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sexta-feira, novembro 27, 2020

Reunidos


As reuniões online são espaços de comunicação estranhos. Os intervenientes estão todos encaixados em pequenos rectângulos, alinhados como produtos de consumo nas prateleiras de supermercado. Falamos. Um de cada vez. Olhos baixos, olhos em riste, cada um parece navegar nos seus pensamentos. Estamos todos no écrã mas cada um no seu espaço particular. Somos cabeças, troncos, talking heads, tanto quanto posso imaginar alguns poderão nem ter pernas, nem ser pessoas.

O tempo alonga-se. Será consequência deste espaço virtual? Teremos nós uma existência alternativa quando nos enfiamos na rede? Como peixes, como pixels, como crianças largadas na floresta com migalhas de pão no fundo dos bolsos?

"Sua conexão com a internet está instável", o aviso surge num rectângulo cinzento translúcido, as vozes dos outros ganham tons metálicos, gorgolejam como se fossem aspiradas por um ralo virtual, levadas para o fundo deste mar de entulho onde mantemos os nossos pequenos botes a boiar. Temo que haja tubarões e monstros que comem tubarões.

As reuniões online não atenuam a incrível carga burocrática que nos pesa nos ombros como canga a amestrar o boi. Começo a sentir uma ligeira vertigem, uma súbita vontade de ir embora, levantar o cu desta cadeira e pôr-me ao fresco. Desligo a câmara, desligo o som. Fumo um cigarro.

Ir embora não implica sair do lugar.

quarta-feira, janeiro 23, 2019

Tweets, posts e likes

A perfeição sempre foi uma miragem mas, agora, neste "tempo detergente", quando as redes sociais exigem das figuras públicas uma correspondência absoluta entre o seu comportamento e as expectativas de todo o "Zé da Esquina" e respectiva "Zeza dos Ovos", a perfeição entrou definitivamente na categoria alegórica de "unicórnio".

A proximidade é tanta que podemos ouvir as pessoas mais distantes a pensarem dentro da nossa cabeça. São tweets, são posts, são likes, são emojis, são mensagens de todas as formas e feitios a caírem constantemente nas redes que cobrem todo o planeta como imensas spider webs. Falta saber com exactidão quem é a spider de atalaia nas webs que frequentamos e ajudamos a tecer.

A coisa é muito complexa. Somos, em simultâneo, as aranhas que tecem a rede e as moscas incautas que nela vão ser aprisionadas e transformadas em recurso alimentar para suprir alguma fome futura. Nem sei se o que digo faz algum sentido, de tal modo ando confuso.

Voltando ao princípio: a perfeição moral e o comportamento impoluto passaram para a esfera do Divino; literalmente. Já nenhum de nós pode aspirar à admiração geral pois a forma como coçamos a cabeça ou o modo pouco humano como nos referimos às focas bebés podem provocar uma onda de rejeição que não conseguimos antecipar.

Cada um de nós é, à sua maneira e escala, uma figura pública. Estamos sujeitos a um policiamento implacável feito por entidades virtuais, trolls sem face, policiamento esse capaz de gerar sofrimento a qualquer momento. A violência dos ataques à personalidade de cada indivíduo (tal como as manifestações de admiração e de amor) é directamente proporcional à sua popularidade e visibilidade social.

Pode ser um like mal interpretado, um emoji desajustado ou a partilha de alguma cena menos recomendável. Andamos por este mundo como cegos que não têm capacidade de perceber quão próxima está a escarpa que se  precipita na garganta do inferno.