terça-feira, 11 de novembro de 2025

Eu e os 50 Anos da Independência de Angola

Adolescente ouvi histórias sobre a luta pela libertação e sobre os sonhos de um país livre. Hoje, ao celebrar meio século de independência, sinto que a história de Angola é também parte da minha identidade.

Angola percorreu um longo caminho — da guerra à paz, da reconstrução ao desenvolvimento. Havendo ainda muitos desafios: desigualdade, juventude desempregada, e a necessidade de fortalecer a unidade nacional.

Mas há também orgulho: os angolanos são um povo resiliente, criativo e cheio de esperança. Os 50 anos de independência são um convite a olhar para trás com gratidão e para o futuro com responsabilidade. 

Dizem que o tempo passa depressa, mas cinquenta anos é tempo suficiente para nascer, crescer, errar e recomeçar — tanto para uma pessoa quanto para uma nação.

Eu renasci com a independência, num tempo em que o hino era cantado com orgulho e a bandeira tremulava livre. Para mim, Angola sempre foi Angola — inteira, independente, com o seu jeito forte e contraditório de existir.

Quando ouço os mais velhos falarem, percebo que o país foi sonhado e nascido entre sacrifícios, mas percebo que quando falam de 1975 é assim como quem fala do nascer do sol depois de uma longa noite. Falam de esperança, de lutas, de promessas. 

Hoje, Angola faz cinquenta anos. E eu, que sou parte dessa metade de século, carrego comigo uma mistura de orgulho e inquietação. Orgulho porque Angola resistiu, porque dança mesmo quando o chão ainda é duro e irregular, porque o riso ainda vence o cansaço e a desmotivação. Inquietação porque ainda há tanto por fazer, tanta desigualdade a corrigir, tanta juventude à espera de oportunidade.

Mas talvez ser angolano seja isso mesmo: viver entre a memória e a esperança. Saber que a liberdade não é um ponto final, mas uma frase que ainda se escreve.

Eu e Angola caminhamos juntos — ela com as suas cicatrizes, eu com as minhas dúvidas e meus medos. E, juntos, sonhamos o mesmo sonho: o de um país mais justo, mais aberto, mais nosso.

Cinquenta anos depois, continuo a acreditar. Porque acreditar, afinal, também é uma forma de amar.



Pensar e Falar Angola

quinta-feira, 5 de junho de 2025

E as medalhas?

*Carta do Dr Luís Bernardino a justificar o facto de não ter aceite a condecoração dos 50 anos da Independência* 

Cara Dra. Evelize Fresta

Acabo de ler a sua mensagem, e agradeço a sua gentileza  em me congratular pela homenagem que me é feita pela atribuição duma condecoração.
Não me compete a mim dar opiniões não solicitadas, muito menos ao Presidente do País, mas sabendo-a militante do MPLA e da OMA , gostaria, ao nível das bases, que conhecessem a minha opinião sobre o assunto, e que eu gostaria de divulgar entre alguns Amigos.

Comemorar  os 50 anos da independência de Angola  de forma solene e condigna, homenagear personalidades que participaram nas acções de luta  pela independência e nas medidas que, ao longo dos 50 anos, contribuíram  positivamente  para o Desenvolvimento do País, são iniciativas importantes e  oportunas. Contudo os procedimentos para esse objectivo  pecaram por importantes faltas:
1. Inexistência duma Comissão Nacional e Apartidária, integrada por historiadores e politólogos, que fizessem um estudo abrangente e imparcial dos últimos 100 nos da história de Angola;
2. Em consequência, ausência visível de critérios objectivos para classificação do prémio aos participante da luta da independência(ex.: militância comprovada na luta clandestina; prisão por razões ligada a causas independentistas ou  de democracia para Angola na era colonial; participação na luta armada ou relevante papel na sua organização fora do País);
3. Ausência, pelas mesmas razões, de critérios para destacar contribuições ao Desenvolvimento, redundado numa enorme falta de parcimónia e no que se afigura, critérios baseados em opiniões pessoais , subjectivas e circunstanciais.
Vemos, em consequência, nas listas de condecorados até agora conhecidas, o nome de premiados pela luta da independência que não obedecem a nenhum dos critérios acima referidos. Por outro lado, a lista dos que contribuíram para o Desenvolvimento contempla pessoas que, se quisermos ser equitativas para tanta gente que contribuiu no mesmo grau para o desenvolvimento do País, deveria estender-se a milhares de pessoas, com o risco, já existente, de trivializar a condecoração. Aqui devia reinar o principio da parcimónia: ser selectivo e homenagear não mais de 100 (uma média de dois por ano)  personalidades que foram indiscutivelmente actores do Desenvolvimento do País.
Sem ser historiador, mas porque estou com 88 anos, tenho conhecimento de muitos casos que se afiguram esquecidos ( exemplo: os participantes dos processo dos 60 , os aderentes da Revolta Activa). Mas elaboro, no que  me toca pessoalmente, sobre  condecorados ou não condecorados, na minha Família::
1. David Bernardino : foi testemunha de defesa de Agostinha Neto nos anos 1950, em causa estava a luta pela democracia; foi médico em Angola com grande intervenção social em favor da população negra,  tendo construído por sua conta, no período colonial um Centro de Saúde num bairro popular do Huambo; na transição para a independência, teve acções de apoio ao MPLA relativamente aos outros partidos; na governação do MPLA defendeu um modelo de Saúde democrático e para toda a população,  exerceu acções de organização do sector de Saúde Comunitária, foi director Provincial de Saúde no Huambo e Cuanza Norte e Director do Instituto de Saúde Pública; teve uma importante intervenção cívica durante as primeira s eleições  da Angola independente e fundou um jornal. Foi assassinado em 1992 a mando da UNITA na sequência das suas Críticas, à UNITA (mas também criticava o MPLA). 
O meu irmão, não obstante a dádiva da própria vida, poderia não reunir todos os critérios que referi para o prémio de Independência, mas seguramente estaria entre os 100 mais destacados autores do Desenvolvimento para Angola 
2. Alexandre Dáskalos : nos anos 1940 denunciou na sua poesia a escravatura, o sistema de contrato e homenageou a mulher negra; foi preso no Huambo  e mandado para Luanda, com 17 anos de idade, por pertencer à OSA (Organização Socialista Angolana);
O meu tio pode considerar-se, sem dúvida, um precursor da Independência e reúne critério para um  prémio da Independência;
3. Sócrates Dákalos : foi fundador dum movimento independentista Angolano  (FUA), foi preso e expulso de Angola; procurou organizar o seu movimento no exílio;
O meu tio não está na lita dos condecorados pela luta da independência
4. Jorge da Ressurreição Maia Rocha : militou num movimento independentista; esteve preso em Angola e em Caxias, Portugal
O meu cunhado não está na lista dos condecorado pela luta pela Independência
5. Vejamos a minha inclusão nos condecorados por contribuição ao Desenvolvimento : será que o cumprimento rigoroso e honesto de funções como Director dum Hospital Público e dum Departamento da Faculdade de Medicina da Universidade Agostinha Neto não deverá ser uma obrigação de todo o funcionário de Estado, portanto a  regra e não uma excepção, tão rara que mereça condecoração? Estaremos a ser cépticos da cidadania e civismo  dos Angolanos, ou estamos a trivializar uma distinção que milhares deles merecem? Não vejo, num ou outro meu  procedimento conjuntural, ou nas perspectivas que (baldadamente) defendo para uma Saúde para todo o Povo Angolano, motivos adicionais para ser homenageado. Estaria fora da centena que, na minha perspectiva,  devia ser condecorada.
EM CONCLUSÃO : os procedimentos adoptados nestas circunstâncias são elucidativos do persistente sequestro da Nação por um Partido que, não obstante as reformas constitucionais, não obstante a grandiosidade e transversalidade da comemoração, a considera como um assunto privado a tratar pelo partido-estado, que toma as decisões , formula os juízos e julga as pessoas sem ouvir a sociedade civil e os outros partidos. Este procedimento visa, a curto prazo, dar maior protagonismo ao Governo. Mas , a médio e longo prazo, não contribui para  unidade e concórdia da Nação Angolana, nem mesmo numa data tão solidária e universal como a comemoração da Independência Nacional
Aceito os meus melhores cumprimentos      
                                                                     
                                              Luis Bernardino