Edição Original em LP Continental SLP 10112
(Brasil, Agosto de 1973)
Em Setembro de 1970, durante umas férias passadas em Ubatuba com um amigo, João Ricardo viu uma placa de armazém publicitando o estabelecimento onde costumavam comer e beber, “Secos e Molhados”. O nome desperta-lhe a atenção e decide atribuí-lo a um eventual grupo que viesse a formar, o que acaba por acontecer em 1971, quando conhece Fred e Pitoco. Começam por tocar em alguns bares do bairro do Bixiga em São Paulo, mas pouco tempo depois Pitoco decide iniciar uma carreira a solo. Entretanto, a cantora e compositora Luli sugere-lhe um novo vocalista que morava no Rio de Janeiro: Ney de Sousa Pereira, futuro Matogrosso, nascido a 1 de Agosto de 1941, em Bela Vista. Gerson Conrad, vizinho de João Ricardo, é também incorporado no grupo, bem como o baterista Marcelo Frias.
É esta formação (descoberta por Moracy do Val, director do jornal “Curtison” da Continental e um dos responsáveis pelo movimento da bossa-nova em São Paulo) que, depois de um ano de apresentações no Teatro do Meio, em São Paulo, começa a ensaiar para a gravação de um primeiro album. Treze canções compõem esta estreia dos Secos & Molhados, sendo as mais populares “Sangue Latino”, “O Vira” e “Rosa de Hiroshima”. A crítica política à ditadura militar encontra-se também presente em temas como “Primavera nos Dentes” ou “Assim Assado”. A capa do disco foi eleita há alguns anos pela Folha de São Paulo como a melhor de todos os tempos de discos brasileiros. «Ficamos lá a madrugada inteira, sentados em cima de tijolos», lembra João Ricardo, «fazia um frio horroroso debaixo da mesa. Em cima queimava, por causa das luzes», continua Ney Matogrosso....«comprei os mantimentos no supermercado, a toalha foi improvisada com plástico qualquer, a mesa era um compensado fino que nós mesmos serramos para entrarem as cabeças. No final da madrugada, o trabalho terminou. Tinhamos fome e estávamos duríssimos, fomos tomar café com leite. Não sei por quê, mas não me lembro de termos comido os alimentos da mesa» (Folha Ilustrada, SP, 30/03/2001).
O grande sucesso deste primeiro trabalho faz o grupo participar em diversos programas de televisão, destacando-se o “Fantástico” da Rede Globo. Em Fevereiro de 1974 batem todos os recordes de público no Maracanãzinho realizando um concerto inesquecível. Segue-se uma digressão internacional e em Agosto desse mesmo ano é lançado o segundo disco, que tinha em “Flores Astrais” o único tema de sucesso. Pouco depois, e devido a brigas internas, os Secos & Molhados chegam ao fim, seguindo cada um dos membros carreiras a solo. João Ricardo ficou com os direitos de autor do nome do grupo e lança, sempre com formações diferentes, mais três albuns até ao fim da década de oitenta (1978, 1980 e 1988). Em 2003 é editado o disco “Assim Assado: Tributo aos Secos & Molhados”, com versões dos temas deste primeiro album na voz de diversos artistas (Nando Reis, Arnaldo Antunes, Pitty, Tony Garrido, Ritchie, entre outros).
Está gravado na história da música pop: O segundo álbum é, na maioria das vezes, estilhaços do primeiro, ou seja, quando o trabalho debutante surpreende público e mercado, seja por inovações técnicas, um novo rítmo, vocais não-convencionais, ou um marco na mudança de comportamento pessoal ou político. O segundo álbum prossegue a proposta do primeiro, expondo material deixado de fora por muitas razões, além de acrescentar algo novo. Exemplos não faltam: The Beatles, The Rolling Stones, Jimi Hendrix, The Doors... Vale lembrar que o segundo álbum pode chamar a atenção para um primeiro que passou despercebido, ou quase: Nirvana, por exemplo. Agora estamos no Brasil dos anos 70. O Regime Militar está mais firme do que quando começou, enquanto a esquerda tenta vencer uma luta que já nasceu fadada ao fracasso. Em 1974 a Tropicália já tinha dado seu recado, mas a música pop continuava à base de água com açúcar, e o rock dividia-se entre a ousadia de Raul Seixas e as viagens mutantes, só para ficarmos nesses marcos. E, dentro de toda essa confusão política, artística, social e cultural, Os Secos & Molhados lançaram seu segundo álbum, a exemplo do primeiro, também sem título, o que já serve de base para reforçar a tese registrada no início desta resenha. Afora a semelhança das canções, das performances, do visual glam rock, este 2º álbum é mais avançado tecnicamente, desta vez gravado em oito (!) canais. O petardo disparado por Ney Matogrosso, Gerson Conrad e João Ricardo, em 1973, causou mais estragos do que se poderia imaginar à imagem do macho brasileiro, das instituições conservadoras hipócritas e de, até certo ponto, de uma mesmice cultural, ancorada na música jovem de então.
O Sub-explorado 2º álbum dos S&M tem o mesmo número de canções do primeiro: Treze; e só um hit: "Flores Astrais", tema que sustentou o fenômeno andrógino durante todo aquele ano, que ainda causava furor Brasil afora e no exterior. Um só hit! Reside aí o maior pecado em torno desse disco. Executada à exaustão, "Flores Astrais", embora bela, obscureceu as demais belas canções, como "Tercer Mundo", a soturna "Medo Mulato" (No meio da noite/no meio do medo/dos olhos insones/os fantasmas passeiam/no canto do galo/no uivo do cão/nas vozes do vento/no galope, no relincho/no meio da solidão), "Vôo", "Delírio" e, "O Doce e o Amargo". Ao contrário de seu primeiro álbum, não obstante o evidente avanço técnico deste segundo disco, notamos a ótima qualidade da banda que dá apoio ao trio, além da perfeita sincronia entre os poemas de João Ricardo, a voz contratenor de Ney e o violão de Conrad. Essa sincronia pode ser verificado em "Toada & Rock & Mambo & Tango & Etc." e "O Hierofante", principalmente no ótimo baixo de Willie. Os Secos & Molhados como conhecemos pararam neste segundo e último disco. Lutas internas determinaram o fim da banda e do sonho de vôos mais altos. Mas a semente plantada pelo trio feito de glamour, deboche, ousadia e criatividade floresceu sob outros nomes. Mas aí a história já é outra. (in Rate Your Music)
Edição Original em LP Continental SLP 10152
(Brasil, Agosto de 1974)
O Sub-explorado 2º álbum dos S&M tem o mesmo número de canções do primeiro: Treze; e só um hit: "Flores Astrais", tema que sustentou o fenômeno andrógino durante todo aquele ano, que ainda causava furor Brasil afora e no exterior. Um só hit! Reside aí o maior pecado em torno desse disco. Executada à exaustão, "Flores Astrais", embora bela, obscureceu as demais belas canções, como "Tercer Mundo", a soturna "Medo Mulato" (No meio da noite/no meio do medo/dos olhos insones/os fantasmas passeiam/no canto do galo/no uivo do cão/nas vozes do vento/no galope, no relincho/no meio da solidão), "Vôo", "Delírio" e, "O Doce e o Amargo". Ao contrário de seu primeiro álbum, não obstante o evidente avanço técnico deste segundo disco, notamos a ótima qualidade da banda que dá apoio ao trio, além da perfeita sincronia entre os poemas de João Ricardo, a voz contratenor de Ney e o violão de Conrad. Essa sincronia pode ser verificado em "Toada & Rock & Mambo & Tango & Etc." e "O Hierofante", principalmente no ótimo baixo de Willie. Os Secos & Molhados como conhecemos pararam neste segundo e último disco. Lutas internas determinaram o fim da banda e do sonho de vôos mais altos. Mas a semente plantada pelo trio feito de glamour, deboche, ousadia e criatividade floresceu sob outros nomes. Mas aí a história já é outra. (in Rate Your Music)