Mostrar mensagens com a etiqueta ritual. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta ritual. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Reprise



Saímos de casa pela manhã
com ganas de devorar o dia
lavadinhos e perfumados
prontos para rebolar no lodo
que tolda o quotidiano dos caminhos.
Com a boca ainda ressequida
lambemos as últimas sombras da noite
e todas as esquinas do frio
antes de chegar ao café do costume
onde num ritual de asas enferrujadas
ingerimos o primeiro veneno do dia.
Entre duas baforadas no cigarro
e um tremor vago que sacode o corpo
trocamos o rosto ensonado
pelo disfarce insone que nos permite
agarrar o esplendor desabitado da vida
seguindo a linha desenhada nos passeios
com os pés a resvalar dos estribos.

Não é permitido gritar nem desviar o olhar
lemos nos cartazes coloridos
que anunciam em placardes gigantes
todo o esplendor da teia
enquanto transpomos o degrau já gasto
pela persistência mórbida dos passos
escondendo no bolso apertado das calças
as lágrimas que jurámos não derramar.
Fantasmas de uma dimensão sem idioma
despojamo-nos de tudo o que temos
para alimentar a sede de um cartão de crédito
que nos vai permitindo manter à tona
nas águas estagnadas donde nunca sairemos
lambendo a poalha inquinada das vagas
e o papel químico das manhãs
que reproduzem a repetição grosseira dos dias.
São precisas mais drogas agora
para continuar a desfiar o novelo.

À hora do almoço, como uma brisa refrescante,
uma pequena brecha se abre
no centro da arena onde nos perfilamos
como gladiadores condenados.
Uma inesperada trégua
para uma cola e uma sandes de atum
permite-nos retomar o fôlego e o alento
antes que o gemer sufocante das roldanas
retome sua cabala alucinada
arrastando-nos pelo suor dos cabelos
até aos limites esvaídos do dia
e o peso da grande roda cilíndrica
repetidamente nos volte a esmagar
como lagartas insignificantes.
Nenhuma estratégia nos vale agora.
Nenhuma droga pode suster
as foices afiadas da dor
que nos retalham a réstia de alento.

Sob o fogo extinto do crepúsculo
enxaguamos o sangue das feridas
sacudimos a poeira do corpo enrodilhado
e suspiramos fundo, três vezes,
enquanto a noite assobia detrás das colinas
o requiem do eclipse total do dia
e lentamente se fecham
os portões verdes do manicómio.
A rigidez fria dos ponteiros, obriga-nos
a uma nova travessia no trapézio sem rede
como a ave que arrasta a asa partida
deixando seu lamento de papel
nas garras do alcatrão abrasivo
e voltamos como se nada tivesse acontecido
ao ninho donde saímos pela manhã
lavadinhos e perfumados.

Antes de fechar os olhos
e nos entregarmos a um sono sobressaltado
com o coração entalado entre os lençóis
oramos um credo sem nome
a um deus que não sabemos se nos escuta
e rebobinamos de novo a fita
para amanhã assistir ao mesmo filme.


______________________________________________________

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Secreta respiração dos amantes


Entre os véus de fumo aveludado
que tecem o cristal dos aromas noturnos
mãos enlaçadas num suor de luzes escondidas
procuram a sedução proibida dos corpos
nas camas de cascalho e plumas
onde a explosão de lava dormente
cresce nos lábios derretidos do vulcão.

Nos tetos suspensos do luar
um roçar de asas estendidas
acende um fogo de leques transparentes
a queimar o incenso de línguas rasgadas
num ritual de secretos desejos
por detrás das portas onde pulsa
o clamor febril das fogueiras.

____________________________________________

sábado, 1 de outubro de 2011

Dança do fogo


Ergo o cálice de sol e bebo a luz que transborda do peito
derretendo a ilha de gelo que o frio teceu nos teus lábios.
Pedra a pedra desvendo a trilha oculta nos teus ombros
cumprindo o ritual de sangue que teus deuses reclamam.
Desço a escadaria que me leva aos teus seios macios
onde a persistência do vento ergueu imponentes dunas
deixando em cada degrau o eco de mil gemidos.
Dou as mãos à fúria dos presságios que te sacodem
com as unhas feridas de acariciar falsas rosas
tateando com o frémito ofegante dos meus dedos
os caminhos proibidos que me levam ao templo escondido.
Mordo-te o ventre incendiado com dentes que roubei a um cego
cavando minha perdição no abismo que te cerca as entranhas.

É hoje que me deixo imolar nas labaredas do teu abraço
para amanhã renascer com asas de homem novo.


____________________________________________________________

terça-feira, 1 de março de 2011

Melodia das manhãs iguais



o branco dos lençóis ondula ao sol da manhã
suspenso nas molas de um anónimo destino
quando te debruças sobre o abismo da varanda
cumprindo o ritual monótono da repetição dos dias

o vento, assobiando entre as frinchas do cimento,
sacode o teu rosto petrificado, juntando-se
ao coro das roldanas enferrujadas do estendal
a ranger num estranho gemido de roupa molhada

.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...