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08/02/2013

O amargo da cerveja

Humulus lupulus L.
No reino vegetal também há modos distintos de se guindar a um lugar melhor ao sol. Os ingleses usam a palavra vine para se referirem a trepadeiras que usam apêndices, como as gavinhas, para se agarrarem enquanto ascendem, e bine para as que enroscam os caules, muitas vezes lenhosos ou com espinhos, e assim progridem. É este o caso da engatadeira (ou lúpulo), a planta das fotos, que pode chegar aos cinco (ou mais) metros de altura e lança ramos horizontais para formar uma teia densa que a suporta. Nativa das regiões temperadas e frias do hemisfério norte, onde aprecia bosques frescos, silvados e margens de cursos de água, é a única planta da família Cannabaceae espontânea na Península Ibérica (a Cannabis sativa L. é, como sabem, imigrante clandestina).

Trata-se de uma herbácea perene de folhas ásperas com margens serradas e flores esverdeadas, viçosa na Primavera, florida no Verão, recolhida ao rizoma nos invernos frios. É espécie dióica: as flores masculinas têm cinco pétalas (com cerca de 3 mm) e cinco estames com anteras proeminentes, e nascem em inflorescências ramificadas; as flores femininas, sem pétalas, agrupam-se em pinhas protegidas por brácteas de textura papirácea e reduzem-se a um estilete e dois longos estigmas. Com tanto resguardo e abreviamento, a polinização parece estar entregue ao vento. Os frutos são como feijões vermelhos redondos.

É das glândulas amarelas das brácteas das flores femininas que se extrai a substância que dá sabor e aroma à cerveja, embora as inúmeras variedades industriais sejam cultivares, obtidos por propagação vegetativa (sem a intervenção de plantas masculinas porque, dizem, as sementes estragam o sabor da cerveja). É, naturalmente, uma das plantas eleitas pelo portal Plants for a future.

21/01/2013

Tempo de víboras

Echium rosulatum Lange


Dos dois nomes comuns registados para esta planta, marcavala-preta e cardo-das-víboras, é difícil dizer qual o mais enigmático. A busca por uma marcavala-branca ou por uma marcavala-sem-cor-especial revelou-se infrutífera. E por que se há-de baptizar como cardo uma planta sem espinhos e sem qualquer semelhança com os cardos genuínos? Já para não falar do susto que é associá-la à víbora, o único réptil realmente perigoso da nossa fauna. (Há, porém, quem não tenha medo dela, e até lhe peça, quando a encontra, que se enrole mais languidamente para a fotografia. Dá outra segurança, aos medrosos como nós, passear na companhia de gente destemida.)

Há uma dificuldade adicional que nos impede de acreditar no carácter genuinamente popular destes nomes vernáculos. Só atendendo a certas miudezas morfológicas é possível distinguir o Echium rosulatum do muito comum E. plantagineum. Sendo no nosso país o conhecimento popular das plantas superficial, seria de esperar que duas quase iguais fossem chamadas pelo mesmo nome. Como aceitar que o povo chame marcavala ao E. rosulatum e soagem ao E. plantagineum, sem nunca hesitar na distinção?

A menos, como é óbvio, que um tal representante do povo seja nosso leitor e assimile a lição deste texto. Tal como nos idos do PREC, também estamos em campanha pela educação popular; mas, em vez de alfabetizarmos, ensinamos botânica. O E. plantagineum, que pinta de roxo os campos primaveris, tem flores maiores, de corola mais aberta que as do seu congénere, que em regra floresce mais tarde. Além do mais, a superfície externa da corola no E. plantagineum é quase glabra, sendo claramente híspida no E. rosulatum (confira na 2.ª foto). Há ainda o número de estames salientes quando se observa a flor de perfil: três ou quatro no E. rosulatum, não mais que dois no E. plantagineum. Finalmente, as folhas do E. rosulatum são mais largas e — pelo menos as caulinares — parecem truncadas na base.

Enquanto que o E. plantagineum se distribui pelo Europa, Ásia e norte de África, o E. rosulatum tem a virtude de só existir na metade oeste da Península Ibérica; e, estando referenciado em quase todas as províncias portuguesas (o Ribatejo é a excepção), é mais frequente no norte. Além da subespécie típica, os botânicos distinguem ainda a subespécie davaei, endemismo português exclusivo das ilhas Berlengas.

19/04/2012

Marizii de Sousa


Silene marizii Samp.


A pequena freguesia de Aguiar de Sousa, outrora abrangendo uma área mais vasta e sede de um concelho que incluía Gondomar e Paços de Ferreira, deve ter tido uma flora semelhante à de Valongo; em linha recta, as duas povoações não distam mais de 6 quilómetros. Vítimas do mau planeamento, da eucaliptização e da construção desproporcionada de viadutos e auto-estradas, exibem hoje habitats semelhantes mas no pior sentido. O que sobra da riqueza botânica de outros tempos, agora ameaçado pela prática de escaladas, refugia-se nas escarpas e afloramentos rochosos que moldam o vale apertado onde galopa o rio Sousa. Nas margens ainda se encontram amieiros, freixos, salgueiros e uma mão cheia de carvalhos, sobreiros, pilriteiros e loureiros. Mas são as herbáceas que nos reservam as melhores surpresas.

No lugar do Salto há paredes onde a água escorre em abundância e alimenta populações notáveis de Saxifraga lepismegena, Narcissus triandus, Scilla monophyllus, Hyacinthoides paivae, Ceratocapnos claviculata, Ranunculus bupleuroides e outras de que vos falaremos se houver ocasião. Nas fendas rochosas mais altas persistem bons exemplares de Davallia canariensis e Cheilanthes hispanica. E, na base dos pedregulhos graníticos, quando não exposta ao sol, mora um endemismo raro de distribuição esparsa, do centro-oeste da Península Ibérica e do noroeste de Portugal: a Silene marizii Sampaio. Segundo a Flora Ibérica, as escassas populações espanholas desta espécie incluída na Lista Vermelha da Flora Vascular Espanhola situam-se no centro montanhoso da Península; em Portugal é mais abundante, havendo registo dela no Minho, na foz do rio Tua (a uns 100 metros de altitude, o que significa que será afogada pela barragem), na serra do Caramulo, em Mangualde e no Sabugal. A que se acrescentam as populações de Aguiar de Sousa, em altitudes entre os 80 e os 100 metros.

Em fotos, esta Silene pode confundir-se com a S. latifolia, mas não ao vivo — e, em Aguiar de Sousa, há populações próximas de ambas as espécies para as podermos comparar fielmente. A S. latifolia é mais alta, só dá flores brancas, não é pegajosa e parece preferir a proximidade de ribeiros ou bosques. A S. marizii é igualmente perene e dióica, mas a mesma população pode (entre Abril e Julho) dar flores cor-de-rosa-pálido ou brancas (em proporção idêntica, havendo mesmo populações grandes só de flores brancas); e toda a planta é muito glandulosa, além de exalar um aroma acre intenso. O hábito é prostrado e o caule bastante ramificado, mas vimos indivíduos mais erectos com uns 60 cm de altura. As flores masculinas têm o cálice pigmentado de vermelho, sendo esverdeado o das femininas, que exibem um pedicelo mais longo. Curiosamente, as plantas masculinas mantêm a flores viçosas até um ou dois meses depois de as femininas frutificarem.

A designação Silene marizii, de 1909, impôs-se a alternativas que colocavam a planta noutro género (Melandrium glutinosum Rouy (1894), Melandrium viscosum Mariz (1887)) ou a subordinavam a outra espécie (Silene alba ou Silene dioica), e homenageia o naturalista português Joaquim de Mariz (1847-1916), exímio taxonomista que colaborou na elaboração das Floras de Portugal de Gonçalo Sampaio e António Xavier Pereira Coutinho.