Li recentemente Des siècles d'immortalité- L'Académie française 1635-..., de Hélène Carrère d'Encausse, editado em 2011.
Sendo a mais recente obra publicada sobre a Academia Francesa, este livro constitui um valioso instrumento de trabalho, só possível devido à dedicação de Hélène Carrère d'Encausse (1929-2023), que foi titular da 14ª Cadeira da Academia (1990-2023) e seu Secretário perpétuo desde 1999/2000 até à sua morte.
A autora procede à descrição dos acontecimentos que conduziram à criação da Academia em 1635, pelo Cardeal-Duque de Richelieu e relata-nos a história da venerável instituição, que atravessou com majestosa dignidade (o termo "majestosa" é apropriado, já que o Rei de França era o protector oficial da Academia, tradição prosseguida com os presidentes depois da proclamação da República) tempos muito difíceis, aos quais sobreviveu até aos nossos dias.
| Cardeal-Duque de Richelieu |
Nem sempre a relação com o protector foi pacífica, mas a Academia soube manter tradicionalmente a sua independência (usando por vezes engenhosos expedientes), raras vezes se submetendo, apenas in extremis, à vontade dos monarcas ou até dos presidentes.
No início, tiveram nela assento preferencialmente os nobres e os clérigos, mas a Academia abriu-se pouco a pouco aos novos tempos, com o Século das Luzes, admitindo Montesquieu (1728), Voltaire (1746) e D'Alembert (1754): foi a entrada dos "filósofos" naquele templo, especialmente consagrado, segundo a vontade de Richelieu, à preservação da língua francesa.
Um certo "progressismo" na Academia com o chamado "reino dos filósofos" não impediu todavia que ela viesse a sofrer as consequências do radicalismo da Revolução Francesa. Expulsa do Louvre, onde estava sediada desde Luís XIV, depois das reuniões iniciais em salões particulares, a Academia a acabou por ser extinta (bem como as demais academias) pela Convenção, em 8 de Agosto de1793. Deve-se ao Abade Morellet a odisseia de ter conseguido salvar uma parte do seu espólio literário.
Não gostava a Convenção da Academia Francesa, e das outras academias, tidas por demasiado próximas do poder real, embora não ignorasse a necessidade de se estabelecer um "plano de organização de uma sociedade destinada ao progresso das Ciências e das Artes". Mas a palavra Letras foi omissa. Escreve a autora: «La Constitution de l'an III, datée du 3 fructidor (22 août 1795), reprit, dans son article 298, l'idée de cette société, et le 3 brumaire an IV (25 octobre 1795), la Convention, en se séparant, entendu dans une de ses dernières séances le rapport de Daunou: "Nous avons emprunté de Talleyrand et Condorcet le plan d'un Institut national, idée grande et majestueuse dont l'exécution doit effacer en splendeur toutes les académies des rois."». Mas como se anteviu na altura, as Letras foram o parente pobre do "monde savant".
Os começos do Instituto confundem-se com os do Directório. A história do restabelecimento das academias no Instituto é detalhadamente descrita no livro com um pormenor que não cabe neste texto. A "Academia Francesa" ficou numa classe secundária do Instituto. Os académicos que restavam tentaram interessar o general Bonaparte, e depois o imperador Napoleão, no restabelecimento de pleno direito da Academia, mas debalde. Por ter reorganizado o Institut em 1803, Napoleão manteve-se avesso à ideia de uma "Academia" autónoma que desautorizaria o seu próprio projecto inicial. Só com a restauração da monarquia, a Academia Francesa voltou a existir de pleno direito com Luís XVIII, em 21 de Março de 1816.
[Abro um parêntese para referir que o Institut de France, na sequência da reorganização napoleónica, conta hoje cinco academias: Academia Francesa, Academia das Inscrições e Belas-Letras, Academia das Ciências, Academia das Belas Artes e Academia das Ciências Morais e Políticas.]
| Hélène Carrère d'Encausse |
A Academia atravessou, sem problemas significativos, a Restauração, a Monarquia de Julho, a Segunda República, o Segundo Império e a Terceira República. Foi a grande época do Romantismo, com a admissão de Victor Hugo para a 14ª Cadeira em 1841. Também entraram na Academia os presidentes da República Adolphe Thiers (1833) e Raymond Poincaré (1909) e especialmente os marechais de França: Hubert Lyautey (1912), Joseph Joffre (1918), Ferdinand Foch (1918), Philippe Pétain (1929) e Franchet d'Espèray (1934). E Maxime Weigand (que era apenas general), em 1931. Entre os civis, contam-se Pierre Loti (1891), Henri Bergson (1914), Georges Clemenceau (1918), Paul Valéry (1925), Abel Hermant (1927), Abel Bonnard (1932), François Mauriac (1933), Georges Duhamel (1935), André Maurois (1938), Charles Maurras (1938).
A derrota da França na Segunda Guerra Mundial abriu uma nova crise na Academia. O período do Regime de Vichy foi uma época difícil, tanto mais porque o marechal Pétain era académico e, como "chefe do Estado", era o protector natural da instituição. Todavia, o marechal não se imiscuiu nos assuntos internos da Academia.
No pós-guerra a existência da Academia voltou a estar em perigo. Louis Aragon e Elsa Triolet haviam fundado o Comité national des écrivains (CNE), dominado pelos comunistas e mesmo o Front national, criado pelo Partido Comunista Francês em 1941, havia atraído muitos intelectuais não comunistas. O próprio François Mauriac tinha-se juntado ao CNE e ao Front national.
«Dans L'Aube, un article virulent réclame, en ces jours de liesse, "la dissolution de l'Académie". C'est un propos que l'on entend beaucoup au sein du CNE. L'été 1944 où commença l'épuration est marqué par la volonté des têtes d'affiche du nouveau pouvoir intellectuel, largement communistes, de faire table rase des gloires établies et des institutions; l'Académie française est par là doublement visée. Elle se sait vulnérable, compte tenu de la place qu'ont occupé dans l'État français deux de ses membres: le maréchal Pétain et Abel Bonnard. Le général Weigand, bien qu'il est été arrêté par les Allemands lors de l'invasion de la zone libre, et déporté, fait aussi partie, en ces temps où le statut de collaborateur est largement accordé, de la cohorte des académiciens que les nouvelles instances dénoncent avec fureur et pour qui elles exigent un châtiment.» (pp. 295-296)
Em 31 de Agosto de 1944, a Academia realiza uma sessão com a presença de apenas onze membros, entre os quais Paul Valéry e François Mauriac. Jêrome Tharaud, então director, pronuncia um discurso sobre a situação e fica estabelecido: "L'Académie procède à l'examen du cas de ses membres qui ont manqué au devoir national". Na sessão de 7 de Setembro é confirmado que "Messieurs Abel Bonnard et Abel Hermant doivent s'abstenir désormais de paraître aux séances". Uma decisão mesmo assim excepcional, já que os estatutos da Academia não prevêem a destituição dos seus membros. Quanto a Chrales Maurras, a Academia decide, em 14 de Setembro, aguardar o resultado das investigações a seu respeito. Por sugestão de Paul Valéry, é resolvido "ne pas prendre en considération les candidatures de personnes dont l'attitude et les agissements pendant l'occupation étrangère n'ont pas été conformes aux sentiments et aux intérêts nationaux". Foi a primeira vez na sua história que a Academia decidiu aplicar previamente um critério político às candidaturas. É verdade que em 1816 o rei de França, restaurando plenamente a instituição, tinha expulso e nomeado membros com um critério semelhante, mas a Academia tinha considerado esse procedimento um atentado à sua independência. Em 5 de Outubro, François Mauriac escreveu em "Le Figaro" que era necessário não "bousculler la vieille dame" do Quai Conti, e ainda menos suprimi-la. E sugeriu, para insuflar sangue novo, os nomes de Paulhan, Bernanos, Éluard, Malraux, Aragon. Os académicos recearam então uma interferência do general De Gaulle, que não se verificaria. Também se colocou a questão de saber se o presidente do Governo Provisório, ainda não reconhecido por algumas potências aliadas e amigas, poderia ser considerado o chefe do Estado, e logo o protector da Academia.
Só em 1 de Fevereiro de 1945, depois da condenação do fundador da Action française, em 27 de Janeiro, à pena de prisão perpétua e à indignidade nacional, a Academia decidiu ocupar-se do assunto. Foi uma questão que dividiu os académicos, mas sendo juridicamente estabelecido que o crime de um novo género, a "indignidade nacional" era uma pena infamante que comportava a destituição e a exclusão dos condenados de todas as funções, empregos, cargos públicos e corpos constituídos, a Academia já nada tinha a debater. A cadeira de Maurras foi declarada vaga durante quatro semanas, período conforme ao artigo 5º do regulamento de 1752 que estipulava que a eleição não poderia ter lugar menos de trinta dias "après que le décès de celui qu'il s'agit de remplacer aura été connu de l'Académie...". A vacatura deveria ter sido declarada em 8 de Março mas a Academia só preencheu a cadeira de Charles Maurras após a sua morte.
O processo do marechal Pétain, com a sua condenação à morte e à indignidade nacional em 15 de Agosto de 1945, pena comutada em prisão perpétua por De Gaulle, seguiu o mesmo procedimento por parte da Academia. Declarada vaga a sua cadeira, ela só foi preenchida após a sua morte. No caso de Abel Bonnard, condenado à morte por contumácia, mas exilado no estrangeiro, e de Abel Hermant, também condenado e vivendo em difícil situação material e ao qual a Academia prestava discretamente apoio, as suas vagas foram preenchidas em 1946, ainda em vida dos seus ex-titulares. Mas nunca as palavras irradiação ou exclusão foram pronunciadas de forma oficial relativamente a Pétain e a Maurras.
Tendo o marechal Pétain morrido em 1951, foi substituído em 1952 pelo embaixador André François-Poncet. Após a morte de Maurras, em 1952, foi eleito para o seu lugar o duque de Lévis-Mirepoix.
Em 14 de Fevereiro de 1946 registou-se um facto quase inédito na história da Academia Francesa: Georges Duhamel, Secretário perpétuo demitiu-se, devido à fadiga do cargo no período excepcional do fim da guerra. Não foi um precedente absoluto, já que Jean-Baptiste Mirabaud se demitira em 1755, devido a comportamento que indignara a Academia, e François-Juste Raynouard, em 1826, por graves razões de saúde. Mas a demissão de um Secretário perpétuo é inabitual e contrária aos usos da Academia, para que a palavra perpetuidade não se esvazie de sentido.
Mas a Academia Francesa sobreviveu a mais esta crise. E novos e prestigiados nomes foram entrando: em 1946, com 78 anos, ingressou Paul Claudel, que escrevera uma "Ode du maréchal Pétain" que todos resolveram ignorar. Mas não André Gide, apesar do empenho de François Mauriac. Sabendo do interesse do general De Gaulle quanto à admissão de André Gide, Duhamel, que já não era então Secretário perpétuo, foi visitá-lo e disse: "Nous avons un fauteil pour vous." E Gide respondeu: "Non, Duhamel... Je ne dis pas que si l'on m'avait offert le siège de Valéry... mais, puisque le siège de Valéry a été donné, alors je renonce."
«Pour Duhamel, Gide l'avait joué, tout comme il trompait chacun de ses interlocuteurs de l'Académie: "Il préparait le prix Nobel... une élection à l'Académie aurait sûrement compromis la machination Nobel!" Et de conclure à la "perfidie" qui, selon lui, caractérisait Gide.» (p. 321)
Em 1946 foram ainda eleitos Étienne Gilson, para a cadeira de Abel Hermant e Jules Romain para a cadeira de Abel Bonnard. Em 1951 foi eleito o general (postumamente marechal) De Lattre de Tassigny, que tendo falecido em 1952 não chegou a tomar posse da cadeira. Em 1955 ingressou Jean Cocteau. Em 1959, Henri Troyat.
Com a V República, entraram Henry de Montherlant (1960), René Clair (1960), o cardeal Eugène Tisserant (1961), Maurice Druon (1966).
O Maio de 1968 voltou a perturbar a vida da Academia. Ouviram-se gritos: "À mort, l'Académie!". Mas a velha dama do Quai Conti permanece.
Em 1980 produziu-se a "revolução Yourcenar". Há muito tempo que Jean d'Ormesson (eleito em 1973) lutava pela admissão de Marguerite Yourcenar. Desafiando todos os preconceitos, fez desse caso o seu "cavalo de batalha". E a autora célebre de Mémoires d'Hadrien foi a primeira mulher a entrar na Academia Francesa. Jean d'Ormesson, que a recebeu sob a Cúpula, dirigindo-se à sua confrade pronunciou pela primeira vez a palavra Madame.
Em 1983 houve a evolução da etnicidade, com a eleição do poeta senegalês Léopold Sedar Senghor, inventor do termo negritude, admitido após algumas hesitações.
Nos últimos anos, até à data da publicação deste livro (2011), mencionamos alguns dos nomes mais conhecidos que foram admitidos na Academia: Paul Morand (1968) [após muitas tentativas e com o agrément final do general De Gaulle que sempre se opusera ao seu ingresso], Eugène Ionesco (1970), Julien Green (1971), o cardeal Jean Daniélou (1972), Claude Lévi-Strauss (1973), Félicien Marceau (1975), Alain Peyrefitte (1977), Georges Dumézil (1978), Alain Decaux (1979), Fernand Braudel (1984), Georges Duby (1987), Jacqueline de Romilly (1988), Hélène Carrère d'Encausse (1990) [a autora deste livro], o cardeal Jean-Marie Lustiger (1995), Marc Fumaroli (1995), Angelo Rinaldi (2001), Valéry Giscard d'Estaing (2003), Alain Robbe-Grillet (2004), René Girard (2005), Dominique Fernandez (2007), Amin Maalouf (2011).
A Academia Francesa prossegue na sua trajectória, sempre ocupada com o Dictionnaire (que desde 1694 já conta 8 edições, a nona está a ser publicada em fascículos), uma das suas missões, com rumo à Imortalidade.
Hélène Carrère d'Encausse foi eleita Secretário perpétuo em 1999, assumindo funções em 1 de Janeiro de 2000. Manteve-se no lugar, perpetuamente, até à sua morte em 5 de Agosto de 2023, com 94 anos. Sucedeu a Maurice Druon. Era filha de Georges Zourabichvili e de Nathalie von Pelken e é mãe de Emmanuel Carrère, Nathalie Carrère e Marina Carrère d'Encausse. Foi casada com Louis Edouard Carrère d'Encausse.
O livro inclui em anexo os Estatutos e Regulamentos, os Usos e Costumes e os Prémios e Mecenatos da Academia. E também os titulares das 40 cadeiras desde a sua fundação e a lista dos Secretários perpétuos, além da Bibliografia sumária.