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terça-feira, 10 de agosto de 2021

"Já Muito Maroto Se Diz Revolucionário..."


Edição Original em LP Orfeu STAT 036 
(PORTUGAL 1976, Agosto 15)

"Com as Minhas Tamanquinhas" representa o regresso de José Afonso às gravações em estúdios portugueses depois de cinco discos gravados em Londres, Paris e Madrid. Musicalmente com coisas muito interessantes, onde as influências africanistas se fazem notar em diversos temas, é no entanto o album de Zeca em que as preocupações líricas foram positivamente atiradas às urtigas. Intencionalmente! Gravado logo a seguir ao fim do PREC (para os mais desatentos esta sigla significava “Processo Revolucionário Em Curso”), mostra-nos um cantor repórter e crítico da realidade portuguesa da altura, incisivo, agressivo, interveniente, revoltado, mas também desiludido. José Afonso passa assim mais uma vez ao ataque, chama “os bois pelos nomes” e dispara contra Kissinger, denuncia Aventino Teixeira ("Como se Faz um Canalha"), torna-se panfletário ao falar do 11 de Março e do Ralis ("No Dia da Unidade"), revolta-se com a exploração da Mulher ("Teresa Torga"). Num país "aliviado" pelo fim do gonçalvismo e ansioso pela instauração de uma democracia parlamentar burguesa não admira portanto que este disco tivesse sido tão odiado pelos poderes instituídos. E é claro que Zeca, em conformidade com a sua teoria do desassossego permanente, sempre afirmou ser este o seu melhor trabalho, num misto de provocação e de grande coerência.


Disco comprometido e datado é, no entanto, um trabalho capaz de sobreviver às situações que lhe deram origem. A gravação, já nos anos 90, de "Os Índios da Meia Praia" por Dulce Pontes é a prova disso mesmo. Pela primeira vez o nome de José Afonso assina todas as faixas do LP, bem como a orientação musical, coisa que, aliás, ele nunca deixou de fazer em todas as gravações. Fausto voltou a estar no centro das operações (na direcção e arranjos), voltando a registar-se também as colaborações musicais de Michel Delaporte, Vitorino e Júlio Pereira. Ah, e ainda uma curiosidade histórica: a participação insólita nas gravações de Quim Barreiros!

"O Que Faz Falta é Animar a Malta..."


Edição Original em LP Orfeu STAT 026 
(Janeiro 1975)


Pela primeira vez não foi preciso mandar à censura prévia os poemas que José Afonso iria cantar no seu primeiro disco gravado a seguir ao 25 de Abril. O sonho de tantos anos torna-se finalmente uma realidade, que Zeca acompanha de perto deslumbrado com aquela vontade colectiva de virar o mundo do avesso. Entretanto, nos meios musicais, criara-se uma expectativa: “E agora, o que é que o Zeca vai fazer”? A resposta está em parte neste disco, integralmente preenchido por temas compostos antes de Abril. Recusando a catalogação e a instrumentalização (tão comuns naquele período de emoções fortes), José Afonso mantém intactas as suas convicções, as suas fidelidades e as suas amizades. Até porque – e ele sabia disso – todos o respeitavam. "Coro dos Tribunais" é gravado no final de 1974, em Londres, nos estúdios da Pye Records, onde já tinha sido gravado o album “Traz Outro Amigo Também”, quatro anos antes. Para suceder a José Mário Branco na direcção musical da gravação, José Afonso escolhe Fausto, que assim inicia com ele uma colaboração que se estenderia a outros discos futuros. Para além de Fausto, integraram também esta nova excursão londrina o Adriano Correia de Oliveira, o Vitorino, o Carlos Alberto Moniz, o francês Michel Delaporte, o brasileiro Yório Gonçalves e ainda José Niza, que tem a seu cargo a produção do novo disco.

Londres, ao contrário de Paris ou de Madrid, era de certa maneira uma cidade mais hostil, mais estranha, menos propícia à criação de um ambiente latino, em que a comida, a bebida e o próprio idioma não ajudavam à festa. Uma tarde o Adriano e o Vitorino entraram no estúdio com um brilhozinho nos olhos e a novidade de terem descoberto ali perto um sítio onde havia vinho tinto português e mais umas coisas para petiscar. Foi a debandada geral, perante a perplexidade de Bob Harper, o engenheiro de som, que nunca tinha visto interromper-se uma gravação londrina por causa de apetites deste género. Numa entrevista dada ao “Mundo da Canção” em 1981, José Afonso refere este tipo de cumplicidades: «O mundo social da música não me seduz grandemente, como não me seduzem os palcos e todo esse tipo de estruturas sobre que assenta a canção. Seduz-me, sim, aquilo que posso fazer em torno da música: os contactos que estabeleço, os amigos que arranjo, esta irmandade progressista que se vai estabelecendo à medida que vamos correndo as terras, descobrindo que nessas terras vivem indivíduos que têm determinado tipo de preocupações...»

quarta-feira, 20 de maio de 2020

"Em Cada Esquina Um Amigo..."

Edição original em LP Orfeu STAT 009
(PORTUGAL, Dezembro de 1971)

Em entrevista ao jornal “Público” mais de 20 anos depois da gravação deste album, José Mário Branco referia-se assim a "Cantigas do Maio": «Disco histórico. Mas há razões muito pessoais para esta escolha, além de razões que têm a ver com a História do meu país. Foi a primeira vez que pude trabalhar com o Zeca a sério, que descobri a riqueza incrível que está debaixo dos temas dele. Não me é possível separar este disco do que vivi ao fazê-lo. Algo de empolgante e importante para a minha vida toda.» José Afonso e José Mário Branco tinham-se conhecido em Paris, em 1969. José Mário estava exilado em França e, nessa altura, tinha preparado a maqueta do que veio a ser o seu primeiro LP, “Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades”. Foi o Zeca quem trouxe essa cassete para Lisboa, mostrando-a à Sassetti, com quem o José Mário veio a assinar um contrato de gravação. E foi na sequência desse feliz encontro que, dois anos volvidos, José Afonso convidou José Mário Branco para dirigir a gravação deste "Cantigas do Maio".


Gravado no Strawberry Studio, de Michel Magne, em Herouville (França), entre 11 de Outubro e 4 de Novembro de 1971 (antes da partida Zeca chegaria a ser preso algumas horas pela P.I.D.E. em pleno aeroporto de Lisboa), este disco assinala a primeira viragem de fundo na revolução musical iniciada por Zeca  Afonso uma dúzia de anos antes. O tratamento instrumental de cada tema, a beleza poética e a subversão temática atingem, aqui um nível nunca anteriormente possível. E, uma vez mais, Zeca recusa a facilidade, incluindo canções onde o surreal é já assumido na sua totalidade, para desespero da direita e de uma certa esquerda, que insistia na necessidade de uma 'definição clara' de Zeca, à luz do 'socialismo científico'. "Cantigas do Maio" voltaria a ser distinguido pela Casa de Imprensa como o melhor do ano e seria considerado, em 1978, como o melhor de sempre da música popular portuguesa, numa votação organizada pelo extinto semanário Sete que contou com a participação de 25 críticos e jornalistas. Um tema, no entanto, bastaria para fazer deste album um marco da história portuguesa: "Grândola vila morena", escolhida em 1974 como senha para o arranque do Movimento dos Capitães, que em 25 de Abril derrubou a ditadura fascista. Essa escolha, como mais tarde recordaria Otelo Saraiva de Carvalho, resultou do facto da maioria das canções do Zeca se encontrar proibida na altura e também por ter sido cantada cerca de um mês antes em pleno Coliseu de Lisboa, sem que a P.I.D.E. interviesse. Como curiosidade registe-se que a gravação dos passos que conduzem a cadência alentejana da canção foi feita à noite, por oito microfones estrategicamente colocados numa zona de cascalho que circundava o Chateau d’Herouville.

sábado, 4 de abril de 2020

"Não Me Obriguem Vir Para a Rua Gritar..."


Edição Original no LP ORFEU STAT 017 
(PORTUGAL, Dezembro 1973)


Do mesmo modo que sempre preferi o “Abbey Road” ao “Sgt. Pepper’s” dos Beatles, também aqui, na obra do Zeca, vou contra a grande maioria. “Cantigas do Maio” poderá ser a referência básica para (quase) toda a gente mas para mim sempre perdeu terreno face a este “Venham Mais Cinco”, que foi o album que mais vezes coloquei a girar no prato do gira-discos. Encontrava-me nos meus vinte anos quando esta maravilha me foi parar às mãos pela primeira vez. Era o tempo em que todas as semanas saíam albuns magníficos, quer nos Estados Unidos quer sobretudo em Inglaterra, e essa grande e magnífica orgia de sons anglo-americanos não nos deixava tempo para mais nada. Ou quase nada. Este album, portuguesíssimo, foi uma das raras excepções. A sua original e espantosa modernidade cativou-nos por completo e todos aqueles novos sons ombrearam sem qualquer dificuldade com o que melhor se fazia na altura fora do país. Os sons, e, claro, as palavras também, impregnadas de um surrealismo que nos desconcertava e fascinava: A Nefretite que não tinha papeira e o Tuthankamon sem apetite, ou a tinta que caía no móvel vazio, convocando farpas, chamando o telefone e matando baratas. Ou a formiga no carreiro que vinha em sentido contrário e que caíu no Tejo ao pé dum septuagenário. E que dizer da Paz, atacada de psicose maníaco-depressiva, que saíu aos saltos para a rua, comeu mostarda e bebeu sangria?


Gravado em Paris, no estúdio “Aquarium”, de 10 a 20 de Outubro de 1973, produzido por José Niza e com arranjos e direcção musical de José Mário Branco, "Venham Mais Cinco" reúne as últimas canções de José Afonso antes da sua "Grândola Vila Morena" nos vir a enrouquecer as gargantas alguns meses depois. Inclui diversos temas escritos por Zeca durante o seu último período de “férias” em Caxias, em Maio desse ano: 22 dias sem culpa formada e interdição de recorrência a um advogado por “inconveniências para a investigação”. É o disco em que o cantor conta com a participação de maior número de músicos (18 no total) e onde a sua poesia atinge a expressão mais ampla, livre de significados imediatistas e de interpretações lineares. O tema que dá nome ao album, "Venham Mais Cinco" ("Não me obriguem a vir para a rua gritar!...") é uma autêntica premonição do que está para vir, e é também o último dos grandes hinos de Zeca Afonso antes da Revolução de Abril.



Volto ao início destas notas: continuo a considerar este album, quase 50 anos depois, o expoente máximo da sua obra. Porque para além de toda a sua grande qualidade lírico-musical constitui uma charneira, um ponto de viragem. Chegava ao fim o tempo da resistência e a liberdade estava já ali, à esquina. O período clássico dos albuns de José Afonso conclui-se aqui, e da maneira mais sublime. Haveria espaço ainda no futuro para coisas muito boas mas espaçadas e não com a frequência criativa destes anos. O que até é compreensível – passaram a existir outras prioridades na vida do Zeca e o tempo para as músicas e as gravações deixou de ter a importância que tivera até então.

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

"Somos Filhos da Madrugada..."



Edição original no LP Orfeu ST005
(PORTUGAL, Dezembro 1970)

Zeca Afonso tem 40 anos quando grava este album nos estúdios da Pye em Londres, no alvorecer da década de 70. A sua voz nunca esteve tão cristalina e o seu canto tem o condão de nos tocar bem fundo, num misto de emoções que o tempo não consegue apagar. No texto de apresentação, Bernardo Santareno realçava a 'pureza' como 'a nota maior' da arte de Zeca. Pureza é, de facto, a palavra exacta para definir este disco, um imenso poema de fraternidade a que não falta a raiva de quem se sabe cercado. Uma raiva que tem a sua expressão mais evidente nas in­terpretações de "Os Eunucos" (cuidadosamente subintitulada "No reino da Etiópia", numa tentativa de dar a volta às malhas apertadas da censura) e do soberbo e angustiante poema de Jorge de Sena, "Epígrafe para A Arte de Furtar"“Traz Outro Amigo Também” não pôde contar com a participação de Rui Pato, entretanto mobilizado para a tropa e com o passaporte apreendido pela P.I.D.E.. Em seu lugar estão Carlos Correia (Bóris) e Filipe Colaço. As referências a África surgem, pela primeira vez, no trabalho de Zeca (em "Avenida de Angola" e "Carta a Miguel Djéje"), a par de temas como a emigração e o exílio ("Canção do Desterro"), de canções populares ("Maria Faia" e "Moda do Entrudo") e de uma nova viagem pelos domínios camonianos ("Verdes São os Campos"). Incómodo e belíssimo, “Traz Outro Amigo Também” assume-se como um disco de grande maturidade, através do qual, se dúvidas ainda restassem, se tornava claro que já tudo era diferente na música portuguesa. A prova, de resto, fora dada no ano anterior a este disco, durante um programa de televisão igualmente histórico, o 'Zip Zip'. Onde Zeca, curiosamente, nunca participou... É durante a estadia em Londres que José Afonso conhece Caetano Veloso e Gilberto Gil, ambos exilados nessa altura na capital londrina. Rezam as crónicas que Gil foi testemunha assídua no estúdio e que aí aprendeu e reconheceu o grande mérito das canções do Zeca. E também que este teria improvisado a música para “London London” durante um jantar num restaurante português. Caetano agradeceu pois andava atrapalhado para compor uma música que ilustrasse a sua estadia em Londres.


A Casa da Imprensa distingue uma vez mais o novo trabalho como disco do ano, além de atribuir a José Afonso o prémio Honra «pela alta qualidade da sua obra artística como autor e intérprete e pela decisiva influência que exerce em todo o movimento de renovação da música popular portuguesa»Mas demos a palavra a Bernardo Santareno: «Trova antiga purificada, folclore limpo de excrescências, balada de combate em que a justiça vai de bandeira. E o ouvinte fica tonificado, 'limpo', cheio de graça, com mais vigor para a luta. No chiqueiro velho e saudosista, insignificativo e feio da música ligeira do nosso país, José Afonso surgiu como um renovador: De riso claro e leal, com punho duro de diamante, terno e gentil sem amaneiramentos. Limpou crostas, desatou amarras, descobriu ramos verdes e ocultos, abriu janelas na parede bolorenta do fatalismo lusíada. E como esta arte pura e viril habitava já, nebulosamente, nos anseios da juventude que tanto pechisbeque musical mórbido e paupérrimo trazia nauseada, José Afonso conseguiu rapidamente uma enorme audiência. Ele é hoje o mais autêntico trovador do povo português, nesta hora que todos vivemos. Ninguém melhor que ele transmite os seus desesperos e raivas, as suas aspirações de amor, de paz, de justiça, de verdade. Por isto, todos o amam. E o amor do povo, dos jovens, de todos aqueles que ainda não estão definitivamente contaminados, esclerosados, é, tenho a certeza, a recompensa e a glória de José Afonso. Nem tudo está podre no reino da Dinamarca.»

domingo, 11 de agosto de 2019

Só Corpos Negros Ficaram...

Edição original no LP Orfeu ST004
(PORTUGAL, Dezembro de 1969)



«Gravei um disco com bombo, cavaquinho, gaita-de-beiços, marimba, reco-reco e lampião chinês. A coisa é nova para matar definitivamente a choradeira das baladas»
(José Afonso)

Em plena crise académica e ascenção marcelista, José Afonso faz uma peregrinação por terras beirãs com o intuito de recolher temas folclóricos em Malpica do Tejo, perto de Monsanto (onde aproveita para fazer o único negócio que se lhe conhece da sua iniciativa: compra por dez contos, mediante ajuste verbal e entrega do dinheiro, uma casa tosca e exígua em plena aldeia). Dessa recolha musical resultam dois temas deste novo album, o qual, à semelhança do anterior, intercala temas do cancioneiro tradicional com as inevitáveis palavras de denúncia e resistência. Um texto de José Carlos Ary dos Santos (“A Cidade” – único poema de Ary a ser musicado por Zeca) e outro de Luís Andrade (“Era de Noite e Levaram” – uma alusão às prisões arbitrárias da pidesca instituição) são, com “Já o Tempo se Habitua”, do próprio Zeca, os exemplos mais elucidativos. José Afonso acompanha assim estes rumos novos, sempre atento aos contos velhos que os senhores da época desejam perpetuar através da tão propagada “evolução na continuidade”.


Musicalmente, este disco (o único em que a designação não corresponde ao título de nenhuma canção) marca também uma mudança significativa no trabalho do compositor. O acompanhamento não se limita já à viola de Rui Pato mas estende-se a outros instrumentos de raiz tradicional, tais como o bombo ou o cavaquinho (ver ficha técnica no verso). A Casa da Imprensa distingue o album com o prémio da crítica para o melhor disco do ano. Ainda durante o ano de 69 José Afonso participa no festival “La Chanson de Combat Portuguaise” em Paris, onde conhece alguns artistas exilados: Sérgio Godinho, Luís Cília ou José Mário Branco, que nos anos seguintes iriam ter grande preponderância na cena musical, quer em trabalhos próprios quer em trabalhos com o próprio Zeca.




sexta-feira, 2 de agosto de 2019

JOSÉ AFONSO - "Cantares do Andarilho"

Edição original no LP Orfeu 35.020
(PORTUGAL, Dezembro de 1968)


Por mais parodoxal que possa parecer, a carreira musical de José Afonso ficou devida em grande parte à polícia política do regime salazarista, a famigerada P.I.D.E. de má memória. Com efeito, ao regressar de Moçambique em Agosto de 1967 (onde estivera a viver 3 anos nas cidades da Beira e Lourenço Marques), José Afonso apenas pensava em continuar a ser professor e voltar ao convívio dos alunos. Aliás, o acto de cantar sempre foi encarado por ele como um frete, o que gostava mesmo de fazer era de ensinar. Mas o regime de Salazar não lhe permitiu isso. Durante o internamento clínico a que foi obrigado na sequência de uma grave crise de saúde, recebe a notícia de que tinha sido expulso do liceu de Setúbal (onde estava então colocado), bem como de todo o ensino oficial. Com a polícia política sempre à perna, José Afonso é deste modo confrontado com as necessidades da sobrevivência, vendo-se obrigado a dar explicações e a repensar a continuação da carreira musical (interrompida quando da ida para Moçambique), apesar do cancelamento constante de espectáculos e da proibição da difusão dos seus discos pela rádio. Rui Pato e António Portugal, companheiros de longa data, começam então a movimentar-se. Sucessivamente percorrem diversas editoras, algumas delas para as quais José Afonso já tinha gravado antes. Em vão: todas as portas se fecham, com medo de represálias da P.I.D.E.. Até que por fim vão ao Porto falar com o Arnaldo Trindade, dos Discos Orfeu, que, assumindo correr os riscos, propõe a José Afonso um contrato para a gravação de um album anual contra o pagamento de uma mensalidade fixa. Era o início de uma colaboração histórica, que durou 14 anos (1968-1981), durante os quais José Afonso gravou a parte mais rica da sua obra.



O ponto de partida foi precisamente este, o “Cantares do Andarilho”, gravado de um só fôlego num único dia. Na altura do seu lançamento, no Natal de 68, Urbano Tavares Rodrigues escreveu que «José Afonso, trovador, é o mais puro veio de água que torna o presente em futuro, que à tradição arranca a chama do amanhã e a primeira voz da massa que avança em lume de vaga, a mais alta crista e a mais terna faúlha de luar na praia cólera da poesia, da balada nova.» Nestes cantares, Zeca alia a sua criatividade à mais genuína inspiração popular, quer através da utilização de melodias tradicionais quer tomando-as apenas como um ponto de partida para a criação de novos temas, mantendo, no entanto, a sua estrutura formal. São os casos, por exemplo, de “Natal dos Simples”, da “Balada do Sino” ou dessa comovente “Canção de Embalar”, sem dúvida uma das mais belas canções de Zeca e, porque não dizê-lo?, do nosso cancioneiro popular. Uma referência final a “Vejam Bem”, um tema que se iria tornar uma espécie de hino da geração de 70.





quarta-feira, 28 de setembro de 2016

AS VERSÕES DAS CANÇÕES DO ZECA

No livro "As Voltas de um Andarilho: Fragmentos da Vida e Obra de José Afonso" (Assírio & Alvim, 2009), Viriato Teles inseriu um capítulo intitulado "Zeca para lá de Zeca" onde apresenta uma extensa lista de discos que incluem versões de canções de José Afonso gravadaspor outros intérpretes. Uma iniciativa muitíssimo louvável! De então até agora, mais gravações se fizeram e também nos demos conta de que havia um número nada despiciendo de versões anteriores a 2009 que estavam omissas. Surgiu-nos então a ideia de pegar em todas elas e agrupá-las pelos títulos, pois essa forma de arrumação permite-nos ter uma noção mais precisa do interesse que cada um dos espécimes do repertório de José Afonso tem suscitado em diferentes intérpretes, ao longo do tempo. Tendo como critério tomar em consideração todo e qualquer registo em que José Afonso seja o autor da letra (ainda que parcialmente) e/ou da música, o inventário incorpora, além dos originais e das versões próprias ou alheias, as canções criadas por outrem com poemas da sua lavra ou sobre melodias por ele concebidas. A ordenação é alfabética para os títulos dos espécimes e cronológica para as gravações, salvo se publicadas no mesmo ano (nesse caso, a ordenação é alfabética pelos nomes dos intérpretes).


Este é um trabalho "condenado" a nunca ficar terminado. E ainda bem! É sinal de que a obra de José Afonso continua viva e a interpelar os músicos de hoje e de amanhã. O rol irá sendo actualizado à medida que formos tomando conhecimento de novas ou antigas gravações publicadas em fonograma (vinil, cassete ou CD) ou videograma (VHS ou DVD). Neste âmbito, a informação que os leitores nos quiserem fornecer será muito bem-vinda. E-mail: ajferreira74@gmail.com Os links dos temas que porventura existam no YouTube ou noutras plataformas serão disponibilizados logo que possível. (Álvaro José Ferreira)

quinta-feira, 19 de maio de 2016

"A Morte Saíu à Rua Num Dia Assim..."

Edição original em LP Orfeu STAT 012
(PORTUGAL, Dezembro de 1972)

Continuação lógica de "Cantigas do Maio", este disco surge numa fase de grande empenhamento político de Zeca - que pouco tempo depois o levará novamente à prisão de Caxias. Pratica­mente impedido de cantar em Portugal, Zeca Afonso apresenta-se ao vivo em França e em Espanha (onde em Santiago de Compostela canta pela primeira vez em público a "Grândola") e tenta dar conta, em disco, do que por cá se passa. Prenúncios da mudança que se avizinhava são temas como "Ó Ti Alves" ou "É Para Urga". Mas, enquanto o dia novo não chega, Zeca continua a cantar a cólera e o desespero colectivos, através de momentos musicais inesquecíveis como "A Morte Saiu à Rua" (dedicado a José Dias Coelho, assassinado pela Pide em 1961) e "Por Trás Daquela Janela "(escrito para Alfredo Matos, antifascista do Barreiro que se encontrava preso), ao mesmo tempo que ironiza com a cadavérica memória salazarista ("O Avô Cavernoso"), faz novos apelos à luta ("Fui à Beira do Mar", "Eu Vou Ser Como a Toupeira") e se diverte com o aparente nonsense de Fernando Pessoa ("No Comboio Descendente"), afinal a imagem perfeita de um certo laissez faire tão tipicamente lusitano.


sexta-feira, 24 de abril de 2009

AS VOLTAS DE UM ANDARILHO



Dando resposta a muitos pedidos recebidos ao longo do período sabático de Rato Records, volta aqui à toca a Antologia em três volumes da Obra de José Afonso, com mais de três horas e meia de duração. Convém aqui recordar uma entrevista já velhinha dada ao vespertino "A Capital", também ele já desaparecido na poeira do tempo. Com o notável despretensiosismo que sempre o caracterizou, José Afonso confessava na altura: «Estou empenhado em que se desfaça a impressão de que me tornei uma coisa que deve colocar-se numa redoma. Uma vez que me acusam de ter sido injustamente mitificado, quero apenas afirmar que sou uma pessoa comum. Recuso-me terminantemente a transformar-me num mito.» Mito ou não mito, o que é certo é que a sua obra permanece imaculada, não acusando o desgaste dos anos. Ouve-se hoje com o mesmo prazer, a mesma emoção, o mesmo carinho do que há 30 ou 40 anos atrás. E não tenho qualquer dúvida de que a sua memória se irá perpetuar pelos tempos, recuperada por novas e sucessivas gerações. Até sempre Zeca!



segunda-feira, 30 de abril de 2007

SENHOR POETA: TRIBUTO A JOSÉ AFONSO


Se um poeta é aquele que escreve aquilo que pensa e sente, que tem um lado onírico envolvido numa enorme sensibilidade, o José Afonso é esse poeta com toda a certeza. E é muito mais do que um Homem que se inclinou para as palavras... soube fazer música dessas palavras, soube transformá-las em canções, em espelhos de emoções que se deixam cantar facilmente. A sua simplicidade musical e poética converteu-se numa mensagem que passou e continuará a passar por muitas gerações.
Contactámos com José Afonso pela primeira vez enquanto grupo em 1994, aquando da gravação da homenagem “Filhos da Madrugada”. Desde então, germinou entre nós a vontade de, um dia, nos voltarmos a cruzar com ele. Chegou a hora.
Este disco representou um grande desafio para os Frei Fado D’el Rei. Respeitar a simplicidade da música de José Afonso, sem a descaracterizar, e simultaneamente honrar o seu carácter inovador, foi o objectivo que nos propusemos. Afinal, essa fusão do tradicional com o contemporâneo que caracteriza a música de José Afonso é também a ambição dos Frei Fado D’el Rei...
A muitos Senhores Poetas José Afonso deu voz. Quanto a nós, é chegada a oportunidade de retribuir, deixando com este trabalho o nosso tributo ao poeta e músico José Afonso.
(Frei Fado D’el Rei)
Produção: Frei Fado D’el Rei
Gravação, Mistura e Masterização: Luís Moreira – Mike
Concepção Gráfica: Miguel Oliveira
Mistura e Masterização: Estúdio Companhia do Som entre Janeiro e Março de 2007

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

"Viva a Maria da Fonte Com as Pistolas na Mão..."


Edição Original em LP Orfeu STAT 095 (1979)
Foi graças a este disco (e ao tão subestimado "Histórias de Viajeiros", de Fausto, também de 1979) que os Trovante começaram a ganhar a força que necessitavam para sair do circuito mais ou menos fechado das actuações em comícios do PC, que até então frequentavam. O grupo de "Baile no Bosque" é, de facto, o grande suporte musical deste trabalho, evidenciando também o empenhamento de Zeca (notório, de resto, em todos os seus trabalhos) no apoio às novas gera­ções de músicos. Incluem-se, aqui, os temas que Zeca escreveu para a peça 'Zé do Telhado', do Grupo de Teatro A Barraca, e duas canções escritas para a 'Guerra do Alecrim e Manjerona', da Comuna.
Depois de ter trabalhado com José Mário Branco e com Fausto, chegou a vez de José Afonso convidar Júlio Pereira. E em boa hora o fez, porque o homem do cavaquinho, da braguesa e de outras redescobertas, rodeou-se de excelentes músicos e melhores ideias para nos deixar este belo trabalho, que marca o regresso de José Afonso a algumas formas de expressão utilizadas nos seus primeiros álbuns, enriquecidas, no entanto, por toda a experiência adquirida, humana e artisticamente.
Aqui ficam alguns excertos de um texto de Júlio Pereira retirado da Revista do 4º Festival de Música Popular Portuguesa (Amadora 1991):
«Quando conheci o Zeca, em pessoa, tinha eu 24 anos. Todos deveriam ter a oportunidade de conviver com um génio. Que me perdoem alguns puristas se, com alguma perplexidade, confesso, admito o conceito de génio no meu vocabulário. Porque o que sempre me fascinou, certamente aquilo que será sempre o mais difícil de entender para um músico desatento, foi uma questão, porventura a tónica da sua maneira de ser, quero dizer, da maneira de ser de um génio – a humildade. Não façamos confusão. Só existe humildade porque não estamos sós. Daí que este conceito seja tão propenso a superficialidades.
A música não engana ninguém. Muito menos um músico. A música é o que não deixa um músico mentir. É por isso que um músico jamais poderá enganar outro músico. Quando eu conheci o Zeca, fiquei a saber que ele era um grande músico. Fascinou-me porque me perturbou, ou perturbou-me porque me fascinou?
O que é bom é bom; ou porque é bem feito, ou porque nos traz um acréscimo de sentido. E o que é bom, toca-nos. E o Zeca toca qualquer músico.»

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