Diálogos Latinoamericanos
Boxer, Charles Ralph (1962) A idade de ouro do Brasil:
dores de crescimento de uma sociedade colonial. Tradução de
Nair de Lacerda; prefácio à terceira edição de Arno Wehling;
prefácio à primeira edição de Carlos Rizzini. 3ª. ed., Rio de Janeiro,
Nova Fronteira, 2000, 405 pp.
Marcelo Módolo*
Foi publicada pela Editora Nova Fronteira — com caráter de
ineditismo —, a tradução de The Golden Age of Brazil, 1695-1750:
growing pains of a colonial society do historiador inglês Charles Ralph
Boxer, considerado por muitos como o "decano dos brasilianistas".
Ineditismo, pois foram necessários 37 anos desde a primeira edição1, e
trinta e um após a segunda2, para que “A idade de ouro do Brasil” (Nova
Fronteira, 2000) fosse relançado entre nós, durante comemorações dos 500
anos do Descobrimento.
Publicado originalmente nos EUA, o livro, na época, apontava para um
novo olhar sobre nosso período colonial, a expansão portuguesa em terras
castelhanas, as invasões estrangeiras e a especificidade da sociedade do
ouro nas Minas Gerais.
A escolha do período de análise, 1695-1750, justifica-se na medida em
que nessa fase ocorreram mais mudanças no Brasil colônia do que nos dois
séculos iniciais da colonização: o Brasil que costumamos representar
mentalmente teve sua configuração definida nesses anos. Em relação ainda
a esses cinqüenta e cinco anos, destaca-se a exploração do ouro, que
começa em torno de 1700, e o Tratado de Madri, que é de 1750.
Estruturalmente, a obra compõe-se por 12 capítulos, 8 apêndices,
bibliografia e notas bibliográficas. Tudo feito com base em um primoroso
trabalho de documentação, no qual o autor sempre procura costurar suas
afirmações com reflexões já feitas sobre o assunto, em forma de notas.
O leitor de "A idade de ouro do Brasil" logo notará que Boxer não teve
muito tempo para vasculhar documentos em arquivos brasileiros, conforme
"Agradecimentos" das pp. 25-26 e bibliografia. Convidado pelo
embaixador brasileiro em Londres, Assis Chateaubriand, o historiador
inglês veio ao Brasil na primavera de 1959 para uma visita oficial, sob os
auspícios da Sociedade de Estudos Históricos Dom Pedro II e dos Diários
Associados. Cumpriu agenda carregada de solenidades e encontros com
intelectuais da época, o que deve ter atrapalhado a sua atividade de
pesquisador. A primeira edição do livro seria lançada três anos mais tarde
e, ao que nos consta, sem outra visita aos arquivos brasileiros. Eis aqui o
âmago da questão: Boxer fez uma esmerada leitura de fontes secundárias,
já impressas. Pouca contribuição deu em termos de pesquisa ou descoberta
de fontes primárias. Entre o material impresso que utilizou, destacam-se
Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas, de André João
Antonil, de 1711 e História geral das bandeiras paulistas escripta à vista
de avultada documentação inédita dos archivos brasileiros, hespanhoes e
portuguezes de Affonso de Escragnolle Taunay. De fontes manuscritas, os
Livros de ordens régias para o período 1695-1750, do Arquivo Público do
Estado da Bahia p. 394; alguns códices do Arquivo Público Mineiro p. 395;
um único códice do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro p. 395;
alguns documentos da Coleção Lamego da Universidade de São Paulo p.
395, infelizmente em sua maior parte ainda inédita; e o Códice Costa
Matoso da Biblioteca Municipal de São Paulo p. 389 e p. 395. Sem contar
os papéis de Portugal do Public Record Office (PRO) p. 395, de Londres,
cidade onde morava e era titular da cátedra Camões do King's College. Ora,
atualmente, tudo isso, segundo Gonçalves (2001) com exceção da
documentação do PRO, já é conhecido pela historiografia brasileira,
inclusive o livro de Antonil, comum nos departamentos de História e Letras
da USP. O Códice Costa Matoso, inclusive, já pode ser inteiramente lido
em edição impressa da Fundação João Pinheiro, de Belo Horizonte, em 2
volumes, com anotações feitas por uma equipe de pesquisadores liderada
pelo historiador Luciano Raposo de Almeida Figueiredo, da Universidade
Federal Fluminense.
Absolutamente nada contra a documentação impressa, mas não há
dúvida de que boa parte das fontes que Boxer teve à mão era formada por
livros de historiadores tradicionais, que não tinham ainda o bom hábito de
citar a origem da informação que passavam ao leitor. As imprecisões e
erros eram, portanto, repetidos, por conta de pouco rigor filológico, de
pouco contato com as fontes primárias. Curiosamente, o autor adota
posição ambígua ao comentar os trabalhos de Augusto da Lima Júnior:
"Embora o autor destes trabalhos nem sempre indique a fonte de suas
citações de documentos históricos, não vejo razão para duvidar de sua
exatidão essencial, como fazem alguns de seus colegas brasileiros."p. 388.
O apoio nesse tipo de historiografia tradicional parece ainda ter levado
Boxer a fazer algumas considerações um tanto heterodoxas, já pela época
de lançamento desse livro, por exemplo: "Mesmo depois de ter a
experiência provado a superioridade muitíssimo maior do negro, tanto
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como empregado doméstico, nas casas, como nos campos de cultura, a
escravização de ameríndios continuou, ..." p. 44. (Grifo nosso.)
Alguns deslizes na tradução e revisão parecem não macular o
conteúdo dessa edição, por exemplo: "Os dois últimos livros foram
traduzidos para o portugês." p. 16 (português); "Pequenas granjas e
fazendas depressa se foram instalando ao longo das estradas, (...)" p. 71 (
foram se instalando depressa). A edição também ganharia em muito se os
mapas, gravuras e desenhos encartados tivessem as cores originais e não
em preto-e-branco, como estão.
Mas, mesmo com documentação impressa, Boxer consegue, com
sensibilidade, ser muito sugestivo. O IX capítulo, sobre as "Vacarias" no
séc. XVIII, deveria ser lido com cuidado pelos lingüistas que fazem a
história social do Português brasileiro (PB), pois nele o autor trata de três
movimentos migratórios ainda pouco estudados: i) para o vale do rio São
Francisco, ii) para a região do Piauí e iii) para o Rio Grande, no sul.
Igualmente os capítulos X e XI são sugestivos para se ver a fixação da
população em território brasileiro. Virtudes ainda de um clássico, que
continua a instigar a reflexão sobre a formação do Brasil, juntando com
maestria história econômica e história social do Brasil colônia.
Bibliografia:
GONÇALVES, Adelto (2001) Um livro datado, mas de leitura obrigatória. OESP,
17.3.2001.
*Universidade de São Paulo, Brasil
1
BOXER, Charles Ralph (1963) A idade de ouro do Brasil: dores de crescimento de uma
sociedade colonial. Rio de Janeiro, Sociedade de Estudos Históricos Dom Pedro II.
2
Idem, (1969) São Paulo, Companhia Editora Nacional, 2ª. ed., revista.
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