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sábado, junho 29, 2019

THE HONEY POT (1967)

O PERFUME DO DINHEIRO
(CHARADA EM VENEZA)
Um Filme de JOSEPH L. MANKIEWICZ



Com Rex Harrison, Susan Hayward, Cliff Robertson, Capucine, Edie Adams, Maggie Smith, Adolfo Celi, etc.


EUA-ITÁLIA / 132 min / 
COR / 16X9 (1.85:1)



Estreia na GRÃ-BRETANHA (Londres) a 21/3/1967
Estreia nos EUA (Nova Iorque) a 22/5/1967
Estreia em MOÇAMBIQUE (LM, Teatro Manuel Rodrigues) a 23/12/1967



"The Honey Pot / O Perfume do Dinheiro" baseia-se, em princípio, no Volpone de Ben Johnson, dramaturgo contemporâneo de Shakespeare. Por Volpone começa aliás: num teatro de Veneza, Mr. Cecil Fox (Rex Harrison) assiste à representação privada da farsa de Johnson, durante a qual Volpone e o seu criado Mosca resolvem simular a morte do primeiro para assim enganar os herdeiros. Na peça, Volpone acaba por ser enganado pelo cúmplice, que, aproveitando-se do testamento, acaba por receber a herança e desalojar o proprietário. No filme, Mr. Fox não acaba sequer de assistir à representação, que interrompe a meio do terceiro acto. No seu palácio veneziano, irá também Mr. Fox simular a sua morte, convidando para assistir aos seus últimos minutos, três mulheres outrora ligadas à sua vida: uma princesa, Dominique (Capucine), uma actriz de Hollywood, Merle McGill (Edie Adams), que ele próprio fez subir na vida, e uma americana milionária, Mrs. Sheridan (Susan Hayward), que se vem a saber depois tratar-se da sua legítima mulher. Para o papel de Mosca (criado e confidente), Mr. Fox escolhe um actor desempregado de nome William McFly (Cliff Robertson). Distribuídos os papéis e planeado o argumento, corre o pano e inicia-se a acção: diz Mr. Fox que pretende, através desta comédia palaciana, saber até que ponto o dinheiro influi na vida das pessoas, até que ponto uma possível herança pode alterar um comportamento. Não iremos aqui revelar o evoluir dos acontecimentos (até para respeitar quem nunca assistiu ao filme); diremos simplesmente que poucas vezes se nos tem deparado um argumento (da autoria do próprio Mankiewicz, e baseado na novela de Thomas Sterling e na peça de Frederick Knott) tão bem construído, tão inteligentemente urdido, tão ardilosamente desenvolvido.


Até cerca do intervalo, o filme desenrola-se definindo as personagens e fazendo engrenar as diferentes peças do mecanismo posto a girar pela vontade de Mr. Fox. Depois, assistimos então a uma encarniçada luta pelo dinheiro. Cada uma das três pretendentes oferece a Mr. Fox um relógio. A princesa traz uma ampulheta que, em vez de areia, tem no seu interior ouro em pó; a actriz, um relógio múltiplo, marcando as horas simultâneamente em diversas cidades do mundo; a terceira, uma relíquia outrora comprada pelo próprio Mr. Fox. No quarto do hipotético moribundo faz-se ouvir portanto o tic-tac ritmado que assinala as horas de espera dos abutres, que anseiam por se lançar sobre a vítima. A presença do tempo, como realidade física, e a única coisa que tem realmente valor na vida de todos nós, é outra das virtudes desta obra, atravessada de ponta a ponta por um humor negro e muitas vezes cruel.


Costuma dizer-se que uma obra de arte é um todo indestrutível. Pelo menos para a verdadeira obra de arte torna-se capcioso tentar destrinçar aspectos de uma mesma realidade que o artista pensou e realizou em simultaneidade. E o filme de Mankiewicz volta a provar-nos a justeza dessa premissa. Pensado como obra, "The Honey Pot" impõe-se como obra, completa, perfeita, acabada. Tudo se conjuga para que assim seja. Os décors sumptuosos de palácios venezianos (da autoria de Boris Juraga e Paul S. Fox), o granulado admirável de uma fotografia colorida sem igual (último trabalho de um dos maiores fotógrafos de todos os tempos, Gianni di Venanzo, que faleceu precisamente enquanto rodava este filme), a elegância e a maleabilidade de uma mise-en-scène pensada em função dos personagens e ambientes definidos, tudo conjugado por Mankiewicz adquire uma tonalidade muito pessoal, um significado de verdadeira obra de auteur.


Na interpretação há a destacar um conjunto de actores inultrapassáveis de intenção e rigor. Rex Harrison não é só o actor que nós já conhecíamos, sobretudo de "My Fair Lady"; Cliff Robertson descobre-se numa figura notável de composição; Susan Hayward mostra-nos como o passar dos anos não tem qualquer importância quando se trata de talento puro; Edie Adams é a actriz histérica e nevrótica que Hollywood formaria certamente no seu seio; Capucine possui o charme de uma verdadeira princesa e o talento de uma grande actriz; e que dizer da magnífica Maggie Smith, aqui uma jovem actriz de 32 anos e ainda nos inícios da sua longa e brilhante carreira? Finalmente, Adolfo Celi é o rival italiano de Perry Mason, cuja presença se torna imprescindível para a completa compreensão da comédia. "The Honey Pot" é na verdade, e ainda hoje, uma película admirável, de tal modo rica, exuberante, explosiva, simultâneamente divertida e cruel, elegante e brutal, irredutível a esquemas e convenções que, por muito que tentemos tudo dizer, muito haveria sempre a dizer. Mas não será, afinal, esta uma forma de lhe rendermos homenagem? 


LOBBY CARDS:


quarta-feira, novembro 13, 2013

MY FAIR LADY (1964)

MINHA LINDA LADY
Um Filme de GEORGE CUKOR


Com Audrey Hepburn, Rex Harrison, Stanley Holloway, Wilfried Hide-White, Gladys Cooper, Jeremy Brett, Theodore Bikel, etc.

EUA / 170 min / COR / 16X9 (2.20:1)

Estreia nos EUA a 21/10/1964 (New York)
Estreia em PORTUGAL a 4/12/1964
(Lisboa, cinema Monumental)


Professor Henry Higgins: She's so deliciously low. So horribly dirty

A magia que se desprende deste filme é algo inexplicável, que tem de ser experimentado para nos podermos dar conta de toda a sua envolvência. A minha relação pessoal com “My Fair Lady” começou muito cedo, julgo até que foi o meu primeiro contacto com um espectáculo em cima de um palco. Teria os meus sete, oito anos, quando na viragem da década de 50 para a de 60, os meus pais me levaram a ver a versão teatral da peça num qualquer teatro da cidade de Johannesburg. Evidentemente que na altura não consegui apreender o significado do enredo, mas a experiência vivida foi deveras gratificante. Não faço a mínima ideia de que companhia se tratava, se era sul-africana se era estrangeira, mas aquelas músicas, aqueles cenários, todo aquele movimento cénico me despertou para algo até então desconhecido.



Cinco ou seis anos depois veio o filme, que se estreou na magnífica sala do teatro Manuel Rodrigues, em Lourenço Marques (no glorioso formato dos 70 m/m), pouco antes de “The Sound of Music”. Estes dois filmes, a par de “West Side Story”, foram os meus primeiros musicais, que mais tarde me levariam a descobrir os clássicos dos anos 30, 40 e 50. Foi também a primeira vez que vi a belíssima Audrey Hepburn num écran de cinema. E que estreia, logo no papel que a iria imortalizar (a grande maioria dos cinéfilos prefere-a como Holy Golightly em “Breakfast at Tiffany’s”, de 1961, mas para mim a sua coroa de glória será sempre esta Eliza Doolitle, a vendedora de flores resgatada da miséria por causa de uma simples aposta entre dois dignos cavalheiros da classe burguesa). Não me vou alongar mais no comentário, até porque subscrevo na totalidade aquilo que o saudoso director da Cinemateca, João Bénard da Costa, escreveu em 1999 sobre “My Fair Lady”, e que passo a transcrever. Os parágrafos que se seguem são bem eloquentes e mais do que suficientes para apresentar o filme aos que porventura ainda não tiveram a oportunidade (e a felicidade) de a ele assistir.



George Bernard Shaw (1856-1950) estreou a peça Pygmalion ("a romance in five acts", como a subintitulou) em 1914, a poucos meses do início da primeira guerra mundial. A ideia básica (de que a primeira canção do filme - "Why Can't the English Learn to Speak?" logo se faz eco) era, dentro do humor característico de Shaw, a de que «it is impossible for an Englishman to open his mouth without making some other Englishman despise him». Correlativa a essa, outra ideia-base característica da fase socialista de Shaw e da sua ligação ao movimento fabiano: a de que as diferenças fonéticas eram uma base fundamental da divisão de classes e era voluntariamente mantida e sustentada pela classe dominante "que não ensinara os ingleses a falar". Ensinado, qualquer homem ou mulher do povo podia passar por um lord ou por uma lady. E Shaw cita em apoio dessa metamorfose o caso do teatro: qualquer filha dum porteiro pode, "se adquirir uma nova língua", fazer de Rainha de Espanha no teatro. Expresso no título, havia ainda o velho mito pigmaleónico: a paixão do criador pelo objecto da sua criação, com a revolta de Eliza Doolittle em ser, precisamente, tratada como um objecto, ou como a estátua do mito grego.


A peça foi um êxito monstro, com múltiplas reposições a seguir à guerra e nos anos 20 e 30. Em 1938, o próprio Shaw colaborou estreitamente na primeira versão cinematográfica da peça, co-realizada por Anthony Asquith e Leslie Howard, com este último no papel de Higgins e Wendy Hiller como Eliza Doolittle. O filme (que nada tinha que ver com um musical), foi, nas vésperas da Segunda Guerra Mundial, êxito tão grande quanto a peça o fora nas vésperas da primeira. Para as comemorações do centenário do nascimento de Shaw (1956), Alan lay Larner e Frederick Loewe (autores de peças musicais tão conhecidas como Brigadoon, Paint Your Wagon ou Camelot - todas transpostas, depois, para o cinema) receberam a encomenda de transformar Pygmalion num musical anunciado com o título “Lady Liza”, depois convertido em “My Fair Lady” (da letra de uma canção de embalar: "London Bridge is Falling Down / My Fair Lady").



Rex Harrison e Stanley Holloway criaram os personagens de Higgins e Alfred Doolittle, enquanto Eliza marcou a apoteótica consagração da então descoberta Julie Andrews. A peça estreou-se em Londres em Março de 1956, numa produção de Oliver Smith e o acolhimento do público ultrapassou todas as expectativas, tanto aí, como, depois, na Broadway. Só em Nova Iorque, a peça teve 2717 representações, mantendo-se cerca de seis anos em cena. Em 1961, a Warner comprou os direitos para a adaptação cinematográfica, em que se começou a trabalhar logo que a peça saiu dos palcos. Harrison e Holloway foram imediatamente contratados para repetir as sua famosas criações, mas Jack L. Warner recusou-se (numa opção muito polémica e muito criticada) a manter Julie Andrews, temendo-se duma imagem que o cinema ainda não divulgara. Em vez dela, escolheu Audrey Hepburn, à época no auge da sua carreira.


O que mais se lhe censurou foi que Audrey Hepburn, ao contrário dos outros actores, não sabia cantar e teve que ser dobrada por Marni  Nixon. Disse-se que esta afectou as árias, dando-lhes um estilo à Jeanette MacDonald. Gary Carey escreveria que «a música de Frederick Loewe não é tão sacrossanta que precise desta espécie de tratamento sagrado, de opereta. Se Harrison consegue cantar as suas canções em recitativos americanizados, não há nenhuma razão para que Hepburn não cantasse as dela na sua própria, humana e vulnerável voz» (Marni Nixon era uma cantora bastante conhecida e já tinha dobrado, antes, Deborah Kerr em "The King And I" e Natalie Wood em "West Side Story").



Nomeado para 14 Oscars, "My Fair Lady" ganhou seis: melhor filme, melhor realização, melhor actor (Rex Harrison), melhor fotografia (Stradling), melhor som e melhor guarda-roupa (Cecil Beaton). Curiosamente, dos actores principais, foram nomeados, além de Harrison (premiado), Stanley Holloway e Gladys Cooper, mas não os que hoje nos parecem mais notáveis: Audrey Hepburn e Wilfrid Hyde-White, o assombroso Coronel Pickering. E o Oscar feminino desse ano foi para a actriz preterida, Julie Andrews, por causa de “Mary Poppins”... George Cukor, chamado a realizar o filme quando todas as questões de cast já estavam resolvidas (só teve que arbitrar uma hipótese deixada em aberto de confiar o papel de Higgins a Cary Grant que rejeitou porque «Cary's English was not impeccable enough for him to play a speech expert») foi o obreiro fundamental da transformação duma glorious musical play num glorious musical film. E, finalmente, o cineasta, dos maiores que Hollywood alguma vez teve, obteve o Oscar para que já tinha sido designado antes, quatro vezes, sem sucesso: em "Little Women" (33), "The Philadelphia Story" (40), "A Double Life” (47) e "Born Yesterday" (50).



Das muitas peripécias que rodearam as filmagens, só valerá a pena reter as que persistentemente o opuseram a Cecil Beaton (Sir Cecil Beaton, se dobrar a língua, como convém) no que diz respeito à production design e ao guarda-roupa. Beaton (celebérrimo nome, como fotógrafo e decorador) já havia assinado a peça e o esplendor dos seus fatos e concepção (no palco) tinham contribuído poderosamente para o êxito da peça. Defendera uma visão eduardiana (reinado de Eduardo VII), com um toque das encenações wagnerianas (na peça, Higgins e o Coronel encontravam Eliza à saída de uma representação de Wagner), sustentando teoricamente a opção pelo facto de Bernard Shaw ter sido dos primeiros críticos ingleses a defender apaixonadamente Wagner.


Cukor nunca gostou nada disso. Mais tarde, disse: «Nunca gostei de Beaton. Para mim, é a única nota destoante no filme. Particularmente, acho errado o fato que Audrey Hepburn usa na sequência do 'The Rain in Spain' que devia ser apenas clean mas não 'chic', qualquer coisa que Mrs Pearce tivesse arranjado na loja da esquina, o que acentuaria o lado cómico da situação. E detesto o fato que ele lhe fez para as corridas. Devia ser um fato que a esmagasse, em que ela não se sentisse à vontade, e não aquele vestido a sublinhar-lhe um elegância que ainda não devia existir. Beaton, com aquele vestido, estragou a progressão dramática da cena e fez-lhe perder, outra vez, o lado cómico. Não é verosímil que alguém, tão à vontade naquele vestido, diga depois (para o cavalo) 'Mexe-me esse cu' (o célebre 'move your blooming ass')».


Se sublinho este aspecto, é porque, nas reticências postas por alguns dos mais fervorosos cukorianos a este filme, se tem acentuado muito o lado decorativo do filme, em que, dizem, o excesso de bonito prejudica o belo. Se isso aconteceu uma ou outra vez (e a sequência de Ascot é um exemplo) vem de Beaton e não de Cukor. Mas, pessoalmente, em nada diminui o meu entusiasmo por esta obra admirável, até porque (compreendendo, embora, as razões de Cukor) acentua no filme o lado teatral, que, desde o genérico, está presente, com o leit-motiv das flores.


O que sempre foi mais específico no universo cinematográfico de Cukor foi a transposição (genial) da ilusão teatral na ilusão cinematográfica. Estamos sempre no lugar da ilusão, na floresta de enganos. Ora, em "My Fair Lady" (resumidamente, variaçâo sobre o tema da gata borralheira) essa dimensão é fundamental. É porque tudo no cinema é mágico que é possível transformar Audrey Hepburn (que Cukor dirige inultrapassavelmente) de florista da praça em fair lady. E sobre todas as outras imagens, a que prevalece é mesmo, pela varinha de condão do realizador, a da fair lady, naquele plano sublime que nos dá a vê-la a subir a escada, no baile da Embaixada (e aí seja prestada a devida vénia ao fato desenhado por Beaton).


Todo este filme é mágico, desde as flores do genérico ou do décor da praça às sequências-chave da entrada de Audrey Hepburn em casa de Higgins, do ‘The Rain in Spain’, da festa, ou do regresso do baile. Mas para quê distinguir? Tudo neste filme me parece perfeito. Vi-o não sei quantas vezes, nestes 35 anos, e de cada vez só me apetece repetir, dirigido a Cukor, o prodigioso "Bravo Eliza" de Gladys Cooper, no final. E a ambiguidade da peça é restituída no fabuloso final, com Rex Harrison a berrar «Where the devil are my slippers?». Quem perdeu o sapatinho em "My Fair Lady"? Cinderella ou Pigmalião?


CURIOSIDADES:

- James Cagney foi a primeira escolha para o papel de Alfred Doolittle. Quando o actor desisitiu, no último minuto, foi prontamente substituído por Stanley Holloway, que já o tinha interpretado na versão teatral da Broadway. Para o papel do Professor Higgins, o leque de escolhas foi mais variado: Peter O’Toole, Cary Grant, Noel Coward, Rock Hudson, Michael Redgrave e George Sanders.

- Jack L. Warner pagou a exorbitante quantia de 5,5 milhões pelos direitos de autor. Um recorde para a época, que só seria ultrapassado em 1978, quando a Columbia pagou a quantia de 9,5 milhões pelos direitos de “Annie”.

- Quando Audrey Hepburn foi informada que a sua voz não tinha a firmeza suficiente e que iria por isso ser dobrada, a actriz pura e simplesmente foi-se embora. No dia seguinte – num típico e gracioso gesto dela – Audrey desculpou-se perante todos pelo seu «wicked behavior».



- De acordo com Alexander Walker, um dos biógrafos de Rex Harrison, a canção ‘I’ve grown accustomed to her face” tinha um significado especial para o actor, que duração a representação na Broadway a tinha dedicado à sua terceira mulher, Kay Kendall, entretanto falecida.

- Logo após a conclusão da filmagem do número musical “Wouldn’t it be loverly?”, no Covent Garden, em 22 de Novembro de 1963, Audrey Hepburn anunciaria à equipa técnica o assassinato do Presidente John F. Kennedy, ocorrido minutos antes, em Dallas.

- Os produtores queriam que fosse Vincente Minnelli a dirigir o filme. Mas dado o seu elevado cachet, a escolha recaíu depois em George Cukor.



- Rex Harrison ficou muito desapontado quando Audrey Hepburn foi escolhida para interpreter Eliza (a sua preferência recaía em Julie Andrews, com quem tinha contracenado na versão teatral). Chegou a referir numa entrevista da época: «Eliza Doolittle is supposed to be ill at ease in European ballrooms. Bloody Audrey has never spent a day in her life out of European ballrooms.» Anos mais tarde, pediram-lhe para escolher a sua actriz favorita, com quem tinha contracenado na sua carreira. Sem hesitação respondeu: «Audrey Hepburn em “My Fair Lady”».

- Para a restauração do filme, feita em 1994, Robert A. Harris e James C. Katz socorreram-se de diversos métodos para lhe restituir as características originais. Os créditos de abertura foram recriados digitalmente, usando bocados de frames ainda existentes e o negativo de 65 m/m foi também scanarizado a partir do formato original do Vistavision (e posteriormente alargado). Relativamente ao som, foi de novo usada a fita magnética de seis bandas magnéticas, usada para a versão do filme em 70 m/m, mas agora adaptada às novas tecnologias: Dolby Digital e DTS 5.1. A restauração levou 6 meses a ser concluída e custou cerca de 600 mil dólares.


LOBBY CARDS:
AUDREY HEPBURN PORTFOLIO:

quinta-feira, novembro 11, 2010

PORTFOLIO - "THE GHOST AND MRS. MUIR" (1947)

THE GHOST AND MRS. MUIR (1947)

O FANTASMA APAIXONADO




Um filme de JOSEPH L. MANKIEWICZ


Com Gene Tierney, Rex Harrison, George Sanders, Edna Best, Anna Lee, Natalie Wood


EUA / 104 min / PB / 4X3 (1.37:1)


Estreia nos EUA a 26/6/1947
Estreia em Portugal a 20/10/1947


Captain Gregg: "Blasted women! Always make trouble when you allow one aboard... "


Vi este filme, pela primeira vez, ainda não tinha 13 anos, no Ti­voli, quando o Tivoli cheirava a Fox e eu dizia Vinte Century Fox. Talvez por isso, a palavra vintage, que só aprendi muito mais tarde, me esteja visualmente associada ao emblema da casa de Zanuck e me apareça sempre, entre holofotes cruzados, ascendendo e descendendo por espaços efémeros.
Lembro-me que gostei. Lembro-me que gostei muito. Mas nunca imaginei que ia gostar tanto e que tanto, toda a vida, me ia lembrar desta história de amor e de morte. Aos 12-13 anos, os grandes amores são solitários e são coisa de nós com nós, sem mais corpo do que o próprio. Por esse lado, podia, obscuramente, como através de um espelho, desvendar parte importante do criptograma do filme. Mas ainda era muito cedo (e agora talvez seja muito tarde) para desvendar a parte que com essa parte se soma. Aos doze anos, a morte é uma palavra vaga e os fantasmas brincadeiras para sustos a pregar uns aos outros.
Precisei de mais trinta anos (trinta e dois, se contar pelos dedos) para saber que o Capitão Daniel Gregg (Rex Harrison) não era fantasma nenhum ou era o fantasma todo. Nesse dia, preguei o imenso poster do filme (o original) na parede que fica na frente da minha secretária na Gulbenkian. Eu já lá não estou, o poster ainda lá está (Agora, já não está. Mas, embora empalidecido pelo sol - quem é que se lembra de pôr fantasmas ao sol? - continua no meu gabinete. Na Cinemateca). Gene Tierney (Lucy Muir) em primeiro plano, imensa e vogante, «with that taunt in her smile». Rex Harrison, na sombra, atrás dela, «with that haunt in his kiss». E, no canto direito, em baixo, muito mais pequenino, George Sanders «without a ghost of a chance». «The Flesh ... So Wéak.» «The Spirit ... So Wiliing.» Podia ser ao contrário, mas assim sossega mais. E também por lá se diz, na capa de um livro fechado, que «the film becames the delight of your life.» Não sei se "delight" é a palavra mais própria, mas muita coisa em a minha vida "becamou".
Mrs. Muir - já o disse - é Gene Tierney, nos anos de "Laura", de "Leave Her to Heaven", de "Dragonwyck", nos anos em que mais Gene Tierney foi, mulher patchuli, mulher asfódela. Mr. Muir - quem quer que tenha sido - nunca o conhecemos. Morreu antes do filme co­meçar, de um flato ou de coisa parecida, deixando-lhe a cara e o corpo magníficos envoltos em crepes, como em crepes se envolviam as viúvas inglesas do princípio do século, tempo e país do início da acção. A advinhar pela família com quem a deixou a viver (sogra e cunhadas), nem ela nem nós perdemos grande coisa. Mas deixou-lhe uma filha de sete anos, papel confiado à criança que então era Natalie Wood.
Para fugir dessa casa londrina, casa de um morto, casa de mortos, decide Mrs. Muir, com enorme escândalo da família, mudar de ares e mudar de mares, levando-se a ela, à filha e à criada (Edna Best) para uma praia sobre o Atlântico, onde, de noite, o vento assobiava nas frinchas de madeiras velhas e onde brenhas de ondas se batiam contra os penhascos. Das muitas casas que lhe mostraram, nenhuma a con­vence. E só quis a casa que não lhe queriam mostrar, porque - dizia­ -se - estava assombrada pela alma penada do Capitão Gregg, que nela se suicidara. O fantasma não assusta Lucy Muir. Um fantasma é o medo que a gente tem dele. E o medo do desejo não é medo de Gene Tierney. Por isso, na casa, ama tudo o que nela ficou do capitão: o óculo na varanda do quarto dele, o bezerro dourado que trouxe de uma das suas muitas viagens, o retrato dele toscamente pintado, fardado de lobo de mar, com um sorriso entre o sarcástico e o diabólico.
Uma mulher em sombra (o luto, os véus) troca um morto por um fantasma. E se o morto a quisera enterrar viva (em Londres) o fantasma vai e vem do mar, atravessa-lhe as janelas e propõe-lhe a mágica dissolução, tão mágica como esse plano, entre todos mágico, em que, na primeira noite passada na velha casa, Lucy acorda e vê o mar através da janela, essa janela que fechara antes e que durante o sono se abriu. E, quando já tem a certeza que ele está ali, Mrs. Muir desencadeia a apa­rição. Levanta-se, vai à cozinha e risca um fósforo para acender o lume. As luzes todas apagam-se, a trovoada e os relâmpagos começam. E é nesse momento que ela diz: «/ know you are there» E Rex Harrison surge diante dela, malcriadissimo como só Rex Harrison soube ser, para uma discussão nada metafísica sobre o direito de qualquer deles à posse exclusiva da casa. Fantasma de desejo, Harrison é também fan­ tasma da violação (de desejo da violação), donde a agressividade irónica das relações entre eles.
E se Rex Harrison exige que o retrato dele volte para o quarto, que é agora quarto dela, Gene Tierney tapa-o quando se despe, escondendo a nudez da imagem em movimento ao olhar da imagem fixa.
É depois que começa, nos muitos encontros com o fantasma, a felicidade dela, tão mais intensa quanto mais necrófIla e solitária. «I’m so happy», diz. Debalde, o fantasma lhe responde que tudo quanto ela vê é uma ilusão, «like a blasted lantern slide». Debalde, o fantasma lhe diz: «I’m here because you believe I’m here.» Essa ilusão, essa crença, são o mundo de Mrs. Muir, tanto como o mar e a praia, ou tanto como a música off (que também está ali e não está ali), uma das mais geniais partituras do genial Bernard Herrmann (deêm-me só essa música e já todo o fIlme vem atrás).
Quando o Capitão lhe diz que é uma ilusão, Lucy Muir responde que «It’s not very convincing, but I suppose it’s all right». E ilusão não é o livro que o Capitão lhe dita, memórias de marinheiro escritas por uma mulher. «What they didn't know about life would fill an encyclopaedia.» E, entre as muitas coisas que ela não sabia, está essa palavra que dá origem a uma das mais prodigiosas fIntas jamais feitas aos códigos dos bons tempos de Hollywood. O capitão dita-a, sem que o ouçamos. Ela pára de escrever à máquina, cora e recusa-se a escrevê-la. O capitão berra e insulta. A câmara coloca-se em frente de Gene Tierney e, dedo a dedo, hesitantemente, esta procura, letra a letra, a palavra que tem quatro. E quem se lembra do teclado AZERT, não tem muita dificuldade, seguindo-lhe os movimentos, em saber que ela começou no F e acabou no K. Foi a primeira vez que esta palavra, não aparecendo, apareceu num fIlme. Como o fantasma. Exactamente como o fantasma, também fantasma dela.
O livro faz Mrs. Muir voltar a Londres. O livro publica-se, não fantomaticamente. E Londres e o livro vão trazer ao fIlme o terceiro «morto»: o escritorzeco Miles Fairley (George Sanders). Há sempre um momento em que, no reino dos mortos, alguém se volta para trás, à busca de uma imagem mais "real". Gene Tierney inicia o seu terceiro Iove affair, com a fraca réplica do capitão, que é a presença sedutora de George Sanders. O fantasma começa por tentar expulsá-lo. Depois, rende-se à vida, no seu segundo "suicídio". E é enquanto ela dorme («Ah! Comme Gene Tierney est belle quand elle dort!») que Rex Harrison se vem despedir dela, na mais bela sequência de sempre da história de Hollywood. «Oh, Lucia» (a voz de Harrison, a música de Herrmann) «you are so little and so lovely» Depois, recita-lhe Keats (Ode to a Nightingale) e fala-lhe de como teria gostado de a levar a ver o sol da meia-noite, os fiordes da Noruega. «What you have missed, Lucia, by being born too late to traveI the Seven Seas with me! And what I've missed too» Depois, ele que, antes, num momento em que ela demasiado se aproximou dele, lhe dissera rudemente: «Keep your dis­tances, madam», inclina-se para ela num quase beijo que, de novo, interrompe. E afasta-se para a janela e para o óculo, que nunca mais vai poder ver o invisível. No sol da manhã seguinte, o capitão desapareceu da vida e da casa de Lucy Muir, que só o capitão tratava por Lucia, como se ela viesse de Lammermoor.
Mas com ele - pouco depois dele - desaparece também George Sanders. Quando Gene Tierney o vem buscar a terra firme (a casa dele) descobre que esse outro "sonho" ocultava a dura realidade de uma banal mentira e de uma banal mediocridade (Sanders era casado e a sua história uma história contada a muitas e passada com muitas). Daí para diante não há mais homens - vivos ou mortos - na vida de Mrs. Muir.
E o tempo começa a passar muito depressa. Depressa envelhece Mrs. Muir. Depressa a filha cresce e a filha casa, para só então contar à mãe que ela também, em criança, vira o fantasma. E depressa chega uma tarde (um fim de tarde) em que Mrs. Muir, de cabelos brancos, se sente muito cansada e pede à criada um copo de leite. Não chega a bebê-lo. O copo escorrega-lhe das mãos e Mrs. Muir morre, agasalhada, na cadeira em frente ao mar em que sempre se sentou. A imagem des­dobra-se. E os dois fantasmas - o dele e o dela, como foram quando eram - ficam a olhar para a velha morta. Depois, descem as escadas de mãos dadas e depois abrem a porta e desaparecem, entre a música, no meio da névoa.


«I have been half in love with easeful Death ... / 
Was it a vision or a waking dream?» (Keats).

De todas as artes, o cinema é a mais onírica. E essa dimensão nunca existiu tanto como nos filmes "germanizados" ou "germanizantes" feitos em Hollywood nos forties. Joseph L. Mankiewicz (1909-1993), o realizador de The Ghost and Mrs. Muir” e que só agora nomeio, não era alemão, mas descendia de alemães e na Alemanha se formou. Toda a sua vida procurou o cinema total. Apesar de muitas outras obras­ -primas, nunca esteve tão perto como neste filme de que disse recordar sobretudo «o vento, o mar e a procura de qualquer coisa de diferente». «E as decepções que se tem»
Não há filme mais triste. Não há filme mais bonito. Deixem-me ficar ao pé da mulher que nasceu tarde demais para atravessar os sete mares e para ver o sol da meia-noite. Deixem-me ficar ao pé do capitão que morreu cedo demais para a poder beijar ou para poder deitar-se com ela. Ou deixem-me acreditar que não há cedo nem tarde e que o único amor que existe - porque é o único em que acreditamos que existe­ é o amor surreal, esse que Rex Harrison e Gene Tierney encontram no final, quando desaparecem na névoa, atravessada a última porta.
João Bénard da Costa