Mostrar mensagens com a etiqueta Geraniaceae. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Geraniaceae. Mostrar todas as mensagens

22/11/2021

O outro gerânio da Madeira

Geranium palmatum Cav.


O gerânio-da-Madeira (Geranium maderense), talvez o mais famoso embaixador da flora madeirense, conquistou lugar de honra em jardins de clima temperado por todo o mundo com a sua impressionante floração rosada em forma de cogumelo gigante. Contudo, mesmo na Madeira é muito mais fácil encontrá-lo em jardins do que em habitat natural. Se ainda existirem na Madeira populações espontâneas deste gerânio, elas estão bem escondidas, e os exemplares que ocasionalmente se vêem em levadas ou junto a casas florestais são em geral cultivados. Assim, e porque o nosso código de conduta nos impõe cingirmo-nos àquilo que a natureza de sua livre vontade nos dá a contemplar, viramo-nos para outro gerânio de porte respeitável, também ele endémico da Madeira.

Não podemos dizer, sem arriscar a credibilidade, que o Geranium palmatum é tão vistoso e atraente como o G. maderense, mas a verdade é que no mundo inteiro não há outro gerânio que não saísse desfavorecido da comparação. E o G. palmatum, além de ser digno representante do seu género, ainda nos oferece pistas sobre a linhagem de gerânios que colonizou a Madeira e as Canárias. Os gerânios endémicos dessas ilhas (três espécies na Madeira e uma nas Canárias) têm entre si óbvios laços de parentesco, parecendo descender, todos eles, do Geranium robertianum (erva-de-São-Roberto) ou do G. purpureum, duas herbáces anuais comuns na Europa (e em Portugal) que se julga serem também nativas das ilhas atlânticas. Assim, tendo aportado às ilhas por sementes vindas do continente, as plantas colonizadoras terão aí evoluído para novas espécies, mas sem deixarem de manter redutos populacionais com características morfológicas e genéticas idênticas às das plantas pioneiras. Uma hipótese que mais facilmente explica este comportamento dúplice é que tenha havido hibridação entre o G. robertianum (ou o G. purpureum) e outras espécies entretanto já desaparecidas das ilhas.

Ainda que exiba folhagem com recorte semelhante à do G. robertianum, o G. palmatum é uma planta de muito maior envergadura que chega a formar um curto caule lenhoso, e tanto as suas folhas como as suas flores são consideravelmente maiores do que as do seu congénere. A coloração das flores é também distinta: as do G. palmatum são uniformemente rosadas (ou púrpuras), enquanto que no G. robertianum a base das pétalas é esbranquiçada (foto aqui). A mesma diferença pode ser apontada entre o G. palmatum e o G. reuteri, endémico das canárias, distinguindo-se ainda este último pelos estames muito mais compridos e salientes. De resto, os dois gerânios insulares assemelham-se a tal ponto, tanto no aspecto geral como nas preferências ecológicas (ambos buscam lugares umbrosos e frescos), que fazem figura de um par de gémeos. O que, atendendo à provável progenitura de ambos, não anda longe da verdade.

29/01/2020

Folhas de cinza

Ao contrário de alguns animais, as plantas adoptam épocas precisas de procriação. As que são perenes repetem, ano após ano, no mesmo mês, o ciclo de floração e gestação de sementes; as anuais, por sua vez, parecem ter inscrito nos seus genes um mecanismo de relógio, cujo funcionamento transmitem aos descendentes e que os desperta para florir mais ou menos nas mesmas datas dos progenitores. Há, claro, excepções a esta programação: plantas cujo período de floração é tão longo que parecem estar sempre em flor; ou plantas que só florescem uma vez na vida, para logo morrerem. Mas a maioria das espécies botânicas parece ter aprendido que manter uma rotina tem algumas vantagens, uma vez que a parceria com os polinizadores exige sintonia e fidelidade mútua, e o clima adequado à floração também costuma recorrer na mesma época do ano.



Contudo, este hábito de confiar nos outros, sejam polinizadores ou o ambiente, tão favorável às plantas em habitats estáveis, pode ser-lhes muito prejudicial em locais desassossegados. Não supreende, por isso, que algumas plantas de vez em quando desrespeitem a tradição, lançando flores quando deveriam já estar a hibernar. É um desatino para os guias de campo que indicam os meses usuais de floração, mas é também a sorte grande para quem quer fotografar plantas. Foi o caso deste lindo gerânio de folhas cinzentas, com flores brancas adornadas com veios e anteras de cor púrpura, que vimos em Agosto no planalto de La Larry, nos Pirenéus aragoneses.


Geranium cinereum Cav.


A sua época de floração não costuma ultrapassar o meio do Verão, mas conseguimos vê-lo ainda em flor neste pasto rochoso de montanha, acima dos 1600 metros, onde, sob um sol inclemente, vacas, cavalos e muitos turistas aproveitavam os arroios e as cachoeiras, e marmotas engraçadas assomavam vigilantes dos seus túneis (fresquinhos, supomos), empertigadas como cachorros em pé. O Geranium cinereum é nativo dos Pirenéus, e foi descrito pelo botânico espanhol Antonio José Cavanilles (1745-1804), a quem foi dedicado um narciso.

09/02/2019

Bicos & patas


Geranium reuteri Aedo & Muñoz Garm. [sinónimo: Geranium canariense Reut.]


Muitas espécies de Geranium e Erodium, dois géneros aparentados, têm, em várias línguas, nomes comuns que evocam bicos de aves, sejam elas cegonhas, grous ou pombas. A inspiração para tais nomes vem dos frutos estreitos e muito compridos (o bico da pomba, porém, é grosso e curto, o que torna inexplicável a escolha dessa ave neste contexto), cujas paredes laterais se enrolam explosivamente, arremessando as sementes para longe como catapultas (foto aqui).

O bico não é a única parte da anatomia das aves associada aos gerânios. A forma das folhas justifica que, nas Canárias, se chame pata-de-galo ao endémico Geranium reuteri (ex-Geranium canariense), comparação que, pelo testemunho das fotos, é um tudo-nada forçada. E não há nenhum rei de capoeira com patas de 25 cm de largura, pois são essas as medidas das folhas do avantajado gerânio canarino, uma planta que, quando em flor, pode atingir um metro de altura, envergadura inalcançável por galináceos normais.

Este gerânio perene, tão característico das zonas mais umbrosas e húmidas das ilhas Canárias, está apenas ausente das duas ilhas mais áridas (Lanzarote e Fuerteventura). Em Tenerife aparece na metade norte e é muito frequente na laurissilva de Anaga, bordejando a estrada com mantos de flores roxas durante doze meses por ano.

Os nossos gerânios continentais (veja aqui uma galeria de retratos) fazem figura humilde face a este gigante, mas as semelhanças são muito vincadas (particularmente com o Geranium robertianum) e sugerem que estas plantas têm antepassados próximos comuns. São muitos os exemplos de plantas que na Europa eram ervitas humildes e nos arquipélagos atlânticos cumpriram uma insuspeitada vocação de grandeza. No que toca a gerânios, foi na Madeira, e não nas Canárias, que essa vocação mais plenamente se realizou: o gerânio-da-Madeira (Geranium maderense), que ao florir parece uma descomunal lanterna-chinesa presa ao chão em vez de pendurada no tecto, leva a palma a todos os seus congéneres em tamanho e beleza, e seduziu jardineiros em todo o mundo (excepto talvez em Portugal). É uma planta monocárpica: floresce uma única vez durante longos meses, quando já tem três ou quatro anos de vida, e logo depois morre; a sua descendência fica assegurada pelos milhares de sementes que liberta.

É também na Madeira que vive o Geranium palmatum, muito mais comum nos bosques da laurissilva do que o G. maderense. É muito semelhante ao gerânio das Canárias tanto no hábito como na folhagem, e as duas espécies são amiúde confundidas no comércio hortícola. Contudo, o G. palmatum tem flores bastante maiores (até 4,5 cm de diâmetro, contra 3 cm do G. reuteri), com o centro escuro (as do G. reuteri têm centro claro) e pétalas mais largas e arredondadas. Há também diferenças, embora não tão pronunciadas, na forma das folhas.

23/03/2016

Agulhetas


Erodium botrys (Cav.) Bertol.
Embora pouca gente tenha consciência disso, o mistério dos bicos-de-cegonha é pelo menos tão aliciante como o das girafas. Por que razão os frutos dos gerânios e aparentados são tão desmesuradamente compridos, fazendo lembrar agulhas ou os bicos de certas aves? É certo que são agulhas de ponta mole, pouco aguçadas, e por isso não funcionam como defesa contra os herbívoros. Porém, à semelhança do que sucede com as vagens de certas leguminosas, os frutos, ao secarem, abrem de forma violenta, arremessando as sementes para longe. No caso dos Erodium, essas sementes têm uma longa cauda que, além de funcionar como mola, se entrega, quando depara com alguma humidade, a um contorcionismo frenético, tentando perfurar o solo como se de um parafuso se tratasse (vídeo). Uma semente que aprendeu a ser semeadora, abrindo um buraco para nele se enfiar... Quem disse que as plantas não têm inteligência? Que processo evolutivo pôde dar origem a um mecanismo destes? No fim de contas, talvez o pescoço da girafa seja mais fácil de explicar.

Plantas oportunistas e desprestigiadas, frequentadoras de relvados, de jardins ao abandono e de bermas de caminhos, mas também de prados naturais, os Erodium dão flores bonitas que ganham em ser vistas ao perto mas valem igualmente pelo conjunto. O E. botrys distingue-se pelas flores comparativamente grandes e de formato campanulado, com as pétalas sobrepondo-se umas às outras (no E. moschatum e no E. cicutarium as pétalas são mais estreitas e estão bem separadas), mas é pelos frutos que ele mais se destaca entre os congéneres. São 13 cm bem medidos desde o cálice até à ponta do bico, o que quase duplica a melhor marca da concorrência. Longbeak stork's bill, um dos nomes que os anglo-saxónicos lhe dão, é um justo reconhecimento da sua valia atlética.

Nativo da região mediterrânica e naturalizado nos EUA, Austrália e Nova Zelândia, o Erodium botrys, ainda que seja pouco frequente no Minho e Douro Litoral, surge em quase todo o território continental e também no arquipélago da Madeira. O seu calendário oficial de floração vai de Março a Junho, mas, como acontece com muitas outras plantas ruderais, não desperdiça nenhuma ocasião, mesmo fora da época, para aparecer e cuidar da vida.

30/01/2016

Mais iguais do que outros


Geranium subargenteum Lange

O leitor decerto concordará que o género Geranium é fácil de identificar, mais ainda se as plantas estiverem em flor. A forma da corola, os matizes de rosa, magenta e púrpura nas pétalas, a posição relativa das várias peças do perianto e a proeminência da coluna central de estames e ovário pouco diferem de uma espécie para outra neste género. E, numa mesma espécie, como a das fotos, não notamos qualquer diferença relevante entre indivíduos, ainda que comparemos plantas dessa espécie em regiões muito distantes. Essa invariância dos traços dentro de uma mesma espécie de seres vivos também se nota em alguns animais: vejam-se, por exemplo, os pardais; ou tente-se destrinçar duas abelhas-operárias. Contudo, quando procuramos essa quase coincidência da forma nas pessoas, só a vemos surgir em gémeos. Ou seja, ainda que não incluamos no guião de avaliação parâmetros mais ou menos subjectivos como a beleza, a inteligência ou o carácter de um indivíduo, somos realmente todos diferentes. Curiosamente, sobrevive na Terra uma única espécie do género Homo (H. sapiens, que alguns cientistas entendem tratar-se de uma subespécie, Homo sapiens subsp. sapiens), que, apesar de ser recente (os fósseis mais antigos datam de há 195 mil anos), exibe um acentuado grau de variação entre os indivíduos e uma diversidade genética notável nas populações. Tanto assim que a incapacidade de distinguir faces é considerada uma doença. Este é o tema explorado na peça de teatro e no filme de animação Anomalisa, de Charlie Kaufman, cujo protagonista vê todas as pessoas iguais, homens ou mulheres, não reconhecíveis nem mesmo pela voz.

Prestemos agora atenção ao gerânio das fotos, um endemismo dos prados de montanha do centro da cordilheira cantábrica. É uma planta alta (atinge uns 60 cm), com talos penugentos como é frequente em plantas perenes que têm de conviver com nevões no Inverno. As folhas, palmadas e muito divididas, com a face inferior acetinada (o que talvez justifique o epíteto subargenteum) são quase todas basais e agrupam-se em rosetas persistentes. As grandes flores nascem aos pares no topo de longas hastes. E em cada flor notam-se dez estames com anteras púrpura cheias de pólen azul. O fruto tem uma arista (como esta) a que se agarra a semente e que, no momento certo, a catapulta para bem longe da planta mãe. É parecido com o G. cinereum, de que até se desconfia que seja uma subespécie, mas esse gerânio, muito usado em jardinagem, não é espontâneo na região da Cantábria que visitámos.

26/05/2015

Cegonha na praia


Erodium cicutarium (L.) L'Hér. subsp. bipinnatum (Cav.) Tourlet


Depois de termos encontrado os bicos-de-cegonha (ou, mais correctamente, bicos-de-garça) em quintais e jardins, ou em espaços que foram essas coisas noutras épocas, o leitor já a sonhar com férias de Verão ficará talvez contente em saber que também na praia se encontram dessas plantas. Enfim, não exactamente as mesmas plantas, mas uma versão delas adaptada às difíceis condições de vida nas dunas. Tão difíceis, aliás, que quando apertam os calores de Agosto e se abrem os guarda-sóis dos veraneantes já este Erodium cicutarium, como planta anual que é, desapareceu de vista, tendo entretanto assegurado descendência pela abundante produção de sementes.

A forma dunar do E. circutarium é uma planta rasteira, glandulosa, com pétalas arredondadas e quase brancas. Se nos afastarmos da costa podemos ver, tanto em calcários como em lugares xistosos ou graníticos, diversas formas da mesma espécie, mas em geral mais altas, com pétalas cor-de-rosa alongadas e assimétricas, às vezes maculadas na base. É provável que o nome Erodium cicutarium seja apenas uma maneira preguiçosa de arrumar um agregado de espécies afins que não há pachorra para deslindar. Essa suspeita é reforçada pela existência de grandes variações genéticas dentro da espécie: há plantas diplóides (com 20 cromossomas), outras tetraplóides (40 cromossomas) e ainda outras hexaplóides (60); para agravar a confusão, também se encontram plantas com números cromossómicos estranhos como 36, 42, 48 e 54. Talvez o conceito tradicional de espécie não seja adequado para lidar com um caso destes, mas parece-nos pouco satisfatória a solução, a que os botânicos chegaram recentemente, de decretar que as diversas subespécies do E. cicutarium (incluindo a subsp. bipinnatum) não têm valor taxonómico. Mesmo que estejam ligados por formas intermédias, os extremos do intervalo de variação são claramente distinguíveis. Esta moda de amalgamar coisas díspares sob um único nome pode tornar a taxonomia botânica mais simples, mas não a torna mais útil nem mais interessante.

Uma ou várias versões do E. cicutarium (espécie que, no seu sentido lato, é originária da Europa, Ásia e norte de África) atravessaram o Atlântico e, cumprindo de modo fulgurante o sonho americano, prosperaram e multiplicaram-se no país de acolhimento a ponto de merecerem o estatuto de ervas daninhas impossíveis de erradicar. A ideia de que «se não podes vencê-los, deves comê-los» não será remédio universal para semelhantes casos de infestação; mas, como se ensina nesta página, é útil para lidar com os bicos-de-garça. E ficamos a saber que o E. moschatum, embora mais amargo do que o E. cicutarium, também é comestível. A cautela a ter é que estas plantas, aconselhadas para saladas e temperos, são mais tenras e saborosas quando ainda não floriram, mas nessa fase podem confundir-se com certas umbelíferas mortalmente venenosas.

21/02/2015

Um jardim assim (2.ª parte)


Erodium moschatum (L.) L'Hér.


Eis a nossa segunda planta para os jardins naturalizados, aqueles que são pedaços de terra entregues aos acasos da natureza. Os mais distraídos diriam tratar-se de um gerânio (e não é raro haver gerânios como estes a fazer-lhe companhia), mas as folhas compostas imparipinadas desmentem essa filiação, já que os verdadeiros gerânios costumam ter folhas simples, ainda que algo recortadas. Gerânios e eródios pertencem, contudo, à mesma família botânica; as flores rosadas de cinco pétalas e os frutos muito compridos (justificando nomes comuns como bico-de-cegonha, bico-de-garça ou bico-de-pomba) são evidentes traços de parentesco.

O nome Erodium, que vem do termo grego erodios, refere-se à garça ou a alguma outra ave de bico proeminente; já o epíteto moschatum, que se traduz por moscado ou almiscarado, descreve as qualidades aromáticas da planta, que haveremos de testar logo que tenhamos oportunidade. E ela não nos há-de faltar, mesmo na cidade e no trajecto diário a pé entre a casa e o emprego. Lá por Março ou Abril estarão as tiras verdes que fingem de jardins em volta dos prédios forradas com densos tapetes floridos desta planta anual, e já com os frutos a prometer que a história é para continuar na temporada seguinte. Foi de facto num lugar desses no centro do Porto que as fotos foram obtidas.

Originário da Europa e da região mediterrânica, e naturalizado na Austrália, Américas e África do Sul, o Erodium moschatum mostra grande apetite por lugares degradados como bermas de caminhos, jardins ao abandono, terras cultivadas, pomares e vinhas. É uma planta versátil, que tanto se dá na cidade como no campo, e por isso observá-la está ao alcance de qualquer um. As suas folhas são grandes, de uns 15 cm de comprimento; e, quando bem desenvolvida (coisa que raramente tem oportunidade de fazer em ambiente urbano), a planta pode atingir um metro de altura; os frutos, que tal como as flores se dispõem em cachos densos na extremidade das hastes, têm cerca de 5 cm de comprimento.

31/01/2013

Garça da montanha

Geranium pyrenaicum Burm. f. subsp. lusitanicum (Samp.) S. Ortiz
Nome comum: Não tem, mas pode ser bico-de-garça, inspirado pelo nome inglês Hedgerow crane's-bill
Ecologia: Prados e bosques de altitude
Distribuição global: Endemismo ibérico
Distribuição em Portugal: Os registos parecem indicar que é planta rara no sul, estando confirmada a sua presença no noroeste e nas serras da Freita, Estrela e São Mamede
Data e local das fotos: Junho de 2010, Aveção do Cabo (Campeã, Vila Real)
Informações adicionais: Trata-se de uma herbácea perene com talos erectos penugentos de 20 a 70 cm de altura. As folhas são recortadas mas o contorno das basais é arredondado. As flores têm dez estames; as pétalas, de cor lilás, têm cerca de 1 cm de comprimento, uma incisão até metade e um penacho de cada lado da base. [Quando, na Primavera, voltarmos ao Marão, teremos fotos destes detalhes para vos mostrar.] Segundo a Flora Ibérica, a espécie G. pyrenaicum abriga duas subespécies, a G. pyrenaicum Burm. f. subsp. pyrenaicum, comum em Espanha e com uma vasta área de distribuição mas ausente por cá, e a G. pyrenaicum Burm. f. subsp. lusitanicum (Samp.) S. Ortiz, a que encontramos em Portugal.

28/01/2013

De pólen azul

Geranium columbinum L.


Nome comum: Bico-de-pomba-maior
Ecologia: Erva ruderal, surge em prados, bermas de caminhos, baldios, campos cultivados e bosques
Distribuição global: Europa, excepto o extremo norte, região mediterrânica e Médio Oriente, sudoeste da Ásia e noroeste de África.
Distribuição em Portugal: Segundo a Flora Ibérica, há registo da sua presença no Alto Alentejo e Algarve, Beiras Alta, Baixa e Litoral, Estremadura, Douro Litoral e Minho. Amaral Franco, na Nova Flora de Portugal, considera-o raro a norte.
Época de floração: Abril a Setembro
Data e local das fotos: Maio de 2012, Macedo de Cavaleiros
Informações adicionais: Esta é uma herbácea anual peludinha com caules frágeis que podem atingir os 60 cm de altura. As folhas palmadas, de contorno orbicular, são recortadas quase até à base em segmentos que, por sua vez, parecem trifurcados. Cada pedúnculo, bastante maior do que o pé das folhas que saem do mesmo nó, é encimado por duas flores com pétalas roxas, anteras azuladas e estigmas cor de rosa. Tem parecença acentuada com o G. dissectum, mas neste último, que é densamente pubescente, as hastes florais são notoriamente mais curtas e as sépalas têm uma pragana [= filamento aguçado na ponta da sépala como os que se vêem na última foto] menor.

20/04/2011

Bico peludo

Geranium rotundifolium L.


Nomes vulgares: gerânio peludo, round-leaved cranesbill
Ecologia e distribuição: aparece em terrenos ruderais, taludes, prados, bermas de caminhos, bosques e dunas; ocorre na Europa, norte de África, médio Oriente, Ásia central e Índia; introduzido e naturalizado na Austrália, América do Norte e África do Sul
Distribuição em Portugal: presente em todo o território nacional como nativo (continente e Madeira) ou naturalizado (Açores)
Época de floração: Fevereiro a Junho, mas pode prolongar-se esparsamente até Outubro
Data e local das fotos: Fevereiro de 2011, rua D. Pedro V, Porto
Informação adicional: distingue-se do Geranium molle, que tem aspecto e distribuição semelhantes mas é mais comum, por as suas flores não terem as pétalas fendidas

13/04/2011

Bico luzidio

Geranium lucidum L.
Nomes vulgares: shining cranesbill, géranium luisant
Ecologia e distribuição: aparece em terrenos ruderais, taludes, bermas de caminhos e bosques; ocorre na Macaronésia, no norte de África e no continente euro-asiático desde a Península Ibérica até ao noroeste da Índia
Distribuição em Portugal: presente na Madeira e em quase todo o território continental (segundo a Flora Ibérica — ainda em rascunho — está ausente do Minho e do Ribatejo)
Época de floração: Março a Julho
Data e local das fotos: Abril de 2007, Parque Biológico de Gaia
Informação adicional: distingue-se de outros gerânios pela sua flor mais pequena, dotada de um cálice caracteristicamente insuflado, e pelo verde brilhante das suas folhas

06/04/2011

Suaves bicadas

Geranium molle L.
Nomes vulgares: bico-de-pomba-menor, dovesfoot cranesbill
Ecologia e distribuição: aparece em terrenos baldios ou cultivados, e também em prados anuais, bermas de caminhos, bosques e margens de ribeiras; originária da Europa, oeste da Ásia e norte de África, tem hoje uma distribuição cosmopolita
Distribuição em Portugal: presente em todo o território nacional (continente e ilhas)
Época de floração: Fevereiro a Julho
Data e local das fotos: Fevereiro de 2008, Vizela

30/03/2011

Gerânio de folha recortada

Geranium dissectum L.
Nomes vulgares: bico-de-pomba, coentrinho, cut-leaved cranesbill
Ecologia e distribuição: terrenos cultivados e ruderais em toda a Europa, e também no norte de África, sudoeste da Ásia, Ásia central e Macaronésia
Distribuição em Portugal: presente em todo o território nacional (continente e ilhas)
Época de floração: Fevereiro a Maio
Data e local das fotos: Fevereiro de 2008, Vizela

14/05/2010

Garça malvada

Erodium malacoides (L.) L'Hér.
Geranium e Erodium são dois géneros que facilmente se confundem, distinguindo-se sobretudo pelo número de estames em cada flor: 10 para o primeiro, 5 para o segundo. Têm o mérito de fornecer, ao longo de quase todo o ano, boa parte das flores silvestres que vemos não só em espaços naturais como nos vazios que o descuido e o abandono vão criando nas cidades. Está bom de ver que esse desmazelo é do nosso agrado: um terreno forrado com gerânios e outros ervas atrevidas é bem mais interessante e vivo do que um relvado. Para completar o contingente da família Geraniaceae em território nacional, há ainda as sardinheiras (género Pelargonium) trazidas da África do Sul para enfeitar as nossas varandas. Graças aos seus frutos alongados, que evocam aves de bico comprido, os nomes vernáculos em inglês destas plantas são heron's bill para o Erodium, crane's bill para o Geranium, e stork's bill para o Pelargonium. São aliás os nomes gregos desses mesmos bichos que fornecem os nomes científicos. Em português, reservamos o bico-de-cegonha para o Erodium, mas seria mais apropriado falar em bico-de-garça.

Ao contrário de outros bicos-de-garça mais comuns, que têm folhas compostas pinadas, o Erodium malacoides exibe folhas simples e cordiformes, de margens grosseiramente serradas. A semelhança das suas folhas com as das malvas é que justificará o epíteto malacoides. Outro carácter distintivo da garça-malvada é a longa e penugenta haste floral, com as flores de cerca de 1,5 cm de diâmetro agrupadas em umbelas de três a oito. Florescendo de Fevereiro a Junho, é uma planta anual ou bienal do sul da Europa e de toda a região mediterrânica, que se dá em bermas de estrada e terrenos baldios.

26/06/2008

Pelargónios no Jardim de S. Lázaro


Pelargonium sp.

«S. Lázaro nasceu muito pálido. Rescendia a ovelha molhada. Quando lhe davam uns açoites, lançava torrõezinhos de açucar pela boca. Captava os menores ruídos. Uma vez confessou a sua mãe que podia contar na madrugada, pelas suas pulsações, todos os corações que havia na aldeia.

Depois de ressuscitar inventou o ataúde, o círio, as luzes de magnésio e as estações de caminhos-de-ferro. Quando morreu estava duro e laminado como um pão de prata. A sua alma ia atrás, desvirgada já pelo outro mundo, cheia de aborrecimento, com um junco na mão.»


Federico García Lorca, Poemas em prosa (trad. José Bento)

03/12/2007

Flores vadias


Erodium cicutarium (bico-de-cegonha)

No próximo sábado, dia 8 de Dezembro, a partir das 16h00, estaremos na associação Campo Aberto (rua de Santa Catarina, 730-2º) para apresentar uma reportagem botânica sobre o noroeste português, com mais de 100 fotos documentando a flora espontânea dos nossos bosques e dunas.

Mas outras razões há para os nossos leitores virem à sede da Campo Aberto no sábado. Eis o programa de festas para esse dia:

....15h00 – Lanche
....16h00 – Flores vadias – por Paulo Araújo e Maria Carvalho
....17h30 – Poesia da natureza – por Beatriz Gomes
....18h30 – Espaços verdes do Grande Porto – por Mafalda Sousa e Nuno Quental

30/08/2007

Amor de passarinho


Geranium robertianum (erva-de-São-Roberto)

Desde que mandei colocar na minha janela uns vasos de gerânio, eles começaram a aparecer. Dependurei ali um bebedouro, desses para beija-flor, mas são de outra espécie os que aparecem todas as manhãs e se fartam de água açucarada, na maior algazarra. Pude observar então que um deles só vem quando os demais já se foram.

Vem todas as manhãs. Sei que é ele e não outro por um pormenor que o distingue dos demais: só tem uma perna. (...) Segundo o dicionário, trata-se de «uma ave passeriforme de coloração verde-azeitonada em cima e amarela embaixo». Na realidade, é uma graça, o meu passarinho perneta.

Ao pousar, equilibra-se sem dificuldade na única perna, batendo asas e deixando à mostra, em lugar da outra, apenas um cotozinho. É de se ver as suas passarinhices no peitoril da janela, ou a saltitar de galho em galho, entre os gerânios, como se estivesse fazendo bonito para mim. Às vezes se atreve a passar voando pelo meu nariz e vai-se embora pela outra janela. (...)

Enquanto escrevo, ele acaba de chegar. Paro um pouco e fico a olhá-lo. Acostumado a ser observado por mim, já está perdendo a cerimônia. Finge que não me vê, beberica um pouco a sua aguinha, dá um pulo para lá, outro para cá, esvoaça sobre um gerânio, volta ao bebedouro apoiando-se num galho. Mas agora acaba de chegar outro que, prevalecendo-se da superioridade que lhe conferem as duas pernas, em vez de confraternizar, expulsa o pernetinha a bicadas, e passa a beber da sua água. A um canto da janela, meio jururu, ele fica aguardando os acontecimentos, enquanto eu enxoto o seu atrevido semelhante. Quer dizer que até entre eles predomina a lei do mais forte! De novo senhor absoluto da janela, meu amiguinho volta a bebericar e depois vai embora, não sem me fazer uma reverência de agradecimento. (...)

Desde então muita coisa aconteceu. Para começar, a comprovação de que não era amiguinho e sim amiguinha - segundo me informou o jardineiro: responsável pelos gerânios e pelo bebedouro, seu Lorival entende de muitas coisas, e também do sexo dos passarinhos. (...)

Só de uns dias para cá deixou de vir. Fiquei apreensivo, pois a última vez que veio foi num dia de chuva, estava toda molhada, as peninhas do peito arrepiadas. Talvez tivesse adoecido. Não sei se passarinho pega gripe ou pneumonia. Segundo me esclareceu Rubem Braga, o sádico, costuma morrer de gato. Ainda mais sendo perneta.

Fernando Sabino, As melhores crónicas (Ed. Record - 2000)