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17/01/2025

Onde não estamos

Quando no Verão, vestidos com roupas leves, somos perseguidos pelo calor inclemente, podemos imaginar que é no Inverno que nos sentimos bem, desde que agasalhados dos pés à cabeça com muitas camadas de roupa. Mas basta que o frio aperte durante uns dias para sabermos que o Inverno também não nos serve. Na verdade, são poucos ou nenhuns os meses do ano feitos à medida do nosso conforto: como sabiamente cantava António Variações, é só onde não estamos que estamos bem. Seguindo esse princípio de olharmos com nostalgia para o passado e com esperança para o futuro, sem nunca nos contentarmos com o presente, é adequado, nestes dias gélidos (adjectivo evidentemente exagerado, pois isto não é a Sibéria), revisitarmos as plantas que vimos num mês de Julho, sob um calor abrasivo, em Granada.

Putoria calabrica (L. f.) DC.


A planta que hoje apresentamos, e que vive em zonas pedregosas secas, de preferência calcárias, da bacia mediterrânica (desde a Espanha até à Turquia, e desde Marrocos até à Palestina), parece ter sido nomeada por De Candolle num dia de má disposição. Putoria significa malcheirosa, o que talvez seja factual, mas não é por certo a característica mais distintiva deste arbusto. A Putoria calabrica, há que reconhecê-lo, é distintamente ornamental pela folhagem miúda e brilhante, pelos cachos de flores rosadas e pelos frutos de um vermelho lustroso. Tudo isto brota como um milagre de um emaranhado de ramos rastejantes que se diriam ressequidos de tanto serem castigados pelo sol. Teria lugar de destaque em qualquer rock garden, mas é de presumir que tenha dificuldades em adaptar-se a climas menos tórridos.

O género Putoria inclui pelo menos duas espécies. A segunda, P. brevifolia, vive também em habitats rochosos e é exclusiva de Marrocos e da Argélia; distingue-se por ter flores solitárias, em vez de agrupadas em cachos como na P. calabrica. O que salta à vista nestas duas espécies é a semelhança das flores com as das aspérulas, também da família Rubiaceae. De facto, a espécie de mais ampla distribuição das duas chamou-se originalmente Asperula calabrica, mas o género Asperula hoje em dia só inclui herbáceas. Em qualquer caso, seria menos estranho chamar Asperula a estes arbustos do que mudá-los para o género Plocama, como alguns propõem invocando ponderosas razões filogenéticas.

31/07/2024

Época de soldas



É a crise no comércio tradicional que faz com que haja saldos o ano inteiro? Mas também no comércio electrónico, ou até nos supermercados pequenos ou grandes, o fenómeno é idêntico: nunca pagamos as coisas pelo preço tabelado, pois há sempre um desconto a amaciar a compra. A época de saldos caiu em desuso, ou deixou de ter importância por se ter transformado num requisito permanente das trocas comerciais. Nós, os consumidores, fazemos sempre a escolha mais inteligente por termos aproveitado aquela ocasão única, e os comerciantes sabem bem que só ganham em gratificar a nossa ingénua vaidade.

Já a época de soldas tem um calendário mais definido, decorrendo, grosso modo, entre Maio e Julho, com as naturais variações induzidas pelos factores climatéricos. Para começar, as soldas — que é como chamamos às espécies do género Galium — são muitas: mais de cinquenta espécies na Península Ibérica (incluindo ilhas Baleares), umas vinte em Portugal. O que complica a questão é serem muito parecidas umas com as outras: folhas reunidas em verticilos (ou saiotes) regularmente espaçados ao longo das hastes, flores geralmente brancas, pequenas (menos de 5 mm de diâmetro), de quatro pétalas, em panículas densas ou lassas, ou às vezes axilares, agrupadas em pequeno número. Caracteres diferenciadores são quantas folhas há por verticilo (por exemplo, no Galium broterianum, frequente em margens pedregosas de ribeiras, elas são sempre em número de quatro), o aspecto mais ou menos compacto da inflorescência, e a forma ou rugosidade dos frutos (duas espécies com frutos muito distintivos são o G. verrucosum e o G. murale).

Galium rosellum (Boiss.) Boiss. & Reut.


As duas soldas que mostramos hoje, ambas fotografadas num mês de Julho nos cumes da serra Nevada, em Granada, não nos exigiram lupa nem consulta de chaves dicotómicas para as identificarmos com absoluta certeza. A circunstância de as termos encontrado a 2500 ou 3000 metros de altitude já nos restringia as hipóteses, mas em todo o caso o aspecto delas é inequívoco. O Galium rosellum, endémico da serra Nevada, tem flores rosadas, e nisso se distingue de todas os seus congéneres ibéricos (só poderia confundir-se com o G. balearicum, mas esse é exclusivo de Maiorca e tem quatro folhas por nó); além disso, o tom verde-escuro da folhagem é característico. O G. pyrenaicum, por seu turno, apesar de as suas flores brancas não destoarem do que é norma no género, tem hábito rasteiro e distingue-se pelas folhas pontiagudas, que ocultam por completo as hastes e parecem formar cachos. Preferindo sempre altitudes elevadas, esta solda-branca não é exclusiva da serra Nevada, como aliás o próprio epíteto específico dá a entender: vive também nos Pirenéus e na Cordilheira Cantábrica.

Galium pyrenaicum Gouan

12/11/2022

Perfume dos bosques



Outono nos bosques é tempo de cogumelos (que, por precaução, nunca colhemos), de castanhas (essas sim, apanhamo-las, ainda que os castanheiros assilvestrados produzam frutos de calibre reduzido), e de diversos cheiros rústicos que misturam humidade com matéria vegetal em decomposição. A imagem acima, de um faial (de Fagus sylvatica) algures na Cantábria, foi captada com as cores frescas da Primavera, e entretanto pelo mesmo bosque já passaram repetidamente as sucessivas estações do ano, cada uma com a sua combinação peculiar de cores e cheiros. Em Portugal também temos faiais, mas são tristes plantações florestais e não bosques espontâneos, e por isso lhes faltam quase todos os ingredientes que fazem o encanto dos faiais do norte de Espanha. Por exemplo, não temos cá nem o super-chícharo, nem a valeriana-gigante, nem esta madressilva, nem a hepática, nem, finalmente, o Galium bem cheiroso que é pretexto para a conversa de hoje.

Galium odoratum (L.) Scop.


O Galium odoratum é uma planta de climas temperados ou frios que vegeta em bosques mais ou menos sombrios — não apenas de faias, mas também de abetos ou de azevinhos — e se encontra distribuída por grande parte da Europa e da Ásia, rareando na região mediterrânica. Não por acaso, a sua distribuição na Península Ibérica sobrepôe-se em grande parte à da faia enquanto árvore espontânea: é frequente na Cordilheira Cantábrica e nos Pirenéus, e quase inexistente a sul dessas cadeias montanhosas. Adaptada à luz escassa, a planta optou por um tipo de crescimento mais ou menos rastejante, comum a várias espécies (como a hera) que vivem nas mesmas circunstâncias. Tenta assim maximizar a cobertura do solo e aproveitar, tanto quanto possível, as nesgas de luz que a folhagem das árvores vai deixando coar. Apesar de serem muitas as espécies de Galium na flora portuguesa, nenhuma tem essa vocação para tapete vegetal, e as que vivem em bosques tendem a refugiar-se em clareiras, sendo talvez o Galium rotundifolium a mais notória excepção a essa regra.

Se o epíteto que ostenta não for falsa promessa, alguma mais valia olfactiva há-de o Galium odoratum trazer aos bosques onde mora. As fontes consultadas confirmam que isso é verdade, mas ressalvam que talvez o perfume exalado pela planta não seja muito pronunciado quando as folhas estão ainda tenras. Será essa a razão para o não termos detectado? O perfume de cumarina (igual ao da Magydaris panacifolia, umbelífera frequente em Trás-os-Montes) é produzido por toda a planta, não especialmente pelas flores, e persiste quando a planta é cortada, acentuando-se à medida que ela seca. Não espanta que, muitas vezes, o seu destino seja transformar-se em pot-pourri. Praticado em grande escala, talvez esse aproveitamento fosse uma ameaça à sobrevivência da espécie, mas nem toda a gente está habilitada a reconhecê-la na natureza e, em todo o caso, há já quem a cultive para esse fim.

21/09/2022

Árvore pendular

Ao longe, os arbustos pareciam salgueiros em terra árida, algo improvável se forem como os nossos, que não sobrevivem sem um riacho aos pés.



Sugiro que nos aproximemos, de outro modo não conseguiremos identificar esta planta.

Plocama pendula Aiton


Como está em flor, há poucas dúvidas sobre a família a que pertence: Rubiaceae, a mesma da planta do café. Mas a maioria das espécies desta família que conhecemos na Península Ibérica tem folhas brilhantes e margens espinhosas ou ciliadas. Nesta planta, pelo contrário, as folhas, com cerca de 5cm de comprimento e uns 2mm de largura, são quebradiças e filiformes como as dos pinheiros; e a ramagem densa, em tom verde-amarelado no Verão, tem um hábito pendente.

Plocama pendula é o nome deste endemismo das Canárias, que os espanhóis conhecem como balo. É frequente em quase todas as ilhas, mas surpreendentemente não há registo da sua presença em Lanzarote. Aprecia o solo solto das zonas de cardonal-tabaibal e os barrancos até cerca de 500 metros de altitude, onde pode formar populações que dominam claramente o habitat.



O balo é um arbusto bizarro que pode chegar aos 4m de altura, de flores minúsculas, que se apinham nas extremidades ou nas axilas dos ramos, com corolas tubulares brancas de 5 a 7 lóbulos. Os frutos são bagas carnudas, como as do café, inicialmente verdes, pouco depois translúcidas, amadurecendo quase negras. Fonte de mel afamado, os balos alimentam lagartos, os propagadores por excelência das suas sementes. O género Plocama tem cerca de 30 espécies distribuídas principalmente por África, Médio Oriente e Índia, ignorando os lagartos da Península Ibérica.

16/07/2016

Seisim? Sei não



Phyllis nobla L.


Phyllis, nome grego que terá sido escolhido por Lineu porque a folhagem destes arbustos, em geral glabros, lembra vagamente a das amendoeiras, é um género endémico da Madeira e das Canárias que inclui apenas duas espécies: Phyllis viscosa, exclusiva das Canárias; e, nosso assunto de hoje, Phyllis nobla, disseminada pelos dois arquipélagos e presente na Madeira e no Porto Santo. Nada menos que três são os nomes comuns registados na Flora of Madeira de Press & Short para este pequeno arbusto (até 1 m de altura) de folhagem lustrosa mas de inflorescência esverdeada e pouco chamativa: cabreira, seisim e seisinho. O segundo destes nomes, seisim, não consta de qualquer dicionário da língua portuguesa. Cabreira lá aparece, e até como nome de planta, não da Phyllis nobla mas de uma leguminosa herbácea, talvez o Scorpiurus muricatus. Quanto a seisinho, sugere o dicionário, um pouco a medo, que se trata do diminutivo de seis. Já sabemos como em Portugal as coisas de que gostamos viram coisinhas, e até é frequente um lojista dizer ao cliente que de um certo produto só sobra unzinho, mas do dois para cima nunca ouvimos um numeral ser assim acarinhado com um diminutivo. A consabida lição que extraímos deste episódio é que, pelo menos em português, os nomes comuns das plantas são uma área minada por confusões e incertezas. Tirando as árvores, uns tantos arbustos e a generalidade das plantas cultivadas, é embarcar numa ficção bem intencionada usar nomes tidos como populares para designar plantas espontâneas que o povo (essa entidade mítica) é incapaz de reconhecer.

Frequente na Madeira a todas as altitudes, a Phyllis nobla é mais escassa no Porto Santo, onde apenas a pudemos observar, em vários estádios de desenvolvimento, num talude rochoso do Pico Branco e no sub-bosque de uma plantação de ciprestes, no Pico do Facho. As folhas, que têm uns 6 ou 7 cm de comprimento e se apresentam em verticilos de três, pareceram-nos mais engrossadas nos exemplares mais jovens; as que vimos eram obtusas e estreitas, mas podem ser acuminadas e mais largas em plantas de outra proveniência. As flores, que têm cerca de 4 mm de diâmetro e estão dispostas em panículas mais ou menos piramidais de uns 10 a 20 cm de comprimento, não têm cálice, e as suas pétalas verdes apresentam-se fortemente recurvadas (ver foto). A pincelada de branco nas duas últimas fotos aí em cima é dada pelos estigmas proeminentes; na segunda e quarta fotos, vêem-se não os frutos mas os botôes florais ainda por abrir.

19/07/2014

Ruiva das ilhas



Rubia agostinhoi Dans. & P. Silva


A ruiva-brava, ou Rubia peregrina de seu nome científico, é uma das plantas da flora portuguesa que se encontra amiúde de norte a sul do país, em lugares onde ainda subsiste alguma vegetação natural. Outra é a gilbardeira (Ruscus aculeatus), misteriosamente protegida por lei apesar da sua óbvia abundância. Que do Minho ao Algarve haja traços constantes é uma evidência da pequenez do nosso território e só pode reforçar a ideia da unidade nacional. Voltando à ruiva-brava, que é esse o nosso assunto, trata-se de uma trepadeira algo lenhosa na base, muito ramificada, reconhecível pelos seus verticilos de quatro a oito folhas por nó e pelos cachos de bagas pretas. Ainda que a ruiva-brava não tenha usos tradicionais, uma das suas congéneres, a asiática Rubia tinctoria, a que poderíamos chamar ruiva-mansa, foi amplamente cultivada na Europa pelo corante vermelho extraído das raízes.

Se do continente saltarmos para os arquipélagos atlânticos da Madeira e dos Açores, continuamos a ver a ruiva, embora, olhando bem (fotos acima), a planta tenha feito alguns ajustes na sua indumentária: os saiotes dos nós são agora formados por folhas mais estreitas e numerosas (em geral 8, mas podem ir de 6 a 10), e as flores são mais diminutas e escassas, em cachos mais discretos. Esta ruiva-das-ilhas, que porém também existe no sul de Espanha (Cádiz e Málaga) e em Marrocos, é assaz distintiva para merecer dos taxonomistas a graça de um nome só seu. Justiça feita em 1973, quando o português Pinto da Silva e o francês P. M. Dansereau publicaram na Agronomia Lusitana a descrição da nova espécie, a que chamaram Rubia agostinhoi. Não sendo talvez tão comum nos Açores como a sua congénere é no continente, a ruiva-das-ilhas encontra-se com alguma facilidade, ocupando habitats variados desde florestas e matos naturais até muros e plantações de criptomérias. Contudo, nunca lhe vimos os frutos, ou porque eles são poucos, ou porque os pássaros os comem todos, ou porque o nosso calendário de visitas ao arquipélago não o permitiu.

Pinto da Silva e Dansereau descreveram a Rubia agostinhoi a partir de exemplares colhidos em São Miguel, na lagoa das Sete Cidades, e o epíteto escolhido sublinha a ligação aos Açores, prestando homenagem ao tenente-coronel José Agostinho (1888–1978). Nascido em Angra do Heroísmo, onde também morreu, José Agostinho combateu na 1.ª guerra mundial como militar de carreira, mas regressou aos Açores (a São Miguel) em 1918 para trabalhar nos serviços metereológicos locais, que dirigiu durante mais de 30 anos, até se aposentar em 1958. Distinguiu-se como cientista na sua área de especialidade, mas também se interessou por múltiplos outros temas, como a sismologia, o estudo das aves, a conservação da natureza, a história e a etnologia. Foi um naturalista versátil e, em vocação exercida ao longo de vinte anos de palestras radiofónicas na Rádio Clube de Angra, um pedagogo que muito teria honrado a universidade açoriana se ela tivesse existido à época em que esteve activo.

03/06/2014

Palha azul


Galium glaucum L. subsp. australe Franco


No tempo em que os rios não tinham o seu percurso seccionado por muralhas de betão, usava-se a expressão «leito de cheia» para designar aquelas zonas que só ficavam submersas quando o caudal engrossava. Essas oscilações de nível acompanhavam o correr das estações, fazendo com que a mesma paisagem assumisse ao longo dos meses roupagens muito variadas. Agora, junto às grandes barragens, há uma única mudança, brutal e estática, no nível das águas: a montante, estende-se um imenso lago eutrofizado; a jusante, escoa-se um fio de água que mantém a custo um rio moribundo. E é assim de Janeiro a Dezembro.

A vegetação de leito de cheio, que tão ameaçada está em Portugal com a artificialização dos rios, é muito especializada, e em geral nem gosta de molhar os pés, preferindo em cada ano esperar que as águas desçam para cumprir o seu ciclo vital. É justo questionar tão dúbia preferência: para quê estar tão perto de um rio se, para a sobrevivência da planta, é necessário que ele recue? A resposta é de índole quase filosófica: por muito precário e improvável que seja um nicho ecológico, a natureza não o pode desperdiçar, e há sempre uma planta adaptada a viver nele.

A jusante da barragem de Bagaúste, na Régua, a redução do caudal do Douro é quase permanente, apenas contrariada nas épocas de muita chuva, quando o rio, alimentado por descargas sucessivas, revive glórias antigas e ameaça inundar a baixa da cidade. Mas esses episódios são esporádicos e de curta duração. A vegetação ribeirinha mudou definitivamente, dominada agora por um salgueiral exuberante que ocupa até as ilhotas surgidas com o emagrecimento do rio. Debruçamo-nos no paredão e, como botânicos amadores incorrigíveis, invade-nos a vontade de observar de perto essas manchas verdes. Como podemos descer até elas? Alugamos um barco na Régua? Saltamos um portão com avisos de perigo e de proibição de passagem a pessoas estranhas ao serviço? Dois pescadores à linha que não parecem estar ao serviço da EDP respondem-nos quando de longe os interrogamos aos gritos. Sim, há uma passagem debaixo da estrada por um ribeiro entubado que agora está seco. O acesso, escondido entre silvas, mal se vê, e o túnel, baixo e com 20 a 30 metros de comprimento, é de uma escuridão absoluta. No final, para rematar, há um lanço de escadas estreito e íngreme. Completamos a travessia não sem alguma palpitação e suores frios, à mistura com os suores quentes próprios do dia escaldante. Estamos nas rochas na margem esquerda do Douro, a uma centena de metros da barragem. Das surpresas botânicas que nos aguardam merecem realce a rara Petrohagia saxifraga e este azul Galium glaucum, não assim tão raro mas aqui talvez no limite oeste da sua distribuição em Portugal e, a uma altitude de 60 m, bem fora do intervalo de 345-730 m prescrito pela Flora Ibérica.

O género Galium, a que os ingleses chamam bedstraw por algumas espécies terem servido para enchimento de colchões, é dos mais diversificados da flora portuguesa. As 21 espécies listadas para o nosso país incluem plantas anuais, outras perenes, umas rastejantes e minúsculas, outras erectas que podem ultrapassar 1 metro de altura. Caracterizam-se pelas folhas verticiladas, em grupos de quatro ou mais, e pelas pequenas flores brancas (às vezes amarelas), de quatro pétalas, dispostas em cachos terminais ou axilares. Com os seus quase 80 cm de altura,o G. glaucum está no grupo dos mais taludos do género, e pela floração profusa, visível de Maio a Julho, é certamente dos mais atraentes. É uma planta perene que frequenta lugares pedregosos e ácidos, não necessariamente perto de algum rio. A subespécie australe, que já foi espécie autónoma sob o nome de Galium teres, é endémica do quadrante noroeste da Península Ibérica.

17/03/2014

Redonda vezes quatro



Galium rotundifolium L.


Não é sintoma de chauvinismo, e muito menos conversa de operador turístico, reconhecer que às vezes o que é só nosso é melhor do que aquilo que partilhamos com muitos outros países. Na maioria dos casos, essa supremacia é puramente fortuita e não fizemos nada para a merecer. Além disso, e como sucede com quase tudo do que tratamos no blogue, o assunto interessa a tão pouca gente que não será com ele que se fortalecerá o depauperado orgulho nacional. Falando das plantas do género Galium, a que os ingleses chamam bedstraw e nós não chamamos nada, as mais arrumadinhas, simétricas e elegantes que encontramos no nosso país distinguem-se por ter quatro folhas em cada nó, cada uma delas com três veios longitudinais bem vincados. É esse o figurino tanto do Galium broterianum como do Galium rotundifolium, que aqui trazemos hoje. O primeiro é frequentador assíduo de margens de cursos de água no interior norte e centro do país; o segundo, que mora no mesmo território mas prefere matas caducifólias, é muito menos comum. O primeiro tem uma inflorescência abundante e vistosa, composta por dezenas de pequeninas flores brancas; o segundo tem uma inflorescência rala, como se tivesse sido podado fora de época por um jardineiro inconsciente. Finalmente, o primeiro é só nosso ou quase (tratando-se de um endemismo ibérico, somos obrigados a partilhá-lo com os espanhóis), enquanto o segundo tem uma distribuição vastíssima, que vai desde a Península Ibérica e o Mediterrâneo até à Escandinávia e ao sudoeste da Ásia. Por uma vez, temos em abundância o que é melhor e mais bonito, e que os outros não têm, embora, por compulsão coleccionista, não abdiquemos de ter igualmente, mas em quantidades moderadas, o produto de menor qualidade que os outros também têm.

O G. rotundifolium é uma planta perene, estolhosa, capaz por isso de revestir largos metros quadrados de terreno no sub-bosque de carvalhais ou de soutos. Tem folhas arredondadas (daí o epíteto atribuído por Lineu) com cerca de 1,5 cm de comprimento e pecíolo muito curto, e caules de 30 ou 40 cm de altura encimados por inflorescências esparsas, corimbiformes, compostas por flores brancas com 3 a 4 mm de diâmetro. Floresce de Junho a Julho. A quem quiser vê-lo de perto aconselha-se uma visita ao Souto do Concelho, em Manteigas, ou à Mata da Margaraça, na serra do Açor, local onde as fotos foram obtidas e que justifica muitas visitas pelas razões aqui detalhadas.

29/05/2012

Cruzes do Marão

Cruciata glabra (L.) Ehrend. subsp. hirticaulis (Beck) Natali & Jeanm.
No fabrico das inflorescências, a natureza tem-se entretido a experimentar formas, qual delas a mais atraente. Se, com frequência, opta por uma flor única, grande, vistosa e perfumada, no topo de uma haste, noutras ocasiões recorre a espigas, capítulos ou cimeiras de flores que, sendo minúsculas, chamam a si outro tipo de polinizadores e, no conjunto, seduzem como uma flor sublimada. Mas há variantes desta doutrina, e até sistemas mistos.

Cruciata laevipes Opiz


As plantas das fotos também têm uma haste onde arrumam as flores (muito mais altas na C. laevipes), mas elas dispõem-se por andares, protegidas pelos verticilos de folhas — os saiotes que já encontrámos noutras plantas da família Rubiaceae. Deste modo, beneficiam das vantagens de uma inflorescência ramosa enquanto garantem a cada polinizador algum recato na refeição, evitando que eles se acotovelem à volta do mesmo prato. A solução parece ter agradado: além da C. laevipes e da C. glabra, há ainda na Península Ibérica outra espécie deste género com aspecto idêntico, embora anual, a C. pedemontana (nativa do centro e sul da Europa, norte de África e parte da Ásia), mais hirsuta e de menor porte.

As flores das cruciatas são hermafroditas ou (por vezes, as mais exteriores) masculinas. Nas imagens nota-se que a haste tem secção quadrada e é menos pubescente na C. glabra. Contudo, estas herbáceas distinguem-se mais facilmente por outro detalhe: as flores da C. laevipes (que ocorre em prados e matas pouco densas na Europa e Ásia) têm duas brácteas, que a versão C. glabra (nativa do sul da Europa, onde aprecia sítios secos de montanha) dispensa, por razões de eficiência floral que desconhecemos.

Por cá, este género é mais abundante na metade norte, sendo a C. pedemontana rara: a maioria dos registos da sua presença no país são da Terra Quente, no nordeste.

07/04/2011

Palha para Brotero

Galium broterianum Boiss. & Reuter
Bedstraw, que se pode traduzir por palha para colchões, é como chamam os ingleses às herbáceas do género Galium. Nós não chamamos nada — ou então usamos uns nomes desvairados que não deixam adivinhar o parentesco entre as várias espécies. Segundo a Flora Digital de Portugal, quatro espécies são conhecidas como soldas: há assim a solda-branca (duas espécies), a solda-dos-charcos e a solda-de-Paris. As restantes espécies, apesar de semelhantes no aspecto, não são soldas, mas sim raspa-línguas, erva-confeiteira ou erva-coalheira. Ao Galium broterianum, que não tem registado qualquer nome vernáculo, decidimos nós chamar palha-de-Brotero. E, para ganharmos maior abrangência e não sermos acusados de desrespeitar a memória de tão ilustre botânico, estendemos o baptismo às restantes espécies, que doravante trataremos por palhas.

Temos muitas palhas na Península: a Flora Ibérica lista mais de 50 espécies, número que é bastamente reforçado se lhe adicionarmos as subespécies. A maioria dos Galium são ervas perenes, mas também as há anuais, como o muito comum Galium aparine. Distinguem-se pelas flores de quatro pétalas, em geral brancas (com uma importante excepção), dispostas em panículas terminais de densidade variável, e pelas folhas agrupadas em verticilos (ou saiotes) distribuídos ao longo do caule a intervalos regulares.

O Galium broterianum, que raramente atinge os 70 cm de altura, vive em bosques sombrios e outros lugares húmidos, e floresce de Junho a Setembro. O que o singulariza entre a multidão dos seus congéneres é o facto de as suas folhas aparecerem invariavelmente em quartetos (na generalidade das outras espécies há cinco ou mais folhas por nó) e terem três veios longitundinais bem marcados (a regra é haver um só veio central). Uma única outra espécie reunindo estas duas características ocorre em Portugal: o Galium rotundifolium. O G. rotundifolium e o G. broterianum têm porém aparência bem diversa, com o primeiro a produzir inflorescências muito mais esparsas que as do segundo (veja as fotos nesta página).