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terça-feira, maio 11, 2021

Post 8063 - 1º Campeonato Intensivo de Escrita Criativa 4/4 O abraço proibido

 

O Mundo inteiro está cheio de abraços proibidos que podem com o tempo deixar de o ser ou tornarem-se pela morte para sempre impossíveis.

No tempo dos nossos avós pela tuberculose e outras doenças infecto-contagiosas, actualmente pelo Covid.

Pensava nisso enquanto sentia a falta de um abraço.

Estivera com um colega que acusara positivo. Não tinha sintomas, mas devia manter-se em isolamento. O irmão cedeu-lhe um apartamento que tinha para arrendar.

Tudo certo e previsto, se o tivesse cumprido, mas quis ir ver a namorada.

Dez quilómetros a conduzir por estradas secundárias, mal iluminadas e com buracos. Não lhe disse nada, queria só vê-la. Talvez a apanhasse ainda acordada.

Chegou já de noite. Havia luz na casa e um carro que não reconheceu parado à beira. Estacionou o seu mais longe. Foi-se aproximando devagar. A porta abriu-se. Um homem saía, ela na soleira da porta, só de camisa.

Abraçaram-se.

A infiel traía-o. Um abraço proibido que também poderia trazer morte, mais do que o Covid que afinal não tinha.

Se tivesse uma arma teria disparado. Se realmente estivesse doente e com a pior das pestes cuspiria para cima dos dois.

Beijaram-se e despediram-se.

Dera a outro o abraço que era seu, que tanto queria e agora o enojava.

Escondido, não disse nada. O outro meteu-se no carro, um Opel e arrancou. Ela fechou a porta e foi para dentro.

Rastejou até ao seu Fiat. Vomitou antes de se enfiar lá dentro. Tremia pelo que acabara de ver. Só lhe faltava agora estampar-me ou ser detido pela polícia.

Regressou a onde partira, pelos mesmos caminhos, mas mudado.

Mil e uma coisas lhe passaram pela cabeça. Vingar-se, fazendo-lhe o mesmo. Não tinha com quem, nem queria ter. E em isolamento, também não o poderia fazer.

Queria que o tempo recuasse, queria não ter lá ido. Queria confrontá-la ou esquecer.

Entretanto passou tempo. Não lhe atendeu os telefonemas, mas completados os dez dias foi vê-la.

Julgou que passara a raiva e ficara apenas mágoa.

Foi ter com ela para o ponto final. Contou-lhe aquilo a que assistira e a infeliz negou-o.

Não viu mais nada. Apertou-a contra si, pensou matá-la com um abraço. Largou-a, e ela desfaleceu. Por pouco não desgraçava aos dois.

Nessa altura chegou a irmã dela com o novo namorado, num Opel, o Opel da noite fatídica.

 

 


terça-feira, maio 04, 2021

Campeonato Intensivo de Escrita Criativa 3/4 - Conta-me o que me fizeste

 Conta-me o que me fizeste.

 

 

Não sabia muito dela. Nem quis saber, enquanto foi viva.

Uma mulher gasta e perdida. Comprei-a para uma noite e seguiu-me. Foi ficando pela minha casa, usava-a e dava-lhe o que ela queria, álcool e drogas.

Uma noite em que pensei que dormia, apanhei-a a ouvir o que não devia. Ela percebeu o seu erro, mas eu não podia confiar numa vadia. Aposto que venderia a própria mãe por uma dose. Disse-lhe que estava tudo bem. Quando ela se virou, talvez para fugir, espetei-a. Matei-a, ou julguei que o tinha feito.

Larguei o seu corpo no monte. Por ali havia javalis, e com sorte iriam comê-la. Acreditei que nada dela sobrara, nada mais nos ligava. Algum tempo depois, um agente chegou a vir falar comigo. Tinham participado o seu desaparecimento. Pelos vistos, ainda haveria alguém que se importava com ela, mas sem rasto, nem corpo, arquivaram o caso.

Anos mais tarde vi-me a morar só e inválido nesta mesma casa, e foi quando ela voltou.

Estou velho e doente. Antes tive algum poder, fui temido. Hoje mais do que odiado, sou desprezado. Não há ninguém que possa chamar, ninguém que viesse por mim. Arrasto-me pelas escadas e quartos. E ouço a sua voz:

- “Conta-me o que me fizeste.”

Quando adormeço, sinto-a a rondar-me, perto. Quer levar-me para o Inferno de onde saiu.

Pressinto a morte próxima, assim como ela.

Acordei nauseado e com dores, nos braços e pernas, que sangram e não me obedecem.

Via-a. Estranhamente, parece mais velha. Também os fantasmas envelhecem. Repete na voz que reconheço:

“Conta-me o que me fizeste.”

Se o disser, talvez me deixe em paz.

Balbucio: Cortei-te a garganta e larguei-te no bosque.

Ela aproxima-se, na mão direita traz a faca com que me cortou e me vai espetar, na mão esquerda, um papel.

Sinto a lâmina fria no pescoço, olho e vejo que o papel é uma fotografia de duas miúdas iguais, gémeas.

quarta-feira, abril 28, 2021

1ºCIEC - 2/4 - O assalto

         Entraria pelo banco, mascarado, claro. Com confiança iria até à caixa e mostrar‑lhe‑ia o papel onde estava escrito:

- “Isto é um assalto, passe o dinheiro que tem na caixa e ninguém se irá magoar!”

Hesitava sobre se nessa altura lhe deveria mostrar a arma e que arma devia levar, uma faca ou a pistola de água que parecia de verdade.

Sabia pelos filmes que teria apenas alguns segundos antes que alguém tocasse o alarme e viesse a polícia. Levava um saco onde colocaria o dinheiro e sairia dali em passos rápidos e seguros. Já na rua, montaria na bicicleta, seguiria pelas ruas estreitas entre turistas, deixaria para trás a bicicleta, o casaco, a máscara. Ninguém o iria reconhecer sem eles.

Na noite antes do dia escolhido dormiu mal e estava já bem desperto quando o despertador tocou. Levantou-se e procurou nos gestos rotineiros alguma tranquilidade. Olhou-se no espelho quando decidiu não fazer a barba, e não lhe devolvia a imagem do homem confiante que queria ser. Teve de voltar atrás duas vezes porque se esquecera primeiro da máscara, depois da faca.

 Chegou quando abria e mesmo assim tinha dois clientes à sua frente. Resolveu esperar cá fora que fossem atendidos, os dois e um terceiro que chegou depois dele. Entrou finalmente quando seria o único na dependência além dos funcionários. Sentiu-se tremer quando se dirigia para a caixa e foi então que ouviu atrás dele o barulho da porta a bater e entraram dois mascarados. Um deles gritou:

- “Todos para o chão, isto é um assalto!”

Trazia com ele uma metralhadora. O outro avançou para o balcão, saltou para o lado de lá e começou a encher um saco. Foi rápido e eficiente, e os dois saíram sem disparar um tiro quando começou a soar o alarme. Devem ter tempo suficiente para escapar, pensou, enquanto se levantava do chão. Lembrou-se então que estava também mascarado. Se o apanhassem ali, iriam pensar que estava com os outros dois. Saiu disparado. Montou na bicicleta, seguiu pelas ruas apertadas, deixou para trás a bicicleta, o blusão e a máscara. Chegou a casa em sobressalto, o coração a bater. Talvez ainda pudesse recuperar a bicicleta se ninguém desse por ela. E talvez fosse melhor repensar esta opção profissional, especialmente depois de um dia a terminar só em prejuízo.

quinta-feira, abril 22, 2021

1º Campeonato Intensivo de Escrita Criativa

 

Nunca mais é Sábado

 

Traduziria bem o meu estado de espírito a frase “Nunca mais é Sábado”.

Hoje é Domingo, final do dia.

O meu nome é Eva, o da primeira mulher.

O Rui foi deitar o Bernardo, e amanhã será ele a arranjá-lo.

Amanhã, apesar de tudo, estarei melhor. Hoje vejo tudo cinzento. Não percebo onde falhei, porque é que não sou feliz. Sou bonita e atraente – não são conceitos vazios, é assim que me vejo, é assim que sei que me veem. Tenho um bom emprego, um marido, o Rui, também atraente – ficamos bem os dois nas fotografias ou vídeos, uma boa casa, um filho de cinco anos, temos saúde, o apoio da família e amigos. Mas, no Domingo à noite, sinto-me sufocada, só me ocorre pensar onde é que errei?

Não amo o Rui, acho que nunca o amei. Damo-nos bem. Ele diz que me ama, talvez seja verdade, mas eu também lhe respondo o mesmo. Sinto prazer com ele, mas já não há paixão. O conhecimento e a rotina, acabaram com o mistério. Não tenho grande instinto maternal. Foi mais por insistência do Rui e do mundo à nossa volta que avancei para a gravidez. Gosto do miúdo, gosto que esteja bem, gosto que quando faz alguma gracinha digam que se parece comigo, mas não tenho grande instinto maternal. Em casa isto está bem assente, são mais as avós, a empregada, e o Rui que tomam conta dele. Tenho amigas que me invejam e copiam. Sábado à noite é a minha noite para sair. O Rui pensa que é para sair com elas, e às vezes, até é. Para tornar a minha vida mais interessante e sem que o Rui o saiba, de vez em quando arranjo um amante. Tem de ser alguém casado e com filhos, que também só queira uma aventura. Terminei com o último porque estava a ficar muito agarrado. Chegou a falar em deixar a mulher. Tive de lhe dar a volta e pôr um fim naquilo. Penso arranjar outro. Tenho de arranjar outro. Talvez o Bruno da empresa. Por um lado, está demasiado próximo, mas por outro lado, no outro dia conheci a mulher dele. Absolutamente apagada e feia. Mas ele parece ligado à família, sobretudo aos filhos. No próximo Sábado talvez dê para ficarmos os dois sozinhos pela empresa e será fácil. Estou a precisar de algo assim.

 


Título do Livro – Nunca mais é Sábado ou Sábado, um de nós vai morrer

 

I Capítulo Nunca mais é Sábado


O livro terá sete capítulos, os seis primeiros serão dedicados a cada um dos seis personagens, Eva, Lídia, Óscar, Bruno, Rui e Pedro, e irão correspondendo aos dias de semana, começando pelo Domingo. No último capítulo, finalmente o Sábado, sabemos quem morre, porquê e como.

Eva, Domingo

Lídia, Segunda-feira, assinou a declaração de consentimento para uma cirurgia no Sábado;

Óscar, Terça-feira. Foi condenado por perseguição e tentativa de violação acredita que a Eva lhe dá sinais de se interessar por ele

Bruno, o marido de Lídia, Quarta-feira. No Sábado ao sair do Hospital não repara num carro que vem na sua direcção.

Rui, o marido de Eva, Quinta-feira. Descobre que está a ser enganado e prepara-se para a surpreender com o amante no Sábado.

Pedro, tirou a carta na Sexta-feira e sai com o carro do pai no Sábado