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27/09/2021

Floribunda mas nem tanto

Perto da entrada lateral dos jardins do Palácio de Cristal, escondida num bosquete de metrosíderos, camélias e rododendros, está uma árvore de origem australiana com folhas lustrosas, pendentes e rosadas no Outono. Tem cerca de 8 metros de altura (mas poderia atingir os 30) e a copa, de folhagem perene, é frondosa mas menos imponente do que poderia ser. Demorámos a reparar nela, e mais ainda a acertar com a data de floração para a fotografar. Não sabemos se pertence ao projecto inicial do jardim, de Emil David, caso em que já estaria plantada em 1865. O modelo de jardim então em voga na Europa servia vários propósitos, entre eles o de permitir o passeio sossegado por longas alamedas, ladeadas por renques de árvores da mesma espécie (frequentemente plátanos ou tílias), o apreço por açafates com muitas flores variadas (que certa arquitectura portuense entretanto desqualificou e tem paulatinamente eliminado de praças e jardins) e o coleccionismo de exemplares botânicos exóticos (que dominam nos jardins antigos que ainda sobrevivem no Porto). A árvore que vos mostramos hoje pode ter sido um desses pontos de interesse dos jardins do Palácio de Cristal.

Waterhousea floribunda (F. Muell.) B. Hyland


A fama entre jardineiros desta mirtácea vem-lhe da floração exuberante. Apesar de as flores serem minúsculas, são tantas, nascem em panículas tão densas e têm tantos estames (um formato que lembra as flores dos eucaliptos), que alguns exemplares no Verão (entre Dezembro e Março na Austrália, seis meses depois por cá) parecem brancos quando vistos de longe. Não lhe vimos ainda os frutos, mas são redondos e esverdeados, com uma semente grande, como os deste exemplar na ilha de São Miguel. O tronco é acinzentado, marcado por fissuras e ligeiramente rombudo na base, uma característica que denuncia a sua preferência por habitats húmidos e margens soalheiras de riachos. No jardim do Palácio de Cristal, porém, está longe do lago e nem consegue avistar o mar. Talvez por isso a sua floração seja modesta, como modesto tem sido o seu crescimento. Antes, e ainda mais agora, a selecção de árvores para ornamentar jardins terá sido mais guiada por caprichos do que pelo conhecimento.

19/11/2009

Eucalipto serrano



Eucalyptus dalrympleana Maiden

Os eucaliptos, mais de 500 espécies, são maioritariamente australianos, sendo alguns, poucos, da Indonésia, Malásia, Filipinas e Nova Guiné. São aromáticos, elegantes e úteis. Adaptáveis a quase todos os solos, recrudescem com a desgraça de um incêndio. E é reconhecido, por alguns com mágoa e por outros com a satisfação do lucro, que na nossa paisagem eles têm vindo a substituir o que foi a floresta portuguesa: são árvores sedentas, vigorosas, que dominam terrenos onde quase nada mais vegeta. Esta má reputação obriga-nos a refrear o entusiasmo, mas o eucalipto das fotos, do arboreto dos Kew Gardens, merece-nos uns minutos de atenção.

Quase todos os eucalipos requerem climas temperados, mas há espécies de montanha como esta que vive na Tasmania e nos Alpes australianos, em Victoria e New South Wales, entre os 600 e os 1700m de altitude. Ali predominam os dias húmidos e frios, com geadas e queda de neve frequentes. Apesar disso, é um dos eucaliptos mais altos - pode chegar, em condições favoráveis, aos 60m de altura e aos 2m de PAP (perímetro à altura do peito). O tronco é colunar, de casca suave, cinzenta na base, amarelada mais acima, com laivos verde-azeitona ou róseos. A madeira é rosada e firme mas pouco duradoura, sem as qualidades aclamadas da do E. marginata.

Como é usual nos eucaliptos, as folhas jovens são distintas das adultas: as primeiras são opostas, redondas, sésseis e de cor verde pálida; as segundas são alternadas, lanceoladas, de margens levemente onduladas e de um tom de verde coriáceo. Os botões das flores nascem com um capuchinho pontiagudo, feito de pétalas e sépalas unidas, que cai quando os estames se desenvolvem. As flores, de Outono, reduzem-se a numerosos estames brancos e nascem agrupadas em conjuntos de 3 a 7, formando umbelas (há poucas excepções, entre os eucaliptos, a este tipo de inflorescência; um contra-exemplo, de flores solitárias, é o E. macrocarpa). Os frutos lenhosos são ovóides, parecendo sininhos.

Richard Dalrymple Hay (1861-1943) foi um zeloso administrador das florestas de New South Wales.

17/06/2009

Simão Ferreira Sousa


Confluência dos rios Simão e Ferreira, em Valongo

O triplo antropónimo não vem aqui para chamar gente, mas sim porque uma percentagem, ainda que pequena, das águas que formam a porção da bacia do Douro na área metropolitana do Porto poderia com justiça ostentar essa combinação de nomes. O rio Simão, um pequeno curso de água restrito ao concelho de Valongo, junta-se ao rio Ferreira no limite sudeste da cidade. Revitalizado com as águas alheias, o rio Ferreira, que já viajara desde Paços de Ferreira, encontra forças para um ziguezague que rasga as serras de Santa Justa e Pias no sentido norte-sul. O seu destino é o concelho de Gondomar, onde, dois ou três quilómetros antes da meta, confia ao rio Sousa a responsabilidade de transportar a massa de água conjunta até à margem direita do Douro.


Freixos (Fraxinus angustifolia) e eucaliptos (Eucalyptus globulus) nas margens do rio Ferreira

É possível que Valongo seja o concelho do país com mais empreendimentos inacabados, lugares onde nunca morou nem há-de morar gente. Seja por falta de compradores ou por falência dos empreiteiros, essas urbanizações reduzidas a esqueletos, invadidas pela mesma vegetação que fora varrida para dar lugar às novas cidades, ficarão por muitos anos como testemunhas do desperdício e do mau planeamento - até que, por vergonha ou misericórdia, alguém as mande demolir. E consta ainda que Gondomar também dá boas cartas nesse campeonato de cidades-fantasma.

A pulsão de expandir indefinidamente a malha das cidades, nem que seja multiplicando os nados-mortos urbanísticos, faz recear que a médio prazo não sobre nesses concelhos qualquer área significativa livre de construções. E, contudo, o vale do rio Ferreira, entre Valongo e Gondomar, é a peça central de uma mancha verde ininterrupta que abrange as serras de Santa Justa, Pias e Castiçal [por comodidade, ainda que incorrectamente, designo-as colectivamente por serra de Valongo], e se estende também até Paredes. São matos, riachos, encostas e arvoredo perfazendo 25 km^2, uma área igual a três quintos da cidade do Porto; em suma, uma verdadeira floresta urbana no coração da metrópole. O poder político vai ganhando noção do valor destas serras: nos últimos trinta anos, foram várias as tentativas frustradas de aqui criar um parque natural. Em 31 de Julho de 2003, o Conselho de Ministros, reunido com grande pompa no Palácio do Freixo, tomou uma resolução nesse sentido que não teve qualquer resultado prático.

A riqueza botânica e geológica da serra de Valongo está descrita em vários documentos oficiais ou para-oficiais. Afinal de contas, a serra foi integrada na Rede Natura 2000, e a própria Câmara Municipal criou lá o Parque Paleozóico de Valongo. Contudo, se as pedras, os fósseis e os sedimentos estão mais ou menos a salvo da destruição, o mesmo não se passa com as plantas. Um amador de botânica portuense, William Tait, da comunidade britânica radicada na cidade, mandou a Charles Darwin, em 1869, exemplares de uma planta carnívora (Drosophyllum lusitanicum) colhidos na serra de Santa Justa. Se o tentasse fazer hoje, o mais certo é que não a encontrasse, pois a localização das escassas populações remanescentes é segredo ciosamente guardado pela comunidade científica. E outras plantas há, algumas endémicas, cuja existência é igualmente virtual, pois quem passeie pela serra quase só vê eucaliptos.


Vale de Couce, com amieiros (Alnus glutinosa) na margem esquerda do rio Ferreira

A eucaliptização, com os incêndios e a erosão do solo a ela associados, vem causando em Valongo uma perda acelerada de biodiversidade. Mas outros factores nefastos têm pesado na balança: as acácias nas zonas ribeirinhas, a poluição fluvial, e sobretudo a prática desregrada de desportos motorizados. Não há fim-de-semana em que a serra não seja atordoada por numerosos grupos de motociclistas em duas, três ou quatro rodas. Quem por lá passeie tem que conformar-se com o ruído e o pó, e desviar-se prudentemente para dar passagem aos estrepitosos veículos. Nenhuma das plantas que bordejam os larguíssimos caminhos escapa ao atropelamento. E nem aquelas em lugares mais afastados estão a salvo, pois o fluxo de motas e motoretas vai continuamente desbravando novos percursos.

No vale do rio Ferreira, em especial junto à aldeia de Couce, persistem amostras do antigo coberto arbóreo: carvalhos, amieiros, freixos, sobreiros, pilriteiros, salgueiros e até algumas pereiras-bravas. A vegetação arbustiva e herbácea, muito ameaçada, reserva-nos algumas surpresas, como a Silene que ontem aqui mostrámos. E mais haverá para mostrar em próximos números da série.

19/03/2008

Petição pelo regresso dos goivos


Metrosideros excelsa - avenida de Montevideu, Porto

Até 2001 havia flores e canteiros à sombra destes metrosíderos; havia o som e o cheiro do mar que uma sebe ocultava; havia uma fonte circular jorrando água por muitas bicas. Mantêm-se as árvores e o mar, agora à vista de todos pelo derrube da sebe, mas de resto tudo se foi. A fonte, em estado de ruína, já não sabe fazer cantar a água.

Sob os metrosíderos, em vez de flores, espalharam tapetes de conchas: escuras, frágeis, todas iguais, nem aos coleccionadores poderiam interessar. Tê-las-ão trazido como oferenda, já que as árvores não podiam descer à praia para recolhê-las? Teriam função decorativa? Ou, quem sabe, talvez desse modo se fornecesse às árvores a dose diária de cálcio recomendada pela UE e pela indústria de laticínios. Isto admitindo que as conchas têm cálcio na sua composição (palpita-me que sim) e que as árvores, como as crianças e os idosos, precisam dele para fortalecer os ossos. Ainda assim, custa-me imaginar o mesmo arquitecto que as quis abater no papel da figura maternal que lhes leva à boca (ou à raiz) a colher de iogurte.


Erysimum cheiri (goivos)

As flores têm feito um tímido regresso: nesses tanques secos, geométricos, vão surgindo Gazanias e Lampranthus; mas, apesar de vistosas, essas são flores burocráticas, que em cada dia não trabalham mais do que xis horas, não chegando sequer a abrir o expediente em dias foscos. Pior do que tudo, não deitam cheiro que possa temperar a maresia. Por isso é imperativo o regresso dos goivos que até 2001 perfumavam a avenida de Montevideu, logo antes do Castelo do Queijo. E há outra razão de peso que tem a ver com a defesa e preservação da língua de Camões: como podemos desprezar uma flor com um nome tão eufónico como goivo? Nenhum outro idioma lhe reservou palavra tão bonita: os franceses chamam-lhe giroflée, os ingleses wallflower, e os alemães sabe-se lá o quê. É certo que já falámos várias vezes de goivinhos, mas o diminutivo perde ressonância e poder evocativo se não conhecermos os goivos genuínos. Seria como lembrarmo-nos apenas do santinho dos espirros, tendo esquecido o que é um santo devidamente canonizado: em vez do mártir ou asceta de vida heróica e pose arrebatada, só nos viria à lembrança um sujeito de nariz pinguço, sempre a puxar do lenço.

01/02/2008

Roteiro de ninfas



Acmena smithii

Acmena deriva do grego akmaios que significa «no máximo vigor». Mas Acmenae é também outro nome para Afrodite, a deusa grega do amor que, como a palavra indica, nasceu da espuma do mar, filha de Zeus e Dione, a deusa dos carvalhos. E num banho de espuma é onde parecem estar mergulhados durante todo o Verão os espécimes de Acmena smithii: as inflorescências são paniculadas, as flores têm quatro ou cinco pétalas minúsculas e, como é usual nas mirtáceas, exibem numerosos estames em penachos. Esta exuberância alva e perfumada dá lugar no Inverno a mini-rabanetes suculentos, comestíveis mas ácidos, que mancham a árvore de roxo.

Das cerca de quinze espécies do género Acmena, nativas da Austrália e do sul da Ásia, a A. smithii (ali tratada carinhosamente por lilly pilly) é das mais rústicas, servindo mesmo como quebra-vento. No Porto há exemplares de grande porte no Palácio de Cristal, no Colégio de N.S. de Lurdes e no Jardim Botânico (foto em cima). A placa que identifica este último tem ainda inscrito o nome Eugenia smithii, designação que os cientistas revogaram em 1938: com excepção de uma, as espécies de Eugenia foram transferidas para os géneros Acmena, Acmenosperma, Syzygium e Waterhousea.

Sir James Edward Smith (1759-1828) foi botânico inglês, um dos fundadores da Linnean Society e autor da obra English Botany, em 36 volumes.

11/01/2008

Singularidades de uma vila

São muitas as singularidades de Ponte de Lima. A primeira é que a sede do concelho persiste, orgulhosamente, em ser vila, quando quase todas as nossas outras localidades de dimensão semelhante há muito que quiseram proclamar-se cidades. Por isso é a vila mais antiga de Portugal; uns anos mais e será, simplesmente, a vila de Portugal. A segunda singularidade é o espaço público impecavelmente cuidado, o que inclui, além da limpeza e do bom planeamento, uma arborização abundante (sem vestígios de podas camarárias) e a manutenção escrupulosa dos belos jardins.

A cinco quilómetros da vila, acessível por um caminho pedonal ao longo do rio, há uma reserva natural com cerca de 350 hectares, centrada nas lagoas de Bertiandos e de São Pedro d'Arcos e atravessada pelo rio Estorãos, que ali desagua no Lima. Declarada como zona húmida em 1990, foi inscrita em 1995 no Plano Director Municipal de Ponte de Lima como parte da Reserva Ecológica Nacional. E aqui manifesta-se uma terceira singularidade: em vez de pedir sucessivas desanexações à reserva, como costumam fazer, com a pressurosa colaboração do Governo da República, as autarquias preocupadas com o «desenvolvimento», a Câmara de Ponte de Lima ainda reforçou o seu estatuto de protecção, fazendo-a classificar em 2000 como área de paisagem protegida de âmbito regional.

Tanta singularidade tem que dar para o torto, argumentará o autarca desenvolvimentista: como é que terra que não betoniza a torto e a direito os seus valores naturais pode «criar riqueza»? O certo é que cria, pois o concelho tem um ar indiscutivelmente próspero. Sem ter inaugurado nenhuma atracção espampanante como a Bracalândia ou a «árvore» de Natal mais alta da Europa, Ponte de Lima é das terras mais visitadas do Minho (e de Portugal); e é-o pela singela razão de se manter bonita enquanto o resto do país (incluindo o Minho) se vai tornando cada vez mais feio.





Estas imagens documentam um dos possíveis passeios a pé com partida e chegada no centro de acolhimento das Lagoas: o percurso da veiga tem 6 Km de extensão, dos quais cerca de 2/5 são fora da reserva, atravessando povoações, campos de cultivo, vinhas e pomares. Os pontos mais atraentes do percurso são a lagoa de São Pedro - rodeada por esparsos eucaliptos improvavelmente fotogénicos - e, já fora da reserva, a ponte e a azenha do rio Estorãos, onde o antigo moinho (à direita na foto) foi convertido em hospedaria (as árvores em primeiro plano são amieiros). Vimos ainda velhas oliveiras, laranjeiras com muitas laranjas a apodrecer no chão, um curioso monumento com quatro mãos agarrando uma argola - dedicado à boa vizinhança entre quatro freguesias - e, para terminar, a amostra possível da fauna local à porta de sua casa.

15/10/2007

Os ossos à mostra



Numa ilha pequena como a Terceira, o mar ocupa-nos todos os sentidos: se por momentos lhe fugimos da vista, é para logo o reencontrar. Mas, em vez de lhe fugir, tive vontade de chegar junto dele e de lhe pôr a mão. O que é muito fácil de fazer mesmo sem sair de Angra, onde há um pequeno areal cinzento num canto da baía, mas não era esse mar confinado que eu queria tocar. Pus-me a caminho na estrada para São Mateus da Calheta, mas logo notei que o mar, afinal tão próximo, tinha sido privatizado: entre ele e a estrada, vedando-nos o acesso, interpunham-se continuamente casas e terrenos privados. Até que, alguns quilómetros adiante, entre uma pastagem e uma quinta abandonada, abria-se uma vereda ligando a um lanço de escadas que descia pela falésia. Antes de descer, fotografei uma árvore - Melaleuca linariifolia, em primeiro plano na foto em cima -, o que me dá o indispensável pretexto para falar de mar e pedras num blogue sobre plantas: é que, ao contrário do que esperava, a vegetação à beira-mar poucas novidades tinha em relação à que conhecia de outras longitudes. Foi pois à matéria inerte das rochas, com a irrequieta colaboração do azul da água e do branco da espuma, que coube dar personalidade a este lugar. Tarefa cumprida com brilho: é uma ilha frágil, descarnada até ao osso, um osso negro como carvão, esta que se deixa despir pelas ondas.

20/08/2007

O esplendor do desleixo


Luma apiculata - Casa Tait (Porto)

Esta pequena árvore da família das mirtáceas não parece ter designação em português; na sua terra natal (Chile e sudeste da Argentina) chamam-lhe arrayán, palavra que é também um dos nomes comuns da murta (Myrtus communis) em castelhano. A Luma apiculata divide-se geralmente em troncos múltiplos e não sobe acima dos cinco metros. É muito ornamental o seu ritidoma marmoreado em tons de branco e vermelho, efeito causado, tal como nos plátanos, pelo contínuo descascamento do tronco. Alguns livros garantem-nos que ela é frequente em jardins na costa atlântica temperada europeia, mas a verdade é que por cá não conhecemos senão o exemplar da foto. E não foi fácil destrinçar esta árvore do matagal que quase a sufoca: glicínias, áceres, fiteira, fetos, buxo, ligustros - todos se acotovelando numa ânsia de espaço vital que reproduz a genuína lei da selva. Mas isto não é selva: é património municipal; é a mais triste prova do valor (próximo de zero) que a Câmara do Porto atribui aos jardins à sua guarda.

Há quem confunda tamanho desleixo com «romantismo» - e é talvez a ingenuidade de quem assim pensa que permite à Câmara manter os jardins da Casa Tait neste estado vergonhoso. O «abandono» que o verdadeiro romantismo prezava era resultado de uma encenação cuidada; era um «abandono» que nada devia ao acaso e nunca poderia sobreviver à negligência. O que vemos hoje, na Casa Tait e também em boa parte do Palácio de Cristal, é espelho de uma cidade que desistiu de ter brio.

25/07/2007

Eucaliptos gigantes


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Os eucaliptos gigantes de Portugal, Ernesto Goes, Lisboa, Portucel, 1979, pp. 103.

Ontem, num alfarrabista da cidade, encontrei este livro que apenas possuía em versão fotocopiada. O autor, engenheiro silvicultor de profissão, é considerado um pioneiro na campanha de preservação de árvores monumentais do nosso país, e os seus livros têm sido preciosos para a descoberta destes "monumentos vivos".
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Na fotografia do lado direito vê-se o Eucalyptus obliqua gigante (ver placa identificativa só para gigantes também) do Jardim Botânico de Coimbra fotografado no Verão de 2006. Esta árvore, segundo Goes, media 40 m. de altura em 1979 e em 1985, 43.

19/07/2007

É fogo que arde e bem se vê


Eucalipto-de-flor-vermelha - Liceu Rodrigues de Freitas - Porto

Eucalyptus ficifolia ou Corymbia ficifolia: qual destes nomes científicos devemos usar? Em 1995, os cientistas Hill e Johnson, baseando-se em estudos genéticos, decidiram que um certo grupo de eucaliptos com características semelhantes tinha condições para declarar a independência; nascia assim, de uma cisão do género Eucalyptus, o género Corymbia. Só que a história não termina aí, pois um outro cientista, Ian Brooker, publicou em 2000 um artigo em que defendia a opinião oposta: o género Eucalyptus não tinha nada que ser dividido; pelo contrário, até devia ser alargado para abarcar ainda o género Angophora. O resultado desta divergência taxonómica é que hoje é tão correcto usar Eucalyptus ficifolia como Corymbia ficifolia: a escolha fica ao gosto de cada um. De facto, a edição mais recente, de 2003, de uma obra de referência sobre flora australiana, Australian Native Plants, de John W. Wrigley e Murray Fagg, apesar de mencionar a controvérsia, opta, em todos os casos, pelo nome Eucalyptus em detrimento de Corymbia.

Leia neste artigo de Jim Barrow (que não toma partido por nenhum dos lados da contenda) uma discussão mais pormenorizada do assunto.

17/07/2007

Tristânia


Lophostemon confertus - Jardim Botânico do Porto

Em 1982 o género australiano Tristania foi revisto e dividido em três, Tristania, Lophostemon e Tristaniopsis. O exemplar das fotos tem uma placa com a menção Tristania conferta mas é de facto da espécie Lophostemon confertus. Estes géneros (cuja designação inicial homenageia o naturalista francês Jules de Tristan (1776-1861)) são, a par do Eucalyptus, dos mais valiosos para a economia australiana associada à exploração de madeiras. O tronco dos espécimes de Lophostemon confertus cresce a prumo, podendo atingir 40m de altura e 3m de diâmetro; com a copa densa, formam árvores de porte muito elegante.

O ritidoma é rugoso e acinzentado na base, mas liso e rosado no topo, como o dos eucaliptos, sendo a madeira cor-de-rosa. Por ser tão bonita é popular em decoração; foi mesmo usada nos soalhos do Teatro de Ópera de Sydney. A folhagem agrupa-se em conjuntos acamados (confertus) no extremo dos ramos, parecendo espiralar. As flores têm numerosos estames, como é usual nas mirtáceas, mas aqui distribuem-se em cinco vistosos penachos (lophos).

Uma nota para os nossos zelosos «jardineiros»: vários livros sobre flora australiana, como Forest trees of Australia de D. J. Boland et. al. (CSIRO Publishing, 1999), consideram esta espécie apropriada para formar zonas de sombra e sobretudo para ornamentar parques e ruas: é que resiste bem a podas violentas e repetidas. Talvez por isso o nome tristânia lhe assente tão bem.

14/04/2007

Bela e forte




Encantados pelos metrosíderos, melaleucas, eucaliptos, patos e gansos do Parque da Cidade, só há dias reparámos nesta mirtácea. Pelas inflorescências diríamos que se trata de um Callistemon; mas as folhas pequeninas a espiralar nos ramos tornaram mais difícil a identificação deste arbusto. Um catálogo da flora australiana parece indicar que se trata de uma Beaufortia, arbusto endémico no sudoeste da Austrália, talvez da espécie B. aestiva. Sendo assim não terá sido apropriada a escolha desta planta para os terraços mais à beira-mar do Parque: é que ela aprecia ambientes secos, tendo vida curta em climas húmidos e chuvosos.

O nome do género homenageia a duquesa de Beaufort (Mary Capel Somerset, 1630-1715), mecenas dos Jardins Botânicos de Badminton e Chelsea e exímia horticultora.

P.S. Uma investigação mais aturada - que envolveu ajuda intercontinental e a consulta do livro Australian Native Plants (5.ª edição) de J. W. Wrigley e Murray Fagg - permitiu-nos concluir que, apesar de ter folhagem e ramificação semelhantes às da Beaufortia, esta planta é na verdade uma Melaleuca diosmifolia, também originária do oeste da Austrália.

30/01/2007

Arbusto do Capitão Gancho



O género Chamelaucium abriga cerca de 30 espécies endémicas apenas no oeste da Austrália entre Perth e Geraldton. A espécie C. uncinatum, conhecida como Geraldton-wax-plant por ter flores que parecem moldadas em cera, é ali amplamente usada para revestir solos junto ao mar uma vez que resiste bem a condições semi-áridas, a ventos e à maresia. O exemplar da foto vegeta num canteiro soalheiro junto à rua Ruy Luís Gomes em Gaia. Se bem cuidado, poderá chegar aos cinco metros de altura e dará flores do Inverno ao Verão.

Por ser uma mirtácea esperávamos que exibisse uma profusão de estames, como nos géneros Acca, Callistemon ou Metrosideros. Nestas flores, de cinco pétalas, eles são rosados e estão unidos formando uma taça central que lembra o efeito de uma gota de leite quando salpica a mesa. As folhas são agulhas encurvadas no ápice, como se na ponta de cada uma estivesse um pequeno gancho (daí o epíteto específico uncinatum).

21/08/2006

A túnica e as barbas



Não sei se alguma vez o vi na televisão: nos anos do seu apogeu, era eu criança, não tínhamos tal aparelho em casa. Quando o meu pai aceitou instalar na sala uma TV - ainda a preto e branco, no mesmo móvel de duas prateleiras onde em baixo repousava o rádio de válvulas - já tínhamos, eu e o meu irmão, alguma cautela nos gostos que a nós mesmos autorizávamos. Demis Roussos, o volumoso grego de barbas negras, túnica até aos pés e braços abertos que nem Cristo, era a encarnação cantante da pirosice que, mesmo aos dez-doze anos, o nosso amor-próprio nos obrigava a recusar. Mas a vontade consciente não controla tudo: uma distracção e eis-nos a trautear alguma canção foleira que se nos infiltrou pelos ouvidos incautos.

Mas havia quem, na minha família, lamentando embora a extravagância da indumentária e dos adereços, admitisse gostar de o ouvir. Julgo hoje que as barbas e a túnica - sobretudo a túnica - eram o que de mais grego havia nesse cantor que tanto sucesso teve cantando em inglês e em variadíssimas outras línguas: convertiam-no em grego de caricatura, ideal para exportação, igualzinho aos das ilustrações clássicas nos manuais escolares de história.

Por que recordo hoje esse protótipo da música festivaleira e eurovisiva? É que por infelicidade visitei o Parque de La Salette, em Oliveira de Azeméis, quando decorria o último dia das festas anuais a Nossa Senhora. Era Demis Roussos que, trinta anos depois, todo se esgoelava em honra de Nossa Senhora de La Salette nos atordoadores altifalantes pendurados no arvoredo. Gerações recentes houve que cresceram sem ouvirem Demis Roussos, sem serem assombradas pela sua espaventosa figura; não porém em Oliveira de Azeméis, onde, suponho, todos os anos em Agosto o grego regressa do limbo dos esquecidos para ocupar, em voz e em espírito, o Parque de La Salette. No próximo Verão hei-de lá procurar nas barracas a cassete pirata dos seus maiores e afinal imortais êxitos. Não corro riscos, pois não tenho onde pôr a fita a tocar.

Antes disso, voltarei para admirar, no silêncio possível, as árvores deste parque quase centenário, projectado em 1909 por Jerónimo Monteiro da Costa, o mesmo jardineiro-paisagista e empresário hortícola a quem se devem o Parque de Vizela e muitos dos jardins públicos do Porto (Carregal, Rotunda da Boavista, Praça da República, etc.). Há por lá ciprestes (Cupressus lusitanica), sequóias, cedros, podocarpos, taxódios e sobretudo inúmeros exemplares de Leptospermum laevigatum. Plantados para formarem sebes, estes arbustos nunca foram podados com a regularidade esperada; acabaram por se transformar em estranhíssimas árvores, com os troncos torturados e oblíquos compondo descontínua abóboda sobre os caminhos do parque.


Parque de La Salette: Leptospermum laevigatum

03/08/2006

Jardim e mata protegidos


Santo Inácio: carvalho-alvarinho, rododendros e Eucalyptus obliqua

O arvoredo oitocentista da Quinta de Sto. Inácio, que inclui uma colecção notável de camélias portuguesas, rododendros e kalmias, além de majestosos carvalhos, pinheiros mansos (cujo registo de plantio data de 1800), eugénias, avelaneiras, azevinhos, azereiros e cuningamias - companhias de uma elegante araucária brasileira e um venerando tulipeiro - está finalmente classificado como de interese público. Uma distinção atribuída ao jardim romântico e à mata da Quinta pela Direcção-Geral de Recursos Florestais (Diário da República, 2ª Série - Nº 146 de 31 de Julho de 2006 - cópia aqui) que aguardávamos com expectativa dada a ameaça de construção de uma via rápida que iria truncar a ala nascente da propriedade.

Há na Quinta outro conjunto de árvores digno de nota: várias espécies de eucaliptos criados de sementes australianas recebidas por Roberto e Christiano Van-Zeller da Sociedade de Divulgação do Eucalipto por troca de sementes de couve galega, como documenta uma carta do Departamento de Agricultura de Victoria, de Dezembro de 1911, na posse dos herdeiros.

24/03/2006

Eucaliptos monumentais- Monchique

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foto: agosto de 2003
Eucaliptos monumentais em Monchique (por trás do Hospital) na estrada que vai para o Barranco dos Pisões
(onde existe o célebre plátano- ver aqui e aqui )

A altura da primeira destas árvores ultrapassa os 30 metros (a pessoa que mal se vê encostada ao tronco mede 1.60 m). São muitíssimo maiores do que os eucaliptos abatidos na estrada para a Fóia e os assinalados na estrada para o Alferce , mas lembrei-me deles ao ler os comentários aqui trocados.
Terá razão o Parente da Refóias que, não deixando de lamentar a "desfortuna" que fizeram à serra de Monchique, acha que todos os "calitros" se valem, apenas importando pelo lucro que deles se possa obter?
Claro que não penso que cortar eucaliptos "ê o méme que fazer mal ôs carvalhêros ó ôtras arv'es assim" (nem tenho nada contra a exploração comercial da floresta) mas francamente, custa-me aceitar que se cortem árvores de grande porte. Mesmo eucaliptos. Talvez esteja errada. Não sei.
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30/08/2005

Nos jornais: "Árvores classificadas estão de 'boa saúde'"

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Notícia do dia 28/08 n' O Primeiro de Janeiro
«(...) Chama-se Eucalyptus diversicolor Müller, 'vive' no que resta da Mata Nacional de Vale de Canas, em Coimbra, e foi plantado no final do século XIX. Com 75 metros de altura e mais de 30 metros de tronco limpo de ramos, é a mais alta árvore da Europa. Sobreviveu ao incêndio do último fim de semana. À semelhança desta, e de acordo com o técnico responsável pela mata, Francisco Pinto Bravo, outras "árvores classificadas encontram-se de boa saúde".
O aviso está afixado à entrada da mata, em cartazes que alertam os visitantes para os perigos decorrentes do incêndio que afectou cerca de 80 por cento de um dos pulmões de Coimbra:"Em resultado do fogo que destruiu parcialmente a mata, algumas árvores, pinheiros e cedros, foram gravemente afectados, podendo cair a qualquer momento".
Isto para além de o Instituto de Conservação da Natureza já teve o cuidado de, "rapidamente, mandar cortar algumas árvores situadas perto das vias de comunicação e do parque de merendas da mata, prevenindo possíveis acidentes".
No entanto, refere ainda o aviso do ICN, "como no interior da mata ainda existem muitas que, provavelmente, irão cair, apelamos ao visitante para durante os próximos dias evitar zonas onde exista uma maior densidade de arvoredo queimado". Algumas destas áreas estão já delineadas por fitas de cor vermelha e branca e são bem visíveis. Ainda de acordo com a nota de Francisco Pinto Bravo, "o ICN está já a tomar medidas conducentes à recuperação da mata".
Vale de Canas, juntamente com o Jardim Botânico e o Parque de Santa Cruz, era um dos maiores espaços verdes da cidade. Nas várias casas que circundam a mata são visíveis os estragos causados pelo fogo em sebes e jardins ardidos, num cenário desolador.»

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26/08/2005

"A árvore mais alta da Europa"

A propósito do incêndio na Mata Nacional de Vale de Canas (ver imagem das chamas no Alcatruz)
e da notícia segundo a qual esta célebre árvore se terá salvo.

«Em publicação anterior afirmámos que "em Portugal há eucaliptos que são as árvores mais altas da Europa" e talvez as mais volumosas. Esses eucaliptos mais altos situam-se na Mata Nacional de Vale de Canas, próximo de Coimbra, e têm cerca de 70 m de altura. Esta nossa afirmação, "que em Portugal há eucaliptos que são as árvores mais altas da Europa", dita no Congresso de eucaliptos realizado pela FAO em Lisboa em 1960, caíu como uma bomba em tão selecta reunião, e só foi aceite como verdadeira quando os congressistas, na excursão de estudo que realizaram posteriormente, tiveram a oportunidade de admirar essas maravilhosas árvores. Sobre este assunto, mais tarde (em 1965) o prof. Jaime Pardé, Director da Estação de Silvicultura e Produção do Centro Nacional de Investigação Florestal de Nancy (França) e autor de vários livros lidos mundialmente por todos os técnicos florestais, escreveu-nos uma carta que em parte reproduzimos:

"Eu recebi recentemente Os eucaliptos de Portugal que apreciei com muito interesse. Preparando do meu lado um pequeno livro sobre a floresta, eu consagro um pequeno parágrafo às árvores mais altas do Mundo e da Europa. Eu julgava, antes da leitura do vosso livro, que o campeão era uma Picea romana, mas li na página 115 (Eucaliptus diversicolor) que existia um exemplar com 65 metros de altura na mata de Vale de Canas. Nestas circunstâncias, então será a árvore mais alta da Europa."

Em resposta confirmei que esse eucalipto tinha sido medido com todo o rigor e que tinha 64,70 metros de altura. Em 1974, em Vale de Canas foi medido esse eucalipto, assim como alguns E. globulus, cujas alturas a seguir se apresentam: E. diversicolor...60,50 m; E. globulus...66,50 m; E. globulus...66,00 m. Presentemente estes eucaliptos foram de novo medidos, tendo uma altura um pouco superior.»

Ernesto Goes, Árvores Monumentais de Portugal (1984) , p. 16

28/07/2005

A mãe de todas as mirtáceas


Foto: pva 0507 - Myrtus communis - Jardim Botânico do Porto

A murta (Myrtus communis L.) é um arbusto lenhoso de folha perene e coriácea, emblemático da região mediterrânica. De crescimento lento, pode atingir idade provecta e em muitas regiões está associada a tradições e costumes. Na mitologia surge ligada à deusa Afrodite e as suas flores brancas com numerosos estames têm, em algumas regiões da Península Ibérica, presença obrigatória nos ramos de noiva ou em grinaldas honoríficas.

De folhas muito perfumadas, a essência de murta é ingrediente de quase todos os perfumes e cosméticos. É ainda frequentemente usada em misturas de tomilho e rosmaninho para aromatizar alimentos e os frutos, bagas de cor azul violáceo, intervêm na confecção de aperitivos, cervejas, licores, vinagres, geleias e compotas.

Esta lista resumida de variadas utilizações, medicinais e ornamentais, da murta dá conta da sua importância nas regiões onde é endémica e vulgar (communis). A família Myrtaceae - a que pertencem, entre muitos outros, os géneros Callistemon, Corymbia, Eucalyptus, Eugenia, Acca, Leptospermum, Melaleuca, Metrosideros, Psidium e Syzygium - deve-lhe a designação.

17/07/2005

Melaleuca cor-de-rosa


Foto: pva 0507 - Melaleuca nesophila - Jardim Botânico do Porto

«Pode ser falso dizer que uma árvore sente, que um rio "corre", que um poente é magoado ou o mar calmo (azul pelo céu que não tem) é sorridente (pelo sol que lhe está fora). Mas igual erro é atribuir beleza a qualquer coisa.»

Bernardo Soares, Livro do desassossego (Assírio & Alvim, 2001)

Outras melaleucas