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quarta-feira, agosto 19, 2015

BADLANDS (1973)

Noivos Sangrentos
Um filme de TERRENCE MALICK




Com Martin Sheen, Sissy Spacek, Warren Oates, etc.

EUA / 94 min / COR / 
16X9 (1.85:1)

Estreia nos EUA: NY, 15/10/1973
Estreia em PORTUGAL: Outubro de 1976


Deputy: «You know who that son of a bitch looks like?
You know, don't you?»
Sheriff: «No»
Deputy: «I'll kiss your ass if he don't look like James Dean»


Primeiro filme importante de Martin Sheen (32 anos, vindo de um longo período - 17 anos - de participações televisivas, em mais de 50 (!) séries e alguns filmes) e de Sissy Spacek (então uma jovenzinha de 23 anos, ainda com muito pouca experiência, apenas três participações em televisão - um filme e duas séries - e um primeiro papel digno de relevo no filme "Prime Cut / Carne de Primeira" (1972), um sub-produto americano sem qualquer interesse, mas onde tem a oportunidade de contracenar com Gene Hackman, e, sobretudo, com Lee Marvin. Interessante notar aqui a sua fisionomia, bastante diferente (até mesmo sem sardas, cuja ocultação teria sido feita propositadamente, sabe-se lá com que intenção) daquela que apenas um ano depois se daria a conhecer ao mundo cinéfilo como Holly, a companheira sonhadora do jovem delinquente Kit.


"Badlands" seria de igual modo o primeiro filme de fundo do realizador, Terrence Malick, na altura também um jovem, de apenas 29 anos, um dos realizadores mais académicos aparecidos no início dos anos 70. Nascido em Illinois, a 30 de Novembro de 1943, no seio de uma família do petróleo, estudou filosofia, e foi professor e jornalista, antes de iniciar a sua carreira no cinema como argumentista. Depois de ter dirigido mais um filme, o belissimo "Days of Heaven / Dias do Paraíso", em 1978, Malick ficaria, por opção própria, 20 anos sem filmar, regressando apenas em 1998 com o filme "The Thin Red Line / Barreira Invisível", um projecto antigo sobre a II Guerra Mundial. Em 43 anos (1973-2015) realizaria apenas 7 filmes, o que o torna um dos realizadores americanos menos prolíficos de sempre. Há quem o chame, por isso, o "eremita" do cinema.


"Badlands", como não podia deixar de ser, é assim um filme jovem e inconformista, que tem em Kit a personificação do anti-herói americano do final dos anos 50, cujas referências básicas eram o rock 'n' roll e a mítica figura de James Dean, falecido em 1955 com apenas 24 anos. «In 1959 a lot of people were killing time, Kit and Holly were killing people», anunciava a publicidade. De facto, a principal característica de Kit, à parte alguns traços de esquizofrenia, é o enorme aborrecimento com que parece encarar tudo à sua volta, incluindo a relação com Molly, que de excitante tem muito pouco. Depois de lhe ter morto o pai (Warren Oates), um pouco por acidente, um pouco por impulso, partem os dois numa viagem sem rumo, semeando um rastro de sangue por onde passam, com Kit a abater quem se lhes atravessa no caminho e Molly a testemunhar toda essa violência de um modo passivo e apático. É ela quem vai relatando os acontecimentos da sua relação com Kit, num tom igualmente monocórdico e desprendido: «And what's the man I'll marry gonna look like? What's he doing right this minute? Is he thinking about me now, by some coincidence, even though he doesn't know me? Does it show on his face? For days afterwards I lived in dread. Sometimes I wished I could fall asleep and be taken off to some magical land, and this never happened


Inspirado num caso verídico que abalou a América (Charles Starkweather e Carol Fugate, foram os adolescentes que em 1958 resolveram imitar Bonnie & Clyde), não era o primeiro filme que abordava o tema dos "amantes em fuga"; mas a grande novidade foi "Badlands" ter sido filmado por Malick de um ponto de vista poético, austero na sua beleza visual, como que em contraponto com a crueldade do argumento (da autoria do próprio Mallick), do qual ele se distancia sem ceder lugar à interferência de qualquer emoção ou julgamento moral (deixando claramente esse papel para o público). Provavelmente terá sido esse contraste, essa dualidade violência-indiferença, que fez com que o filme se evidenciasse ao longo dos anos, tornando-se um verdadeiro cult-movie.


De qualquer forma, o cinema de Terrence Malick é sempre pródigo em mostrar-nos a relação directa entre as suas personagens e a natureza. Como disse um dia o crítico norte-americano Scott Tobias, «o valor principal dos filmes de Mallick está em simplesmente nos lembrar que as nossas vidas acontecem dentro de um contexto maior da natureza e do transcendental.» Deixando de lado os conteúdos e falando apenas da produção dos seus filmes, o modus operandi de Terrence Mallick ajuda a cimentar a opinião de que ele parece "desenhar" o que é humano. Filma horas intermináveis com os seus actores, sempre aberto a sugestões e improvisações. Mas depois, quando se senta à mesa de montagem (durante muitos meses a fio) os diálogos são normalmente reduzidos aos estritamente necessários, sendo substituídos pela narração em off ou, a maior parte das vezes, simplesmente por imagens, reduzindo drasticamente a participação dos actores, para grande frustração destes.


Outra característica que se evidencia em "Badlands" é a belissima banda-sonora, a influenciar claramente a música de um outro filme, "True Romance / Amor à Queima-Roupa", realizado 20 anos depois por Tony Scott, com Christian Slater e Patricia Arquette. Nela podemos encontrar a assinatura de músicos como James Taylor, Gunild Keetman, Carl Orff e Erik Satie, mas o destaque vai direitinho para dois grandes momentos em que Kit e Molly dançam, primeiro na floresta, e depois já no deserto, como quaisquer teenagers despreocupados, longe do mundo que os rodeia, ao som, respectivamente, de "Love Is Strange", de Mickey & Sylvia, e de "A Blossom Fell", do saudoso Nat 'King' Cole.


"Badlands" teve a sua premiére no Festival Internacional de Cinema de Nova Iorque, em 13 de Outubro de 1973, logo depois da exibição de "Mean Streets", de Martin Scorsese. Apesar de ter sido dos mais aclamados do Festival, o filme não obteve qualquer sucesso junto ao grande público. E teria sido votado ao esquecimento se entretanto os críticos e os profissionais do cinema não o tivessem "descoberto", incluindo-o nas listas dos seus filmes favoritos. Numa votação da revista Sight And Sound, 846 críticos e 359 directores, colocaram "Badlands" no número 147 dos melhores filmes de toda a história do cinema.


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sexta-feira, junho 10, 2011

THE TREE OF LIFE (2011)

A ÁRVORE DA VIDA
Um filme de TERRENCE MALICK




Com Brad Pitt, Sean Penn, Jessica Chastain, Hunter McCracken

EUA / 138 min / COR / 16X9 (1.85:1)

Estreia em FRANÇA a 16/5/2011
(Festival de Cannes)
Estreia em PORTUGAL a 26/5/2011
Estreia nos EUA a 27/5/2011


Mrs. O'Brien: «There are two ways through life: the way of nature, and the way
of Grace. You have to choose which one you'll follow»

Terrence Malick, realizador e argumentista norte-americano, nascido a 30 de Novembro de 1943, realizou o seu primeiro filme aos 30 anos (“Badlands”, de 1973), a que se seguiu “Days of Heaven”, cinco anos depois. Foram começos bastante auspiciosos, dada a grande qualidade de ambas as películas, onde se vislumbrava já um inegável sentido do estético. Mas a sua carreira, em vez de descolar, acabou por entrar em hibernação, durante vinte longos anos. Sómente em 1998 se voltou a assistir a um novo filme (o decepcionante “Thin Red Line”) de quem, por essa altura, já tinha ganho o cognome de “eremita” do cinema americano. Mais sete anos de interregno até “The New World” (que não inverteu a curva descendente iniciada com o filme anterior, antes pelo contrário acentou-a, conotando-se provavelmente como o seu filme mais desinteressante) e depois quase outro tanto até este novissimo “The Tree of Life”. Ou seja, cinco filmes em cerca de 40 anos.

Não admira portanto que Malick tenha sido aguardado em Cannes com inusitada curiosidade (como se sabe o realizador gorou as expectativas gerais) Não terminado a tempo de concorrer ao Festival no ano passado, o filme, à semelhança do seu criador, resolveu de igual modo hibernar doze meses para poder agora surgir às luzes da ribalta, sustentado por uma certa mitologia em seu redor. Aposta claramente ganha, uma vez que, tal como se previa, veio a arrebatar a Palma de Ouro no passado mês de Maio. Tratou-se, portanto, como que um vencedor antecipado a que o brilhante trailer dele extraído dilatava ainda mais a probabilidade de sucesso.

Mas na verdade a promessa de um grande drama americano centrado nos anos 50 ficou-se exactamente por ali, por aquele magnífico (e enganoso) trailer. Em vez do épico anunciado fomos presenteados com mais de duas longas e cansativas horas (138 minutos no total), de um discurso impregnado de misticismo religioso. É evidente que Malick sabe como ninguém manejar a câmara de filmar e impressionar-nos pela contemplação de tanta beleza visual (foi sempre essa, aliás, a sua imagem de marca). Mas tudo tem um limite, e o que é usado em demasia torna-se maneirismo pretensioso e tem inevitavelmente o condão de cansar (e exasperar) o espectador.

Por isso, todo o prazer visual que “The Tree of Life” procura ofertar é rapidamente ultrapassado pela falta de consistência do argumento, em que as personagens não se chegam a impôr, resistindo liminarmente a qualquer empatia com o público. E é por causa dessa falta de ligação que considero este filme de Malick (mais) um projecto falhado, não tendo conseguido atingir outros objectivos que não a satisfação pessoal de um autor apenas preocupado com a sua fascinação pela natureza e com o seu misticismo religioso. E que em nome dessas paixões,  não hesita em povoar o seu filme de metáforas e interrogações filosóficas (Malick foi professor de filosofia antes de iniciar a sua esporádica carreira no cinema), por onde se passeiam estrelas, planetas, medusas, cascatas ou erupções vulcânicas. Até um par de dinossauros tem direito aos seus cinco minutos de fama.

Cabe aqui referir que a evocação, aparecida em alguma crítica, de “2001: Odisseia no Espaço”, a obra-prima de Kubrick, a propósito daquela meia-hora da “criação do mundo”, não faz grande sentido e só denota julgamentos apressados e inconclusivos. Compreende-se tal tentação, até porque existem bastantes imagens que remetem directamente para o genial filme de Kubrick. Mas as semelhanças ficam-se por aí. “2001” nunca é contemplativo e, ao contrário deste “The Tree of Life”, não procura respostas no divino, antes coloca sempre o Homem como o centro do universo e de todos os seus mistérios.

Confesso que depois de tanta expectativa e sobretudo após ter visualizado aquele magnífico trailer esperava algo muito diferente, para melhor bem entendido. O que resta depois daquelas duas horas e vinte minutos de projeção é um objecto visualmente deslumbrante, filmado de um modo exemplar e tecnicamente perfeito. Mas apenas isso. Malick prova, uma vez mais, que é um muito melhor fazedor de imagens do que realizador. Ele sabe como ninguém arquitectar os planos, trabalhar as texturas com a música ou encontrar os ângulos mais estimulantes. Mas mostra-se incapaz de tornar todo o conjunto harmonioso. E dá-nos um filme que pretende falar da Vida e da Morte e de tudo o resto, mas que é incapaz de transmitir qualquer centelha de emoção. Apesar de todo o seu conceito naturalista, “The Tree of Life” não terá nunca as raízes suficientes que o façam sobreviver na paisagem do cinema.


CURIOSIDADES:

- A génese de The Tree of Life” remonta a 1978, quando depois de filmar “Days of Heaven”  Malick começou a trabalhar num projecto chamado “Q”, precisamente sobre as origens da vida na terra.

- Colin Farrell, Mel Gibson e Heath Ledger, foram alguns dos actores equacionados para o papel principal.

- O filme foi rodado no Death Valley National Park (California) e em diversos locais do Texas.

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Transcreve-se de seguida o comentário do cineasta António Pedro Vasconcelos sobre este filme, publicado no semanário SOL, a 30 de Maio de 2011:

«Tree of Life é um exercício de um pretensiosismo intelectual que só se compara com alguns exercícios de video art ou com os sermões de uma igreja evangélica. Terrence Malick tem vindo a trabalhar a sua lenda com a mesma aplicação com que faz os seus filmes. O último, “Tree of Life”, esperado com impaciência em Cannes, acabou por ganhar a Palma de Ouro. Vi-o numa ante-estreia na Cinemateca e, à saída, ao fim de duas horas de projecção, cruzei-me com pessoas que levitavam, positivamente, como se tivessem acabado de viver uma experiência mística ou saído de uma sessão de espiritismo. Não consegui manifestar-lhes o meu enfado, porque, como acontece com os sonâmbulos, era perigoso tentar acordá-los. 

Não conheço o suficiente a obra de Malick (ela própria escassa e rodeada de secretismo) para perceber o que os críticos chamam a evolução formal e espiritual deste eremita que nos sugere que é tocado pela graça só porque filma os seus planos em contra-luz. Mas, tal como em “Tree of Life”, o fabuloso “The Thin Red Line” devia muito ao longo e laborioso trabalho da montagem (das imagens e dos sons, da música e da voz off), graças ao qual, como em “Apocalypse Now”, outro clássico dos filmes de guerra, o filme ganhava uma forma encantatória. “The Thin Red Line” tinha um elenco de luxo, mas, sobretudo, tinha sangue, suor e lágrimas, coisa que este filme, evanescente, perdido em lucubrações místicas e numa poesia duvidosa, não tem.


Malick, que filma sem um guião definido, ao sabor da luz e da inspiração, serviu-se novamente da colaboração de actores como Brad Pitt e Sean Penn, valores seguros no box office, que o ajudaram a levar a cabo um projecto tão ambicioso. Brad Pitt e Jessica Chastain são os pais de três crianças que vivem numa pequena cidade do Texas, nos anos 50, um dos quais, o mais velho, reaparece uns anos mais tarde, já adulto, interpretado por Sean Penn, num papel cuja função nem ele próprio deve ter percebido. Há momentos no filme em que as relações entre o pai e os filhos, que oscilam entre a dureza e a ternura, e os conflitos entre o pai e a mãe, vistos pelos olhos do filho adolescente, poderiam ter o lirismo, a emoção e a justeza dos grandes filmes, se Malick aceitasse fazer disso a matéria de “Tree of Life” e se não tivesse a pretensão de nos servir quase uma hora de imagens “poéticas” do Big Bang, acompanhadas de música envolvente e de uma voz off que filosofa sobre a fé, a graça e o mistério da vida. “Tree of Life” vai ter os seus fiéis e os seus fanáticos. E eu acredito que Malick se tome a sério quando se aplica nestas cogitações e nestes maneirismos. Mas, felizmente, no meio do coro de críticos rendidos ao génio e à audácia de Malick, começam a surgir algumas vozes que se questionam, perplexas, sobre a valia de experiências como esta. Eu sou uma delas.»