Mostrar mensagens com a etiqueta Vila do Conde. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Vila do Conde. Mostrar todas as mensagens

27/01/2015

Primavera dos entulhos


Urospermum picroides (L.) Scop. ex F. W. Schmidt


Flor do entulho é uma metáfora para descrever algo que, pela beleza ou outras inesperadas qualidades, sobressai fortemente do meio em que está inserido. Quem andar com os olhos atentos, porém, encontra muitas e atraentes flores do entulho no sentido literal da expressão. Vêem-se por vezes, misturadas com restos de obras, plantas ornamentais ainda vivas de que os seus donos, inexplicavelmente, resolveram livrar-se. Os que se habituarem a respigar pacientemente tais lugares de abandono nunca precisarão de se abastecer em hortos para comporem vistosos jardins com as cores, cheiros e formas que outros desdenharam. Para além dessa incorporação directa de plantas exóticas, os entulhos deixam-se colonizar rapidamente pelas plantas nativas com gosto por habitats degradados. E, no transporte de restos de cal, cimento e tijolos de uma região para outra, há sempre muitas sementes que aproveitam a boleia. Num país desmazelado como o nosso, onde proliferam os depósitos clandestinos de materiais de construção, não deverá ser pequeno o papel que essas estruturas têm desempenhado na disseminação de certas espécies.

O preciso entulho onde na Primavera de 2014 vicejava esta leituga-de-burro (é esse o nome popular do Urospermum picroides) constitui o involutário contributo de um anónimo mestre de obras para o enriquecimento florístico da Reserva Ornitológica de Mindelo (actual Área Protegida do Litoral de Vila do Conde). Involuntário, entenda-se, não porque o entulho tivesse sido depositado por acidente, mas porque o mestre de obras em questão não poderia ter controle sobre as sementes com que os despojos iam guarnecidos. Certo é que a leituga-de-burro não se vê em nenhum outro local nas proximidades, e aliás nem costuma frequentar o litoral nortenho, sendo mais comum no centro e sul do país. Como confirmação adicional de que se trata de uma novidade, a espécie não consta da listagem da flora do Mindelo incluída no relatório (de 2007) que fundamentou a criação dessa área (des)protegida.

Aparentada com os dentes-de-leão e também com as verdadeiras leitugas (que é como habitualmente chamamos às asteráceas do género Tolpis), a leituga-dos-burros é uma planta anual, erecta, ramificada na metade superior do caule, que não costuma ultrapassar os 40 ou 50 cm de altura. Tal como sucede com as outras leitugas, e daí esse nome, o seu caule é oco e recheado de látex. As folhas podem ser inteiras ou recortadas e os capítulos florais são pequenos, mas o que mais ajuda a reconhecê-la são os pêlos brancos eriçados de que as brácteas involucrais estão revestidas (foto 4). O nome Urospermum, de origem grega, significa semente com cauda, e refere-se aos apêndices recurvados que nesta espécie prolongam os aquénios (visíveis nesta foto).

13/05/2014

Das praias de Cádiz


Reichardia gaditana (Willk.) Samp.


Você vai à praia e deixa-se ficar a dormir ao sol porque não gosta de mergulhos nem de jogos de bola? Mesmo que o hábito e a família o/a obriguem a passar férias à beira-mar, elas não precisam de ser assim tão letárgicas e aborrecidas. Para deleite e instrução dos veraneantes, muitas plantas dunares confundem Agosto com a Primavera. Se aprender a conhecê-las e a tratá-las pelo nome, há-de querer reencontrá-las todos os anos, e como as plantas não vão até si terá você que ir até elas. Levante-se e caminhe. O litoral de norte a sul está equipado com passarelas que permitem observar a vegetação das dunas sem os estragos do pisoteio. Use um sistema de pontuação para classificar tudo quanto observa de acordo com a beleza e o grau de raridade. As plantas mais bonitas (esporas-bravas, narciso-das-areias, morrião-grande, assobios) são também as mais comuns, o que mostra como até a natureza obedece à lei da oferta e da procura. Numa escala de 1 (mínimo) a 5 (máximo), atingem 4,5 em beleza mas ficam-se pelo 1 em raridade. Entre as inúmeras asteráceas das dunas (malmequeres, dentes-de-leão, etc.), sempre bonitas mas algo anónimas, algumas que são escassas confundem-se com outras muito mais abundantes. Há que aprender a diferenciá-las para poder atribuir-lhes a pontuação correcta. Por exemplo, a Reichardia gaditana, hoje no escaparate, vale um indiscutível 3 em raridade; e a beleza, sempre subjectiva, cresce acentuadamente quando se debruça para ver a planta de perto. É também um gosto adquirido: ainda que a planta não o/a impressione ao primeiro olhar, quando a reencontra já o faz de sorriso aberto. Começando por classificá-la com 3, vai vê-la ultrapassar sucessivas etapas e aproximar-se perigosamente do 5. Para verbalizar a sua admiração, vai até aprender terminologia botânica sofisticada. Dirá então que a R. gaditana tem as brácteas involucrais mais bonitas de todas as asteráceas, em que a cor ruiva é elegantemente complementada pelo branco leitoso das margens escariosas.

Eis alguns dados biográficos para que possa completar a ficha da espécie. Endémica das areias litorais ibéricas, espalhada desde a Cantábria até Cádiz, mas escassa ou inexistente no resto da costa mediterrânica espanhola, a R. gaditana foi primeiramente descrita, sob o nome de Picridium gaditanum, por Heinrich Moritz Willkomm na sua obra Prodromus florae hispanicae, publicada em fascículos entre 1861 e 1880. Willkomm (1821-1895) foi um dos notáveis botânicos alemães que viajaram por Espanha e Portugal durante o século XIX e contribuíram decisivamente para o conhecimento da flora peninsular. Pelo epíteto gaditanum escolhido por Willkomm, ficamos a saber que colheu a planta nas areias de Cádiz. Poderá tê-lo feito em Agosto, pois ela aguenta-se em flor até lá. Mas à época não havia nem os hotéis nem o hábito de fazer praia que se massificou na segunda metade do século XX. Willkomm, certamente, não se estendeu na areia seminu para torrar ao sol. E, se ensaiou algum mergulho, o decoro da época tê-lo-á obrigado a fazê-lo pouco menos que vestido dos pés à cabeça. Além da areia e do mar, talvez só as plantas dunares se tenham mantido reconhecíveis e iguais a si próprias nos 170 anos decorridos desde que Willkomm visitou Cádiz.

17/11/2012

Flora desprotegida do litoral de Vila do Conde



Sábado, 24 de Novembro, às 16h00
Salão Nobre da Junta de Freguesia de Santo Ildefonso, Porto
(Rua Gonçalo Cristóvão, 187-2.º, junto ao edifício do JN)

< > < >

Herdeira da histórica Reserva Ornitológica de Mindelo, a Paisagem Protegida Regional do Litoral de Vila do Conde foi criada em Outubro de 2009 pela Assembleia Metropolitana do Porto. Desde então nada foi feito para contrariar o estado de abandono e de efectiva desprotecção dessa valiosa área natural. Para tentar sacudir a letargia oficial, faremos uma apresentação fotográfica comentada da preciosa flora do litoral de Vila do Conde, que inclui várias plantas ameaçadas e outras endémicas de distribuição restrita.

< > < >

Esta apresentação insere-se na já tradicional Quermesse de Natal da Campo Aberto, que decorre no mesmo espaço entre as 15h00 e as 19h00, e para a qual estão convidados todos os nossos leitores.


Matthiola sinuata (L.) R. Br. / Spiranthes aestivalis (Poir.) Rich.

03/05/2012

As línguas do Mindelo

Ophioglossum vulgatum L.
Há lugares que vão crescendo aos nossos olhos a cada visita. Já por várias ocasiões, a última delas a propósito da descoberta de uma população de Ohpioglossum lusitanicum, comentámos as especialidades botânicas que fazem da antiga Reserva Ornitológica de Mindelo um lugar de eleição. À lista junta-se agora o Ophioglossum vulgatum ou língua-de-cobra-maior, uma planta que antes só tínhamos observado na Galiza e que receávamos estivesse extinta em Portugal. As últimas herborizações da espécie na região do Porto, feitas no litoral de Matosinhos (Boa Nova e Praia da Memória), datam de 1893 e 1907. O habitat onde há duas semanas encontrámos algumas dezenas de exemplares é uma reprodução fiel, transportada para o Mindelo, do prado húmido arenoso que acolhia a planta na ria de Vigo.

Ao comparar estas fotos com as que antes publicámos da mesma espécie, o leitor notará como a «língua» ou haste central (em cuja extremidade se reúnem os esporângios) está muito menos desenvolvida. É que as plantas do Mindelo tinham acabado de despontar, e a haste vai-se alongando à medida que os esporângios amadurecem, num processo que se completa em cerca de seis semanas. Depois disso a parte aérea da planta seca e desaparece. Durante dez meses em cada ano ela fica invisível, reduzida a um curto rizoma vertical.

09/01/2012

Língua-de-cobra

Reserva Ornitológica de Mindelo (Vila do Conde)
A protecção da natureza, em Portugal, nunca foi uma prioridade, mesmo quando o ambiente fazia parte de uma agenda política que a crise remeteu para segundo plano. O "ambiente" pode ser muita coisa, e de todas as suas possíveis acepções os nossos governos têm preferido aquelas que envolvam obra que se veja. É assim que, em nome das "energias renováveis", se destroem rios e se plantam ventoinhas por tudo quanto é cume; e é também assim que, na gestão de áreas ditas protegidas, se esbanja em desproporcionados centros de interpretação o dinheiro que não há para vigilantes da natureza ou para acções de conservação no terreno. Por isso "área protegida", em Portugal, pouco mais significa que um espaço onde vigoram certas restrições à construção de edifícios ou ao uso do solo. Quanto ao resto, a natureza lá saberá tomar conta de si, desde que as agressões não sejam muitas.

Consta dos anais que a Reserva Ornitológica de Mindelo (ROM), criada em 1957 por iniciativa de Santos Júnior, professor na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), foi a primeira área oficialmente protegida em Portugal. Situada no concelho de Vila do Conde, logo a sul do rio Ave, e repartida entre as freguesias da Árvore e do Mindelo, ocupava 554 hectares de dunas, charcos e pinhais. Ainda que legalmente a ROM nunca tenha sido abolida, a expansão urbanística roubou-lhe boa parte da área e a Universidade do Porto deixou de a usar para trabalhos de campo. Houve extracção de areia nas dunas, secaram muitos dos charcos, a ribeira foi poluída, depositaram-se entulhos, chegaram veraneantes e veículos todo-o-terreno, a vegetação infestante de chorões, acácias e canas instalou-se e expandiu-se. Mas o ambíguo estatuto de protecção conseguiu evitar o mais sério dos atentados: o coração da antiga reserva, entre as dunas primárias e os hectares de pinhal, foi poupado às construções. Em toda a linha de costa entre Ovar e a foz do Cávado não sobrou outro pedaço de natureza com uma riqueza ecológica comparável.

Foi para proteger tal riqueza que, em Outubro de 2009, por decisão unânime da Assembleia Metropolitana do Porto, foi oficialmente criada a Paisagem Protegida Regional do Litoral de Vila do Conde, que se estende por 380 hectares entre a foz do rio Onda, em Labruge, e a foz do rio Ave, na sede do concelho. O quinhão maior da nova área protegida, com cerca de 266 hectares, é o que resta dos 554 hectares da antiga ROM.

E que foi feito nos 27 meses decorridos desde essa feliz data? Burocraticamente, nada: não há orgãos de gestão, não há plano de ordenamento, não há sequer placas de informação para visitantes. E no terreno também nada se nota, como se a remoção do lixo, o controlo da vegetação infestante e o impedimento da circulação de veículos motorizados dependessem de aturados estudos e da benção de doutas comissões.

Ophioglossum lusitanicum L.


Neste compasso de espera a vida vai seguindo o seu curso, e a velha Reserva Ornitológica de Mindelo ainda guarda algumas surpresas para os naturalistas que a percorram de olhos bem abertos. No leito ou nas margens dos frágeis charcos temporários sobrevivem plantas que, na região do Porto, são preciosas relíquias de outras épocas: Spiranthes aestivalis, Centaurium chloodes, Samolus valerandi. Lista a que agora se acrescenta o Ophioglossum lusitanicum, um estranho feto que recebe no vernáculo o nome de língua-de-cobra-menor e que andava desaparecido do litoral nortenho. A última colheita para o herbário da FCUP data de 1912 e foi feita no lugar da Boa Nova (Leça da Palmeira). As populações por nós agora encontradas situam-se bem mais a norte, numa área onde a planta nunca havia sido detectada. Aliás, o relatório de 2007 que serviu de base à criação da paisagem protegida (texto integral — PDF) não inclui o Ophioglossum lusitanicum na listagem, que se quis completa, da flora local. (E também não inclui várias outras espécies de muito mais fácil observação, como o Samolus valerandi, o Asplenium marinum, a Vicia lutea e a Serapias parviflora.)

Morfologicamente, a língua-de-cobra-menor é a versão miniatural da (que outra coisa haveria de ser?) língua-de-cobra-maior. O tamanho exíguo da planta é aliás uma das peculiaridades que dificultam a sua detecção: as folhas, que são carnudas e surgem sozinhas ou em grupos de duas ou três, têm o pecíolo quase todo subterrâneo e ficam-se pelos 2 a 4 cm de comprimento; a haste com os esporângios (por vezes ausente) pode duplicar a altura da planta, mas raramente ultrapassa os 6 cm. Só podemos ter esperança de a ver quando a vegetação circundante é muito rala. Para dificultar ainda mais a observação, o aparecimento da planta à superfície é efémero e decorre numa época (de Outubro a Março) em que a maioria dos botânicos está recolhida na toca.

O habitat desta língua-de-cobra são os locais arenosos ou de solo magro dotados de alguma humidade e cobertos por musgos. A planta evita locais muito expostos ao vento ou ao sol, e nas dunas agradece a protecção que algum pinheiro ou sargaço lhe possa proporcionar. Na Reserva Ornitológica do Mindelo descobrimos duas populações de 20 a 30 indivíduos cada, ambas ameaçadas pelo avanço dos chorões. Apesar de ser uma planta com ampla distribuição europeia, é escassa em Portugal, e no norte do país está em risco de desaparecer de vez. Quem se preocupa com a biodiversidade não quererá que isso aconteça. Fica o alerta para quem vier a gerir a Paisagem Protegida Regional do Litoral de Vila do Conde.

27/10/2011

Ervilhas e ervilhacas

Vicia lutea L.
Ervilhaca é o nome por que são conhecidas as espécies silvestres do género Vicia, apesar de elas estarem mais próximas das favas (Vicia faba) do que das verdadeiras ervilhas (Pisum sativum). Mesmo que não sejam usadas para consumo humano, estas leguminosas são sumamente úteis por duas razões: ovelhas, vacas e demais herbívoros consideram-nas deliciosas; e, tal como as demais plantas da família a que pertencem, ajudam a fixar azoto no solo, funcionando como fertilizante verde e sendo por isso altamente recomendáveis para rotação de culturas.

Será mais pelas folhas do que pelas flores que a Vicia se distingue de outras leguminosas como o Lotus e o Lathyrus. Os três géneros incluem plantas de folhas compostas — mas, ao passo que as do Lotus são semelhantes às do trevo (tendo porém cinco folíolos e não três), as da Vicia e do Lathyrus são em regra rematadas por gavinhas. Tirando esse traço morfológico comum, típico das trepadeiras, os folíolos da Vicia costumam ser mais atarracados e numerosos do que os do Lathyrus. Para completar a descrição verbal, nada melhor do que comparar a Vicia acima retratada (e ainda estas outras) com alguns dos Lathyrus que já aqui desfilaram: L. latifolius, L. linifolius e L. sphaericus.

A terminar, alguns dados biográficos sobre a Vicia lutea. O nome que dela consta no registo botânico-civil é ervilhaca-amarela, referindo-se o adjectivo cromático, como aliás o epíteto lutea, ao amarelo (pálido, demasiado pálido) das suas flores. As hastes atingem 60 cm de comprimento, cada folíolo (dos quais há até 8 pares em cada folha) terá uns 2 cm, e as flores, que aparecem solitárias ou em grupos de duas ou três, têm cerca de 3 cm de diâmetro. É uma planta anual, glabra ou com pêlos esparsos, que floresce de Abril a Junho e é comum em Portugal continental e em quase toda a Europa, surgindo em locais de ecologia variada como prados, terrenos baldios e matos costeiros.

26/07/2011

A cavalo nas dunas

Centaurium chloodes (Brot.) Samp.


"If I eat one of these cakes", she thought, "it's sure to make some change in my size"... So she swallowed one... and was delighted to find that she began shrinking directly.
Lewis Carroll, Alice's Adventures in Wonderland (1865)

Este centauro é o mais pequenino que conhecemos. A razão está na fraca dieta, pois resigna-se ao que as areias em dunas ou depressões húmidas do litoral lhe fornecem, o que é quase nada temperado com sal e muito vento. Foi difícil encontrá-lo por ser tão diminuto (as folhas basais medem cerca de 5 mm) e, sobretudo, de floração tão efémera: numa semana, amareleceu o coxim de cor verde-relva (isto é, chloodes) formado pelas folhas sésseis, oblongas, carnudas e brilhantes (e que lhe valeu os madrigais confertum e caespitosa), e desapareceram as flores róseas que, apesar de medirem apenas um centímetro de diâmetro, nos permitiram detectar a planta. Uma vida apressada esta (como a da maioria das espécies do género Centaurium; uma excepção é o C. scilloides, que é uma planta vivaz), mas que basta para disseminar as sementes e garante o disfarce atempado no areal, antes que por ali circulem os veraneantes ou o tempo ameno se esgote.

É um endemismo do sudoeste europeu, que é como quem diz das dunas e falésias da costa atlântica francesa (onde, segundo o Guide de la flore des dunes littorales, coord. Jean Favennec, Office National des Forêts, de 1998, está praticamente extinta e é agora espécie protegida) e do litoral norte e noroeste da Península Ibérica. Todos os registos alertam para uma distribuição restrita e para as populações escassas, e por isso consta da lista de plantas vasculares com maior valor para a conservação. Por cá, ocorre da Beira Litoral ao Minho, mas a sua presença é pontual, palavra fiel ao indicar, por exemplo, os cerca de 12 metros quadrados com uns trinta exemplares desta planta no cordão dunar do Mindelo, um talhão destacado da Paisagem Protegida do Litoral de Vila do Conde. Em Espanha, são oito os registos no sistema Anthos, todos no litoral norte.

Esta planta foi primeiro descrita por Avelar Brotero (Fl. Lusit. 1: 276, 1804), que lhe chamou Gentiana chloodes. A inclusão dela no género Centaurium deve-se a Gonçalo Sampaio (Herb. Port.: 106, 1913). Por esta ligação a gente e terra lusas, em alguma bibliografia é referida como centauro menor português.

30/08/2010

Caldo de lentilhas

Callitriche stagnalis Scop. — Mindelo, Vila do Conde


As plantas que ocorrem em muitos países mas que, em cada um deles, ocupam apenas alguns raros nichos são causa de perplexidade. Pensemos por exemplo em plantas aquáticas como esta lentilha-de-água (Callitriche stagnalis): existe em toda a Europa, mas em Portugal a sua presença é escassa e pontual. Um ribeiro aqui, um lago acolá: de facto ela não surge na maioria dos locais onde poderia ter-se instalado. (Muito mais abundantes são as plantas do género Lemna, também chamadas lentilhas-de-água, que se distinguem da Callitriche por serem flutuantes e desprovidas de caule.) Como aparecem estas populações em lugares tão distantes uns dos outros? Dá vontade de imaginar que o grande dilúvio afinal não é um mito, e que houve um tempo em que as águas cobriam os continentes, salvando-se apenas os cumes mais altos. Quando o nível das águas desceu e Noé pôde finalmente pisar terra firme, as plantas de vocação aquática teriam ficado confinadas a uns poucos lagos e rios. A ideia é irresistível mas disparatada, até porque uma planta como a Callitriche stagnalis, precisando de se enraizar, não pode viver em águas profundas. Não é absurdo, porém, pensar que a acção humana, ao destruir muitos habitats propícios, terá levado a essa fragmentação das populações.

A Callitriche stagnalis, que prefere águas paradas ou de curso lento, é formada por caules esguios, de 10 a 100 cm de comprimento. À tona da água ficam só as pequeninas rosetas de folhas ovais. Embora sejam de difícil observação, por serem minúsculas e se esconderem na base das folhas, a planta também dá flores, ao que consta verdes e sem pétalas. Quando as águas baixam no Verão, é possível encontrar a planta nas margens lamacentas de ribeiros e charcos.

Para compensar o seu retrocesso na Europa (pelo menos em Portugal), a Callitriche stagnalis emigrou para os EUA, onde se deu tão bem que mereceu o estatuto de planta daninha. Haveria ainda a comentar o absurdo de a terem colocado na família Plantaginaceae (mais uma prova do desvario que aflige a ciência botânica), mas isso (recorrendo a uma expressão popular bem a propósito) seria chover no molhado.

25/08/2010

Alfacinha do rio

Samolus valerandi L. — rio Coura, Caminha (fotos de M. M. F.)
É uma planta comum em estuários e outros ambientes húmidos e salobros. Há que procurá-la durante o Verão, quando floresce, pois de outro modo passa despercebida. As suas minúsculas flores brancas, levantadas num frágil cacho, são tudo quanto possui para nos chamar a atenção. Apesar das insistentes referências à ocorrência desta planta, só a conhecia de a ver mencionada em listas de espécies e representada em livros. Mas poderei chamar a isso conhecer?

Encontrei-a uma noite destas, agigantada, com flores do tamanho de punhos fechados, de um branco faiscante. Apesar de disforme, não hesitei em reconhecê-la: aqui estás, Samolus valerandi, até que enfim! Quando acordei, um único impulso me tomou, apesar do calor extremo do dia: procurá-la no sítio mais à mão, a junqueira do Coura próximo de Caminha, onde tinha andado em pleno Inverno a registar plantas adormecidas. Quase como no sonho, ali estava ela à minha espera, multiplicada numa pequena população em flor, enraizada na vasa e nas paredes do antigo valado que atravessa a junqueira, à sombra dos caniços e das austrálias. Só estando ali se percebe o que não vem nos livros: que aquele milagre de delicadeza é suficientemente firme para suportar duas vezes por dia a submersão pela água da maré (pode mesmo apreciar-se o efeito da tensão superficial da água, à medida que os cachos erectos vão sendo submersos). Um implacável vai-vem de água salobra liga esta humilde planta à força gravítica da Lua.

Creio que não foi um acaso que me levou até lá, embora não saiba bem o que foi. Antes de sair dali, uma restolhada súbita pôs-me alerta: viria alguém pelo valado fora, naquele sítio de tão difícil acesso? Uma pessoa? Um cão? Uma cabeça castanha espreitou do outro lado do tronco da árvore a que estava encostado: focinho escuro, longos bigodes, olhos salientes. Ali estava uma lontra a olhar tranquilamente para mim. Mergulhou, reapareceu, continuou a olhar para mim, mergulhou de novo e foi à sua vida.

Compreendi que por vezes a realidade pode ultrapassar certos sonhos. Na junqueira do Coura ainda está (quase) tudo por descobrir.


Manuel Miranda Fernandes
Agosto de 2010

Samolus valerandi L. — Mindelo, Vila do Conde

16/01/2006

Camélias são notícia


Foto Dezembro 2004
«Tentar entrar no Guinness com 30 mil pés de camélias no JN
A Quinta Vilar de Matos, em Junqueira, Vila do Conde, vai candidatar-se ao Livro Guinness de Recordes com 30 mil pés de camélias. Em comunicado, a quinta refere que a candidatura foi apresentada em Dezembro, coincidindo com a abertura ao público da XI Exposição Camélias em Flor, patente até Abril.

Nos dez mil metros quadrados da quinta, o coleccionador Paulino Curval tem 1300 das 1400 espécies de camélias existentes, desde as vulgares brancas, passando pelas cor-de-rosa e vermelhas, azuis, lilases e pretas. A colecção
"já foi várias vezes considerada pela Confederação Internacional das Camélias como uma das melhores do Mundo".
No site da "Guinness World of Records", não há qualquer recorde relacionado com camélias.

Ao contrário da maior parte das flores, as camélias
"impõem a sua beleza numa época do ano em que as condições climatéricas se apresentam menos favoráveis",
o que justifica o facto de serem conhecidas como "Rainhas do Inverno".

Além de camélias, a Quinta tem mais de 100 espécies de plantas ornamentais e árvores de frutos tropicais.»

Ler: O Mundo da Camélia - Livro
.

19/12/2005

Jardins da Avenida Júlio Graça- Vila do Conde

.



Fotos: 16-12-2005
Não é comum este tipo de avenida com tanta espaço ajardinado destinado às pessoas.
Destes jardins nada sei e o pouco que encontrei na net apenas os referem por neles se realizarem feiras (de artesanato e de gastronomia). Na sexta-feira passada estavam especialmente aprazíveis e salvaram o meu dia!
Vila do Conde tão perto (de Beiriz onde trabalho) e eu mal a conheço!

Adenda:
A ajuda solicitada a um vileiro (a quem evidentemente muito agradeço ;-) resultou plenamente: podem ver-se aqui duas fotografias antigas do jardim cuja «construção se deu por volta de 1870, numa altura de expansão da Vila em direcção ao mar, motivado pela crescente procura das nossas praias. Na sua original concepção, constava uma grande área ajardinada com arvoredo, e ao centro um lago com uma ilha e ponte de acesso. Hoje em dia, já não existem.»