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20/09/2020

Ervas do Fresno



Miranda do Douro tem um rio. Não, não é aquele rio das arribas vertiginosas que vem de longe e vai para longe, e que, por ser o rio de muitas terras, afinal não é de nenhuma. Falamos do Fresno, um rio maneirinho que faz todo o seu percurso de 15 km no concelho de Miranda, e que só não se chama ribeira porque rio é título honorífico e num planalto de pouca chuva todos os cursos de água merecem ser festejados. As gentes de Miranda gostam tanto do Fresno que à sua passagem pela cidade o enfeitaram com um repuxo e fizeram das suas margens um parque urbano. Refreando a vontade suicidária das (escassas) águas de se lançarem, de um desnível de 150 metros, no leito amansado do Douro, construíram-lhe represas e engordaram-no com espelhos de água. Assim disfarçarm também a secura que aflige o rio todos os verões, quando a vida se suspende à espera das chuvas de Outono.

Porque preferimos um rio menos ataviado de enfeites, não passeámos no Parque Urbano do Fresno. Em vez disso, fomos para montante, com paragens em Palancar e em Ifanes, para espreitar as ervas que boiavam na água ou se escondiam nas margens entre salgueiros e freixos. As chuvas da Primavera, que tinham sido regulares, ainda permitiam no final de Junho que o caudal se apresentasse nutrido. Seria por pouco tempo, garantiu-nos alguém que colhia couves num quintal à beira-rio. Mais duas semanas e as ervas do Fresno que se mostravam tão frescas estariam todas secas: juncos e ciperáceas, gramíneas, ervas-salgueiras, tábuas, ranúnculos, alismatáceas, miosótis e muitas plantas mais, todas na urgência de florir e frutificar antes de serem vencidas pela estiagem.


Alopecurus aequalis Sobol.


Uma das gramíneas que crescia nas águas do Fresno destacava-se, apesar da modesta altura (não mais que 20 cm), pelas espigas compactas salpicadas com o cor-de-laranja das anteras. Por não precisarem de atrair polinizadores, é raro as gramíneas ostentarem cores vistosas. Tanto assim é que o detalhe colorido nos revelou, sem sombra de dúvida, a identidade dessa gramínea do Fresno. Trata-se da Alopecurus aequalis, planta cuja ampla distribuição abrange os três continentes do hemisfério norte, mas que é escassa em Portugal, onde aparece sobretudo no quadrante nordeste.


Azolla filiculoides Lam.
Formando grandes manchas cor-de-vinho à superfície das águas, aparecia também um feto aquático originário da América tropical, Azolla filiculoides, que aqui confirmava de modo exuberante a capacidade invasora que lhe foi reconhecida pelo Decreto-Lei n.º 565/99. Esta planta só não é um problema mais sério em Portugal porque não tolera o frio e desaparece (ou remete-se à dormência vegetativa) durante o Inverno. Do ponto de vista económico, a planta tem certas virtudes que não parece terem sido aproveitadas em Portugal, e que a levaram a ser introduzida em muitas partes do mundo. A sua capacidade de fixar azoto reforça a produtividade de arrozais e de outras culturas aquáticas, e a planta pode ainda ser usada como fertilizante se recolhida das águas.

22/05/2019

Histórias da Lista Vermelha: Phleum arenarium



Phleum arenarium L.


Para a grande maioria dos portugueses, "férias" e "praia" são perfeitos sinónimos: de Maio a Outubro, enquanto a chuva e o frio se mantiverem educadamente ausentes, ir à praia é, para o grosso da população, o único modo de ocupar os períodos de lazer. Que o país inteiro se estenda na praia ao sol não é bom para as plantas dunares, mas a instalação de passadiços de acesso às praias um pouco por todo o litoral contribuiu para minimizar os estragos e, em certas casos, até potenciou uma notável recuperação da vegetação das dunas. Contudo, os tempos já foram melhores, e as ameaças sobre as plantas dunares voltam a avolumar-se. A erosão costeira tem feito recuar o cordão dunar, às vezes de forma dramática, em muitos pontos do litoral norte. E algumas câmaras municipais deixaram de se preocupar com a gestão desses habitats, seja para poupar no orçamento, seja porque a conservação da natureza é moda que já passou e poucos votos rende. Entre as prevaricadoras avulta a Câmara Municipal de Gaia (CMG), que, sob a égide do actual presidente Eduardo Vítor Rodrigues (primeiramente eleito em 2013), deixou de controlar o chorão (Carpobrotus edulis) e outras plantas infestantes nos 15 km de dunas do concelho, mantendo embora de pé os cartazes garantindo que esse controlo é feito. Depois de dez ou mais anos em que nos habituámos a ver essas dunas recuperar gradualmente a sua biodiversidade, eis que regressámos à idade das trevas em que tais preocupações são um luxo desnecessário.

A sorte da gramínea dunar que hoje apresentamos, de seu nome Phleum arenarium, não depende, felizmente para ela, do empenho do presidente da CMG, ainda que não se possa dizer o mesmo de outras plantas constantes da Lista Vermelha da Flora de Portugal (um exemplo é o Centaurium chloodes, classificado como "Em Perigo", desaparecido há poucos anos do litoral gaiense). Já em tempos recuados a presença do Phleum arenarium no nosso país parecia restringir-se à faixa litoral a norte do Douro. Na Flora Portuguesa de Gonçalo Sampaio, publicada postumamente em 1946, diz-se que a área de distribuição da planta se estendia até ao Alentejo, mas nenhum registo de herbário corrobora tal informação. Actualmente só se sabe dela em três ou quatro pontos nos concelhos de Vila do Conde, Esposende e Viana do Castelo. As dunas entre a Amorosa e o Cabedelo, a sul do Lima, marcam o limite norte da distibuição portuguesa da planta e albergam o seu maior contingente populacional, atingindo a ordem dos milhares. Mas a planta é pequena, uma simples espiga com 10 a 15 cm de altura; e, tratando-se de uma planta anual de surgimento efémero (floresce entre Maio e Junho, depois seca e desaparece), os seus números podem oscilar muito de ano para ano.

O Phleum arenarium (que, segundo a Lista Vermelha, está "Em Perigo" no nosso país) vive na transição entre a duna primária e a duna cinzenta, em zonas ainda não completamente estabilizadas. Não tolera a instabilidade da frente dunar, mas é pouco competitivo e tem dificuldade em colonizar dunas consolidadas com bom coberto vegetal. O refúgio que encontrou entre a Amorosa e a foz do Lima responde de forma exacta aos seus requisitos, e os passadiços que o põem a salvo do pisoteio também lhe proporcionam um importante habitat secundário. Noutros pontos do litoral norte, o habitat da planta terá sido obliterado pelo estreitamento do cordão dunar, pela caótica rede de carreiros de acesso às praias, e pela expansão de plantas invasoras como o chorão e a acácia-de-espigas.

O Phleum arenarium está amplamente distribuído pela costa atlântica europeia, mas desce também ao Mediterrâneo e, atravessando-o, espeta uma modesta lança em África, não se aventurando para lá de Marrocos. Não é o único penacho-das-areias em miniatura que temos na nossa flora, mas é talvez o mais raro. Se o leitor lograr encontrá-lo, parabéns. Mas, antes de festejar, tire algumas fotos e certifique-se de que aquilo que está a ver não é, por exemplo, o Lagurus ovatus, que tem um aspecto bastante mais fofo e sedoso e é comum em dunas de norte a sul do país.

03/07/2018

Ervas de Santa Maria


Tapete de Rostraria azorica na Praia Formosa, em Santa Maria
Com uma área de 97 km2, Santa Maria é a terceira menor ilha dos Açores, avantajando-se apenas ao Corvo e à Graciosa. É por isso surpreendente que, de todo o arquipélago, seja ela que detém o maior número de plantas endémicas exclusivas. São três as plantas que ocorrem em Santa Maria e em mais lado nenhum: Aichryson santamariensis, Euphorbia stygiana subsp. santamariae e Rostraria azorica. Apesar de ser oito vezes maior, São Miguel sai-se mal desta disputa, ficando-se por um único endemismo exclusivo: Leontodon rigens. De resto, os bons ofícios do vento e das aves e a proximidade entre as ilhas fizeram rarear no arquipélago o fenómeno da exclusividade: há ainda, no Pico, o duvidoso caso da Silene uniflora subsp. cratericola, e é tudo. As coisas seriam diferentes se as Flores e o Corvo, tão distantes do resto do arquipélago, contassem como uma ilha só, pois nada menos que quatro espécies exclusivas são partilhadas por essas duas ilhas.

Das três plantas endémicas de Santa Maria, a Rostraria azorica é decerto a menos conspícua: em Maio e em Junho, o Aichryson santamariensis enfeita profusamente as estradas da ilha com o amarelo radioso das suas flores; a Euphorbia, misteriosa no seu bosque, seduz-nos pela folhagem e pelos seus ramos serpenteantes; mas a R. azorica, uma gramínea anual reduzida a um caule e um penacho, com uns 10 a 15 cm de altura máxima, parece ter a modéstia como única qualidade.


Rostraria azorica S. Hend.


De um modo geral, as plantas não têm qualquer interesse em seduzir-nos, mas alguns dos engodos visuais ou olfactivos por elas usados para atrair insectos e outros polinizadores podem também apelar aos nossos sentidos. Contudo, as gramíneas, apesar de serem plantas evoluídas, confiam no vento para a polinização e dispersão das sementes — e, por dispensarem toda a ajuda de terceiros, não entram em jogos de sedução. O que não quer dizer que um sentido estético mais refinado não seja capaz de encontrar uma beleza de tipo austero em certas gramíneas, merecedoras por isso de um protagonismo em jardinagem que ultrapasse o utilitarismo dos relvados. E, falando das gramíneas endémicas açorianas, é inegável o dramatismo cénico que o bracel-da-rocha (Festuca petraea) empresta às falésias negras das ilhas.

À escala a que o nossos olhos costumam funcionar, a R. azorica tem tudo para passar despercebida, confundindo-se com uma multidão de outras ervitas insignificantes. É nos detalhes das inflorescências que as gramíneas marcam pontos, valendo-se de uma simetria e regularidade inigualadas por plantas mais vistosas (exemplos: 1, 2). Aí a R. azorica é tão fotogénica como as melhores, e mostra suficiente personalidade para que possamos reconhecê-la entre as suas (quase) iguais. O género a que pertence, Rostraria, inclui cerca de uma dezena de espécies anuais típicas de lugares áridos, todas bastante semelhantes, distribuídas pela bacia mediterrânica e pelo Médio Oriente. Nos Açores ocorre uma segunda espécie, também presente em Portugal continental e em grande parte da Europa, que é a R. cristata (foto em baixo). A Rostraria de Santa Maria distingue-se bem desta por ser uma planta mais hirsuta, por ter a panícula mais estreita e alongada, e por as lemas (brácteas que protegem os florículos) terem aristas muito mais compridas.

O que há de mais notável na Rostraria azorica é ela ser endémica de uma ilha só. As sementes das gramíneas deixam-se transportar pelo vento a grandes distâncias, e os 80 km que separam Santa Maria de São Miguel não deveriam ser obstáculo de grande monta. Várias são as gramíneas endémicas presentes em todas as ilhas do arquipélago (Festuca petraea, Holcus rigidus, Gaudinia coarctata) ou em pelo menos oito ou sete delas (Festuca francoi, Deschampsia foliosa). Não seria inesperado se se descobrisse que a R. azorica aparece noutras ilhas — mas antes de alguém se lançar na procura terá que saber reconhecer a planta, e lembrar-se de que ela só está visível por um período curto, entre Abril e Maio. O carácter efémero e discreto desta gramínea, afinal frequente nas zonas costeiras de Santa Maria, ajuda a explicar que só em 2003 tenha sido publicada a descrição formal da nova espécie (S. Henderson & H. Schäfer, Synopsis of the genus Rostraria (Poaceae) in the Azores, Bot. Journal of the Linnean Society, 141-1), embora já em 1969 a sua existência tivesse sido notada pelo botânico C. E. Hubbard.


Rostraria cristata (L.) Tzvelev

25/07/2017

O voo do Corvo



Informações inúteis

Como ir. De avião pela SATA, ou de barco desde as Flores usando a lancha Ariel ou um semi-rígido. Os horários da SATA são flexíveis: o passageiro deve chegar com a antecedência regulamentar ao aeroporto, mas a transportadora exerce invariavelmente o seu direito de anunciar atrasos de última hora. No entanto, os atrasos das diversas ligações costumam encaixar na perfeição uns com os outros. Se uma das escalas for nas Flores, então nos melhores dias pode ser brindado com a mais paradoxal das surpresas, que é a chegada ao destino antes da hora da partida. Como é possível? O voo entre as Flores e o Corvo (ou vice-versa) dura cinco minutos; e, se já tiverem embarcado todos os passageiros, não há motivo para o avião não descolar de imediato. No nosso caso, com um total de seis passageiros que, para equilibrar o peso, se sentaram todos na parte de trás do avião, mais o comissário de bordo na outra ponta a despachar as instruções de segurança, levantámos voo oito minutos antes da hora marcada. Das ligações por mar, quem quiser ver golfinhos e saltar como eles sobre as ondas, com grandes borrifos de água salgada, deve escolher os fogosos semi-rígidos. Para os menos arrojados, recomenda-se a lancha Ariel da Atlânticoline, que costuma cancelar as ligações quando o mar está agitado e, nas festas das Flores ou do Corvo (ininterruptas em Julho e Agosto), só tem lugar para os previdentes que compram passagem com semanas ou meses de antecedência.

Onde comer. Quem faz turismo gastronómico não tem no Corvo um destino de eleição. Entre as nossas duas visitas à ilha, a primeira em Junho de 2016 e a segunda em Julho de 2017, há contudo novidades substanciais a reportar. Em 2016 havia dois restaurantes: o Caldeirão, junto ao aeroporto, e o Traineira, junto ao porto; ou, em rigor, já que distam 250 metros um do outro, os dois junto ao aeroporto mas o segundo mais encostado ao porto. Tendo jurado nunca servir peixe fresco aos clientes, pois quase tudo o que é pescado na ilha é vendido para o continente ou para as outras ilhas, tinham ainda assim pratos aceitáveis, com o Caldeirão esmerando-se um pouco mais e o Traineira monopolizando a clientela operária (há sempre no Corvo dezenas de trabalhadores vindos para obras do Governo regional). O duopólio permitia-nos diversificar as refeições, almoçando no Traineira e jantando no Caldeirão, ou almoçando no Caldeirão e jantando no Traineira. Nos dias em que algum deles fechava, íamos duas vezes ao que estivesse aberto, aproveitando a segunda ocasião para degustar o outro prato do dia. Se dispensássemos o luxo sibarita de uma segunda refeição completa no mesmo dia, podíamos ir ao BBC (Bar dos Bombeiros do Corvo, um must da noite corvina) para nos regalarmos com uma tosta mista (podia ser francesinha, se quiséssemos) regada com um néctar de pêssego ou de laranja (apesar de ter muitas e variadas bebidas alcoólicas, o BBC trata com igual afabilidade os que preferem bebidas não inebriantes). Por último, havia a opção ascética de, com pão, fruta e outros géneros adquiridos no comércio local (uma mercearia, duas lojas generalistas e uma padaria), improvisar um jantar ligeiro na sala de estar do hotel. De 2016 para 2017, BBC, mercearia, lojas e padaria (aberta só de manhã de segunda a sábado) mantiveram-se iguais a si próprias, mas um dos restaurantes deixou de funcionar como tal. Era isso mesmo que esperávamos, pois em 2016 soubéramos que os então concessionários do Caldeirão se iriam embora no final do Verão. Afinal o Caldeirão reabriu com nova gerência, e foi o Traineira que deixou de ser restaurante por ter perdido a cozinheira. Mantém-se aberto, mas servindo apenas sopas, sandes e bebidas. À porta, onde dizia Horário do restaurante diz agora Horário do; as horas de abertura e os dias de descanso são os mesmos. Esta oferta depauperada ainda mais se reduziu no fim-de-semana de 8 e 9 de Julho, quando todos os estabelecimentos de comes-e-bebes estiveram fechados: o Caldeirão o dia todo, o Traineira e o BBC a partir do meio da tarde. O motivo eram as festas da ilha, onde algumas barracas vendiam refeições: para garantir a afluência de clientes, toda a ilha se pôs de acordo em não lhes deixar alternativa. Mas a canja de galinha e a morcela com inhame até estavam boas.

Transportes. Na ilha há três ou quatro táxis; todos acorrem de pronto à chamada e fazem a volta à ilha cobrando 10 euros por pessoa. Quem for poupado e não quiser deslocar-se a pé facilmente arranja boleia numa carrinha de caixa aberta. Apesar de serem muitos os carros no Corvo, a ponto de os habitantes se terem desabituado de andar a pé mesmo em distâncias curtíssimas, não é possível alugar carros na ilha.



Agora a sério

Os parágrafos anteriores são o nosso contributo para moderar a afluência turística ao Corvo. Há lugares que foram feitos para o silêncio e combinam mal com multidões. Mas quem nos leu até aqui, e esteja disposto a despojar-se de alguns dos seus hábitos de vida urbana, merece saber que o Corvo é um lugar extraordinário. Não para visitar a correr, como fazem os que chegam de barco por umas horas, sobem de táxi à grande cratera, tiram umas fotos e já está, mas para ficar alguns dias, dando tempo a que os sentidos se ajustem e se possa entender como uma ilha de 6 Km de comprimento por 4 Km de largura, com 430 habitantes, também é um mundo. As refeições não serão um luxo, mas o alojamento não tem que ser espartano. O Hotel Comodoro (ou Guest House Comodoro), único da ilha, é mais acolhedor, confortável e asseado do que muitos hotéis cheios de estrelas. Não tendo a ilha, com excepção da fábrica de queijos, indústria que se veja ou uma economia de serviços, cada habitante cumpre muitos papéis: um taxista é também pescador e cultiva os seus legumes no quintal; muitos têm afazeres diurnos mas ao fim da tarde sobem às pastagens para ordenhar as vacas; e o dono do hotel pode ser presidente da câmara.

E quanto à natureza? Numa paisagem dominada por pastagens, de onde a manta arbórea original há muito foi extirpada, a maioria das árvores e arbustos refugiam-se em sebes ou em linhas de água temporárias. Os bosques de cedro-do-mato (Juniperus brevifolia) que cobrem grandes extensões da vizinha ilha das Flores estão quase totalmente ausentes do Corvo, sobrando, como últimas amostras significativas, um povoamento de algumas centenas de árvores adultas no Morro da Fonte e um outro, de menor expressão, no troço final do ribeiro da Cancela do Pico, perto do farol. Contudo, são frequentes pela ilha os exemplares isolados de cedro-de-mato, alguns de provecta idade. Ao contrário do que sucede nas restantes ilhas, a conteira (Hedychium gardnerianum) não é um problema no Corvo e parece, aliás, ter sido completamente eliminada. O galardão de infestante mais nociva ficou para a hortênsia (Hydrangea macrophylla), que invade ribeiros de forma sufocante e ameaça ocupar de alto a baixo as vertentes do Caldeirão, lugar onde se concentra um número apreciável de endemismos botânicos. Apesar disso, o Caldeirão do Corvo é, sem favor, a mais fotogénica cratera vulcânica do arquipélago e, mesmo com o pastoreio intensivo de gado bovino, guarda habitats preciosos tanto no bordo como nas lagoas e turfeiras que lhe preenchem o fundo. Dado que o coberto vegetal ralo não representa obstáculo à nossa passagem, é fácil descer ao fundo, vencendo um desnível de 150 metros, e caminhar em redor das lagoas, com a necessária cautela não vão os pés afundar-se no terreno pantanoso. As muitas vacas que vamos cumprimentando são pacíficas e estão habituadas às visitas. Estas lagoas têm boas populações de Isoetes azorica, um raríssimo feto aquático que é também um endemismo açoriano, e que no início de Julho, tendo já largado os esporos, deixa ver as suas folhas como longos cabelos verdes e flutuantes. Outras raridades aquáticas igualmente discretas que aqui se fazem comuns são a Littorella uniflora e a Elatine hexandra, acompanhadas por Eleocharis palustris, Potamogeton polygonifolius e Juncus effusus. Nas valas que escoam a água das encostas para as lagoas aparecem grandes fetos (Osmunda regalis, Woodwardia radicans), escoltados aqui e ali por indivíduos dispersos de Vaccinium cylindraceum, Juniperus brevifolia e Ilex perado subsp. azorica.


Isoetes azorica Milde



Myosotis azorica H. C. Watson
Por muito interessante que fosse o fundo do Caldeirão, era no seu bordo que devíamos procurar o tesouro que o mau tempo de Junho de 2016 não nos permitiu alcançar, obrigando ao nosso regresso um ano mais tarde. Conforme comprovativo fotográfico acima, a persistência foi recompensada. Sem batota e sem ajuda, seis anos depois de iniciarmos a busca na ilha das Flores, encontrámos finalmente a Myosotis azorica na natureza. Todos os nossos encontros anteriores com este endemismo das Flores e do Corvo, devorado até à beira da extinção por cabras assilvestradas, tinham sido com plantas cultivadas. Desta vez, vimos umas trinta plantas em flor, duas que pudemos tocar e as restantes em lugares vertiginosamente inacessíveis. Por perto residiam outros dois endemismos destas ilhas, a Veronica dabneyi e a Euphrasia azorica, a segunda muito abundante no bordo da Caldeirão.


Festuca francoi à esquerda e Deschampsia foliosa à direita
Nem só de plantas floridas vive o ecossistema hiper-húmido e quase sempre ventoso do Caldeirão. Mesmo no bordo há muitas zonas turfosas, dominadas por Sphagum, e nos afloramentos rochosos várias gramíneas endémicas abanam as espigas ao vento. As dominantes são a Festuca francoi e, de menor tamanho e com folhas mais curtas, a Deschampsia foliosa. Vê-las lado a lado, como na foto em cima, é a melhor maneira de aprender a distingui-las.


Deschampsia foliosa Hack.

21/07/2015

Falésia dourada



Festuca petraea Seub.



Nos Açores, é em Junho que nas falésias brilha o amarelo do bracel contra o fundo negro das rochas, o azul do mar e a espuma branca das ondas. Nos outros meses estão lá os mesmos ingredientes, mas o dourado converteu-se em verde ou degenerou num castanho de palha ressequida. Não são só o negrume e a porosidade das rochas vulcânicas que diferenciam as escarpas insulares das do continente: esta gramínea sacudida pelos ventos salgados, tão comum nos Açores, é destas ilhas e de mais sítio nenhum no mundo. Mesmo que os visitantes que se passeiam à beira-mar não se apercebam disso, têm ali o que tantas vezes não têm nos lugares que são cartaz turístico do arquipélago: uma amostra genuína do antigo coberto vegetal das ilhas, anterior à ocupação humana. Com jeito, podem enquadrar nas suas fotos imagens que os primeiros povoadores facilmente reconheceriam.

As gramíneas, pese embora a sua importância crucial na nossa alimentação, não são plantas que entusiasmem muito o comum botânico amador. É verdade que têm flores, mas elas, não tendo a função de atrair polinizadores, são em geral pouco vistosas. Para aprender a distinguir gramíneas, há que estudar chaves de identificação repletas de termos especializados e estar atento a pormenores subtis como o número de estrias em cada folha, o seu ponto de inserção no caule, as glumas que protegem os florículos, a forma e o comprimento das anteras. O género Festuca é dos mais complexos da família, com mais de 400 espécies distribuídas por todos os continentes à excepção da Antárctida. As festucas são plantas perenes que formam tufos de folhas finas, muitas vezes azuladas; várias delas (com destaque para a europeia Festuca glauca) são usadas em jardinagem para fornecer contraste com plantas mais coloridas ou como alternativa aos tristonhos relvados. Esta Festuca petraea açoriana, ou bracel-da-rocha, parece fácil de reconhecer pelo habitat e pelo aspecto geral, mas há que ter cautela. O habitat costeiro é um dado importante, pois há nos Açores outra Festuca endémica (F. francoi, conhecida como bracel-do-mato), que prefere rochas e taludes enevoados no interior das ilhas. Nas Flores, onde o excesso de pluviosidade faz com que os dois habitats tenham uma extensa sobreposição, acaba por ser incerto, em muitos lugares situados a altitudes intermédias (entre os 100 e os 300 m), qual das duas espécies estamos a observar, a menos que tenhamos a lição bem estudada.

A Festuca petraea foi uma das espécies descritas por Moritz August Seubert na sua pioneira Flora Azorica (1844). Por contraste, a Festuca francoi teve que esperar até 2008 para ser reconhecida como endemismo açoriano: foi nesse ano que, em artigo publicado no Botanical Journal of the Linnean Society, os botânicos J. A. Fernández Prieto, Carlos Aguiar, Eduardo Dias e M. Isabel Gutiérrez Villarías mostraram que a espécie açoriana era diferente, em especial na morfologia foliar (caráctar decisivo para destrinçar as espécies do género), da madeirense F. jubata, com a qual até então tinha sido confundida. Porque a flora madeirense sempre foi a mais bem conhecida das duas, outros casos houve (Angelica lignescens, Lotus azoricus, etc.) em que as espécies açorianas foram erradamente assimiladas a espécies madeirenses. Ainda hoje há equívocos semelhantes por desfazer: é duvidoso que os Ranunculus cortusifolius açorianos e madeirenses pertençam à mesma espécie (os dos Açores são bem mais robustos), e acumulam-se indícios de que o nome Tolpis succulenta designa indevidamente duas espécies distintas, uma endémica dos Açores e outra da Madeira.

03/02/2015

Espadas verdes



Antinoria agrostidea (DC.) Parl.


As folhas flutuando à tona de água parecem outras tantas alpondras que nos convidam a pôr o pé e a atravessar para a outra margem, coisa que faríamos de bom grado se fôssemos pequenos e leves como os bichos aquáticos. As mais seguras e convidativas são as folhas redondas dos nenúfares e aparentados, mas também as há compridas e pontiagudas, que lembram as espadas inofensivas das brincadeiras infantis. Nos lagoachos da serra da Estrela são duas as espécies de plantas aquáticas que estendem tapetes de espadas verdes: o Sparganium angustifolium e esta Antinoria agrostidea. Uma e outra têm efeito cénico semelhante, mas pertencem a famílias botânicas distintas, distinguindo-se facilmente pelas inflorescências: as do Sparganium são globulosas, dispostas numa haste curta, enquanto que as da Antinoria aparecem em panícula, e são formadas por espiguetas tingidas de roxo. Na ausência de frutos ou flores, a diferenciação também não é difícil, pois as folhas do Sparganium são em regra bem mais compridas, e as da Antinoria são percorridas por sulcos longitudinais profundamente marcados. Em qualquer caso, só mesmo na serra da Estrela, único lugar de Portugal onde ocorre o Sparganium angustifolium, é que pode pôr-se a dúvida. Já a Antinoria agrostidea vai aparecendo aqui e ali, sobretudo nas zonas montanhosas, em charcos ou lagoas de águas límpidas, ou em rios pouco profundos e de fraca corrente.

Esta Antinoria é uma gramínea versátil, e dela se conhecem várias formas. A versão aquática (a mais comum no nosso país) é uma planta perene, enraizante nos nós, e goza de reconhecimento taxonómico (não unânime) como A. agostidea subsp. natans (Hack.) Rivas Mart. A subespécie nominal, por seu turno, gosta de sítios húmidos mas não de estar mergulhada na água, tem folhas e caules erectos, e inclui tanto plantas perenes como plantas anuais, havendo porém quem separe as formas anuais numa terceira subespécie, chamada annua. Apesar de alguns autores, entre eles Franco & Rocha Afonso no vol. III da Nova Flora de Portugal, entenderem que não se justifica qualquer diferenciação a nível de subespécie, não é essa a opinião que tem prevalecido recentemente.

10/06/2013

A marca do ouro

Lamarckia aurea (L.) Moench.
Em taxonomia botânica não é raro haver uma evidente discrepância entre o homenageado e a planta cujo nome lhe prestaria homenagem. Lineu, sensível à carga simbólica de um nome e à necessidade de procurar a proporção justa, costumava baptizar as plantas mais insignificantes ou inúteis com o nome daqueles que tinha em fraca conta. No extremo oposto da escala, o botânico inglês John Lindley (1799-1865) não teve dúvidas em dar o nome do Duque de Wellington, vencedor de Napoleão, à mais portentosa árvore à face da Terra, a californiana sequóia-gigante. (Para desgosto dos ingleses e júbilo dos americanos, o nome genérico Wellingtonia era porém inválido, por ter sido anteriormente usado para designar uma pequena árvore asiática.) O caso desta gramínea deixa-nos algo confundidos. É uma planta anual, de uns 30 cm de altura, com uma inflorescência em panícula unilateral que começa por ser verde e depois adquire um atraente tom dourado. É uma boa escolha para jardins xerófilos mediterrânicos, onde até pode aparecer sem ser convidada. Em Portugal distribui-se sobretudo pelo centro e sul do continente, com entrepostos na bacia do Douro superior e no arquipélago da Madeira. Será esta planta homenagem adequada a Jean-Baptiste Lamarck (1744–1829), um dos maiores naturalistas de sempre, botânico de mérito, zoólogo eminente, precursor de Darwin? Contudo, ela não está sozinha na tarefa de perpetuar o nome ilustre, pois além de meia dúzia de plantas com o epíteto lamarckii (entre elas uma vistosa rosácea, Amelanchier lamarckii, e um mangue híbrido, Rhizophora × lamarckii), muitas criaturas marinhas, sobretudo moluscos e celenterados, foram agraciadas com algum dos nomes Lamarckina, Lamarckdromia, lamarckii or lamarckiana.

vale da ribeira do Mosteiro, Poiares, Freixo de Espada à Cinta

23/04/2010

Curar as feridas

Anthyllis vulneraria L. / Briza maxima L.
Os ervanários tradicionais vendiam em saquinhos (e talvez ainda vendam) uns preparados que eram uma mistura de folhas e galhos secos. Ainda que de efeito ténue ou mesmo indetectável, essas mistelas compensavam a debilidade terapêutica com a versatilidade das suas aplicações. Tanto podiam ser empregues em tisanas (uso interno) como esfregadas directamente na cútis do paciente (uso externo). Os dois modos de usar podiam ainda, com assinalável poupança de esforço, ser combinados num só: a mesma infusão em água quente tanto podia beber-se como ser aplicada directamente à pele. O chá não seria delicioso, mas não causava indisposições nem azias; e, se não curava as doenças de pele, esse banho aromatizado também não parecia provocá-las.

Vem isto a propósito da leguminosa que aqui trazemos hoje e que é tradicionalmente conhecida como vulnerária, nome que aliás coincide com o seu epíteto científico. (A gramínea que também se vê na foto tem o sugestivo nome de bole-bole.) Vulneraria significa, em latim, a que cura as feridas. Aquele a que hoje chamaríamos cirurgião, ou homem cuja profissão é tratar os feridos, era chamado vulnerarius em latim. Vulnero significa ferir, e vulnus é ferida. O étimo sobrevive em português no adjectivo vulnerável.

Não espanta pois saber que a vulnerária, fresca ou seca, era usada em cortes, contusões e queimaduras, servindo para estancar hemorragias e acelerar a cicatrização das feridas. Possui assim todas as qualidades para integrar o mix multiusos que os ervanários disponibilizam aos seus clientes. Quanto a poder ser ou não ingerida, a opinião dos herbívoros que ruminam nos nossos campos é francamente positiva.

A vulnerária é uma herbácea de vida curta, peluda, de 20 a 60 cm de altura. Distingue-se pelas brácteas verdes, lobadas, que servem de colarinho às inflorescências. Reconhecem-se dezenas de subespécies da Anthyllis vulneraria, mas não é fácil destrinçá-las. No livro Plantas a proteger no Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, António Flor refere a ocorrência no PNSAC de uma Anthyllis lusitanica Cullen & P. Silva, mas deve tratar-se da mesma a que a Flora Digital de Portugal chama Anthyllis vulneraria subsp. gandogeri (Sagorski) W. Becker ex Maire.

05/08/2009

É o vento que as leva


Cortaderia selloana (Schult. & Schult. f.) Asch. & Graebn. [Reserva de São Jacinto]

As gramíneas são as plantas mais evoluídas que se conhecem. Tão evoluídas que parecem ter-se preparado - usando, à distância de 60 milhões de anos, de uma capacidade divinatória sem paralelo - para um holocausto nuclear que não deixe vivo qualquer animal à face da Terra. Não dependem de ninguém para a polinização e para a disseminação das sementes: o vento faz de graça ambos os serviços. E, porque não precisam de atrair os bons ofícios de nenhum ser vivo, reduzem as flores à sua forma mais despojada, despindo-as de qualquer enfeite.

A relva que pisamos - e tantas vezes amaldiçoamos pelo consumo exagerado de água e pela fraca valia ambiental - é uma gramínea; e também provém das gramíneas boa parte da comida que nos sustenta: arroz, trigo, milho, aveia, cana-do-açucar, etc. Os bambus são gramíneas que podem ser empregues para fabricar mobiliário leve. E, finalmente, há as gramíneas que seriam ornamentais se fosse possível usá-las com comedimento, mas que aproveitaram a ingenuidade humana e a cumplicidade do vento para se transformarem em pragas. É o caso emblemático da erva-das-pampas (Cortaderia selloana), originária da Argentina e do sul do Brasil, que foi introduzida por cá como planta de jardim e se tornou das piores infestantes do litoral português, quase tão grave como as acácias e os chorões (Carpobrotus edulis).

É comum encontrarem-se terrenos abandonados (lotes para construção ou antigos campos agrícolas) completamente forrados por esta «erva» vigorosa e emplumada. Mas, ao contrário de outras plantas daninhas, a erva-das-pampas não é menina para se arrancar com as mãos nuas: não só as folhas são cortantes (daí o nome Cortaderia), como a touceira por elas formada ultrapassa os dois metros de altura; além disso, é uma planta rizomatosa, com raízes fundas e bem firmadas. O único modo prático de limpar uma infestação é recorrer a maquinaria pesada.

Em Portugal faz-se muito pouco para combater as invasões vegetais; mesmo em áreas protegidas (como a Reserva de São Jacinto) as plantas daninhas proliferam sem serem incomodadas. Talvez seja uma luta perdida, mas a impressão que dá é que nem chegou a haver luta.

27/05/2008

Rabinhos-de-lebre


Lagurus ovatus

As dunas com vegetação do sul da Europa, como algumas, poucas, nossas, lembram agora pradarias onde saltitam seres de cauda curta, uns mais alvos, outros mais gordinhos - como esta gramínea anual que até ao fim do Verão se manterá em flor. As inflorescências são panículas ovais, densas, peludinhas e sedosas que justificam as designações científica e vernácula desta espécie (do grego lagos, lebre, e oura, cauda).

Para que não se diga que aqui se desperdiça comida, uma breve nota sobre outra parte comestível do mesmo mamífero: falamos da orelha-de-lebre (Bupleurum sp.), umbelífera com folhas solitárias que abraçam o caule. A espécie Bupleurum koechelii homenageia o botânico e mineralogista austríaco Ludwig von Köchel (1800-1877), que identificou muitas plantas em numerosas viagens e elaborou o catálogo Köchel das obras de Mozart. A enumeração usada (como em Concerto para violino No.1 K.207) seguiu uma análise rigorosa do estilo para assegurar uma listagem cronológica exacta que serviu de base, em particular, à publicação, parcialmente financiada pelo próprio Köchel, da obra integral de Mozart.

Quanto ao pedaço mais nutritivo da lebre, confessamos que não conseguimos evitar que, num pulo certeiro, se entocasse numa caniçada, e que - apesar de não ter, naturalmente, conseguido apagar o rasto com a cauda - se pusesse a salvo dos temperos do ensopado.

08/02/2008

Erva de caule oco


Phyllostachys bambusoides

Os pilares desta abóbada do Jardim Botânico de Coimbra têm cerca de 150 anos, revestindo um hectare com a espécie chinesa de bambu gigante, Phyllostachys bambusoides, da mesma família do trigo, centeio, aveia e demais cereais. Em média, os caules têm uns 20 m de altura e 9 cm de diâmetro, tendo crescido cerca de 30 cm por dia na primeira semana de vida. Dão agora corpo às palavras de Eugénio de Andrade: «O verde dos bambus mais altos é azul ou então é o céu que pousa nos seus ramos». Neste país da relva, do eucalipto e do desperdício de água, é embaraçoso verificarmos que já fomos mais sábios a construir, e apreciar, jardins.

Nunca vimos um destes exemplares em flor - a qual, como a da relva, é discreta e reduz-se a estames e anteras, com duas brácteas a resguardar o conjunto, o bastante para a polinização pelo vento. E, em certo sentido, ainda bem. É que, sendo plantas rizomatosas, reproduzem-se vegetativamente, formando florestas de clones que, por isso, exibem uma floração gregária, em simultâneo; e depois de florir, a planta morre. Dir-se-ia que, ultrapassada a fase primitiva em que as plantas não possuíam flores, e aquela posterior em que todas elas se enfeitavam com flores garridas, vieram os tempos modernos em que as plantas têm, como certa escola de arquitectos, vergonha de as mostrar.

Um bambuzal como este exige manutenção adequada, para assegurar a humidade certa a estas ervas altas e as defender dos textos que anónimos apaixonados, ou visitantes deslumbrados, inscrevem nos seus tubos. Apesar de ser de folha perene, em climas mais frios parte da folhagem cai para proteger os pés dos bambus, renascendo na Primavera em leques exuberantes. E há usos tradicionais para as várias partes dos bambus: os rebentos são comestíveis e importante fonte de fibra (embora sejam pouco nutritivos e por isso os pandas consomem grandes quantidades deles); os tubos são amplamente usados na construção civil e em instrumentos musicais de sopro; a cobertura macia das canas é transformada em pasta de papel; e são raros os jardins chineses sem um recanto ornamentado com um bambu, junto a um muro e rochas harmoniosamente dispostas, a sugerir uma pintura.