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quinta-feira, julho 03, 2025

"THE ARRANGEMENT"

O COMPROMISSO

Um filme de ELIA KAZAN




Com Kirk Douglas, Faye Dunaway, Deborah Kerr, Richard Boone, etc.


EUA / 125 min / COR / 16X9 (2.35:1)



Estreia nos EUA a 18/11/1969
Estreia em Moçambique (L.M.) a 22/8/1970 (teatro Scala)
Estreia em Portugal (Lisboa) a 29/5/1971 (cinemas Alvalade e S. Luís) 



Eddie Anderson: «Can a 44-year-old man who doesn't like himself go back and start again? That's the plot of our true romance.»

“The Arrangement / O Compromisso” é um retrato turbulento de Eddie Anderson (Kirk Douglas), um rico publicitário de Los Angeles, que à primeira impressão parece ser um homem feliz com a sua carreira bem sucedida, que vive rodeado de luxos no seu dia-a-dia e que é casado com uma mulher, Florence (Deborah Kerr), que lhe vai tolerando as infidelidades conjugais de modo a isso não se reflectir na aparente normalidade do modus-vivendi do casal. Mas pouco tempo depois do início do filme, vamos entender rapidamente que nada do que o rodeia tem a mínima importância para o seu estado psíquico. Na verdade, Eddie sente-se profundamente infeliz, e opta por uma tentativa de suicídio para se libertar da gaiola dourada que o sufoca. Tal tentativa é mal sucedida e, a partir daí, Eddie vai tentar mudar de vida, apesar dos seus 44 anos.

Cinematograficamente inactivo desde 1963 (ano em que se estreara “America America”), Kazan viveu a segunda metade da década de sessenta com um interesse cada vez maior pela escrita, a sua paixão mais antiga. A esse propósito, chegou a declarar numa entrevista que preferia ser um romancista de terceira categoria do que um cineasta de primeira. Desencantado com o rumo que a indústria americana estava a tomar, passa cada vez mais o seu tempo frente a uma máquina de escrever. O romance nasceu quase por acaso. Conta Kazan que um dia se sentou à máquina e começou a alinhavar recordações, pensamentos e sensações sem qualquer espécie de auto-censura pois, em princípio, essas páginas nunca seriam lidas por ninguém. Mas quando a série de apontamentos aparentemente desconexos começou a ganhar volume e coerência, Kazan apercebeu-se que na realidade estava a tentar escrever a história da sua vida. Surpreendentemente para o próprio cineasta o romance veio a tornar-se um best seller, que levou a Warner Brothers a comprar os direitos e a propôr-lhe a adaptação ao cinema.

Kazan aceitou, mas arrependeu-se: «depois desta experiência, decidi nunca mais fazer um film em Hollywood.» Nas suas memórias Kazan lamenta sobretudo não ter conseguido seduzir Marlon Brando para o papel principal, e ainda mais o facto de ter acabado por escolher Kirk Douglas: «após dez dias de filmagens, percebi que tinha cometido um erro. Eddie Anderson devia aparecer derrotado de todas as maneiras possíveis e Kirk tinha desenvolvido a imagem de um homem capaz de ultrapassar qualquer obstáculo.»

Ninguém estaria à espera que Kazan desse à luz uma obra tão convulsa e rasgada, tão crua e sombria, e que fizesse uso de procedimentos técnicos tão pouco convencionais nessa altura, como a série de flash-backs que se desdobra por vários tempos (não apenas tempos cronológicos mas também tempos mentais). Na verdade, “The Arrangement” desenvolve uma série de personagens em que qualquer esperança de apaziguamento é vã. Kazan faz-nos entrar num labirinto incómodo, com a certeza de que a procura da saída será sempre uma tarefa dolorosa. Apesar disso, no final, e ainda que apenas sugerido, talvez exista uma possibilidade de Eddie Anderson poder concretizar alguns dos seus desejos mais pessoais.

CURIOSIDADES:

- Os críticos foram esmagadoramente negativos quando o filme foi lançado, dizendo que Elia Kazan nunca deveria ter filmado seu próprio romance best-seller, que foi criticado pela maioria dos críticos literários como lixo quando foi publicado em 1967. Era amplamente conhecido que o papel principal havia sido recusado por Marlon Brando, que havia recebido três indicações ao Oscar e premiado com um Oscar sob a direção de Kazan no início de sua carreira cinematográfica e foi o coração e a alma de alguns dos melhores trabalhos de Kazan como realizador. Quando o filme foi lançado, a actuação principal de Kirk Douglas foi duramente criticada, e a maioria dos críticos apontou "The Arrangement" como o fim da carreira de Kazan. Mas enganaram-se, o conhecido realizador ainda viria a rodar mais dois filmes, “Os Visitantes” (1972) e “O Grande Magnate” (1976). Só aí é que Kazan se aposentaria, com 67 anos. Viria a falecer muitos anos depois (28/9/2003), com 94 anos.

- Richard Boone, que interpreta o pai do personagem de Kirk Douglas no filme, era na verdade seis meses mais novo que Douglas na vida real.

- Muitos consideraram o romance e o filme de Elia Kazan autobiográficos, em certa medida, e parece altamente provável que a esposa de Eddie, Florence, seja um retrato disfarçado da primeira mulher de Kazan, Molly Kazan , que nunca se divorciou dele, apesar de seus muitos adultérios. Kazan admitiu que seu filme anterior, "América, América" (1963), foi baseado na vida de seu pai, e que o personagem do pai de Eddie, Sam, é claramente o mesmo protagonista do filme anterior (interpretado por Stathis Giallelis).

"O Compromisso", diz Kazan, «trata do perigo do silêncio, do entendimento não falado que estabelecemos ou fazemos com o próximo, e finalmente com nós próprios, não dizendo o que pensamos... Existe um enorme perigo neste compromisso-feito, neste silêncio-pactuado. E assim, em breve, depois de nos termos desabituado do hábito de dizer as nossas verdades aos outros, deixamos de dizer as verdades a nós mesmos, deixando de saber o que sentimos, e por fim podemos deixar de saber do que gostamos e do que não gostamos. Porque é político darmo-nos bem com os outros, as nossas reacções e as nossas acções tendem a tornar-se uma série de conveniências. Talvez que a mais importante função do artista seja a de manter abertas as genuínas vias de resposta. A salvação do escritor está na candura consigo próprio.»

quinta-feira, dezembro 02, 2021

SPLENDOR IN THE GRASS (1961)

ESPLENDOR NA RELVA
Um Filme de ELIA KAZAN

Com Natalie Wood, Warren Beatty, Pat Hingle, Audrey Christie, Barbara Loden, Zohra Lampert, Fred Stewart, Joanna Roos, John McGovern, Sandy Dennis, Gary Lockwood, Jan Norris, etc.

EUA / 124 min / COR / 
16X9 (1.85:1)

Estreia nos EUA a 10/10/1961
Estreia em PORTUGAL a 9/2/1962
(Lisboa, cinema Éden)

«What though the radiance which was once so bright
be now for ever taken from my sight.
Though nothing can bring back the hour
of splendor in the grass, of glory in the flower,
we will grieve not, rathher find
strenght in what remains behind»
(William Wordsworth)

Para além de ter sido uma mulher lindissima, Natalie Wood (Natasha  Nikolaevna Zakharenko), filha de emigrantes russos, foi também uma menina-prodígio de Hollywood, que aos 5 anos de idade já entrava em filmes e séries televisivas. Aos 17 anos contracenou com James Dean em "Rebel Without a Cause", e cinco anos depois, em 1961, interpretou as duas personagens que lhe valeram o acesso directo à eternidade cinéfila: a Maria de "West Side Story" e a Wilma Dean Loomis deste "Esplendor na Relva". Deixemos o musical para mais tarde e vamo-nos focar agora neste último.

Ruy Belo (1933-1978), poeta português, era cinco anos mais velho que Natalie. Como muitos outros, deve ter ficado apaixonado pela actuação da actriz quando o filme se estreou no cinema Éden, em Lisboa, no dia 9 de Fevereiro de 1962. E escreveu este belissimo poema, dedicado a Dean Loomis:

Eu sei que Deanie Loomis não existe
mas entre as mais essa mulher caminha
e a sua evolução segue uma linha
que à imaginação pura resiste.

A vida passa e em passar consiste
e embora eu não tenha a que tinha
ao começar há pouco esta minha
evocação de Deanie quem desiste
na flor que dentro em breve há-de murchar?
(e aquele que no auge a não olhar
que saiba que passou e que jamais
lhe será dado ver o que ela era)
Mas em Deanie prossegue a primavera
e vejo que caminha entre as mais.

Apesar de toda a poesia a ele ligado, "Esplendor na Relva" não é um filme para se contar, não é sequer um filme para se ler. "Esplendor na Relva" é, isso sim, um filme para se ver, para se sentir, é cinema no seu estado puro. E essa pureza evidencia-se em cada olhar, em cada gesto, muito por culpa de Elia Kazan que atinge aqui a arte suprema de bem dirigir, evitando os habituais clichés do melodrama; e a maravilhosa Natalie Wood, que é a luz que emana de todo o filme e que me fez perder de amores (a mim e a muito mais gente) com a sua Deanie Loomis, uma das criações mais espantosas de toda a história do cinema. Por isso, abençoados todos quantos não se limitaram a olhar para o écran e conseguiram ver e sentir toda a genialidade do esplendor de que fala o filme.


Produzido numa época de grandes mudanças (quer da sociedade – a norte-americana em particular – quer do próprio cinema), “Splendor in the Grass” é um olhar desapiedado sobre a juventude do final dos anos 20 do século passado: as suas aspirações, ansiedades, e desejos; e a repressão (sexual e não só) exercida sobre eles pela sociedade da época. Uma repressão que está em toda a parte, que se vai insinuando através de vários comportamentos, desde o mais grosseiro (a pressão asfixiante do pai de Bud) até ao mais sofisticado (a complacência do pai de Deanie, parcialmente redimida naquela pungente cena final, em que ele lhe indica o paradeiro de Bud e recebe em troca uma carícia e um beijo na testa); e que estabelece regras muito próprias, consoante o sexo das personagens sobre as quais se abate. Era a altura em que as jovens eram catalogadas em duas únicas categorias: as "decentes", com quem se podia casar; e as "vulgares", com quem era apenas permitido passar um bom bocado. (Wilma Dean: «Is it so terrible to have those feelings about a boy?» Mrs. Loomis: «No nice girl does.»



Deanie percorre um caminho demasiado estreito entre essas duas categorias: começa por se furtar às intenções mais atrevidas de Bud (Warren Beatty) e mais tarde, quando os escrúpulos desaparecem de vez, já é tarde demais. Talvez por isso seja um filme que, tematicamente, diga muito pouco às novas gerações de agora, as quais, consumada que foi a revolução sexual iniciada nos anos 60 do século passado, vivem abertamente uma liberdade que nada tem a ver com os tempos que emolduram este filme. Mas os amantes do cinema têm razões mais do que suficientes para poderem rejubilar com a visão de “Splendor in the Grass”, uma das obras mais emotivas de sempre (e da carreira de Kazan em particular), que continua actualmente tão bela e poética, profunda e poderosa, como o foi há 60 anos atrás.



O escritor e argumentista William Inge (o autor de “Picnic” e “Bus Stop”), baseou-se num poema extraído do livro “Ode: Intimations of Immortality From Recollections of Early Childwood”, de  Wiliam Wordsworth (1770 – 1850) - um poeta inglês que lançou juntamente com Samuel Coleridge, a chamada Era Romântica na literatura inglesa – para escrever o romance, primeiro, e mais tarde o argumento em que “Splendor in the Grass” se baseia. Segundo o próprio Inge, outra inspiração para a sua história, teriam sido algumas pessoas que ele próprio conheceu durante a adolescência na cidade do Kansas. Falou com Elia Kazan, que na altura trabalhava com ele na sua peça “The Dark at the Top of the Stairs” e o realizador mostrou-se desde logo interessado em passar a história para o grande ecrã, aproveitando o clima de mudança que se vivia na América para dar um maior ênfase à história de Deanie e Bud.

Quando se iniciou o casting do filme, Inge lembrou-se de um jovem actor de diversas séries televisivas, que seria perfeito para interpretar o personagem principal: Warren Beatty. Os dois conheceram-se na fracassada peça “A Loss of Roses”, mas a relação perdurou e tornaram-se amigos. De início, a sugestão de Inge não foi bem recebida por Kazan, que não gostou da arrogância de Beatty, mas posteriormente viu nele presença e talento suficientes para lhe entregar o papel principal. “Splendor in the Grass” marcou, assim, a estreia de Beatty no grande ecrã (tinha 24 anos) e fez dele uma das grandes estrelas de Hollywood. A escolha de Natalie Wood foi uma imposição da Warner que tinha a actriz sob contrato e cujos últimos filmes não tinham tido o êxito esperado. Embora tivesse apenas 22 anos quando participou na rodagem de “Splendor in the Grass”, Natalie era já uma veterana de Hollywood, tendo começado a sua carreira com apenas 5 anos e conseguido fazer a transição para papéis mais adultos com sucesso.

Mas a actriz estava também interessada em participar no filme, a ponto de ter concordado filmar uma cena de nu, a primeira feita por uma estrela em Hollywood. No entanto Jack Warner (o patrão do estúdio) acedeu ao pedido da Catholic Legion of Decency e a cena foi excluída do filme. Refira-se que a sequência em questão surgia logo após Deanie Loomis discutir histericamente com a mãe enquanto toma banho. A câmara acompanhava o trajecto de Deanie a correr nua pelo corredor, entre a casa-de-banho e o seu quarto. Dada a exclusão da cena, o que se vê no filme é uma transição brusca entre a discussão na banheira e Loomis a soluçar, já deitada na cama, transição essa muito bem resolvida por Kazan ao introduzir entre as duas cenas um curto diálogo dos pais de Deanie.

Os dois actores entregaram-se tão intensamente aos seus personagens que a relação pessoal extravasou a vertente profissional e os dois viveram um tórrido romance durante as filmagens. Embora Natalie Wood fosse casada com o também actor Robert Wagner e Warren Beaty vivesse com outra actriz, a relação foi encorajada pelo próprio Kazan que viu no romance uma boa oportunidade para obter a tão desejada química entre os dois actores. Quando "Slpendor in the Grass" estreou, em Outubro de 1961, Natalie e Warren tinham abandonado os seus anteriores relacionamentos e viviam já juntos. “Splendor in the Grass”  foi nomeado para dois Óscares (melhor actriz e melhor argumento), com o trabalho de Inge a ser o único a ter direito à famosa estatueta. Muito injustamente, Natalie Wood perdeu para Sophia Loren no filme "La Ciociara", de Vittorio De Sica.




"Splendor in the Grass" está repleto de cenas inesquecíveis: a passagem de ano novo com a tentativa de violação de Ginny (Barbara Loden), a irmã de Bud Stamper; a tentativa de suicídio de Dean Loomis nas cataratas, a já referida cena da banheira entre uma mãe inquisidora (Audrey Christie) e uma Dean histérica, à beira da exaustão psicológica («No, mom! I'm not spoiled! I'm not spoiled mom! I'm just as fresh and virginal like the day I was born, mom!») ou o reencontro final entre os dois antigos apaixonados («Are you happy, Bud?» «Well... I think I am, but I don't think much about it these days»): um último olhar de despedida de Dean já dentro do carro com as palavras de Wordsworth em voz-off: 
«A luz que brilhava tão intensamente
foi agora arrancada dos meus olhos.
E embora nada possa devolver os momentos
do esplendor na relva e da glória na flor,
não sofreremos, melhor
encontraremos força no que ficou para trás»

Mas a cena-chave, por ser a súmula de todo o filme, é a aula de literatura, na qual Dean Loomis é forçada pela professora a ler e a interpretar o poema de Wordsworth de pé, perante toda a classe. Numa folha da Cinemateca, João Bénard da Costa descreveu tal cena com a mestria que o caracterizava. Aqui fica a transcrição:



«Sirvo-me do exemplo mais conhecido, também ele poético, e que dá o título ao filme. No liceu de Natalie Wood (onde ela entrava sempre com três livros apertados ao peito, um deles de capa azul), a aula de literatura, nesse dia, não era sobre “Os Cavaleiros da Távola Redonda” mas sobre Wordsworth e a “Ode of Intimation to Immortality”. Deanie / Natalie chegava de vestido grenat muito escuro, gola de rendas. Todas as colegas sabiam - e ela também, embora ninguém lho tivesse dito - que Bud / Warren, incapaz de separar por mais tempo o desejo e o amor, tinha enganado, na véspera à noite, a fome do corpo dela, no corpo de Juanita (Jan Norris), única da turma que não se ficava pelos beijos. Nada seria mais, para eles, como antes fora. Como também se diz no filme (noutro contexto), Deanie trazia, debaixo do vestido, o primeiro golpe na sua própria carne.

E é quando todo o mundo vacila à roda dela que a professora a interpela para lhe perguntar o que é que o poeta quis dizer com os versos famosos: «No, nothing can bring back the hour / the splendor in the grass, the glory in the flower.» Para a estúpida e pedagógica pergunta não há resposta ou - a esse nível - só há a que Natalie Wood comoventemente tenta articular. Mas não é nada disso que o poeta quis dizer. O que conta, o que o poeta quis dizer, é o que Natalie só naquela altura sente e sabe, ou pressente e entrevê. Por isso, o que conta e o que o poeta quis dizer é o espantoso traveling que arranca Deanie ao lugar e a põe diante da professora atónita, depois aquele outro em que sai a correr da aula e nos atira com a porta na cara e, por fim, esse plano em que a vemos sózinha, na profundidade de campo do corredor do liceu, até ir parar à enfermaria. Nesse minuto de cinema, sabemos, para além das palavras que «that radiance that was once so bright / Is now forever taken from my síght.»

ALGUMAS CURIOSIDADES:

- Apesar de Kazan ter preferido rodar o filme no Kansas (onde decorre a história no romance de Inge), razões económicas forçaram-no a filmar unicamente no estado de Nova Iorque. As cataratas são as de High Falls de Catskills e o edifício de Yale é na verdade o City College de New York.

- Jane Fonda (24 anos) e Lee Remick (26 anos), chegaram a fazer testes para o papel de Deanie Loomis, mas foram consideradas demasiado maduras. Também Dennis Hoper chegou a ser equacionado para o papel de Bud Stamper. Pat Hingle, o actor que faz de pai de Bud, era apenas 13 anos mais velho do que Warren Beatty.











sábado, setembro 18, 2010

A STREETCAR NAMED DESIRE (1951)

UM ELÉCTRICO CHAMADO DESEJO



Um filme de ELIA KAZAN


Com Vivien Leigh, Marlon Brando, Kim Hunter, Karl Malden


EUA / 125 min / PB / 4X3 (1.37:1)


Estreia nos EUA a 18/9/1951 (Los Angeles)
Estreia em Portugal a 14/11/1952



Stanley Kowalski: “Stella!!! Hey Stella!!!”

Depois de dois anos em exibição na Broadway, a peça de Tennessee Williams “A Streetcar Named Desire” é adaptada ao cinema pelo mesmo director que a encenara em palco, Elia Kazan. Relutante ao princípio, por achar que nada de novo poderia acrescentar ao grande êxito que a peça tivera no teatro, Kazan deixar-se-ia contudo convencer pelo próprio dramaturgo. Todo o elenco principal transitou para a versão em cinema, com excepção de Jessica Tandy, a actriz que tão bem tinha desempenhado o papel principal de Blanche Dubois. A razão teve a ver com a necessidade de se ter uma grande estrela no elenco, de modo a garantir o sucesso no box-office. A escolha recaíu na actriz inglesa Vivien Leigh (a Scarlet O’Hara de “Gone With The Wind”) que seis meses antes desempenhara o mesmo papel nos palcos londrinos, numa encenação do seu marido, o conhecido actor Laurence Olivier.
A peça tinha sido escrita por Williams com o personagem de Blanche sempre no meio das atenções, mas cedo todos se começaram a aperceber da força com que a figura de Stanley Kowalski se começava a destacar. Era o nascimento, ainda em palco, de um dos maiores actores que o mundo já conheceu: Marlon Brando. Saído directamente do Actor´s Studio, onde tinha sido aluno do próprio Kazan, Brando detestava curiosamente o personagem que o levaria a tornar-se uma super estrela: «O homem tem um ego enorme, está sempre seguro de si, não tem medo de nada e age com uma agressividade brutal. Tenho medo deste tipo de pessoa, odeio-a.» Mas a verdade é que o magnetismo animal de Marlon Brando ofuscou a beleza frágil e decadente de Vivien Leigh. O naturalismo do actor, aliado à sua sexualidade telúrica construíram um Stanley Kowalski impossível de superar por todos quantos posteriormente se aventuraram no papel.
No entanto e um tanto surpreendentemente, Brando não viria a ganhar o Oscar para o qual foi nomeado pela primeira vez com este filme, tendo sido ultrapassado na corrida por Humphrey Bogart pelo seu desempenho em “The African Queen”. Em contrapartida todos os outros actores foram contemplados com a estatueta dourada: Vivien Leigh como Actriz Principal, Karl Malden e Kim Hunter como Actores Secundários. O filme ganharia ainda o Oscar para a melhor direcção artística e cenários em preto e branco.
“A Streetcar Named Desire” não representa todavia o melhor cinema de Kazan. Trata-se apenas de teatro filmado, sem conter ainda uma linguagem cinematográfica própria. Seria o filme-charneira do realizador que a partir daqui deixaria os mecanismos teatrais para se aventurar, com grande sucesso, em terrenos mais criativos. “Viva Zapata”, também com Brando, seria o seu projecto seguinte mas somente a partir de meados dos anos 50 é que toda a sua arte fílmica se viria a destacar em grandes obras do cinema: “On the Waterfront”, “East of Eden”, “Splendor in the Grass”, só para citar três das mais importantes.
Em 1951 vivia-se na América uma época politicamente nefasta, com as perseguições no meio artístico pelo Comité Contra Actividades Anti-Americanas, que curiosamente envolveram de maneira oposta dois dos intervenientes deste filme. Enquanto que Kazan se tornava apoiante e delator, a actriz Kim Hunter iria parar à “lista negra” apenas por ser uma conhecida activista dos direitos civis.
A sombra da censura abateu-se de igual modo sobre “A Streetcar Named Desire”, tendo sido remontadas diversas cenas de modo a esbater a carga sexual das mesmas. Por exemplo, o carácter homossexual do antigo marido de Blanche foi completamente camuflado em novos diálogos e toda a sequência da descida das escadas por Stella alterada por cortes de diversos planos e mesmo por mudança da música de fundo. Felizmente que essa lenta e sensual sequência (a única verdadeiramente cinemática de todo o filme e por isso mesmo inesquecível) foi restaurada no princípio dos anos 90 e passou a fazer parte integral de todas as cópias do filme.
CURIOSIDADES:

- Olivia de Havilland recusou o papel de Blanche e John Garfield o de Kowalski

- Foram nove os actores que transitaram da versão da Broadway para o filme, algo pouco comum na época.

- Classificado em 2007 pelo American Film Institute no 47º lugar da lista dos melhores filmes de sempre


- Apesar de uma certa desconfiança mútua inicial, Marlon Brando e Vivien Leigh tornaram-se amigos inseparáveis durante a rodagem do filme. Nessa altura Laurence Olivier também se encontrava em Hollywood a filmar "Carrie"

- A citação "... e se Deus quiser amá-lo-ei melhor depois de morta" é tirada de um soneto português publicado numa recolha feita por Barrett Browning em 1850.