O futuro é amarelo
Face à tragédia de migrantes e refugiados a que, lamentavelmente, o mundo todo-poderoso não consegue pôr termo, quem deprecia uma espécie exótica, quando ela se revela uma ameaça para a flora endémica de uma região, pode ser apontado como defendendo abusivamente a reserva de um território para os seus habitantes autóctones. Eliminemos, porém, desde já este mal-entendido. Sabemos que não há fronteiras para a fauna ou para a flora, e que declarar uma espécie nativa de um local é uma decisão datada, ainda que tenha fundamento científico. Decerto há plantas em Portugal cujos progenitores terão aqui aportado, vencido a competição com outras espécies e visto alterar-se a sua herança genética pela adaptação a novos polinizadores ou pela colonização de um substrato diferente, tornando-se a pouco e pouco, num processo evolutivo admirável, parte do que hoje, milhões de anos depois, consideramos flora endémica lusitana. O impacto desses imigrantes nos ecossistemas de então seria, por algumas normas actualmente em vigor, comparável à de uma invasão por extraterrestres perigosos. Que razões há então, afora o apelo estético e o interesse botânico, para a erradicação de espécies invasoras, para a listagem cuidadosa das espécies nativas em situação vulnerável e para os programas de conservação, se afinal o futuro pode, sem a nossa (por vezes danosa) intervenção, destinar ao planeta não um deserto mas um coberto vegetal homogéneo, formado por um limitadíssimo número de espécies muito resistentes e bem adaptadas?
Há pelo menos um motivo a que é prudente prestarmos toda a atenção: a sobrevivência da humanidade pode depender, mais do que supõe ou consegue aferir, dos benefícios da biodiversidade. É que tem sido essa variedade biológica e a cooperação entre espécies, num plano de subsistência mútuo, que nos tem garantido alimento, saúde, energia, recursos para a pesquisa tecnológica e a descoberta de novos remédios; e o que poderá assegurar uma resposta eficiente às mudanças no clima. A sustentabilidade da vida na Terra só será possível se os ecossistemas tiverem múltiplos meios de preservar impolutas as fontes de água, de manter a fertilidade do solo arável, de produzir ingredientes variados para a nossa dieta equilibrada, de reciclar os nutrientes do planeta, de travar o declínio dos polinizadores, salvaguardando o seu pacto com as plantas, de renovar as virtudes da nossa atmosfera e, não menos importante, de usufruir da diversidade genética em redutos silvestres.
Vem este arrazoado a propósito de mais uma espécie exótica, originária da América Central e do Sul, que vimos na lagoa de Vixán, na costa da Galiza. Pela sua grande capacidade invasora, a Ludwigia grandiflora é uma forte ameaça a este formoso espaço natural. Herbácea perene, alta, de flores solitárias mas vistosas no Verão e absoluta dependência de solos encharcados, consegue reproduzir-se vegetativamente e aprecia sobremaneira ribeiros de fraca corrente, remansos, arrozais e represas. Os frutos são cápsulas longas com uma coroa de sépalas e sementes firmemente incrustadas, que, mal se libertam, flutuam na água ou se disseminam arrastadas pelo vento. Para travar a propagação da planta, em alguns países da Europa são proibidos tanto a sua comercialização como o seu transporte.
Cremos, porém, que ela não tardará a chegar ao Minho. Das três espécies do género Ludwigia que ocorrem na Península Ibérica, só a L. palustris, de flores muito discretas, é autóctone e tem populações conhecidas em Portugal.