Cláudio Leal (Cacau)
ALÉM
DAS MURALHAS -(poesia publicada no livro homônimo – 1995 -
autor-editor)
desverbifico minha
alma
como até então a
conhecera: pétrea
fria
polida
para que outra linguagem,
menos mecânica,
a reinvente...
da escuridão que me
assombra
arranco a plasticidade
necessária: os sons
que nestas folhas
fogo-fátuo
se acenderão
rasgo as visões que me
foram forjadas
corto as mãos que me
foram implantadas
e faço isso com a
prática mental
de quem não pensa no
passado nem no futuro
de quem, solitário e
avessamente público,
vai derrubando muros
invisíveis,
muros que aprisionam o
pensamento
o corpo
o coração.
O SAL SEM O MAR
(Prêmio Stanislaw
Ponte Preta de Poesia – 1º lugar 1994
publicação:
RIOARTE)
lunibrilho
tremeluzindo sobr’água
no espelho das
salinalágrimas
as luas de Cabo Frio
o vento
areia dunas
e as dunas de sal
teu beijo com gosto de
morte-vida
inexplicavelmente
insiste ferindo fundo
o coração voraz
o forno
o faro
o farol entre as coxas
carnudas
atravessam-me os
sonhos
girando sob estrelas
inumeráveis
e os lagos girando no
pensamento de sal
e sol
e sim
quanto tempo?
quanto tempo há entre
o olhar que me lançaste um dia
e o que me lanças
agora?
lunibrilho tremeluzindo
na superfície dos olhos
o sal sem o mar
cristalizados sobre os poros do rosto
– O vento sopra, o
vento fala.
O LADO ESCURO DO
SOL
(Prêmio Stanislaw
Ponte Preta de Poesia – menção honrosa 1995, publicação: RIOARTE)
um sol vermelho
de todos
de ninguém
bóia sobre a baía de
Guanabara
traça um arco, esgarça
humana pele
violenta a grama do
Aterro
nele não há
versos
nem há espírito
nem há
discernimento
morre, a cada dia, sem
saber
o que é
o que deixou de ser
o que foi
o que será
um
sol de todos
vermelho
visto refletido na superfície das coisas
e
aceito por olhos comuns
como
algo a ser suportado
como
um deus
uma mãe
um pai
um governo
assim o sol de ninguém
assim esse sol inútil
aceso na imensidão do
céu
assim esse sol aceso
esse sol vermelho
ignorante de tudo que
o cerca
viverá bilhões de anos
e não terá o prazer do
vinho
antes do sexo
nem tocará os lábios
no chá do poeta
nem viu nem verá a
queda
dos grandes impérios
é... Sol!
tu és
apenas o lado
Externo.
O SAL DA TERRA
(poesia publicada
no Perfil 2007, da APPERJ – Oficina Editores)
O que é o sal no corpo
das salinas?
O sal é a morte
vestida de branco
Cheia de encantos
O sal é lágrima desta
viagem em mim
Através de outros
prantos
Poço da alma
Fundo de só se chegar
despido e só...
O que é o sal na alma?
O sal é o fundo e a
superfície de estar não estando
Cor e luz e corte e
planos
O sal é chama
invisível
Como a palavra
O sal não engana: mata
e conserva
Sim, o sal é também
ausência de objeto
Quando vem diluído nos
temperos
De só se sentir
Mas não se ver
Mas o sal, nas
salinas, é mais:
Obra de arte
geométrica
Concebida pela ação
dos homens
Obra viva, inacabada,
faminta...
Porém, o sal fora das
salinas é mais ainda:
Viaja refinado em
pequenos sacos
Entra no sangue de
todas as classes
Retém a água, aumenta
a pressão e mata.
O sal tem um lado bom?
Lágrimas do coração!
O sal tem muitos
lados:
O lado de fora e o
lado de dentro
O lado que está atrás
e o lado que vem à frente...
Eu passarei, tu
passarás –
Nos tornaremos o sal
da Terra.
CABO FRIO: O VENTO
FALA
(Cenas extraídas do
livro homônimo, publicado em 2005 – prosa-poética. Autor-editor e Íbis
libris Editora)
CENA ll
Quem de longe vê as
pirâmides de sal,
os moinhos enormes
vigiando os homens,
não sabe, não supõe,
o incompreensível
mistérios de tantas vidas
transformadas em sal.
Meu viu, em assombro,
o que eu não podia
ver,
o corpo do engenho de
fabricar sal.
Ele viu as entranhas
da máquina funcionando,
se viu dentro dela,
seus sonhos de menino
sendo devorados sob o
sol dourado.
Sol e sal,
implacáveis!
CENA XVII
O gigantesco sol, o
sol dourado,
concentrações de
luminosidades
sobre um corpo
geometricamente planejado:
as salinas.
Eu olhava, hipnotizado
eu olhava
os retângulos enormes,
vários,
um colado no outro,
azuis.
Um quadro abstrato,
uma instalação
geométrica.
Minha alma migrou para
dentro do arranjo pictórico.
Por quê?
Por que fui eu
arrastado para lá?
Por que quis o destino
que eu fosse beber
daquela água?
CENA XXXVII
O tridente trabalhava
na Coroa dos Moinhos:
um, dois, três...
trinta siris.
Noite de lua
luar
maresia
música das águas.
Lua cheia, branca,
gigante.
Me fui deixando entrar
naquele círculo, arrebatado.
A aura flutuando no
vazio,
enchendo os meus
sentidos, me incendiando por dentro,
me inflando
sentimentos indefinidos,
mas de insustentável
leveza
de me ir tirando o
medo do mundo:
o nosso mundo, o nosso
lar no universo sem fim,
sem fundo.
Porque não há nada
como estar aqui.
Cada um sendo um.
Cada um sendo tudo.
O medo mata?
A incompreensão de a
gente ser, sendo, sem saber o quê e para quê.
Só ser já mete medo.
É o absurdo.
O ser e o nada. O nada
ser. O não-ser. O nada.
Todo o existente
independe de nós!?
E a lua, nas alturas,
flutuava
e as lanternas e os
candeeiros e as tochas flutuavam
e os gestos e os
golpes do tridente.
Tudo flutuava. O homem
flutuava, flutua.
Eu não tinha receios,
eu tinha desejos.
Minha prima, meu amor,
minha lua.
O começo. O fim.
RAÍZES DO
IMAGINÁRIO DO POVO DA TERRA BRASILIS
(poemas
extraídos do livro homônimo, 2º lugar Prêmio de Literatura
do
Sindicato dos Escritores do Estado do Rio de Janeiro - SEERJ)
DANAÇÃO
Os ratos do Congresso
no lixo da nação
Os ratos da nação
no luxo do Congresso
Os ratos de luxo
no lixo do Congresso
O lixo de luxo
dos ratos da nação
REFLEXÃO
Você se queixa
de coisas tolas,
banais:
um copo esquecido
sobre o móvel,
uma meia fora da
gaveta,
um livro no assoalho,
a textura do papel
higiênico,
o cheiro de maconha
que vem do andar de baixo,
o cheiro de incenso
que vem do apê do lado.
Enquanto isso
eu escrevo embriagado
de reflexão:
“O duas vezes
nascido”.
Enquanto isso
eu desço as escadas
que levam ao inferno.
Enquanto isso
eu procuro uma gota de
veneno
no meio do deserto.
PROCESSOS MENTAIS
(poesia inédita -
2007)
Quem quer poetas e
poesias sem conflitos?
Quem quer julgar
processos mentais e estilos?
Quem quer brilhar mais
do que aquilo que vai escrito?
Olhai, poetas, ao
vosso redor
com os olhos livres,
livres, livres...
Livres como Mayakovsky
Tanussi
Elisa Lucinda
T.
S. Eliot
Willian
Blake
As Marinas
Baudelaire
J. G. Rosa
Escutai, poetas, os
Zoroastros vivos –
que injetam sóis nas
veias
através de agulhas
finas...
Olhai, poetas!
Escutai, poetas!
Entrai com amor e
fúria;
que este entrar nas
prisões de psiquiátricos hospitais
e nos porões escuros
das supressões existenciais
já escancara as portas
do futuro...
No extenso horizonte-sangue
no extenso horizonte-sangue
que desenha-se ao longe
enxergo-me nu.
desnorteado.
desordenado.
fugindo de mim no espaço.
e no vôo rasante
rasgo o céu diamante.
esbarro nas tintas d'aquarela-aurora.
por horas fico suspenso.
o globo corroendo minha coluna.
com seu peso.
desacordo.
enxergo dentro de mim.
minhas entranhas podres.
arranco-as fora:
fígado. baço. intestinos.
e poluo os oceanos.
pendente.
com min'alma nas mãos.
sou vil amante do caos.
da solidão.
de perto transmutado.
dilacerado. desfigurado.
no extenso horizonte-morte.
a escuridão escondeu minha face.
estou cego debatendo-me em trevas.
fugindo de mim no espaço.
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