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quarta-feira, agosto 27, 2025

THE SECRET OF SANTA VITTORIA (1969)

O SEGREDO DE SANTA VITÓRIA
Um filme de STANLEY KRAMER


Com Anthony Quinn, Anna Magnani, Virna Lisi, Hardy Krüger, Giancarlo Giannini, Sergio Franchi, Patrizia Valturri, etc.


EUA / 139 min / COR / 16X9 (2.35:1)


Estreia nos EUA (L.A.): 17/10/1969
Estreia em MOÇAMBIQUE (L.M.): 7/6/1970 (teatro Manuel Rodrigues)

Italo Bombolini: There is no wine!


Stanley Kramer (1913-2001) nunca foi um nome consensual junto dos críticos de cinema. Na verdade, foram poucos, muito poucos os elogios recebidos ao longo da sua carreira de realizador, apesar dos 24 prémios que recebeu em diversos festivais de cinema. Nunca ganhou o Óscar, é certo, mas foi nomeado 3 vezes como director pela Academia. Kramer começou por ser produtor, tendo aliado essa faceta à de director nos meados dos anos 50, mais concretamente com o filme “Not As a Stranger”, em 1955, que teve como consequência a apresentação de obras, muito do agrado do público. Relembramos alguns títulos: “O Julgamento de Nuremberga” (1961), “O Mundo Maluco” (1963), “A Nave dos Loucos” (1965), “Adivinha Quem Vem Jantar” (1967) ou este “O Segredo de Santa Vitória” (1969), deixaram na década de sessenta a sua indelével marca.



Uma constante na maioria dos seus filmes foi a presença de actores e actrizes cuja qualidade esteve sempre bem acima da média. Aliás, lembro-me ainda que filme com a sua assinatura era sinónimo quase sempre de grandes representações. “O Segredo de Santa Vitória” não é excepção. Temos direito a uma das mais brilhantes interpretações de Anthony Quinn (num papel que lhe serviu que nem uma luva), muito bem coadjuvado pela tempestuosa Magnani, a bela Virna Lisi ou Hardy Krüger, o meu alemão favorito de tantos e tantos filmes.



“O Segredo de Santa Vitória” começa logo após a substituição de Mussolini no poder, em 1943. As forças aliadas ainda não tinham começado a invasão de Itália, pelo que se seguiu um período de anarquia, em que a Guerra estava irremediavelmente perdida. O exército alemão começa aos poucos a retirar-se de Itália, mas, como acontece nestes casos, os invasores querem sempre lucrar e levar consigo tudo quanto possam carregar. Vão por isso andar de aldeia em aldeia à procura de eventuais proveitos. Santa Vitória é uma aldeia pobre como tantas outras, em que os seus moradores viviam do que a terra lhes dava. Só que neste caso particular a grande maioria das plantações eram vinhas a perder de vista e os aldeões tinham muito orgulho nas suas magníficas castas, que davam até para exportação. Quando sabem da vinda dos alemães, tratam de esconder cerca de 1 milhão de garrafas usando uns túneis romanos que depois serão convenientemente selados.



Bombolini (grande, grande Anthony Quinn) é um dos bêbados da cidade, que é casado com a temível Rosa (Anna Magnani numa personagem bem característica da sua longa carreira). Por ter ousado subir ao topo do moinho para apagar uma inscrição que refere que “Mussolini tem sempre razão”, Bambolini, que alguns meses antes a tinha lá escrito, é ovacionado pelos seus conterrâneos, que lhe conferem o cargo de prefeito da vila. Ou seja, um bêbado inveterado, que de um momento para o outro se vê pela primeira vez na vida como alguém de responsabilidade, que pode efectivamente ajudar os seus conterrâneos. Após algumas ideias falhadas, a solução encontrada é o transporte das garrafas mão a mão em quatro longuíssimas filas.



Depois da nova garrafeira bem apetrechada e melhor guardada, começa a segunda parte do filme, com a chegada dos alemães. Hardy Krüger é o oficial responsável e de início tudo corre bem no meio de muita galhofa. Mas a boa disposição dos aldeões não se ajusta ao facto de terem fornecido aos alemães cerca de 300 mil garrafas e Van Prum (a personagem de Krüger) começa a desconfiar que está a ser enganado, que existirão muitas mais garrafas escondidas. Mas onde? Começa assim o jogo do gato e do rato, ao qual dois oficiais da temível SS vêm dar a sua autoritária ajuda. Mas será que a unidade de gente simples consegue enganar os poderosos alemães? É óbvio que sim, ou o filme não faria qualquer sentido. “O Segredo de Santa Vitória” perdeu um pouco da sua originalidade ao longo dos anos, mas, sobretudo para quem nunca o viu, permanece um bom entertenimento e sobretudo a possibilidade de ver em acção grandes actores do passado.






CURIOSIDADES:

- A cidade italiana de Santa Vitória, na vida real, não pôde ser usada para este filme porque se modernizou demais desde o período da Segunda Guerra Mundial, em que a história do filme se passa. Um total de 169 cidades italianas foram pesquisadas até que a ideal fosse encontrada: Anticoli Corrado. Este é um município da província de Roma, na região mais ampla do Lácio. A comuna está situada a cerca de 40 km a nordeste de Roma.

- A equipa italiana ficou tão perturbada com o assassinato de Robert F. Kennedy, ocorrido durante as filmagens, que dedicou uma hora extra de trabalho em sua memória. A carta do sindicato dos trabalhadores italianos dizia: «A melhor maneira de honrar a memória de um homem de acção é pela acção». O produtor e director Stanley Kramer respondeu com o seguinte: «A decisão da equipa italiana de dedicar uma hora extra de trabalho à memória de Robert Kennedy não tem paralelo na história do cinema. A equipa americana em Anticoli Corrado sente-se profundamente honrada em conhecê-lo e privilegiada por ser sua colega de trabalho.»




- Segundo o filme, a estimativa exata de garrafas de vinho que o município de Santa Vitória possuía era de 1.317.000. A publicidade e o boca a boca frequentemente aproximavam esse número de um milhão de garrafas. No entanto, um dos principais posters do filme afirmava que, na verdade, havia 1.184.611 garrafas de vinho.

- Durante a cena de luta, quando Anna Magnani literalmente expulsa Anthony Quinn de casa, ela dá-lhe um pontapé com tanta força que ele quebrou o pé. O produtor e director Stanley Kramer comentou sobre isso na sua autobiografia "A Mad, Mad, Mad Mad World: A Life in Hollywood": «Ele e Magnani não se davam nada bem. É um milagre que as cenas deles tenham sido finalizadas. Ela não gostava nem um pouco dele, e na grande cena de luta deles, quando ela deveria literalmente expulsá-lo de casa, ela o fez com tanta força durante as filmagens que quebrou o pé!» Kramer acrescentou: «Ela era uma dama perfeita. Cumprimentou-me com um vestido formal, usou uma boquilha e falava inglês perfeitamente. Contou-me tudo sobre o estúdio de lá, onde faríamos algumas sequências importantes de interiores, e descreveu os aspectos comerciais e artísticos da produção cinematográfica em Roma com muita perspicácia, inteligência e classe. Pensei: "Uau, que dama ela é!" E então deu-me um aviso: "Não coma no refeitório daqui, a comida é uma merda." Foi então que fiquei a saber que ela tinha outra faceta.»



- Durante os quatro meses de filmagens na pequena vila italiana de Anticoli Corrado, vários moradores da cidade trabalharam no filme em diferentes funções, como assistentes de equipa ou como figurantes e artistas de fundo. Alguns permaneceram e moraram nas suas casas, enquanto outros tiraram férias remuneradas em troca do uso das casas durante as filmagens principais.

- O produtor e director Stanley Kramer disse sobre este filme na sua autobiografia "A Mad, Mad, Mad Mad World: A Life in Hollywood": «Imaginei o filme como uma celebração de princípios e resistência, enquanto, liderados por seu prefeito pitoresco prefeito, Bombolini , os habitantes da cidade se recusam a se submeter aos seus opressores. Eu queria que a história representasse o espírito indomável de uma cidade».



- "O Segredo de Santa Vitória" foi nomeado para dois Óscares de Melhor Montagem (William A. Lyon e Earle Herdan) e Melhor Banda Sonora (Ernest Gold). O filme ganhou o Globo de Ouro de melhor filme de comédia e foi indicado pelo comité do Globo de Ouro para mais 5 categorias: Director (Stanley Kramer), Actor de Comédia (Anthony Quinn), Actriz de Comédia (Anna Magnani), Banda Sonora Original (Ernest Gold) e Canção Original ("Stay", de Ernest Gold e Norman Gimbel).



sábado, agosto 09, 2025

BARRY LYNDON (1975)

BARRY LYNDON
Um filme de STANLEY KUBRICK


Com Ryan O'Neal, Marisa Berenson, Patrick Magee, Hardy Kruger, Gay Hamilton, Marie Kean, Leonard Rossiter, Philip Stone, Leon Vitali, etc.

GB-EUA / 184 min / COR / 
4x3 (1.85:1)

Estreia na GB e nos EUA a 18/12/1975
Estreia em PORTUGAL (Lisboa) a 25/2/1977 (estúdio Apolo 70)



«Penso que tem de se visualizar completamente o problema de pôr a história que se quer contar no rectângulo luminoso. Começa com a selecção do livro; continua através da criação do tipo correcto de financiamento e das circunstâncias legais e contratuais sob as quais vamos fazer o filme. Prossegue com o casting, a criação do argumento, dos cenários, dos adereços, da fotografia e da representação. E quando o filme já foi todo filmado, ele só está parcialmente terminado. Penso que a montagem é a continuação da realização. Os efeitos musicais, visuais e finalmente as legendas fazem parte do processo de contar uma história. E o repartir destes trabalhos por diferentes pessoas é uma coisa péssima.»   (Stanley Kubrick)


“It was in the reign of George III that the aforesaid personages lived and quarreled; good or bad, handsome or ugly, rich or poor they are all equal now”

“Barry Lyndon” foi dos filmes mais ansiosamente aguardados de Kubrick, que vinha de nos ofertar duas genuínas obras-primas do Cinema: “A Clockwork Orange”, em 1971 e sobretudo “2001: A Space Odyssey” em 1968. Oito anos e cinco meses, foi o tempo que decorreu entre a estreia em Lisboa (no Monumental, a 1 de Outubro de 1968) deste último filme e o aparecimento do “Barry Lyndon” no estúdio Apolo 70 a 25 de Fevereiro de 1977. Tempo  demasiado, quando se pensa que pelo meio até houve uma revolução e que só por causa dela tivemos direito em território nacional a mais um filme do genial realizador, essa “Laranja Mecânica” de contornos maquiavélicos, que se estreou nos cinemas Castil e Império a 29 de Novembro de 1974.

“Barry Lyndon” é um longo fresco de três horas, uma viagem obrigatória e fascinante por dezenas de quadros vivos do século das luzes que nenhuma pintura conseguiu representar tão bem como o fizeram as objectivas de John Alcott (algumas delas especialmente encomendadas à NASA, devido à pouca luz existente na maioria dos interiores – filmados, como se sabe, num processo até aí original, em que apenas velas de cera foram usadas como focos de luz). O filme, rodado nas paisagens naturais da Irlanda e Inglaterra (não se construíram quaisquer cenários) é baseado numa obra de pouca implantação de William D. Thackeray, da qual Kubrick conseguiu extrair o que lá não se vislumbrava sequer (uma das suas capacidades mais comuns, essa de conseguir converter romances medianos em absolutas obras de arte – veja-se o caso idêntico da já citada “Laranja Mecânica”, de Anthony Burgess).

A perplexidade dos críticos face à escolha deste escritor por parte de Kubrick foi exactamente a mesma com que esses críticos reagiram à decoração Luis XVI que envolvia a parte final de “2001: Odisseia no Espaço”. Ora acontece que essa decoração e este romance têm exactamente o mesmo século XVIII por enquadramento, o qual era um período histórico muito querido do cineasta. Relembrem-se, por exemplo, o quadro atrás do qual o Quilty da “Lolita” é morto; o castelo dos “Horizontes de Glória” (cujo luxo contrasta com a atmosfera das trincheiras); ou o casino abandonado da “Laranja Mecânica” (onde o bando rival de Alex tenta violar uma “miudoska” junto a uma pintura pastoral).

Uma das características deste século XVIII, na perspectiva de Kubrick, é a justaposição da violência e da morte à arte nele representada. Em “Barry Lyndon” o cineasta restitui a essa época o seu peso histórico, ressalvando para  plano decorativo toda a ligeireza de uma felicidade frívola e vaporosa. O mundo moderno nasceu efectivamente no século das luzes e Kubrick procura aqui as suas origens. Para ele a obra de arte é um diálogo entre o passado e o futuro e onde o presente se encontra excluído; e este princípio kubrickiano tem qualquer coisa de inquietante e destrutivo, uma vez que privilegia a morte face à vida. Para ele o século XVIII é uma época profundamente minada, esperando por uma destruição próxima e onde por detrás do luxo e dos prazeres reina a morte e a desintegração.

Barry Lyndon, personagem cujo trajecto de vida Kubrick acompanha a par e passo e durante um longo período de tempo, vai envelhecendo lentamente de uma ponta à outra do filme, como se a vida pressagiasse, em cada instante, a morte que virá. Barry não chega a morrer mas fica mutilado e imobilizado numa imagem fixa quando sobe para a carruagem que o irá transportar para fora da história e para fora do filme. E fica-nos apenas a voz-off que nos informa do regresso de Barry à Irlanda para de novo se entregar ao jogo, mas sem o proveito de outrora. E que depois o seu rasto se irá perder...

A ascenção e queda de Edmond Barry (sempre o fascínio do poder e do seu controle como tema constante na obra de Kubrick) sugere-nos uma versão prosaica da aventura napoleónica. O percurso de um jovem rural, com uma ambição desmedida que atravessa o mar para ir combater no continente, sobe rapidamente na vida mundana e depois inicia o processo inverso, acabando isolado na sua ilha natal, lembra-nos inequivocamente a própria vida de Bonaparte. Tal como refere a voz-off no filme, «Barry faz parte dos que nasceram suficientemente inteligentes para alcançarem a fortuna mas que são incapazes de a manter. Porque as qualidades e a energia que levam um homem a cumprir a primeira missão são muitas vezes as mesmas que o levam depois à sua perdição»

Barry Lyndon” é um filme extremamente belo, talvez o esteticamente mais perfeito de Kubrick e mesmo da história do Cinema. É uma beleza que se derrama em todos os nossos sentidos, sem excepção, e que por lá se mantém em cada memória do filme. É por isso que é tão gratificante vê-lo tantas e tantas vezes. E mais uma vez a música teve honras de prima-dona. Tal como “Assim Falava Zarathrusta” ou o “Danúbio Azul” dos Strauss identificava “2001” e a “Nona” do Beethoven ou a “Pega Ladra” do Rossini se colavam para sempre à “Laranja” (não esquecendo o “Singin’ in the Rain”) em “Barry Lyndon” é sobretudo a exaltante “Sarabande” de Handel, que faz deste novo concerto kubrickiano uma soirée inesquecível, que vai do ritmo das marchas e da graça das danças de O’Riada até ao Trio de Schubert. Logo desde o momento da première que a associação entre as imagens e a música ficará para sempre convertida num espelho de dupla face, no qual nos iremos revendo ao longo das nossas vidas.

Mas não é apenas a música a narrar a história ambígua de Edmond Barry. Para além dela temos também a excelência do guarda-roupa, a arquitectura dos salões, dos jardins e dos seus lagos, a conferirem à narrativa a distinção suprema da arte kubrickiana. A câmara de filmar regista toda esta beleza transbordante nos mais pequenos pormenores dos gestos, dos olhares e dos espaços envolventes da ociosidade absoluta de uma classe social com comportamentos de autómato e caras de manequim, que por um espaço de tempo relativamente breve vai tolerar a presença do objecto estranho que Edmond Barry representa, antes de o expulsar e remeter definitivamente às suas origens.

Depois daquele dramático duelo final (que levou qualquer coisa como 42 dias a ficar pronto na mesa de montagem), um dos momentos magistrais de todo o filme (e que curiosamente não constava do livro, foi totalmente inventada por Kubrick) onde uma mis-en-scène de enquadramentos xadrezísticos confere uma dimensão quase épica ao confronto entre padrasto e enteado. Depois do já citado “desaparecimento” de Edmond, vem o epílogo quase fantasmagórico no salão de Lady Lyndon. A ordem aristocrática foi enfim restabelecida e de Barry não restará mais nada que uma pequena nota de pagamento para ser assinada. Uma pausa, uma breve recordação e é tudo.

CURIOSIDADES:

- A rodagem do filme estendeu-se por cerca de 300 dias, durante um período de dois anos, tendo-se iniciado na Irlanda por volta de Junho de 1973. Posteriormente a equipa teve de mudar para Inglaterra por se ter tido conhecimento que o nome de Stanley Kubrick constava numa lista do IRA de alvos a abater.

- Robert Redford foi a primeira escolha de Kubrick para o papel de Barry Lyndon mas o actor recusou. Nessa altura, e devido ao estrondoso êxito de “Love Story” alguns anos antes, Ryan O’Neal era o segundo da lista dos actores mais rentáveis de Hollywood, logo a seguir a Clint Eastwood; e a Warner Bros exigiu ao realizador que o nome do actor escolhido fizesse parte dessa lista, caso contrário não financiaria o filme. Como os restantes nomes do Top 10 eram actores já de certa idade ou inapropriados para o papel, Kubrick não teve outro remédio senão entregar o papel principal a Ryan O’Neal, o qual, diga-se, revelou-se essencial para o desempenho daquela personagem.


- Influenciado certamente por Sergio Leone, Kubrick costumava tocar trechos da banda sonora durante a rodagem das cenas para assim influenciar a representação dos actores.

- Marisa Berenson era apenas um ano mais velha do que Leon Vitali, o actor que faz de seu filho mais velho (Lord Bullingdon). Nos meses que antecederam as filmagens a actriz deixou de se expôr ao sol, seguindo as ordens de Kubrick para desse modo adquirir a palidez necessária ao desempenho de Lady Lyndon.

- O filme foi o vencedor de 4 Oscars: Direcção Artística e Cenários, Cinematografia, Guarda-Roupa e Música. Teve ainda mais 3 nomeações: Filme, Realização e Argumento-Adaptado. O grande vencedor da Academia seria nesse ano "One Flew Over the Cuckoo's Nest", com um total de 5 Oscars. Stanley Kubrick ganharia o BAFTA inglês.