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domingo, setembro 14, 2025

DOCTOR ZHIVAGO (1965)

DOUTOR JIVAGO
Um filme de DAVID LEAN



Com Omar Sharif, Julie Christie, Geraldine Chaplin, Rod Steiger, Alec Guinness, Tom Courtenay, Ralph Richardson, Rita Tushingham, etc.

EUA-ITÁLIA / 197 min / COR / 
16X9 (2.20:1)

Estreia nos EUA a 22/12/1965
Estreia em Portugal a 20/9/1966



Gen. Yevgraf Zhivago: «Tonya! Can you play the balalaika?»
David: «Can she play? She's an artist!»
Gen. Yevgraf Zhivago: «Who taught you?»
David: «Nobody taught her!»
Gen. Yevgraf Zhivago: «Ah... then it's a gift»

Antepenúltimo filme de David Lean, “Doctor Zhivago” constitui, juntamente com “Bridge On The River Kwai (1957) e “Lawrence Of Arabia” (1962), o tríptico épico do realizador. Com os bolsos recheados de Oscares por aqueles dois filmes (um total de 14, distribuídos equitativamente) Lean partiu para a realização de “Doctor Zhivago” com toda a liberdade deste mundo. Seria a sua terceira e última produção.

Boris Pasternak, o autor da novela, veria a sua obra ser reconhecida pelo mundo das letras, que tencionava atribuir-lhe o prémio Nobel da literatura em 1958. Infelizmente, o governo da União Soviética tirou-lhe tal distinção ao ameaçar extraditá-lo do País caso ele se deslocasse a Estocolmo para receber o prémio. Pasternak, sobrepondo o seu amor pela terra-pátria a tudo o mais, foi obrigado a declinar por escrito tal honraria, confessando-se indigno da mesma. Entretanto o livro consegue ultrapassar fronteiras e é editado pela primeira vez em Itália. Pouco depois é a difusão maciça em inúmeros Países, originando um êxito total quer junto do público quer junto da crítica especializada.

Conhecendo uma primeira adaptação televisiva em 1959 (no Brasil e a preto-e-branco), a obra vê os seus direitos para cinema serem adquiridos pelo produtor italiano Carlo Ponti, no intuito de a sua mulher (a actriz Sophia Loren) poder desempenhar o papel de Lara. Felizmente que David Lean tinha o controle absoluto sobre tudo e depressa contariou tal intenção alegando que a actriz era demasiado alta para o personagem.

Como em equipa vencedora não se mexe, Lean reuniu a grande parte das pessoas que com ele tinham trabalhado em “Lawrence Of Arabia” com tão bons resultados: Robert Bolt (Argumento), Freddie Young (Cinematografia) e Maurice Jarre (Música) foram os coordenadores de uma vasta equipa de técnicos altamente qualificados que dariam ao novo filme a imagem de marca do seu mentor.

Falar de Doctor Zhivago” é falar de toda a beleza que o filme nos faz sentir em cada visionamento. Essa beleza, aliada a uma música inesquecível, envolve uma história de amor intemporal, constituindo o todo um dos filmes mais românticos (extravagantemente romântico) de toda a história do cinema. Tudo nos é transmitido pelos olhos de um poeta e é esse olhar que faz a diferença.

Razão tinha Lean quando insistia com Omar Sharif (aqui no papel de toda uma carreira) em não se comportar como um actor mas, pelo contrário,  “representar” o menos possível, tentando não fazer absolutamente nada. Aposta claramente ganha do realizador, que consegue utilizar o olhar do actor como veículo preferencial de elipses temporais.

Apenas um exemplo, dos mais felizes: quando, em Varykino, Zhivago antecipa o tão aguardado encontro com Lara através dos cristais de gelo na janela, cristais esses que se transformam em girassóis, que por sua vez se vão diluir no rosto magnífico de Lara, onde uns olhos ansiosos aguardam já pela aproximação de Zhivago na biblioteca de Yuryakin. Cabe aqui referir uma pequena “artimanha”, que contribui eficaz e decisivamente para o sucesso do filme – o facto da relação entre Zhivago e Lara nos ser anunciada logo no início do filme mas apenas se vir a consumar muito tempo depois. A espera é intencional, pois obriga o espectador a desejar aquele encontro ao longo de mais de metade do filme. E sabemos muito bem que o maior desejo se encontra na antecipação e não na “posse” propriamente dita. O verdadeiro amor tem sempre o condão de ser paciente...

Temos assim uma história de amor no centro da acção, com a revolução soviética como pano de fundo. Mas se esta é apenas um mero enquadramento político, aquela também não passa de um pretexto para mostrar o que é realmente importante no desenrolar do filme. E o que é importante em “Doctor Zhivago” são as pessoas. Não como entidades abstractas de qualquer manifestação mas pelo contrário como indivíduos bem diferenciados que inoportunamente se vêm envolvidos em acontecimentos que os transcendem e relativamente aos quais se sentem impotentes de controlar. Num tempo em que a História não tinha tempo para os sentimentos pessoais, é o lado íntimo que assume o papel de resistente, nem que isso implique o desterro ou a morte. Boris Pasternak faleceu a 30 de Maio de 1960, vitimado por um ataque cardíaco, embora sofresse também de um cancro nos pulmões. Olga Ivinskaya, amante do novelista, que lhe serviu de inspiração para o personagem de Lara, morreu muito mais tarde, aos 82 anos (1995) em Moscovo, mas depois de ter sido enviada, por duas vezes, para campos de concentração de trabalhos forçados. A razão? Apenas o grande amor que a uniu ao escritor.

Quando da estreia mundial de “Doctor Zhivago”, alguns dias antes do Natal de 1965, a crítica americana, sempre veloz nos seus julgamentos sumários, arrasou por completo o filme. David Lean ficou tão desgostoso com tal reacção (apesar do imenso sucesso junto ao público) que jurou na altura não mais realizar qualquer outro filme. Felizmente que tal promessa foi quebrada, embora apenas por duas vezes mais: em “Ryan’s Daughter” (1970) e por último em “A Passage To India” (1984). David Lean morreu de cancro em 16 de Abril de 1991. E apenas três anos mais tarde é que “Doctor Jhivago” foi exibido pela primeira vez na Rússia.

CURIOSIDADES:

- O interior do palácio de gelo foi em grande parte executado em cera de abelhas.

- Vencedor de 5 Oscars, num total de 10 nomeações

- A mulher que Jivago tenta puxar para dentro do comboio em andamento sofreu na realidade uma queda o que lhe originou diversas escoriações (e não a amputação de qualquer perna como erradamente se fez crer). A cena usada no filme é a desse acidente, muito embora apenas seja mostrado o início da queda.




- Grande parte dos exteriores do filme foram rodados em Espanha (outros na Finlândia), em pleno regime fascista do general Franco. Durante a sequência da multidão a entoar "a internacional" (rodada pelas 3 da madrugada) a polícia espanhola compareceu no local pensando que uma verdadeira revolução se estava a iniciar e insistiu em permanecer até à conclusão das filmagens. Por outro lado, houve pessoas que acordaram pensando que finalmente o general Franco tinha sido derrubado.


domingo, agosto 24, 2025

FAR FROM THE MADDING CROWD (1967)

LONGE DA MULTIDÃO
Um filme de JOHN SCHLESINGER

 

Com Julie Christie, Alan Bates, Peter Finch, Terence Stamp, Fiona Walker, Prunella Ransome, Alison Leggatt, Paul Dawkins, etc.

 

UK / 168 min / COR / 16X9 (2.35:1)

 

Estreia em INGLATERRA (Londres) a 17/10/1967
Estreia em PORTUGAL (Lisboa) a 29/3/1968 (cinemas Condes e Roma)



Gabriel Oak: «At home by the fire, whenever I look up, there you will be.
And whenever you look up, there I shall be.»


Após consultar as notas do meu amigo Sérgio Vaz, vou começar por recuar no tempo e situar a história de “Longe da Multidão”, o título com que o filme foi exibido em Portugal. Bathsheba Everdene – a protagonista do romance que Thomas Hardy começou a escrever em 1873 e foi sendo publicado em capítulos, como uma novela e anonimamente, na revista Cornhill Magazine em 1874 – é uma personagem absolutamente fascinante. É tão absolutamente fascinante que chegou ao cinema pela primeira vez em 1915, quando o autor estava vivo, passando bem e escrevendo poesia. (Thomas Hardy morreu em 1928, aos 88 anos.) Esta primeira versão para o cinema de “Far From the Madding Crowd”, de 1915, foi dirigida por Laurence Trimble, que também escreveu o respectivo argumento. Florence Turner foi a actriz que interpretou a primeira Bathseba do cinema.



Cinquenta e dois anos depois, na plenitude da década de sessenta, foi-nos apresentada a segunda Bathseba, que veio na pele de uma das actrizes mais fascinantes da História, por quem as gerações nascidas aí digamos entre 1940 e 1955 se apaixonaram – Julie Christie. A mulher sobre quem François Truffaut escreveu: «Julie é um coquetel de imperfeições fascinantes: um rosto bem animal, de loba, sobre um corpo de menina. É preciso acrescentar a sua voz, um pouco em contradição com o físico. Como se ela tivesse bebido 1.800 uísques, o que não é verdade. Não fuma, não bebe, mas rói as unhas. Seu físico é feito de contradições.»



Foi uma produção totalmente britânica; o director, John Schlesinger, já havia dirigido Julie em “Darling” (1965), e os outros três actores principais davam pelo nome de Alan Bates, Terence Stamp e Peter Finch. Ou seja, um elenco de luxo! Bathsheba Everdene não era uma dondoca, nem uma casadoira, nem passava a vida à espera de algum homem ou em função de algum homem. Era uma mulher forte, de desejos poderosos, que se orgulhava de ser independente. Uma mulher trabalhadora, capaz de meter a mão na massa e ao mesmo tempo administrar o trabalho de várias dezenas de pessoas. Uma mulher que atraiu as atenções e o amor não de um ou dois, mas de três homens.

Isso tudo tendo sido criado em 1873, em plena Era Victoriana, um tempo de muita moralidade rígida e muita censura a quem se desviava das regras vigentes. E criada por um homem que tinha então apenas 33 anos, e portanto não tinha sequer tido muito tempo para conhecer bem as mulheres (e será que algum homem se pode gabar de o ter conseguido ao longo dos séculos?). Thomas Hardy só viria a casar-se em 1874, o ano em que “Far From the Madding Crowd” apareceu em forma de folhetim. A moça, Emma Lavinia Gifford, era cunhada do reitor de uma escola de Cornwall, onde Hardy foi trabalhar como restaurador – filho de um construtor civil, tornou-se um requisitado profissional nessa arte, a mesma do personagem central de seu romance maior, “Judas, o Obscuro”. Esse grande escritor é uma das muitas provas de que a vida é mesmo cheia de surpresas. Seria extremamente difícil imaginar que um sujeito da classe média de Dorset, região do extremo Sul da Inglaterra, rural, sem uma cidade importante ou sequer média, pudesse vir a criar uma personagem que parece saída da imaginação de uma feminista nova-iorquina pós anos 1960.



“Far From the Madding Crowd” é um filme extraordinário que não só faz jus ao romance de Thomas Hardy, como também ostenta, como já se disse, um elenco soberbo. A personagem-título, Bathsheba Everdene (Julie Christie), em particular, evita cair no sentimentalismo, enquanto explora magnificamente as capacidades do seu talento como actriz. O papel varia de dominadora a insegura, de arrependida a triunfante. De mulher doce a grande dama de salão. Há também uma figura trágica: Fanny Robin (a estreante Prunella Ransome), que contribui para a profundidade do enredo com uma actuação impressionante: é engravidada pelo sargento Troy (Terence Stamp), e de seguida abandonada. Mais tarde regressa, mas para morrer, juntamente com o filho ainda dentro do seu ventre.

À medida que Bathsheba se torna adulta, três candidatos a cercam: o pastor Gabriel Oak (Alan Bates), que é o primeiro a tentar a sua sorte, logo no início do filme. Mas a sua proposta é rejeitada, Bathsheba não o ama. Ainda por cima perde todo o seu rebanho numa noite (que se despenha do alto de uma falésia, guiado por um dos cães de guarda que provavelmente terá enlouquecido para actuar desse modo) e é obrigado a partir em busca de emprego e melhores dias. Bathsheba, entretanto, herda uma propriedade de um tio e é lá que Gabriel encontra trabalho. Depois, há o Sr. Boldwood (Peter Finch), um vizinho rico e mais velho, uma figura patética com fama de não dar grande importância às questões sentimentais, mas que se apaixona perdidamente pela sua nova vizinha. De negação em negação, em adiantamentos sucessivos, Bathsheba vai recusando também as suas propostas de casamento. E por fim temos o sargento Troy (Terence Stamp), mais novo do que os seus rivais e que é extremamente popular junto ao sexo oposto. Como quase sempre acontece na vida real é tal fama que ajuda a compor o ramalhete, juntamente com uma certa áurea de canalha e cabotino. Bathsheba apaixona-se finalmente e o casamento vem de facto a acontecer. A favor de Troy pode-se referir a sua paixão por Fanny, mesmo depois de morta. A famosa cena junto ao caixão é bem paradigmática, quando Troy profere aquela terrível declaração a Bathsheba: «This woman, even dead, is more to me dear than you ever were... or are... or could be.»



Não vou contar tudo o que se segue, mas posso adiantar que a batalha com as forças da natureza naturalmente desempenha um papel, mas isso não é um fim em si mesmo: um incêndio, uma tempestade e uma doença num rebanho de ovelhas dão mais ênfase à história, criando no espectador a expectativa de um desenlace mais apropriado e, porque não, um pouco mais feliz. Nunca tendo lido o romance de Thomas Hardy, é de admitir que o mesmo seja mais pormenorizado do que o filme, e que contenha mesmo factos que aqui não são referidos. Mas é o eterno risco que corremos quando um filme é baseado numa obra literária de grandes dimensões e não temos a possibilidade de comparação. Mesmo assim, “Longe da Multidão” é um filme de grande desenvoltura (são quase três horas de projecção), muito agradável de se ver, mesmo passado mais de meio século e no mínimo justifica-se pelo retrato que nos dá do século XIX inglês. Resta ainda falar de uma cinematografia de cortar o fôlego (da autoria do futuro realizador Nicolas Roeg, que se estrearia três anos depois com “Perfomance”), por onde se passeiam as grandes emoções humanas.


CURIOSIDADES:

- Rodado em Dorset e Wiltshire, o filme ostenta uma autenticidade de época e personagens tão surpreendente que levou o designer de produção Richard MacDonald a comentar: «fazer este filme pode ter sido uma das últimas chances de filmar a Inglaterra rural como ela era em meados do século XIX». Boa parte do crédito vai para os 723 fazendeiros vizinhos e suas famílias, que foram recrutados para as cenas de multidão e pequenos papéis.

- Na versão que correu na altura da estreia em Inglaterra, foi abolida a cena da luta de galos por causa da lei inglesa que proibia mostrar cenas de crueldade com animais. Com cerca de 12 segundos, essa cena foi acrescentada quando o filme foi editado em DVD, passando, curiosamente, a durar cerca do dobro.

- Este foi o primeiro filme de John Schlesinger após o grande sucesso "Darling", de 1965. Reuniu-se com o produtor Joseph Janni, o argumentista Frederic Raphael e a actriz principal Julie Christie para porem de pé esta adaptação do livro. Raphael, um ávido apreciador dos escritos de Thomas Hardy, pode ter sido fundamental, afirmando posteriormente que, em vez de ser, como "Darling", um filme sobre "pessoas bonitas", seria "um filme sobre pessoas que realmente eram bonitas". O sucesso anterior garantiu à equipa liberdade de ação e também um grande orçamento, que Schlesinger estimou numa entrevista em cerca de 2,750 milhões de dollars. No entanto, o filme provou ser um grande fracasso de bilheteria, e Schlesinger raramente o elogiou, embora tenha gradualmente conquistado uma considerável reputação crítica.


NOTA: Vi hoje pela quinta ou sexta vez esta versão de 1967 e em seguida tentei ver a nova adaptação. E digo "tentei" porque realmente não consegui chegar ao fim. Com menos 1 hora de duração, não é mais do que um resumo desta versão, a qual, por sua vez, já era um resumo do romance original. Os factos que eram apresentados com calma, sem pressas, são aqui “despachados” num piscar de olhos, no que ousaria apelidar de “corrida louca”. Aliás, é uma característica do cinema de hoje, em que tudo é feito para ganhar o máximo de dinheiro num mínimo de tempo. E depois o casting, nossa senhora! Bem sei que substituir a radiosa Julie Christie não era tarefa fácil, mas entregar o papel principal a uma actriz sem muita graça e bastante vulgar (Carey Mulligan)? Não esquecer que a beleza da protagonista é um dos motivos principais pelo qual ela atrai o sexo oposto. E Tom Sturridge que faz de Troy? Parece um menininho de sacristia… Onde está a cabotinice e a canalhice que Terence Stamp tão bem representava? O único que realmente não destoa é o Matthias Schoenaerts no papel de Oak. Enfim, um filme perfeitamente escusado. Quem quiser ter uma boa ideia do mundo rural inglês do século XIX, embora porventura muito incompleto, deve continuar a ver (e a rever) a versão de 1967 e não perder o seu tempo com esta nova adaptação.

domingo, outubro 02, 2011

RED RIDING HOOD (2011)

A RAPARIGA DO CAPUZ VERMELHO
Um filme de CATHERINE HARDWICKE



Com Amanda Seyfried, Gary Oldman, Billy Burke, Shiloh Fernandez, Max Irons, Virginia Madsen, Lukas Haas, Julie Christie


EUA - CANADÁ / 100 min / 16X9 (2.35:1)


Estreia nos EUA a 7/3/2011
Estreia em PORTUGAL a 14/4/2011
Resolvi alugar este filme por três razões: primeiro porque sou fã do fantástico e do filme de terror; depois porque tenho grande apreço pelo trabalho do actor inglês Gary Oldman; finalmente, confesso que estava muito curioso em ver como Julie Christie, uma das mulheres mais lindas do meu tempo (e a inesquecível intérprete de Lara do “Doutor Zhivago”) se encontrava aos 70 anos. Após uma (penosa) visualização, tive mesmo de me contentar apenas com a satisfação desta última curiosidade. Apesar de ter envelhecido com classe, não teria reconhecido a actriz se não soubesse que era ela quem interpretava a avózinha do capuchinho vermelho. No resto, nada se salva neste filme. O fantástico e o terror estão ausentes (muito por causa de um argumento sem pés nem cabeça, onde o maior interesse reside na resposta à questão «mas afinal quem é o lobo mau?», à semelhança da maior parte dos livros de Agatha Christie, onde o conhecimento de quem era o criminoso era sempre o momento mais ambicionado. Mas aqui nem sequer essa revelação funciona); as interpretações são do piorio (que tristeza ver Gary Oldman envolvido numa coisa destas); a realização e a montagem cumprem quase religiosamente a “regra dos planos de 3 segundos” (só tarde demais é que me dei conta do nome que assina este amontoado de imagens – Catherine Hardwicke, a mulher responsável pelo famigerado e inóquo “Twilight”). Com a agravante do embuste que é recorrer-se a uma fotografia “bonitinha” para camuflar todas as deficiências reinantes. Estou convencido que até o público (muito) adolescente a quem “Red Riding Hood” obviamente se destina, sentirá alguma dificuldade em retirar alguma satisfação do filme. Enfim, um produto perfeitamente escusado, que só vai engrossar o lote dos filmes que nos levam a acreditar na extinção da outrora chamada “Sétima Arte”. Lote esse que, infelizmente, não pára de crescer.

quinta-feira, julho 14, 2011

THE GO-BETWEEN (1970)

O MENSAGEIRO
Um filme de JOSEPH LOSEY


Com Julie Christie, Alan Bates, Margaret Leighton, Michael Redgrave, Dominic Guard, Michael Gough, Edward Fox, Richard Gibson


GB / 118 min / COR / 16X9 (1.85:1)


Estreia na GB em Dezembro de 1970
Estreia nos EUA a 29/7/1971 (New York)
Estreia em Moçambique a 22/9/1972
(LM, cinema Infante)


O que de início nos surpreende em "O Mensageiro" é uma discreção, uma reserva no plano dos acontecimentos que não parece estar na tradição de Losey. Grande parte dos seus filmes anteriores caracterizava-se por uma sobrecarga de eventos e significações que por vezes atingia certos limites (jà) perturbantes. Não acontece isso com “O Mensageiro”. Sentimos aqui a plenitude afirmativa duma maturidade, dum classicismo: o curso linear do filme capta-nos pela nitidez, pela transparência dos propósitos, pelo equilíbrio das propostas.
Os eixos da ficção movem-se com uma segurança irrepreensível, e o jogo dos temas desenrola-se sem quebras, sem desvios: é a polarização já conhecida entre a brutalidade natural e o requinte social (entre o instinto e o protocolo); são alguns emblemas que nos restituem um longínquo dinamismo de infância (as corridas e lutas dos dois rapazes pelos corredores e pelas escadas da grande casa que habitavam); é a evocação duma certa mitologia de que dificilmente nos desprendemos (o gosto de exercer a omnipotência da magia); é ainda o borboletear ofegante de Leo em torno de um determinado saber sexual (dum saber sabido, dum saber insciente: a ver, a reconhecer) que o filme circunscreve sem nunca nomear; há ainda uma caracterização dos lares e dos grupos sociais assinalados nas suas mais gritantes diferenças de classe; é o traçado eufórico de correrias através dos campos.
Com tudo isto Losey narra uma história que nos interessa, sem sabermos muito bem onde está o nosso interesse, e sem nunca nos demarcarmos com precisão do próprio interesse que agita os passos e gestos de Leo, o protogonista. Porque, quer se saiba o que se pergunta, quer se não saiba, todo o saber (sobre o) sexual é um saber que esbarra nos seus próprios evidentes limites de se referir a algo que se situa numa dimensão outra, que é a da verdade como história pessoal e assunção do próprio não saber como núcleo irredutível e fundamento da proliferação fantasmática.
Todo o mensageiro pressupõe uma mensagem. A vulgaridade desta mensagem (a que vem nas mãos de Leo) aparece como o véu que oculta outra mensagem: mas qual? Porque Leo, ao transportar, é ele o transportado, porque é o desejo de saber mais que o move e o justifica. E, com ele, nós, seguindo as linhas duma ficção que não tem outras razões para nos atrair. Que o filme nos transpor­te, eis o que deriva sem dificuldades do seu agenciamento cuidadoso e inteligen­te. Que a nossa atenção se deixe conduzir para estes percursos do prazer, nada disso constitui motivo de surpresa. Mas sucede que o filme não parece ultrapassar esse plano da fascinação envolvente, do esteticismo depurado.
É certo que a narrativa se desenrola na voz e na memória da personalidade que muitos anos an­tes a viveu, e que é o seu drama (viveu ele sem amor? porque se recusou a saber? porque fugiu às respostas? corria em direcção à verdade, ou corria para a contor­nar e dela fugia?) que, no final, se vem sobrepor aos dados da história que durante todo o tempo nos preocupou. Mas tal artificio narrativo não chega para criar fendas num filme em que chegamos a deplorar a ausência de um pouco de desmesura que desarrume o concertado trabalho de um cineasta tao competente como o é Losey. “O Mensageiro” é uma das obras mais frias e reflectidas do autor de “O Criado”. Que o tom do filme coincida com o próprio protagonista é circunstância interessante, mas que não basta para nos implicar no espaço demasiado pré-construído da ficção que esse protagonista suporta.
Eduardo Prado Coelho in “Isto é Espectáculo” nº 7, Junho de 1977