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08/05/2019

Histórias da Lista Vermelha: Scrophularia bourgaeana



Scrophularia bourgaeana Lange



As escrofulárias, assim chamadas por se acreditar serem úteis para debelar certos inchaços do pescoço, são herbáceas altas e erectas, frequentemente de caule simples, com as folhas dispostas aos pares. As flores, agrupadas em cachos, são diminutas mas muito características: de forma tubular, inchadas na base, com cores que variam entre o vermelho, o laranja, o amarelo e o branco, apresentam as pétalas superiores salientes e reviradas para cima, formando um espécie de pala. Algumas espécies preferem lugares muito húmidos (como a Scrophularia auriculata), outras não desdenham habitats ruderalizados (como a Scrophularia grandiflora, endémica de Coimbra e arredores), e outras ainda têm gostos versáteis, surgindo um pouco por todo o lado. Entre as últimas sobressai a Scrophularia scorodonia, capaz de crescer em meio urbano sobre velhos muros mas surgindo também em ambientes naturais como margens de ribeiras.

Distinguir as diversas espécies de Scrophularia exige observação atenta. A Scrophularia bourgaeana, de que falamos hoje, apresenta semelhanças vincadas não apenas com a vulgaríssima S. scorodonia mas também com a rara S. herminii, que surge esporadicamente em zonas montanhosas do norte e centro do país. Tanto nas flores como nas folhas (que, nos três casos, são simples e de margens recortadas), as três plantas parecem, à primeira vista, pouco diferir entre si. Contudo, a S. bourgaeana tem pêlos muito curtos, e por isso um aspecto muito menos hirsuto do que a S. herminii (compare as imagens acima com estas: 1, 2); e os cálices das suas flores são desprovidos de margens escariosas, ou têm-nas muito estreitas, o que permite distingui-la da S. scorodonia (compare a penúltima foto acima com esta).

Habilitado que está a reconhecer a Scrophularia bourgaeana, onde poderá o leitor pôr em prática os conhecimentos adquiridos? Em Portugal é difícil, pois a população nacional da planta (que é um endemismo ibérico, e cujo principal contingente mora na serra de Gredos, em Espanha) reduz-se, muito provavelmente, a não mais que quatro dezenas de exemplares, todos eles acantonados numa área muito restrita da serra de Arga. Até Abril de 2017, data em que essa população foi descoberta pelo botânico Paulo Alves no âmbito da preparação de um atlas florístico da serra de Arga, julgava-se que a espécie estava extinta em Portugal, pois há quase 40 anos que ela não era avistada no vale do Ramiscal (Parque Nacional da Peneda-Gerês), único local onde tinha sido assinalada no nosso país.

Essa feliz redescoberta pode revelar-se também o canto do cisne. Na Lista Vermelha da Flora de Portugal, a Scrophularia bourgaeana é avaliada, com inteira justiça, como estando em "Perigo Crítico". Os pouquíssimos exemplares existentes vegetam nas cercanias de uma aldeia, em habitats artificiais e precários como sejam as margens muradas de uma ribeira entre campos de cultivo ou as paredes de uma casa arruinada. Em Maio de 2018, quando estas fotos foram obtidas, notámos que o dono de um dos campos tinha aspergido as margens da ribeira com herbicida, matando assim um número importante de exemplares. Se essa prática tão nociva persistir, a Scrophularia bourgaeana não tem futuro em Portugal.

01/05/2019

Histórias da Lista Vermelha: Genista berberidea

Quando se invoca a necessidade da limpeza de matos para minorar o risco de grandes incêndios, é de giestas, tojos e urzes que estamos a falar. Mais recentemente, esses arbustos passaram simplesmente a ser chamados de combustíveis, como se o facto de arderem quando se lhes pega fogo os singularizasse entre tudo o que existe à face da Terra. Assim, em vez de limpeza de matos ganhou voga a expressão controlo de combustíveis, tarefa para a qual pareceriam mais vocacionados os proprietárias de postos de gasolina do que os velhos aldeões do nosso despovoado interior.

Uma característica irritante do mato é que depois de cortado (ou de ardido) ele rapidamente volta a crescer. Desta verdade elementar parecem não ter noção aqueles citadinos que lamentam haver ainda, passado mais de ano e meio sobre os catastróficos incêndios de 2017, tanto mato para desbastar por esse país fora. Mesmo que se lhes mova guerra sem tréguas, com o país invadido por afincados exércitos de roçadores, as giestas, tojos e urzes crescerão sempre mais depressa do que podem ser cortadas.

Parece assim ponto assente que essa classe de plantas não tem problemas em crescer e multiplicar-se, e delas não esperaríamos que integrassem uma lista vermelha da flora. Se por absurdo estivessem em risco, então a guerra contra elas estaria a ser ganha, com a consequente diminuição generalizada do risco de incêndio. Quem acharia isso uma má notícia? Resposta: todos aqueles para quem "ecologia" não é palavra oca e que não anseiam por viver num deserto.



Genista berberidea Lange



O problema é que nomes como "giesta" ou "tojo" aplicam-se a uma profusão de diferentes plantas leguminosas, algumas vulgares ou mesmo abundantes em vastas zonas do país, outras raras e ameaçadas, por vezes com áreas de distribuição muito restritas. Só do género Genista existem em Portugal continental quinze espécies. Às que são espinhosas, como a que mostramos nas fotos, é costume chamar tojos, embora essa designação seja mais própria dos arbustos do género Ulex, de que também não são poucas (dez) as espécies portuguesas.

Na Lista Vermelha da Flora de Portugal, a Genista berberidea está classificada como "Vulnerável". É um arbusto que atinge metro e meio de altura e se apresenta como um emaranhado de ramos espinhentos, com as folhas curiosamente aglomeradas nas extremidades dos curtos raminhos laterais. Endémico da Galiza e do noroeste de Portugal, vive em turfeiras, prados húmidos e margens de linhas de água. A sua presença foi assinalada na serra do Caramulo, no Grande Porto e em vários locais do Minho; mas a destruição generalizada do habitat fez com que hoje em dia, na maioria dos raros lugares onde subsiste, ele surja em muito escasso número. A única excepção a este triste panorama acontece no topo da serra de Arga, onde se mantém uma boa população totalizando duas a três mil plantas, perfeitamente adaptadas à herbivoria de vacas e garranos. Na Primavera de 2018, um frio inesperado, com neve à mistura, atrasou por algumas semanas a floração, que decorre por um período curto e costuma iniciar-se nos finais de Março.

O epíteto berberidea não remete para o norte de África, mas sim para o género Berberis, com o qual Johan Lange (1818–1898), que baptizou esta Genista, considerou ter ela afinidades. De facto, tanto a Berberis vulgaris como a Genista berberidea são pequenos arbustos espinhentos, e as folhas de ambos não são totalmente dissemelhantes.

28/12/2013

Candeias na serra


Serra de Arga com o estuário do Minho em fundo
Por se situar perto da costa, a serra de Arga tem um clima atlântico temperado e abriga vários nichos de flora notável. Contudo, o povoamento desta região minhota ditou a destruição de quase toda a floresta autóctone (onde por certo se incluíam carvalhos, bidoeiros, salgueiros, amieiros, freixos), mesmo a das galerias ripícolas, levando a preocupantes perdas de solo por erosão e escorrência. Mais recentemente, grande parte da paisagem uniformizou-se com resinosas, eucaliptos e acácias invasoras. Só junto a algumas aldeias — onde resistem pequenos bosques de antigos carvalhos cobertos de musgos e de cabrinhas (Davallia canariensis) — ou perto do topo da serra é que esta impressão desoladora é parcialmente redimida.

A cerca de 820 metros de altitude não há vegetação arbórea. Cruzamo-nos com pastores e gado, e gastamos tardes a explorar extensas turfeiras e charnecas húmidas que, no Verão, se enchem de Pinguicula lusitanica, Drosera rotundifolia, D. intermedia, Gentiana pneumonanthe (e uma espécie rara de borboleta que depende desta planta para sobreviver), Serratula tinctoria, Erica ciliaris e Erica tetralix. Um pouco mais abaixo há córregos e ribeirinhos em cujas margens abundam anémonas (Anemone trifolia) e narcisos (Narcissus pseudonarcissus). Acrescente-se a este cenário bucólico vastos cervunais (onde é essencial manter o pastoreio), taludes de matos húmidos com preciosidades cuja conservação é prioritária (como Lycopodiella inundata) e zonas secas, expostas ao sol, com substratos siliciosos e a (noutras paragens) rara Succisa pinnatifida.



Armeria humilis (Link) Schult. subsp. odorata (Samp.) P. Silva


A Península Ibérica foi bafejada com muitas espécies endémicas de Armeria, algumas difíceis de destrinçar, uma tarefa que se complica a cada novo híbrido natural que se descobre. Se a chave dicotómica nas Floras nem sempre se ajusta às medidas da planta que observamos, pelo menos as descrições são minuciosas e por elas aprendemos inúmeros vocábulos novos (folhas dimorfas, múticas e rigídulas; brácteas imbrincadas e cuspidadas, as externas menores ou subiguais ao dobro das internas; praganas no cálice; escapos decumbente-incurvados...). As armérias são plantas vivazes, algumas lenhosas, em geral com uma roseta basal de folhas filiformes ou lanceoladas de onde saem um ou vários talos encimados por inflorescências arredondadas, formadas por flores de pétalas soldadas na base e protegidas por dois invólucros de brácteas que parecem feitas de papel pardo.

A Armeria humilis é um endemismo do noroeste da Península com porte rasteiro e gosto por fendas de rochas graníticas, solos arenosos e pastagens de montanha acima dos 800 metros. As duas subspécies registadas (A. humilis subsp. humilis, que ocorre nas serras do Gerês e Amarela e de que só conhecemos espécimes com flores brancas; e a A. humilis subsp. odorata, com populações nas serras de Arga, Laboreiro, Amarela e Cabreira, de pétalas pálido-rosadas ou lilases) diferem no tamanho e número de nervuras das folhas, na morfologia das brácteas involucrais e das aristas dos cálices, e até nos meses de floração, florindo a segunda mais cedo. Os dicionários informam que cada planta do género Armeria é conhecida em vernáculo português como raiz-divina ou maçacuca, uma palavra feita de maçã e cuco. Os espanhóis optaram por um singelo candeia.

03/06/2013

Licopódio para totós

Carum verticillatum (L.) W. D. J. Koch
Nos últimos anos visitámos assiduamente a serra de Arga em busca do licopódio-dos-brejos (Lycopodiella inundata), raridade botânica que alguns relatórios oficiais asseveram existir nas muitas turfeiras e prados higrófilos que preenchem as cumeadas da serra. Nunca o encontrámos, mas o afã da busca revelou-nos algumas plantas inesperadas e desvendou-nos, visto do alto, o litoral minhoto de Viana até Caminha. Como numa sopa de pedra, o ingrediente que motivou os passeios acabou por ficar esquecido, não no fundo da panela, mas algures num charco que não chegámos a inspeccionar. Mas não nos queixamos do insucesso, pois tudo o resto nos soube bem.

Sabendo da nossa demanda, houve uma planta, a alcaravia (Carum verticillatum) que muitas vezes se disfarçou da outra para poder rir à nossa custa. Pode parecer estranho que uma umbelífera, planta com flor, se assemelhe a uma espécie primitiva, aparentada com os fetos, que se reproduz por esporos, mas o Carum verticillatum, fora do período de floração que vai de Maio a Julho, fica reduzido a tufos de folhas rastejantes que lembram irresistivelmente as frondes do licopódio-dos-brejos. Essas folhas, que aparecem nas mesmas turfeiras onde deveria existir o licopódio, são compridas e estreitas, formadas por segmentos lineares dispostos em verticilos ao longo da ráquis. Uma observação atenta desfaz de imediato a confusão, pois tais segmentos são ramificados, ao contrário do que sucede no licopódio; e, neste último, os segmentos de última ordem (que aí na verdade são folhas) não são lineares nem estão exactamente agrupados em verticilos.

A haste floral do C. verticillatum, apesar do aspecto frágil, pode ultrapassar um metro de altura. Cada umbela é formada por 10 ou mais raios de 3 a 5 cm de comprimento; cada um desses raios, por sua vez, sustenta umbelas secundárias (chamadas umbélulas) com um número muito variável de flores, em geral entre 10 e 15.

Não fique a ideia de que, para nos fazer pirraça, a alcaravia se fez especialmente abundante na serra de Arga, pois a planta, embora mais frequente na metade norte do país, aparece com regularidade em prados húmidos ou encharcados do Minho ao Algarve. Globalmente, a sua área de distribuição abrange a Europa ocidental e o norte de África. Além do Carum verticillatum, ou alcaravia silvestre, há uma outra alcaravia por vezes cultivada para fins culinários ou medicinais, que leva o nome científico de Carum carvi e tem folhas de perfil triangular, muito diferentes das do C. verticillatum.

20/03/2012

O que é um pseudonarciso?

Narcissus pseudonarcissus subsp. nobilis (Haw.) A. Fern.


– Podemos entrar no seu lameiro para ver aquelas flores?
– Para ver o quê? As ovelhas?...
– Não, não, as flores.
– Não é meu, façam favor.

A Península Ibérica é abonada em narcisos, sobretudo as regiões mais frias ou de montanha. As maiores populações conhecidas no país de Narcissus pseudonarcissus, espécie do sudoeste da Europa, estão precisamente na serra da Estrela e na serra Amarela, aqui em zona de reserva integral. Mas ele também surge em altitudes baixas, no Minho, embora esteja dependente de uma gestão tradicional dos lameiros que está em risco de se perder.

O abandono da agricultura, substituída pela secção de verduras dos supermercados, poderia beneficiá-lo por poupar o solo e os bolbos, mas na verdade as terras em pousio tendem a encher-se de ervas que competem com excessiva valentia. Contudo, a tendência para, em vez de legumes, plantar forragem para o gado, que ali se alimenta em regime de self-service, trouxe novas esperanças aos narcisos. Nos poucos locais onde ainda há populações deste narciso, prados e regatos de água fresca, houve a oportuna iniciativa de negociar com os proprietários um acordo que incentiva o pastoreio, para que o gado segue estes campos com firmeza (deixando os narcisos intactos por lhe serem indigestos), e os impede de mobilizar agressivamente o solo e de utilizar herbicidas ou pesticidas. O resultado desta gestão minuciosa são as centenas ou milhares de tufos de folhas lineares, de secção trapezoidal, azuladas e erectas, encimados por elegantes trombetas amarelas com bordo crenulado, base protegida por uma bráctea, a recender a mel e aformoseadas por um colar de seis tépalas ligeiramente retorcidas. Lembram as do N. asturiensis, mas em versão de maior porte e com flores mais avantajadas.

Vimo-los primeiro em Póvoa de Lanhoso, tendo para isso de usar galochas nos pastos regados por fartos ribeirinhos e saltar algumas cercas com que a propriedade privada, legitimamente incomodada com a curiosidade alheia, se protege, e previne a colheita ilegal de bolbos. Num ano mais chuvoso formariam mantos extensos de flores (com as tépalas brancas, que algumas Floras designam N. pseudonarcissus subsp. nobilis), o que indicia que a preservação do habitat está a ser bem sucedida. Seguindo uma indicação do Carlos Silva, a quem agradecemos, fomos depois à serra d'Arga, um sistema montanhoso relativamente baixo (não sobe além dos 900 metros) e invulgarmente perto do mar. A vegetação é rala e o lugar rochoso e granítico, mas deve chover ali bastante porque nos planaltos predominam as turfeiras. Por ali, são os cavalos selvagens que fazem a manutenção das margens dos ribeiros, criando um refúgio propício à disseminação das plantas mais frágeis. Encontrámos Drosera rotundifolia, Pinguicula lusitanica, Anemone trifolia, Viola palustris, N. bulbocodium, Scilla monophyllos. E muitos exemplares deste narciso, mas desta vez com as flores completamente amarelas (que as mesmas Floras denominam N. pseudonarcissus subsp. portensis) e um perfume igualmente doce (embora não saibamos quantificar esta afirmação).

Narcissus pseudonarcissus subsp. nobilis (Haw.) A. Fern. / Narcissus pseudonarcissus subsp. portensis (Pugsley) A. Fern.
A rotina que nos impacienta no Inverno, à espera de que as plantas acordem, não nos permitiu sossegar enquanto não fomos ver aquela que pode ser a terceira maior população deste narciso. Está em Paredes de Coura, mas não no lugar onde ocorre o N. cyclamineus. Preferiu instalar-se mais acima, num recanto frio entre currais e pastos de feno húmidos, cruzados por um riacho de caudal escasso. Numa das populações, em exemplares que distavam não mais de dez centímetros entre si, encontrámos plantas com flores de tépalas brancas, outras com tépalas divididas entre branco e amarelo (este tom mais próximo da base da corola) e outras de colar inteiramente amarelo. O que parece dar alguma razão à revisão taxonómica que a Flora Ibérica iniciou nesta espécie. Segundo os seus autores, a espécie N. pseudonarcissus abrigaria quatro subspécies e, ignorando-se as variações de cor nas flores e outras diferenciações morfológicas menores, as plantas minhotas arrumar-se-iam todas numa designação única, N. pseudonarcissus subsp. portensis. Este é um endemismo do norte da Península Ibérica que em Portugal se concentra na Beira Alta, Trás-os-Montes e Minho — mas de que, por cá, se conhecem poucas populações.

Narcissus pseudonarcissus subsp. portensis (Pugsley) A. Fern.
Um relatório de 2010 sobre a biodiversidade em Vila Nova de Gaia inclui uma referência a este narciso, presume-se que baseada em observações antigas. Curiosamente, o epíteto portensis foi atribuído por H. W. Pugsley em 1933, referindo-se a exemplares colhidos perto do Porto. A Flora Ibérica (ainda em rascunho, a corrigir), que desconhece a presença do N. cyclamineus em Paredes de Coura, mantém que o N. pseudonarcissus subsp. portensis ainda ocorre no Douro Litoral.

Mais a sul, na Estremadura, Beira Baixa e Ribatejo, há registo de outra subespécie, N. pseudonarcissus subsp. pseudonarcissus, que não se restringe à Península Ibérica e que se suspeita ter sido introduzida em terras lusas. A diferença mais notória com a anterior está na relação de tamanhos das peças da flor e no habitat preferido: ambas gostam de prados, mas esta suporta melhor torrões mais pedregosos e até alguma secura.