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sábado, julho 06, 2019

THE FIXER (1968)

O HOMEM DE KIEV
Um filme de JOHN FRANKENHEIMER


Com Alan Bates, Dirk Bogarde, Georgia Brown, Hugh Griffith, Elizabeth Hartman, Ian Holm, David Warner, Carol White, etc.

GB / 132 min / COR / 16X9 (1.85:1)

Estreia nos EUA: 8/12/1968
Estreia em PORTUGAL: 19/10/1969
Estreia em MOÇAMBIQUE: LM (cinema Infante), 20/2/1970


Yakov Bog: «A única coisa que o sofrimento me ensinou
é a inutilidade do sofrimento»


Alan Bates (1934-2003) foi um dos meus actores de eleição dos anos 60 e 70. Era daqueles que invariavelmente me fazia ir ao cinema, independentemente do filme em cartaz, por ter sempre a garantia de uma boa representação. Fez filmes inesquecíveis, que marcaram a história do cinema: “Alexis Zorbas / Zorba, o Grego” (1964), “Far From The Madding Crowd / Longe da Multidão” (1967), “Women In Love / Mulheres Apaixonadas” (1969), “The Go-Between / O Mensageiro” (1971), “A Day In The Death Of Joe Egg / Um Dia na Morte de Joe Egg” (1972). Mas se tivesse de eleger um único filme seu, seria precisamente este “Homem de Kiev”, um filme que me perturbou bastante na primeira vez que o vi (tinha 16 anos nessa altura, razão pela qual nunca mais me esqueci dessa forte experiência), e onde Alan Bates tem um desempenho memorável. Coincidência ou não, foi este filme que lhe trouxe a sua única nomeação para o Óscar de Hollywood. Perderia para Cliff Robertson, em “Charly”, outra grande interpretação do ano, a par também de Peter O’Toole em “The Lion In Winter / O Leão no Inverno”. Um trio de respeito, nessa 41ª edição dos Óscars.


Dalton Trumbo, um dos nomes da “lista negra” de Hollywood, escreveu o argumento, baseado numa novela (Prémios Pullitzer e National Book, de 1967) de Bernard Malamud, publicada em 1966, a qual, por sua vez, era baseada numa história verídica, ocorrida nos primórdios do século XX na Rússia Czarista. Mais concretamente em 1911, ano em que um oleiro judeu, Menahem Mendel Beillis, é encarcerado por um crime que não cometeu, o assassínio de um menino cristão, encontrado morto e mutilado nos arredores de Kiev. O caso causou indignação em todo o mundo e fez com que os governantes russos arrepiassem caminho, soltando o prisioneiro, após longos anos de martírio. No filme o personagem tem outro nome, Yakov Bog, um camponês russo, judeu, que apenas ambiciona ter uma vida sossegada, sem grandes problemas. Não quer saber de engajamentos políticos (embora goste de ler Espinoza) nem muito menos de atitudes belicistas contra os poderes instituídos. Para ganhar a vida, não se importa de trabalhar para um anti-semita, Lebedev (Hugh Griffith), que uma noite encontra na rua, completamente bêbado, ajudando a filha deste a levá-lo para casa. A rapariga, chamada Zinalda (Elizabeth Hartman), é uma solteirona experimentada, que tenta levar Bog para a cama. Quase consegue os seus intentos, mas o facto de se encontrar menstruada inibe por completo o provável parceiro, incapaz de praticar sexo nessas condições.


Curiosamente, pouco tempo depois, Yakov Bog é confrontado de novo com o sangue, desta vez o derramado no assassínio de uma criança, praticado através de um ritual satânico, sendo acusado desse crime hediondo. A própria Zinalda, despeitada, vem ajudar à festa, acusando-o também, mas de tentativa de violação. A partir daqui, e até ao final, iremos assistir à progressiva humilhação de Bog na prisão, sujeito a provocações constantes e a torturas físicas e psicológicas, cada vez mais violentas, por parte dos seus carcereiros, que teimosamente exigem uma confissão por um crime não cometido. Bog tem apenas um aliado na sua trágica odisseia: o advogado Bibikov (Dirk Bogarde), um aristocrata, que irá tentar amenizar as acusações. Mas pouco tempo depois, é o próprio Bibikov que aparece enforcado numa cela da prisão. O caso prolonga-se por vários anos, chegando ao conhecimento do Conde Odoevsky (David Warner), ministro da Justiça, que resolve libertar Bog por entretanto se ter descoberto o verdadeiro assassino, e também por causa de grandes pressões internacionais. Mas Bog, num derradeiro alento para manter a pouca dignidade que lhe resta, recusa ser perdoado por um crime que não cometeu, exigindo um julgamento oficial. O filme termina com Bog a subir a longa escadaria que leva ao tribunal, onde o veredicto final não poderá ser outro senão a da imediata libertação. “The Fixer / O Homem de Kiev” é um filme injustamente esquecido, que nunca teve uma edição decente em DVD. E é pena, por se tratar de uma obra importante, que mantém toda a sua força e actualidade.


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sábado, julho 04, 2015

MUTINY ON THE BOUNTY (1962)

REVOLTA NA BOUNTY
Um filme de LEWIS MILESTONE


Com Marlon Brando, Trevor Howard, Richard Harris, Hugh Griffith, Richard Haydn, Tarita, Gordon Jackson, etc.

EUA / 178 min / COR / 16X9 (2.76:1)

Estreia nos EUA: 8/11/1962
Estreia em Portugal: 18/12/1962


Descontando séries e filmes televisivos, existem 3 versões da conhecida novela de Charles Lederer e James Norman Hall. A original, de 1935, com Charles Laughton e Clark Gable, a mais recente, de 1984, com Anthony Hopkins e Mel Gibson, e esta, do início dos anos 60. Um factor comum aos três filmes são as belissimas interpretações dos personagens de Bligh e Fletcher. Todos os seis actores são bem representativos das respectivas épocas, talvez com Mel Gibson a ser o único a não se enquadrar no universo de "monstros sagrados" dos restantes. A minha dupla preferida é claramente esta, porque Trevor Howard tem um desempenho inolvidável e porque Brando... é Brando. O seu Fletcher Christian é-nos mostrado com contornos simples e contidos, longe do over-acting para onde por vezes o grande actor se deixava resvalar. Aqui as palavras são substituídas por olhares, expressões e posturas, que transmitem ao espectador todas as cambiantes da natureza do personagem. Destaco uma sequência admirável, aquela em que o Capitão Bligh ordena a Christian que regresse a terra para fazer amor com a filha do régulo. Este tinha ficado ofendido pela não consumação do acto sexual da primogénita com o oficial estrangeiro; acto esse, que o próprio Bligh tinha interrompido algumas horas antes...


O filme foi na altura da sua estreia um grande flop comercial, apesar de muitos críticos terem realçado a interpretação de Brando: «It takes some time to see it as a genuine essay in characterization and not as a misplaced caricature, but eventually it is the acting that matters, and here we have Brando at his most commanding» (Daily Mail); «The most remarkable and controversial feature of "Mutiny On The Bounty" is the perfomance of Marlon Brando as Fletcher Christian. From the moment Brando saunters on deck of the Bounty, escorted by two "ladies of quality" to kiss him farewell, it is obvious that he has decided to play his part as the ringleader of the ultimate mutiny in a highly original way. His voice is light and South Kensington in tone; his manner sardonic; and his dress at times seems to come straight from pantomine. The whole effect is richly comic: the perfumed dilettante dabbling in revolution and becoming slightly over-awed and hurt by what he brings about» (Daily Express); «The thing that makes Brando's perfomance heroic is that he is capable of charging his contempt with moral authority. Under the lazy skin one is always aware of a violent, affronted conscience. No actor alive can express such outrage. He is the one who holds the picture together» (The Observer).


À parte do excepcional elenco (não esquecer também Richard Harris) - surpreendente nenhum dos dois actores ter sido nomeado para o Oscar ou Globo de Ouro -, "Mutiny On The Bounty" apresenta-se um pouco desigual na sua estrutura fílmica, sobretudo na longa sequência da ilha que poderia ter sido encurtada, não realçando em demasia o lado folclórico da história. Mas compreende-se, até certo ponto, a necessidade de se mostrar o aspecto pitoresco do Thaiti, um destino paradisíaco sempre muito em voga. Nas conjecturas dos produtores do filme, essa "atracção" suplementar iria atrair mais público às salas, mas tais expectativas revelar-se-iam goradas, não tendo conseguido o êxito esperado.



A verdadeira "atracção" suplementar desta versão de "Mutiny On The Bounty" foi, na verdade, o romance surgido entre Marlon Brando e a protagonista feminina. Tarita Teriipia, uma filha de pescadores de Bora-Bora, era então uma criada de hotel de 19 anos e tinha sido contratada como bailarina para o filme. Durante algum tempo resistiu aos intentos de sedução por parte de Brando. Nas suas memórias, Tarita conta que quando o conheceu, não sentiu nada: «Para mim, o papel só significava um trabalho muito bem pago». Brando, que tinha o dobro da idade de Tarita, divorciou-se da actriz Movita Castañeda (que curiosamente tinha desempenhado o mesmo papel na primeira versão do filme), para casar-se com ela. Apesar de na altura Tarita ter assinado um contrato coma MGM, Brando impediria a sua então companheira de vir a desempenhar mais papéis no cinema. Queria-a em casa, a tomar conta dos filhos. Em 1966 comprou-lhe uma ilha a 20 minutos de voo de Tahití, que converteu no seu refugio privado. Tiveram dois filhos (um rapaz em 1963 e uma rapariga em 1970) e não viveram felizes para sempre: em 1972 cada um foi para o seu lado. Tarita não voltou a casar, estando a caminho de completar 74 anos de idade.


 - A sequência da chegada do navio ao Tahiti foi filmada no mesmo local onde tinha aportado o verdadeiro Bounty, em 1788. Construído de propósito para o filme (a primeira vez que tal aconteceu na história do cinema), o navio viria a afundar-se no Oceano Atlântico em 29 de Outubro de 2012, seis anos após ter sido usado de novo para a rodagem de um filme, "Pirates Of The Caribbean, Dead Man's Chest" (2006). Já o tinha sido, em 1990, no filme "Treasure's Island". Após a conclusão das filmagens, em Março de 1962, e durante 4 décadas, o navio seria objecto de visitas turísticas em S. Petersburg, na Florida.

- Hugh Griffith foi despedido durante as filmagens, devido ao seu estado de embriaguês permanente. É por isso que a sua personagem "desaparece" ao longo do filme. Na verdade, o seu comportanto atingiu tais limites, que o actor foi proibido de regressar ao Tahiti para a rodagem das cenas finais.

- Richard Harris aceitou desempenhar um papel secundário no filme, só para poder trabalhar com Marlon Brando, por quem tinha grande admiração. No entanto, as relações entre os dois actores não seriam as melhores, o que levou Harris a desabafar mais tarde: «It was a nightmarish and a total fucking disaster».


- Último filme de Lewis Milestone. Depois deste, o realizador só rodaria alguns episódios para a TV, incluidos nas séries "The Richard Boone Show" e "Arrest And Trial", em 1964.

- A cena final foi filmada exactamente um ano depois do início da rodagem do filme.

- Para além de improvisar constantemente nos diálogos com Trevor Howard (facto que levava este ao desespero), Marlon Brando chegou a tapar os ouvidos com algodão para não ouvir as deixas do seu interlocutor.




quarta-feira, dezembro 18, 2013

HOW TO STEAL A MILLION (1966)


COMO ROUBAR UM MILHÃO
Um filme de WILLIAM WYLER


Com Audrey Hepburn, Peter O'Toole, Hugh Griffith, Eli Wallach, Charles Boyer, Fernand Gravey, Marcel Dalio, Jacques Marin, Moustache, etc.

EUA / 123 min / COR / 16X9 (2.35:1)

Estreia nos EUA a 13/7/1966
(Los Angeles)
Estreia na GB a 19/8/1966

Simon Dermott: «Why must it be this particular work of art?»
Nicole Bonnet: «You don't think I'd steal something that 
didn't belong to me, do you?»
Simon Dermott: «Excuse me, I spoke without thinking»

Do mesmo ano de “Gambit” (mas estreado cinco meses antes), esta deliciosa comédia de William Wyler desenrola-se em terrenos muito próximos, conseguindo no entanto superiorizar-se ao filme de Ronald Neame. A dupla de actores (Audrey Hepburn e Peter O’Toole) funciona de igual modo às mil maravilhas, denotando também uma química muito particular entre os dois, mas a excelência dos diálogos e a qualidade da realização é do melhor que a década de sessenta produziu nesta área muito particular da comédia romântica. Hepburn justifica aqui toda a sua elegância e charme (num filme bastante superior ao tão sobrevalorizado “Breakfast at Tiffany’s" [Blake Edwards, 1961]) e O’Toole deixa bem claro que era nestes anos um actor prodigioso, qualquer que fosse o género de filme em que participasse.

Mas passemos à história: Charles Bonnet (Hugh Griffith, a quem este mesmo Wyler deu um papel inesquecível em “Ben-Hur”, o Sheik Ilderim) é o herdeiro de uma linhagem de falsificadores de obras de arte que ganha a vida em leilões e exposições, apesar das constantes objecções da filha, Nicole (Audrey Hepburn): «I keep telling you, Papa, when you sell a fake masterpiece, that is a crime!», ao que o pai responde: «But I don't sell them to poor people, only to millionaires». Um dos seus “tesouros” mais importantes, a Venus de Cellini, que fora esculpida pelo pai tendo como modelo a avó de Nicole, é o centro de atenções numa grande exposição de um dos maiores museus de Paris. A peça irá ser protegida por um avultado seguro contra todos os riscos, no valor de 1 milhão de dólares. Mas para que tal se concretize é mandado vir um perito para verificar a autenticidade da peça.


Como seria previsível, o pânico instala-se nos Bonnet mas a filha tem a brilhante ideia de roubar a estatueta do Museu antes da chegada do investigador de arte. Para isso irá contar com a preciosa ajuda de Simon Dermott (Peter O’Toole), um elegante ladrão que ela própria tinha surpreendido dentro de casa a tentar roubar um quadro (- «For a burglar you're not very brave, are you?» / - «I'm a society burglar. I don't expect people to rush about shooting me») e com o qual vem a estabelecer uma curiosa relação (- «You're mad. Utterly mad. I suppose you want to kiss me goodnight?» / - «Oh, I don't usually, not on the first acquaintance. But you've been such a good sport...»). Nem tudo corresponde à verdade, como se virá a descobrir mais tarde, mas os dados estão lançados para a concretização de uma das melhores, e mais bem escritas comédias românticas dos anos 60.

“How To Steal A Million” foi o antepenúltimo filme de William Wyler (antes de “Funny Girl” em 1968 e “The Liberation of L.B. Jones”, em 1970) e o segundo em que dirigiu Audrey Hepburn (depois de “Roman Holiday”, em 1953). Tendo conseguido reunir um lote de bons actores, para além dos principais protagonistas – o já citado Hugh Griffith, Eli Wallach, ou até Charles Boyer num pequeno papel, não esquecendo Moustache (o guarda do Museu que tem sempre a garrafa de vinho à mão e que parece saído de um dos álbuns das aventuras de Tintin), Wyler teve nesses contributos um valioso aliado que lhe permitiu, sem grandes invenções, realizar um filme do agrado de várias gerações, uma vez que “How To Steal A Million” soube atravessar graciosamente a sempre difícil barreira do tempo.

CURIOSIDADES:

- O actor George C. Scott, que tinha sido contratado para o papel de Leland foi despedido logo no primeiro dia de filmagens por ter chegado atrasado ao set e substituído por Eli Wallach.

- O carro de Nicole é um Autobianchi Bianchina Special Cabriolet (conhecido no mercado por Fiat “Sport” 500) e o de Simon é um Jaguar Type-E.

- O livro que Nicole lê na cama – “Hitchcock Magazine: La Revue du Suspense” – é a versão francesa da “Alfred Hitchcock Mystery Magazine”, que foi publicada pela primeira vez em 1956

- Como piada ao conhecido costureiro Hubert de Givenchy – que fez alguns dos vestidos mais conhecidos de Hepburn – Simon diz a seguinte frase depois de a obrigar a vestir-se como uma criada de limpezas (uma das cenas mais divertidas do filme): «That does it. For one thing, it gives Givenchy a night off»


segunda-feira, dezembro 26, 2011

BEN-HUR (1959)

BEN-HUR
Um filme de WILLIAM WYLER



Com Charlton Heston, Stephen Boyd, Jack Hawkins, Haya Harareet, Hugh Griffith, Martha Scott, Cathy O'Donnell, Sam Jaffe, Finlay Currie, Frank Thring, etc.

EUA / 212 min / COR / 16X9 (2.76:1)

Estreia nos EUA a 18/11/1959
(New York)
Estreia em ITÁLIA a 21/10/1960




Pontius Pilate: «Messala is dead. What he did 
has had its way with him» 
Judah Ben-Hur: «The deed was not Messala's. I knew him, well, before the cruelty of Rome spread in his blood.

Rome destroyed Messala as surely 
as Rome has destroyed my family»


"Ben-Hur" é o épico dos épicos, um filme grandioso seja qual for o prisma pelo qual para ele se olhe. Desde o argumento, sempre emotivo e envolvente, passando pela primorosa realização e direcção de actores, pelas maravilhas que são a fotografia, os cenários, o guarda-roupa e a banda sonora, até às inesquecíveis interpretações (principais e secundárias), tudo se conjugou harmoniosamente neste dinossauro excelentissimo que teima em não desaparecer nos anais do tempo. Pelo contrário, a sua permanência na memória dos mais velhos ou a descoberta de que é alvo por parte dos mais novos, parece ter um propósito bem definido: a de nos lembrar, a todos, que houve um tempo em que os filmes se faziam com muito amor e dedicação, para lá do aspecto económico.

Havia uma outra entrega, as pessoas davam aquilo que tinham e o que não tinham, chegando mesmo ao sacrifício supremo, como o produtor  Sam Zimbalist, que veio a falecer durante a rodagem do filme, vítima de um fulminante ataque de coração, consequência provável da enorme pressão a que estava sujeito. Porque, convém não esquecer, o investimento colossal colocado na produção (cerca de 16 milhões de dólares, um recorde para a época), tinha por objectivo principal salvar a MGM de uma bancarrota anunciada. Tal objectivo foi largamente ultrapassado, dado que o filme se veio a tornar num sucesso gigantesco, tendo logo na altura dado um lucro de cerca de 70 milhões de dólares, apenas nos EUA.


Enquadrado no género bíblico, é pertinente lembrar aos mais distraídos que a personagem principal, Judah Ben-Hur, existiu apenas na imaginação de um general da Guerra da Secessão (1861-1865), chamado Lewis Wallace (1827-1905), que mais tarde veio a ser governador do Território do Novo México (durante esse período chegou a conceder a amnistia ao famigerado Billy the Kid) e embaixador na Turquia durante 4 anos (1881-1885). Agnóstico convicto, Wallace tinha por finalidade desmitificar o Cristianismo quando começou a escrever o livro pelo qual seria imortalizado, "Ben-Hur". Mas as pesquisas que levou a cabo em variadissimas bibliotecas depressa mudaram o sentido da obra, o que aliás se reflecte na evolução do personagem principal. Publicado em 1880, o livro não conheceu sucesso imediato. Só mais tarde é que se viria a tornar num enorme campeão de vendas, traduzido para dezenas de idiomas, incluindo o braille.


Curiosamente, a primeira apresentação pública de "Ben-Hur" foi feita em cima de um palco, no Teatro Manhattan em Nova York, corria o ano de 1899. Com adaptação de William Young e música de Edgar Stillman Kelley, a peça foi representada em diversas cidades americanas, entre o ano da estreia e 1916. A necessidade de representação das cenas mais emblemáticas da obra, nomeadamente a batalha naval e a corrida das quadrigas, obrigou a autênticos malabarismos inventivos que contribuíram para o sucesso do espectáculo durante todos aqueles anos.


Com o advento do cinematógrafo, "Ben-Hur" conheceu a sua primeira adaptação logo em 1907, dois anos após o falecimento de Wallace. Como não podia deixar de ser, dadas as limitações técnicas da época, essa curta metragem, com cerca de 12 minutos de duração, era apenas uma sucessão de pequenos quadros filmados por uma câmara estática e em que a maioria do tempo era ocupado pela corrida das quadrigas. A companhia Kalem, que produziu o filme, foi processada pelos herdeiros de Wallace por violação de direitos autorais. O tribunal deu-lhes razão e ordenou à produtora o pagamento de uma larga indemnização aos queixosos.


A segunda adaptação ao cinema surgiu quase vinte anos depois, em 1925, no apogeu do cinema mudo. Realizado por Fred Niblo e com Ramón Novarro no papel principal, "Ben-Hur: A Tale of the Christ" surpreende ainda hoje pela técnica e pela exuberância de meios, ambas muito avançadas para a época em que o filme foi produzido. Embora se trate de um filme a preto e branco, várias sequências foram coloridas à mão e, em algumas delas, usou-se um sistema que daria origem mais tarde ao Technicolor. Esquecida por muitos, esta versão seria restaurada nos fins da década de 80 e normalmente acompanha as edições sucessivas em DVD do filme de William Wyler de 1959.

E eis-nos finalmente chegados à grande e definitiva versão de "Ben-Hur". Primeiro filme galardoado com um total de 11 Óscares (seriam precisos quase 40 anos para que um outro filme, no caso o "Titanic" de James Cameron [1997], conseguisse igualar tal proeza), "Ben-Hur" não venceu unicamente na categoria de Argumento-Adaptado, para a qual também tinha sido indigitado. Recebeu ainda 4 Globos de Ouro (num total de 9 nomeações), um prémio especial conferido a Andrew Marton pela direcção da sequência da corrida das quadrigas e o BAFTA inglês pelo melhor filme do ano. A belissima banda sonora, da autoria do conhecido Miklós Rozsa, também não seria esquecida, ao receber o respectivo Grammy. Toda esta catadupa de prémios surgiu em relação directa com o valor do filme, o qual, mesmo após completar meio século de existência, continua a ser considerado, pela crítica e pelo público, como uma das obras mais espantosas de toda a história do Cinema.

Como se começou por escrever no início desta prosa, todos os aspectos (técnicos e artísticos) do filme contribuíram significativamente para a sua grandeza. Mas, acima de tudo, a interpretação de Charlton Heston (1923-2008) como o Príncipe de Hur é algo que ninguém consegue dissociar de "Ben-Hur". Fala-se no filme e é o seu rosto que aparece em primeiro lugar. Podemos dizer que Ben-Hur é Charlton Heston e que Charlton Heston é Ben-Hur. Grande e multi-facetado actor (muitas vezes alvo de críticas por causa da sua defesa intransigente do uso pessoal de armas de fogo), Charlton Heston nasceu para interpretar papeis bigger than life no cinema (quem não se lembra do Moisés de "The Ten Commandments" [1956], "El-Cid" [1961], "55 Days at Peking" [1963] ou "Planet of the Apes" [1968], por exemplo?), mas a personagem de Judah Ben-Hur ficará para sempre como o ponto mais alto de toda a sua brilhante carreira de mais de uma centena de filmes. E não é por que tenha ganho o Óscar de melhor Actor Principal, aliás merecidissimo.

Desde os tempos do cinema mudo que "Ben-Hur" foi coleccionando dezenas de argumentos, uns atrás dos outros. E mesmo poucas semanas antes do início das filmagens em Roma, nos estúdios da Cinecittà, William Wyler ainda não tinha entre mãos um argumento pronto a ser filmado (aconteceu por várias vezes ter de se filmar o que tinha sido escrito nas vésperas). Daí resultaram uma série de improvisações e a colaboração de vários escritores, se bem que, no genérico final, apenas apareça o nome de Karl Tunberg. Sabe-se hoje que foi Gore Vidal (conhecido pelas suas convicções ateístas e homossexuais) quem escreveu grande parte do argumento final, devendo-se a ele toda a sequência do reencontro de Messala (Stephen Boyd, também ele num papel memorável) com Ben-Hur, rodada intencionalmente como se se tratasse de um conflito entre um qualquer casal de apaixonados.

Sem qualquer diálogo explícito foi, segundo o próprio Vidal, a melhor maneira de salientar a grande frustração de Messala ao ser "abandonado" pelo Príncipe de Hur, o que conduz de imediato às acções de retaliação sobre a família e o próprio companheiro de infância, quase como se tratasse de um acto de ciúmes. A verdade é que a orientação imposta por Vidal resultou em cheio e é esta sequência inicial que vem depois relevar o sentimento de vingança de Ben-Hur. O sub-título do filme diz-nos que se trata de um conto do tempo de Cristo; mas, na realidade, o que está no âmago de "Ben-Hur" é a história de dois homens, unidos na infância, mas que o poderio romano vem separar e transformar em inimigos mortais.

São necessárias três horas e meia (um pouco mais, se se contar com a overture inicial e o intervalo) para vermos este longo fresco épico. Mas é um tempo que passa a correr, tantas são as sequências inesquecíveis do filme: o já citado encontro inicial de Messala e Ben-Hur, o acidente no telhado que despoleta todos os acontecimentos, o juramento de vingança de Ben-Hur (mais um excelente confronto entre os dois actores principais), a travessia do deserto e o primeiro encontro com Cristo (uma "figura" nunca filmada de frente - mas sempre de um modo relevante - e que foi interpretada por um cantor de ópera chamado Claude Heater, não creditado no genérico), a escravidão nas galés e a batalha naval contra a frota macedónica, a celeberrima corrida das quadrigas (largos meses de preparação para cerca de 10 minutos de filme) com o derradeiro e pungente encontro de Messala com Ben-Hur, o resgatamento de Miriam (Martha Scott), a mãe de Ben-Hur, e da irmã Tirzah (Cathy O'Donnell) do Vale dos Leprosos e, por fim, toda a sequência final do calvário de Cristo, esteticamente uma das mais conseguidas de todas as muitas dezenas que esse episódio foi transposto para o cinema.

Por tudo o que atrás se escreveu e também pelo muito que não se disse, "Ben-Hur" é um filme que, no mínimo, toda a gente devia ver pelo menos uma vez na vida. A minha iniciação foi já um pouco tardia, tendo ocorrido nas férias de Verão de 1971, mais precisamente dia 2 de Setembro, numa matiné de quinta-feira do cinema Roma, em Lisboa. Foi tardia, mas nem por isso deixou de ser espectacular, atendendo a que a versão em cartaz era a de 70 mm e 6 bandas estereofónicas. Nestes 40 anos regressei ao filme vezes sem conta. A última foi ontem, dia de Natal, por causa da nova versão em blu-ray. É uma pena que filmes como "Ben-Hur" não sejam exibidos periodicamente em grandes salas de espectáculo (parece que a situação está a mudar um pouco, já se começam a ver por aí alguns clássicos do passado). Mas quem tiver uma boa aparelhagem caseira poderá, ainda assim, disfrutar com enorme prazer de um dos filmes mais excitantes de toda a história da Sétima Arte.


CURIOSIDADES:

- "Ben-Hur" foi inteiramente filmado em Roma, nos estúdios Cinecittà, durante cerca de 9 meses. A arena da corrida das quadrigas foi o maior cenário construído até à época, tendo custado um milhão de dólares. Nessa sequência – dirigida em 94 dias por Andrew Marton, Mario Soldati e Yakima Canutt, utilizaram-se cinco câmaras, quinze mil figurantes, dezoito quadrigas e 76 cavalos. Foi também criada uma enfermaria para tratamento de prováveis acidentes, mas apenas foram assistidas algumas pessoas da assistência com pequenas queimaduras solares.

- Para filmar o início da corrida (e outros planos ao longo da mesma), o director de fotografia Robert Surtees usou uma grua de mais de trinta metros de altura: o espectador vê as quadrigas desfilando na pista como se sobrevoasse a arena. O efeito é realçado pela utilização do processo cinematográfico Camera 65, um aperfeiçoamento do CinemaScope. Apesar de na Itália haver cavalos brancos, os quatro que foram utilizados nas filmagens vieram da Checoslováquia, transportados em primeira classe num avião fretado e ao qual teve de se retirar os assentos dos passageiros.



- Charlton Heston aprendeu a conduzir as quadrigas, sendo ele próprio que aparece em muitos dos planos filmados. As cenas mais arriscadas, como o salto dos cavalos, foram no entanto executadas por duplos.

- Paul Newman foi o primeiro actor abordado para interpretar o papel principal. Devido à má experiência no filme "O Cálice de Prata", Newman recusou o convite dizendo que nunca mais haveria de interpretar um papel em que tivesse de usar uniformes romanos. Outros actores que chegaram a ser equacionados foram Burt Lancaster e também Rock Hudson. Para o papel de Messala, foram Robert Ryan, Stewart Granger e Leslie Nielsen os actores convidados. O último chegou a realizar um teste, que pode ser visto num documentário que acompanha a edição do filme em DVD.

- Como a maioria dos actores tinham olhos azuis, William Wyler quis que Messala e todos os restantes romanos se diferenciassem dos demais, tendo obrigado Stephen Boyd, Jack Hawkins e outros a usar lentes de contacto para escurecer os olhos. Wyler recebeu 1 milhão de dólares para dirigir o filme (já tinha sido assistente de realização na versão muda de 1925)



- "Ben-Hur" foi o único filme de temática religiosa a ser aprovado pelo Vaticano

- A MGM queria que um autêntico barco romano fosse utilizado nas cenas de batalha, pelo que foi contratado um engenheiro apenas para esse fim. Quando ele apresentou o design do barco aos responsáveis do estúdio, estes disseram que ele se afundaria, pois era muito pesado. Ainda assim o barco foi construído e, ao ser colocado no oceano, inicialmente flutuou. Porém uma pequena onda foi suficiente para afundar a embarcação. Por causa disso, as cenas da batalha foram rodadas num gigantesco tanque, com cabos a prender o barco. Após a construção do tanque, era preciso dar à água (que estava marron-escura) o tom azul-mediterrâneo necessário para que as cenas parecessem reais. Foi utilizado um composto químico que realmente azulou a água, mas também formou sobre ela uma crosta, que precisou de ser toda retirada do tanque por operários da MGM. Durante as filmagens um dos figurantes caiu na água e lá ficou por muito tempo. Ao sair, estava totalmente azul, e teve o seu salário pago pela MGM até a pele voltar ao normal



- Martha Scott já tinha desempenhado o papel de mãe de Charlton Heston no filme "The Ten Commandments", três anos antes

- Miklós Rózsa compôs a trilha sonora de "Ben-Hur", em oito semanas

- "Ben-Hur" foi o primeiro filme a conseguir 11 Óscares da Academia. Se pensarmos que nessa altura só havia 12 categorias a que eram atribuídas as estatuetas, podemos concluir que a percentagem conseguida (91,7 %) nunca foi ultrapassada até hoje. A lista completa dos Óscares atribuídos a "Ben-Hur" pode ser consultada aqui






A BANDA-SONORA COMPLETA: