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terça-feira, agosto 27, 2024

Vaidade e miséria

     Muitos de nós, precisam de sentir que são importantes. Para sermos felizes (ou algo aproximado) precisamos de sentir que outras pessoas escutam atentamente quando dizemos um disparate qualquer, que outras pessoas nos olham quando passamos na rua ou entramos na pastelaria; precisamos de sentir que não somos invisíveis, como o mendigo andrajoso, ali de rastos à porta do supermercado, invisível por ninguém olhar para ele. Provavelmente mal saberá falar.

    Pelas razões atrás expostas, muitos de nós falam aos gritos nem que seja para explicar como cozinharam frango cozido; vestimo-nos como palhaços de circo fingindo ter escolhido aquelas roupas por mero acaso (a graça é um dom) e fazemos vista grossa à miséria que à nossa volta prolifera. Acima de tudo fazemos vista grossa à miséria que arrastamos agarrada à nossa sombra projectada.

segunda-feira, novembro 27, 2006

Motor da criação

"Super Star" by Zena El-Khalil

Foi capa da revista Pública ontenzinho, Domingo pacato por estas bandas não fossem as chuvadas e as cheias que fazem o mundo ao contrário e põem os peixes a passear nas praças das cidades e os barcos a ignorarem as estradas, lá em baixo, no fundo e não nos falecesse esse tal Cesariny que é agora alvo de todas as setas que a aljava do elogio fácil trazia para gastar e tardavam em ser disparadas. Zing, zuuuut, poc! Na mouche! Ele era o poeta genial, o pintor que não podia deixar de o ser por já ter sido aquilo mesmo e o mais que o mármore das virtudes humanas possa suportar de tão polido e mais lambido. Ai Cesariny, guardado estava o bocado e bem sabias que o havias de comer! Que te faça bom proveito na viagem e não te falte o imprescindível óbulo para que o taciturno barqueiro te leve onde haverás de ficar.
Regressando ao árabe sorridente, em stencil rosa sobre fundo techno-pop, temos a reportagem de Alexandra Prado Coelho nas páginas da dita revista, ontenzinho mesmo, Domingo cá na paróquia, sobre um evento extra mas ordinário. Uma exposição de jovens criadores, artistas plásticos (coisa ordinária) cujas obras foram realizadas em Beirute ao som dos tambores da recente guerra que deixou a cidade com as tripas ao pé da boca (coisa extra). http://electronicintifada.net/v2/article5868.shtml
A imagem é banal e quase pueril mas, também ela, igualmente extraordinária. À ordinarice da forma e da técnica teremos de somar o extra de se tratar de um retrato de Nasrallah, gerado na urgência que traz ao gesto mais banal a grandeza artística que tantas vezes por estas bandas discutimos sem lhe encontrar motivo nem destino.
Diz o mestre Gombrich na sua História da Arte (logo a abrir para aclarar as águas) que essa coisa que chamamos Arte (com "A" grande) não existe. De facto não será mais que uma falácia inventada pelos guardiões do templo da Academia, uma corja de senhores afundados nos fatos complexos com que vestem os seus bonequinhos que gostam de imaginar inquestionáveis, os cânones eternos de uns quantos princípios muito estéticos mas pouco éticos. Para Gombrich o que existe de assinalável e interessante serão os artistas, esses sim, merecedores de atenção e objecto de reflexão. A obra de arte depende sempre de um tempo e de um espaço, uma certa conjuntura que envolve o artista e determina os contornos e o âmbito do seu trabalho.
Este Nasrallah cor-de-rosa, irmão quase gémeo da Marylin de Warohl, ultrapassa a banalidade mais abjecta a que estaria condenado pelo facto de ser criado e olhado sob os clarões das bombas que explodiram (e decerto voltarão a explodir) nas ruas de Beirute. Tivesse sido um dos meus alunos de Oficinas de Arte a fazê-lo (muitos usam a mesma técnica nos seus trabalhos) e estaria condenado à indiferença dos olhares.
Este pink-pop-terrorist está a correr mundo por fazer a ponte entre um conflito lá longe e as formas artísticas que nos são próximas. Podemos olhar esta imagem e compreender qualquer coisa uma vez que a forma nos é familiar e faz do sujeito representado algo mais perceptível. Um herói para um número considerável de árabes e de libaneses, um terrorista aos olhos de muitos de nós, ocidentais aborrecidos com o preço dos DVD e o excesso de gorduras nas refeições do Mc Donald's.
Não é por nada, mas uma guerrazinha havia de pôr muito artista cá da praça a bolir doutra maneira, mais com o coração e menos com as mãos, mais com Fé na grandeza do Ser Humano e menos com a petulância de quem se compraz com a redondeza jeitosinha da respectiva pancinha.
Estarei a ser moralista? E depois? Estou-me bem a cagar! De tanto fugirmos da Moral abrimos a porta a toda a espécie de filhos-da-puta e agora bem que nos fornicam o juízo e ainda por cima temos de lhes pagar para nos deixarem em paz.

segunda-feira, novembro 06, 2006

Arte, para que te quero!?

Tríptico da Salvação, RSXXI, acrílico sobre papel, 2005
(clicar sobre a imagem para visualização mais apropriada)

Afinal de contas para que poderá servir a pintura numa época que se reclama pós-moderna? Para reflectir sobre os seus códigos próprios e os seus limites e fronteiras? Para exposição mais ou menos apática das minudências esquemáticas do ser que a produz? Faz sentido rebuscar na tradição pictórica temas e narrativas, revestindo tudo com novas perspectivas observadas à luz da época contemporânea actual? Porra, que sentido pode ter a produção artística num contexto tão fragmentado e longínquo de si próprio como aquele em que nos movemos quotidianamente?
Correndo o risco de parecer um tremendo bota-de-elástico (que expressão mais démodée!) reclamo o regresso de uma dimensão moralista em que o discurso sobre a virtude e o vício ganha forma metafórica, à maneira dos neoclássicos, despindo-lhe o carácter académico do discurso formal. Ou, dourando um pouco a pílula, engajando o discurso pictórico a causas sociais e políticas definidas como fizeram os pintores do realismo oitocentista ou alguns expressionistas e dadaístas, lá mais para a frente e mais cá para trás.
Penso que só faz sentido pintar quando se pretende intervir. A arte pela arte, a arte sem objecto, a arte que discursa sobre questões abstractas da relação dos elementos básicos da linguagem visual com o campo limite e suporte dos materiais actuantes, parece-me uma absoluta chatice, incapaz de fazer com que o olhar do espectador ultrapasse o estado de bovinidade que atingiu por causa da indiferença relativista que a modernidade anunciou e a pós-modernidade adoptou como estratégia de artistas diletantes, mestres da pose mediática e ignorantes absolutos das técnicas e dos discursos históricos.
Reclamo então que a arte deve regressar ao campo de batalha de forma agressiva e discursando ininterruptamente sobre as questões do mundo circundante, olhando-o, criticando-o, tentando forçar a iluminação do espírito que a observa. Com brutalidade e contundência. Não há outra forma de o fazer.