Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

Cláudio Leal (Cacau)

 

claudiodcleal@globo.com

Alessandro Allori, 1535-1607, Vênus e Cupido
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia:


 

 

Crítica, ensaio, resenha e comentário:

  •  

 


Fortuna crítica:

  •  

  •  


Uma notícia do poeta: 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Velazquez, A forja de Vulcano

 

Ana Cristina Souto

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

The Gates of Dawn, Herbert Draper, UK, 1863-1920

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Riviere Briton, 1840-1920, UK, Una e o leão

 

 

 

 

 

 

Cláudio Leal (Cacau)

 

 


 

 ALÉM DAS MURALHAS -(poesia publicada no livro homônimo – 1995  - autor-editor)

 

 

desverbifico minha alma

como até então a conhecera: pétrea

                                              fria

                                              polida

                       para que outra linguagem,

                       menos mecânica,

                       a reinvente...

 

da escuridão que me assombra

arranco a plasticidade necessária: os sons

que nestas folhas

                                fogo-fátuo

                                se acenderão

 

rasgo as visões que me foram forjadas

corto as mãos que me foram implantadas

e faço isso com a prática mental

de quem não pensa no passado nem no futuro

de quem, solitário e avessamente público,

vai derrubando muros invisíveis,

muros que aprisionam o pensamento

                                     o corpo

                                     o coração.

 


 

 

 

 

 

O SAL SEM O MAR

(Prêmio Stanislaw Ponte Preta de Poesia – 1º lugar 1994

 publicação: RIOARTE)

 

lunibrilho tremeluzindo sobr’água

no espelho das salinalágrimas

as luas de Cabo Frio

                                  o vento

                                  areia dunas

                                  e as dunas de sal

teu beijo com gosto de morte-vida

inexplicavelmente insiste ferindo fundo

                                  o coração voraz

o forno

o faro

o farol entre as coxas carnudas

atravessam-me os sonhos

girando sob estrelas inumeráveis

e os lagos girando no pensamento de sal

                                             e sol

                                             e sim

quanto tempo?

quanto tempo há entre o olhar que me lançaste um dia

e o que me lanças agora?

                        lunibrilho tremeluzindo

                        na superfície dos olhos

                        o sal sem o mar

                        cristalizados sobre os poros do rosto

– O vento sopra, o vento fala. 


 

 

  

 

 

O LADO ESCURO DO SOL

(Prêmio Stanislaw Ponte Preta de Poesia – menção honrosa 1995,  publicação: RIOARTE) 

 

um sol vermelho

      de todos

      de ninguém

bóia sobre a baía de Guanabara

traça um arco, esgarça humana pele

violenta a grama do Aterro

      nele não há versos

      nem há espírito

      nem há discernimento

morre, a cada dia, sem saber

o que é

o que deixou de ser

o que foi

o que será

                  um sol de todos

                  vermelho

                  visto refletido na superfície das coisas

                  e aceito por olhos comuns

                  como algo a ser suportado

                  como um deus

                            uma mãe

                            um pai

                            um governo

assim o sol de ninguém

assim esse sol inútil

aceso na imensidão do céu

assim esse sol aceso

esse sol vermelho

ignorante de tudo que o cerca

viverá bilhões de anos

e não terá o prazer do vinho

antes do sexo

nem tocará os lábios

no chá do poeta

nem viu nem verá a queda

                              dos grandes impérios

            é... Sol!

            tu és apenas o lado

                                     Externo.


 

 

 

 

O SAL DA TERRA

(poesia publicada no Perfil 2007, da APPERJ – Oficina Editores)

 

 

O que é o sal no corpo das salinas?

O sal é a morte vestida de branco

Cheia de encantos

O sal é lágrima desta viagem em mim

Através de outros prantos

Poço da alma

Fundo de só se chegar despido e só...

 

O que é o sal na alma?

O sal é o fundo e a superfície de estar não estando

Cor e luz e corte e planos

O sal é chama invisível

Como a palavra

O sal não engana: mata e conserva

Sim, o sal é também ausência de objeto

Quando vem diluído nos temperos

De só se sentir

Mas não se ver

 

Mas o sal, nas salinas, é mais:

Obra de arte geométrica

Concebida pela ação dos homens

Obra viva, inacabada, faminta...

Porém, o sal fora das salinas é mais ainda:

Viaja refinado em pequenos sacos

Entra no sangue de todas as classes

Retém a água, aumenta a pressão e mata.

 

O sal tem um lado bom?

Lágrimas do coração!

         

O sal tem muitos lados:

O lado de fora e o lado de dentro

O lado que está atrás e o lado que vem à frente...

Eu passarei, tu passarás –

Nos tornaremos o sal da Terra.


 

 

 

 

 CABO FRIO: O VENTO FALA

(Cenas extraídas do livro homônimo, publicado em 2005 – prosa-poética. Autor-editor e Íbis libris Editora)

 

CENA ll

 

Quem de longe vê as pirâmides de sal,

os moinhos enormes vigiando os homens,

não sabe, não supõe,

o incompreensível mistérios de tantas vidas

transformadas em sal.

Meu viu, em assombro,

o que eu não podia ver,

o corpo do engenho de fabricar sal.

Ele viu as entranhas da máquina funcionando,

se viu dentro dela,

seus sonhos de menino

sendo devorados sob o sol dourado.

Sol e sal, implacáveis!


 

 

CENA XVII

 

O gigantesco sol, o sol dourado,

concentrações de luminosidades

sobre um corpo geometricamente planejado:

as salinas.

 

Eu olhava, hipnotizado eu olhava

os retângulos enormes, vários,

um colado no outro, azuis.

 

Um quadro abstrato,

uma instalação geométrica.

Minha alma migrou para dentro do arranjo pictórico.

Por quê?

Por que fui eu arrastado para lá?

Por que quis o destino

que eu fosse beber daquela água?


 

 

 

 

 

CENA XXXVII

 

O tridente trabalhava na Coroa dos Moinhos:

um, dois, três... trinta siris.

Noite de lua

luar

maresia

música das águas.

Lua cheia, branca, gigante.

Me fui deixando entrar naquele círculo, arrebatado.

A aura flutuando no vazio,

enchendo os meus sentidos, me incendiando por dentro,

me inflando sentimentos indefinidos,

mas de insustentável leveza

de me ir tirando o medo do mundo:

o nosso mundo, o nosso lar no universo sem fim,

sem fundo.

Porque não há nada como estar aqui.

Cada um sendo um.

Cada um sendo tudo.

O medo mata?

A incompreensão de a gente ser, sendo, sem saber o quê e para quê.

Só ser já mete medo.

É o absurdo.

O ser e o nada. O nada ser. O não-ser. O nada.

Todo o existente independe de nós!?

E a lua, nas alturas, flutuava

e as lanternas e os candeeiros e as tochas flutuavam

e os gestos e os golpes do tridente.

Tudo flutuava. O homem flutuava, flutua.

Eu não tinha receios, eu tinha desejos.

Minha prima, meu amor, minha lua.

O começo. O fim.


 

 

 

 

 

RAÍZES DO IMAGINÁRIO DO POVO DA TERRA BRASILIS

(poemas extraídos do livro homônimo, 2º lugar Prêmio de Literatura  do Sindicato dos Escritores do Estado do Rio de Janeiro - SEERJ)

 

 

DANAÇÃO

 

Os ratos do Congresso

no lixo da nação

 

Os ratos da nação

no luxo do Congresso

 

Os ratos de luxo

no lixo do Congresso

 

O lixo de luxo

dos ratos da nação


 

 

 

REFLEXÃO

 

 

Você se queixa

de coisas tolas, banais:

um copo esquecido sobre o móvel,

uma meia fora da gaveta,

um livro no assoalho,

a textura do papel higiênico,

o cheiro de maconha que vem do andar de baixo,

o cheiro de incenso que vem do apê do lado.

Enquanto isso

eu escrevo embriagado de reflexão:

“O duas vezes nascido”.

Enquanto isso

eu desço as escadas

que levam ao inferno.

Enquanto isso

eu procuro uma gota de veneno

no meio do deserto.


 

 

 

 

 

PROCESSOS MENTAIS

(poesia inédita - 2007)

 

Quem quer poetas e poesias sem conflitos?

Quem quer julgar processos mentais e estilos?

Quem quer brilhar mais do que aquilo que vai escrito?

Olhai, poetas, ao vosso redor

com os olhos livres, livres, livres...

Livres como Mayakovsky

                    Tanussi

                    Elisa Lucinda

                    T. S. Eliot

                                      Willian Blake

                                      As Marinas

                                      Baudelaire

                                      J. G. Rosa

Escutai, poetas, os Zoroastros vivos –

que injetam sóis nas veias

através de agulhas finas...

Olhai, poetas!

Escutai, poetas!

Entrai com amor e fúria;

que este entrar nas prisões de psiquiátricos hospitais

e nos porões escuros das supressões existenciais

já escancara as portas do futuro... 

 


 

 

No extenso horizonte-sangue

 

 

no extenso horizonte-sangue
que desenha-se ao longe
enxergo-me nu.
desnorteado.
desordenado.
fugindo de mim no espaço.

 

e no vôo rasante
rasgo o céu diamante.
esbarro nas tintas d'aquarela-aurora.
por horas fico suspenso.
o globo corroendo minha coluna.
com seu peso.

 

desacordo.
enxergo dentro de mim.
minhas entranhas podres.
arranco-as fora:
fígado. baço. intestinos.
e poluo os oceanos.

 

pendente.
com min'alma nas mãos.
sou vil amante do caos.
da solidão.
de perto transmutado.
dilacerado. desfigurado.

 

no extenso horizonte-morte.
a escuridão escondeu minha face.
estou cego debatendo-me em trevas.
fugindo de mim no espaço.

 

 

 

 

 

 

1.6.2007