicação mais provável para as visões de Chopin é um tipo de epilepsia que ocorre no lobo temporal do cérebro.
In: JN online

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Projecto “Epilepsiae” cria sistema para prevenir crises de epilepsia

Durante as IV Fornadas de Epilepsia, que se realizaram na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, o investigador António Dourado, docente da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC) manifestou que "é possível criar um aparelho que preveja, em tempo real, as crises de epilepsia, embora ainda haja muito trabalho a fazer nesse sentido”.
O projecto apresentado pelo investigador denomina-se “Epilepsiae”, e surge através de uma parceria entre a FCTUC, os Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC) e entidades de França, Alemanha e Itália.
Ao longo dos três anos que a investigação tem vindo a ser desenvolvida, com financiamento da União Europeia (UE), já foi possível criar um pequeno aparelho capaz de emitir previsões de crises de epilepsia, no entanto, ainda "não resulta em todos os doentes", nem "alcançou resultados clinicamente credíveis". 
Segundo António Dourado, “O sistema inteligente de alarme preventivo que está a ser estudado, ligado ao doente e transportado por ele próprio, emitirá informações para um computador que enviará ao doente a informação, em tempo real, de previsão de uma crise. 
O dispositivo, de dimensões relativamente reduzidas e com ligações sem fios, fabricado pela empresa italiana Micromed, está a ser testado em duas centenas de doentes portugueses, franceses e alemães e no próximo ano deverá ser ensaiado em mais uma centena de doentes, pois há indicações que apontam para que a UE continue a apoiar o projecto”.
No mercado já estão disponíveis medicamentos capazes de controlar a epilepsia, no entanto, perto de um terço dos pacientes epilépticos não reage à medicação, factor que os expõe a crises em qualquer momento e em quaisquer circunstâncias, sem a possibilidade de prever atempadamente a sua ocorrência, e é especificamente para este tipo de pacientes que o dispositivo está a ser desenvolvido. 
De acordo com os dados da Liga Portuguesa Contra a Epilepsia e da Associação Portuguesa de Familiares, Amigos e Pessoas com Epilepsia, organizadoras das IV Jornadas de Epilepsia, em Portugal estão diagnosticadas cerca de 50 mil pessoas com epilepsia e calcula-se que surjam anualmente cerca de quatro mil novos casos.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Sensor que detecta previamente ataques epilépticos testado


Médicos australianos estão a testar um sistema com sensores eléctricos dentro do crânio para alertar previamente pacientes epilépticos dos seus ataques. Estes sensores enviam sinais a um dispositivo implantado no peito do doente, que por sua vez remete uma mensagem a um pager que alerta o paciente sobre o ataque iminente.

Segundo Mark Cook, um dos membros da equipa do Melbourne St Vincent Hospital, na Austrália, se funcionar, o sistema representará um "avanço impressionante".
"Nunca imaginámos que seríamos capazes de prever ataques epilépticos dessa maneira", referiu, acrescentando que "se funcionar, [o sistema] vai transformar a vida de muitas pessoas."

A epilepsia é um distúrbio neurológico crónico que pode provocar convulsões repentinas, perda de consciência e outros sintomas. Os eléctrodos instalados dentro do crânio do paciente comunicam quaisquer mudanças na actividade eléctrica do cérebro ao dispositivo no peito.

A ideia é que o aviso do pager dê ao paciente tempo suficiente para tomar medicamentos ou alertar alguém próximo. A empresa americana que está a desenvolver o novo sistema espera agora poder disponibilizá-lo no mercado no espaço de cinco anos.

Os primeiros testes deste sistema estão a ser realizados num jovem australiano de 26 anos que sofre de um tipo de epilepsia que não pode ser controlada com medicação ou procedimentos cirúrgicos.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Epilepsia: 2500 esperam cirurgia


Há 2500 possíveis candidatos a uma cirurgia de epilepsia, divuglou esta manhã a Alta Comissária da Saúde, Maria do Céu Machado, aquando de uma visita à unidade de monitorização da epilepsia pediátrica do Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa.
A mesma responsável afirmou que a exemplo de 2009, também este ano será realizado um esforço financeiro de 700 mil euros no 'Programa de Cirurgia de Epilepsia' para a realização de operações no Hospital São Francisco Xavier e Santa Maria, em Lisboa, Hospitais da Universidade de Coimbra e no Centro hospitalar do Porto.
No ano passado foram operados 19 pacientes no Hospital São Francisco Xavier, nove dos quais crianças, divulgou esta manhã Pedro Cabral, o coordenador do serviço que realiza estas intervenções. O hospital da zona Ocidental de Lisboa é o único do País com experiência em crianças.