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quinta-feira, outubro 16, 2025

O performer

     Foi doloroso mas a Arte assim o exigia. O prego penetrou-lhe a palma da mão esquerda. Ele próprio o martelou. A mão direita ainda hesitou um pouco no momento de exercer a vontade que a animava mas uma vez atirado o martelo sobre a cabeça do prego já nada mais fazia sentido. O mundo parou.

    A dor lancinante disparou em todas as direcções no interior do seu corpo. Aquilo doeu e continuou a doer. Mas artista que se preza não desiste perante as adversidades, a Arte está acima de tudo, como o Deus de Bolsonaro. Ali permaneceu, pregado, um fio de sangue a escorrer parede abaixo, o coração a bater-lhe a mil à hora, a cabeça a rodar, a zunir, confuso que estava.

    A pequena multidão que acorrera à chamada pareceu estupidificada pela violência da performance. Num primeiro momento, sem reacção, congelou mas logo estalou num aplauso magnífico. O Artista sentiu o aplauso, comoveu-se, uma lágrima correu, fez uma pequena vénia dificultada pela posição em se encontrava, pregado à parede. A Arte é Vida. E vice-versa.

sexta-feira, julho 04, 2025

Nem sei que te diga

     Um tipo acorda de manhã a sonhar com o dia que aí vem e com dias passados, um gajo acorda a sonhar. Um gajo sente-se bem. Imagina-se especial. Acordar, sonhar, sentir, imaginar, suave sequência verbal. Prometedora.

     Promessas feitas por encomenda abstracta dificilmente poderão realizar-se de forma a contentar quem delas nada esperava mas que, ao imaginá-las, acreditou virem a ser possíveis para além daquilo que se atrevera a desejar. Protejam-me dos meus desejos. Protejam-me daquilo que eu quero. Qualquer coisa para traduzir a máxima infinita: Protect me from what I want. Espantosa síntese da condição humana estabelecida por Jenny Holzer.

     Jenny, reconheço a magnificência do que afirmaste mas não sei se te agradeça.

sábado, julho 13, 2024

Ser (o fantasma)

     Pode a invisibilidade crítica provocar azedume ao ponto de causar forte azia e levar o invisível (o fantasma) a vociferar que nem um porco? Pode. Pode o anonimato levar o anónimo (o fantasma) a desesperar ao ponto de pensar em largar os pincéis e dedicar-se à pesca com cana e anzol? Pode. Pode a falta de reconhecimento público fazer crescer dentro do ignorado (o fantasma) uma inveja biliosa que ele confunde com injustiça? Claro que sim, pode.

    Pode um gajo persistir em fazer pintura, desenhar, imaginar e sonhar, década após década sem que nada de relevante aconteça e ele (o fantasma) se vá esquecendo de quem foi, fique confuso com aquilo que é e, apesar de tudo, deseje ser algo diferente (do fantasma) um dia que ainda está para vir. Sim, pode (que aborrecido). "Pode alguém ser quem não é?" Isso, agora...

quinta-feira, julho 11, 2024

Reflexão indolente

     O discurso da crítica, estou a pensar na crítica das artes plásticas mas penso que a coisa se pode estender a outros géneros de expressão artística, vive muito do gosto pessoal de quem critica. É pouco justo? É. É potencialmente faccioso? Sem dúvida. Parcial? Vale a pena continuar a desfiar as contas deste rosário? É tudo isso e um par de botas. 

    Mas, outro aspecto interessante deste, chamesmo-lhe: universo; é o facto de haver muita arte produzida por muitos artistas que, simplesmente, não existe (nem a arte nem o artista). Ou melhor, existe num limbo muito particular que é o da invisibilidade crítica. Como se rompe este véu que impede o público de ver o que está em causa? Também não sei.

    Na verdade tenho cá a impressão de que as coisas poderiam ser de outro modo, poderiam ser diferentes, poderiam... mas não são. São assim mesmo e eu, continuo a dizer a minha (já velha) frase: eu sei que não existo, no entanto estou aqui.

sexta-feira, abril 12, 2024

O Jardim das Tentações

     Ver uma pintura de Bosch é como aprender o deslumbramento. Por vezes sinto uma vaga inveja dos que vivem em Madrid mas resolvo a questão com uma ida ao Museu Nacional de Arte Antiga. Graças a Deus temos ali As Tentações de Santo Antão, a pintura que, seguramente, mais tempo de reflexão me ofereceu ao longo da vida.

    Há quem diga que se trata da obra mais espectacular de Bosch mas O Jardim das Delícias não lhe fica atrás. Vi esse tríptico uma única vez durante não muitos minutos e tenho dele uma saudade imensa. Um dia terei de regressar a Madrid, a plantar-me na sala do "Jardim" durante o tempo suficiente que me permita algumas janelas de oportunidade para o olhar com sossego, sem muita gente a incomodar. Consigo fazer isso com facilidade no MNA, poderei fazê-lo no Prado?

    Nem sempre consigo mas, por vezes, tenho lampejos de lucidez que me permitem aproximar vagamente de uma linguagem "boscheana" nos meus trabalhos. Muitas pessoas estabelecem uma relação directa entre muitos dos meus desenhos e o mestre, o que me surpreende pois eu próprio não veria essa relação se não me fosse apontada. 

    Quero criar um Jardim das Tentações mas duvido da minha capacidade de concentração. Como faria Bosch para pintar os seus mostrengos? Que estranho raciocínio, que inesperadas associações, que inventividade! A vantagem é que, em caso de falência imaginativa, posso sempre copiá-lo!

domingo, agosto 14, 2022

Adeus Senhora das Aparições

    Estou a pensar na exposição de Paula Rego no Museu Picasso de Málaga https://www.museopicassomalaga.org/.../paula-rego-expo-esp uma pequena exposição que funciona como excelente introdução para quem não conheça a Nossa Senhora das Aparições. Paula Rego faleceu entretanto, entre a abertura e o fecho da exposição (no próximo dia 21 de Agosto). Então isto é como uma despedida, é uma nostalgia, é uma oração a deuses eventuais que possam existir e, caso não seja pedir-lhes demais, que possam fazer com que Paula Rego seja recordada enquanto houver gente sobre este mundo.

     

     

terça-feira, junho 14, 2022

Inconstância

     É assim, afinal sou um gajo inconstante apesar de imaginar o contrário. O facto de estar próximo de tropeçar no meu sexagésimo aniversário não contribui de forma decisiva para que me torne uma pessoa sólida como uma estátua clássica. Sinto-me antes um mobile de Calder.

    Tem dias em que me contenho para não escrever diversos posts, noutros surge o tema, surge a vontade mas falta a oportunidade mas, o mais comum, é apetecer-me ser um bovino e ir pastar para a encosta verdejante de uma colina açoriana. Passo vários dias sem escrever nada neste recanto perdido do mundo virtual.

    Talvez esta inconstância tenha a ver com um certo temperamento artístico que me anima e me faz sonhar. Acredito piamente no impulso e nas qualidades profiláticas dos erros que cometo. A criatividade não tem regras definidas e quem nisso acredita ou é ingénuo ou demasiado vaidoso para admitir que aquilo a que chama "estilo" pouco mais é do que incapacidade de fazer outra coisa que não aquilo. Quase exactamente. 5% de inspiração e 95% de transpiração? Que pivete.

    É evidente que a prática e a técnica são elementos fundamentais no trabalho artístico. Principalmente quando andamos nisto há várias décadas e a inspiração febril dos nossos vinte anos já se gastou ou está à beira da extinção. É aí que nos tornamos cerebrais, professorais e, em raros casos, haverá quem se torne genial. Mas não há nada que substitua o glamour da inconstância.

segunda-feira, julho 12, 2021

Desenho

Ser artista não é coisa evidente. Podem dizer-to e tu sem seres capaz de acreditar. Podes pensá-lo e os outros sem se aperceberem do que te vai na alma. Isto porque aqueles que se proclamam artistas aos sete ventos costumam ser olhados de soslaio: tanta publicidade deve ter uma base enganosa. O povo desconfia muito.

Se és de origem popular, então também desconfias. Muito. Eu sou do povo e não tenho grande confiança na minha cabeça quando ela pensa e me segreda ao coração: "és um artista". Pois, já me tinhas dito. Eu quero acreditar, mas desconfio.

Este problema é aparentemente insolúvel. Não há fórmula química nem operação matemática que forneça resposta satisfatória. Não há tratado nem obra publicada que esclareça a questão ou ofereça solução viável. Como resolver tamanho pequeno mistério? Como tentar encontrar uma pista que me leve para fora do labirinto de dúvidas que me aprisiona?

Bom, só tenho encontrado uma forma de tentar resolver esta coisa. Desenho.

sábado, janeiro 18, 2020

A lógica do Urinol

Ah, como é reconfortante que, por uma vez que seja, a polémica se desdobre em volta de um objecto artístico; ou será que a raiz da polémica é o artista que criou o objecto artístico? Terceira possibilidade, bem mais prosaica e enfadonha: a polémica reside no vil metal, sempre o vil metal. Haverá ainda uma outra via de análise, a da necessidade de ter razão, arrotando a derradeira posta de pescada, mas não valerá a pena ir por aí que o espaço é curto e o tempo escasseia para todos.

Longe vai a época em que a Academia das Belas-Artes decidia do alto da cátedra o que era e o que não era Arte (assim mesmo, com maiúscula). Não havia grande discussão. Em 1863 deu-se em Paris um grito semelhante ao então recente Grito do Ipiranga. Foi no célebre Salon des Refusés, exposição paralela à da Arte do Salon, validada pela Academia, onde pontuavam, entre outros, artistas menores como Manet ou Cézanne, cuja pintura não era mais que ridícula e grotesca. A partir daí a coisa foi-se desenrolando até que explodiu definitivamente com as vanguardas artísticas do início do século passado, tendo como obra emblemática A Fonte, da autoria de Marcel Duchamp que consistia, como será do domínio público, num urinol deitado e assinado: R. Mutt, 1917 (segundo a Wikipedia terá um valor de mercado actual de cerca de 3 milhões de euros). Esta foi considerada, por um painel constituído por historiadores, curadores, galeristas e outras sumidades do universo das artes plásticas, a mais importante obra de  toda a Arte produzida no século XX. Um urinol, benza-nos Deus!

Aqui chegados aceleremos em direcção a Leça da Palmeira e a A linha do Mar, obra polémica de Pedro Cabrita Reis que tanto tem dado que falar. O artista fez publicar um texto neste jornal que desagradou aos seus detractores tanto pelo modo como afirmou a sua autoridade quanto pela argumentação estética. Apontaram-lhe a falta de humildade, como se a humildade fosse uma qualidade necessária para a validação do discurso e do objecto artístico, e puseram em causa que o artista possa decidir se a sua criação é ou não Arte (ou arte, com minúscula). 

João Miguel Tavares escreveu um divertido texto, “Serenamente, Cabrita Reis e a lógica da banana” onde conclui que “A lógica da batata foi ultrapassada. Hoje impera a lógica da banana.” A meu ver, a causa principal do espanto que conduz à polémica é o valor que a Câmara de Leça pagou pela obra e os valores absurdos que caracterizam o Mercado da Arte actual. Seja lógica da batata, da banana ou do urinol, é a liberdade do tão incensado “mercado” que estará, verdadeiramente, em causa. Mas, como todo o bom neoliberal sabe e defende, os mercados auto-regulam-se. Pois então, deixemos o Mercado auto-regular-se em paz, que raio! Diz o Povo que ao tolo, quando lhe apontam a Lua, ele se fica pela contemplação do dedo que lha indica. Não sei se aplica nesta situação mas é tentador acreditar que assim seja.

Carta enviada ao Director do jornal Público

domingo, setembro 30, 2018

A Arte não é para todos

 Um Amor Assim É Coisa Pra Não Ter Fim (2018)

Escrevo o título deste post e fico a pensar na diferença entre Arte e arte. Lembro-me de ser miúdo, quando, naquele mundo distante, os artistas eram os pedreiros e os carpinteiros. Depois cresci e fui modificando a forma como filtrava a palavra "artista". Durante muito tempo era sinónimo de vigarista ou de habilidoso, alguém que se safava na vida através de uma certa esperteza, as mais das vezes, saloia.


Estava longe de imaginar que um dia viria a ser considerado um artista. Nem pedreiro, nem espertalhão, mas um outro tipo de artista. Plástico.

Mas o que caracteriza um artista plástico neste Portugal do século XXI? Sinceramente, a resposta é algo que me escapa. Não sei como explicar. Tenho umas ideias...

Olhando para o panorama das artes plásticas tal como se me oferece através da janela dos meios de comunicação, quando a Arte é com "A", percebo que não faço parte daquela paisagem. Significa isso que, nas artes plásticas, há mais do que um mundo? Sim, obviamente.

Já aqui o escrevi mais do que uma vez: a minha arte é com "a". É o meu desejo, é a minha fé. Sonho produzir objectos que permitam estabelecer comunicação com um número alargado de pessoas, mesmo aquelas que desconfiam de mim e da minha arte por não terem o hábito nem a presunção de compreender o que está perante os seus olhos.

A meu ver a arte deve abrir hipóteses e oferecer possibilidades. Livremente e sem complexos. Sei bem que a Arte não é para todos.

sábado, junho 30, 2018

Arte e artistas

Muitos pretendem oferecer ao espectador comum a possibilidade de compreender o processo criativo de um artista. Tenta-se lá chegar de diferentes maneiras, seja o artista vivo ou morto. Com os vivos é sempre possível fazer uma entrevista, tentar pô-lo a explicar como lhe saem os objectos artísticos lá de dentro. Com os mortos, caso não haja registos escritos de declarações suas, a coisa fica mais complicada.

Não me parece que, perante um artista e a sua obra, seja objectivo fundamental tentar a compreensão do processo criativo que o anima. Na minha qualidade de espectador e fruidor do fenómeno artístico, parece-me mais interessante a relação que consigo estabelecer com o objecto e, por via dessa relação, talvez também com o artista.

Não se tenta compreender a magia. Ela acontece.

quarta-feira, fevereiro 28, 2018

Ser artista

Será tudo isto uma questão de vaidade? Escrever, desenhar, querer fazer arte será uma mera questão de afirmação pessoal, uma necessidade insaciável de sair da massa, destacar-se da mediocridade mesmo arriscando ser medíocre?

Quando o dia amanhece ainda nocturno a dúvida ganha nitidez por contraste com a escuridão envolvente. Aquilo que passaria desapercebido lá para o fundo da sala, escombro desprezível encostado ao canto, fica visível como um néon a piscar, avariado.

A questão incomoda um pouco. Afinal de contas a velha "vanitas" é fortemente censurada pela moralidade construída a partir do sentimento cristão. Eu tive uma educação católica. Faz comichão e não consigo alcançar o ponto comichoso para o coçar, não sou capaz de aliviar o incómodo.

A primeira vez que fui confrontado com esta dúvida foi durante a leitura de Narciso e Goldmund, de Herman Hesse.  Passava então pelos meus 18 ou 19 anos e havia entrado na Escola Superior de Belas-artes. Li o livro no contexto da disciplina de Estética e, a partir dele, realizei um trabalho teórico de que já não consigo recordar o tema mas que estava, decerto, relacionado com o fascínio que então sentia (e que ainda sinto) pelo mundo e pela arte da Idade Média na Europa.

Desde então que esta pergunta habita a minha alma. A maior parte do tempo é uma pergunta adormecida mas, de vez em quando, ela acorda e deixa-me um pouco inerte, um pouco hesitante. Talvez seja necessário possuir um ego desmesurado para se ser artista, uma certa dose de soberba e um amor-próprio digno de um crocodilo do Nilo.

Seja!

terça-feira, janeiro 05, 2016

Autoria

Vai por aí uma certa polémica relacionada com a suspeita de que algumas obras atribuídas a Hyeronimus Bosch não serão da sua autoria. É uma questão complicada que merece, pelo menos, um sorriso.

Os argumentos apresentados por quem rebate a mão do mestre nas ditas obras baseiam-se, tanto quanto pude compreender, na observação do estilo do desenho ou na técnica da pincelada. Que são diferentes nestas obras quando comparadas com outras, assinadas. Acredito piamente.

A minha dúvida (e o meu sorriso) desprende-se da constatação de que um artista muda e evolui. Ninguém é constante ao longo do trabalho de uma vida. Outro ponto interessante é que o material acaba e, por vezes, experimenta-se outro. Ainda para mais, na época em que Bosch trabalhou, era nos ateliers que os artistas produziam os materiais com que trabalhavam, não existiam marcas de produtos artísticos à venda em grandes superfícies comerciais.

Enfim, esta treta toda para reflectir um pouco sobre a importância da autoria numa sociedade de consumo descontrolado, como é a nossa.

As obras referidas (3 que estão no Museu do Prado, em Madrid) foram, até hoje, admiradas como fazendo parte do legado extraordinário que Bosch deixou à Humanidade. Além dessa qualidade, por serem atribuídas ao Mestre, valiam milhões, o seu preço era incalculável. Convenhamos que, nos dias que correm, este é um factor determinante para a qualidade do que quer que seja. Se não é de Bosch, o valor em euros cai a pique, logo a qualidade da coisa cai ao lado.

Assim sendo, a partir do momento em que perderem o nome de Bosch, estas obras passam a ser uma merda? Estou-me bem a lixar se o trabalho é deste ou daquele. A qualidade está lá, na superfície pintada, na energia que emana da pintura, na magia do objecto. O nome, a assinatura, não passam de pormenores.

sexta-feira, abril 17, 2015

Hélder e Helder

Quem não cria arte facilmente mete o pezinho na poça manhosa do mito romântico do artista. O ser arrebatado, vestido de negro, vivendo no alto de uma torre de marfim rodeada por um fosso repleto de crocodilos metafísicos; um ser soturno, constantemente atormentado por grandiosas visões nas quais o mundo lhe é revelado tal qual ele é (insuportável visão para o mortal comum que o génio se vê obrigado a carregar qual besta albardada calcorreando os caminhos da eternidade); artista tristonho, cara fechada, cara pálida, lilases e brilhantes olheiras, a carne prestes a ser rasgada por ossos pontiagudos: assim é um artista que merece ser admirado! 

É este ser misterioso e pouco dado ao calor do contacto humano, este ser habitante das longas sombras que a solidão projecta sobre a aridez do mundo, este ser de nevoeiro feito, este monstro da sensibilidade inteligente, este génio inalcançável, que olhamos com uma expressão de contido espanto, é uma coisa mais ou menos com esta forma de assim que nos habituamos a imaginar ser “o” artista.

Um artista será tudo e isso e, precisamente, o oposto absoluto ou, mais concretamente, uma incerta mistura de ambos e mais um ou outro que não consigo agora imaginar como seja. Resumindo: um artista é uma pessoa tão vulgar como as outras e tão invulgar como as demais. É abusivo pretender que o artista se confunda com a sua obra e vice-versa. Pode acontecer mas não é uma constante obrigatória. Já os conheci chatos como o caraças com obras espantosas e excitantes; extremamente interessantes, de verbo fácil e conhecimento vasto com obras mais enfadonhas que a biqueira de um sapato; convencidos, arrebatados, modestos, altos, baixos, magros, de todos os sexos, alguns nem uma coisa nem outra, nem um pouco mais ou menos. As suas obras, por vezes a carinha chapada do autor, outras vezes surpresas absolutas (Nunca imaginaria que eras capaz de fazer uma cena como essa!).


Tal e qual os meus amigos que trabalham nas mais variadas profissões, que vivem as mais diferentes vidas. Uns sofrem, outros são felizes e estas condições são flutuantes. Nem todas as pessoas extraordinárias são artistas, nem todos os artistas são pessoas extraordinárias. Lá no fundo todos somos pessoas. É só isso. 

domingo, janeiro 07, 2007

Um Kokoschka

Está no "Diálogo de Vanguardas". Não posso dizer que discreto, por entrar tão nítidamente na retina, mas sóbrio no porte e nos processos, este cartaz de Oskar Kokoschka é um (de muitos) espaço de prazer no percurso da exposição na Gulbenkian.
Kokoschka (escrever o nome deste gajo é um estranho prazer) foi um artista apanhado no turbilhão do início do século XX, capaz de inventar uma forma de expressão pictórica muito especial, dando à representação do corpo (e do rosto) humano uma dimensão psicológica incomum.
Uma personagem a bisbilhotar.

sábado, dezembro 16, 2006

O Futuro


"Nos tempos futuros a obra de arte será substituída pela realidade imediata do mundo que nos rodeia realizado em expressão criadora pura. Mas para o conseguir é necessário que nos orientemos no sentido de uma ideia universal e que nos libertemos da tirania da Natureza. Então já não teremos necessidade de quadros nem de esculturas porque viveremos dentro da arte tornada realidade. A arte desaparecerá à medida que a própria vida ganhar em equilíbrio. Por agora a arte ainda é de importância superior porque, por uma via directa e isenta de ideias individuais, demonstra de um modo criador as leis do equilíbrio."

Piet Mondrian, Plastic Art and Pure Plastic Art (ensaios 1937-1943), Nova Iorque, 1947,
retirado de Documentos Para a Compreensão da Pintura Moderna de Walter Hess, ed. Livros do Brasil


Bem vistas as coisas, Mondrian ficou longe de ser profeta credível.
A menos que o Futuro seja aquela tal coisa que nunca mais chega e foge sempre que nos aproximamos dela. Sim, porque se algum dia vivermos o futuro ele será imediatamente transformado em presente e, num piscar de olhos, será já o passado.
Se assim for, a profecia de Mondrian sobre o destino da arte nunca se concretizará por não ser possível a ninguém viver o Futuro.