Nasceu quieto.Branco.
Calado.
Olhos sem luz.
Tudo presságios.
Maus.
Outros, seus pares, aprendiam a escrever, a contar, a ler.
Ele rimava besouros com garrafas.
Flores com campos.
Meninas com sorrisos.
Outros aprendiam equações matemáticas, geografia, biologia.
Ele metia besouros nas garrafas.
Flores nas orelhas.
Olhos nas meninas que sorriam.
Contava os besouros no fim da jornada
e histórias épicas sobre bebedeiras de besouros.
De largo sorriso, oferecia as garrafas rimadas com besouros
às flores preferidas do seu coração.
Nesta inocentez foi escondido pelos pais, nos dias festivos.
Não viu casamento ou baptismo de irmão.
Nesses dias, deambulava com fome.
Comia flores, engarrafava besouros.
Bebia água nas fontes públicas.
Um dia, já homem, foi trabalhar
nas obras.
Passou um besouro.
Foi atrás dele.
A prancha não era o campo.
A planura ficava lá muito em baixo.
Esqueceu-se das alturas.
Voou por ali abaixo perfeito besouro.
Acabou no fundo do andaime.
A cara esborrachada na garrafa.
E os besouros aflitos, a rodá-lo...
PM
Devemos ser suaves, suaves, suaves uns com os outros, porque somos muito frágeis...
Mostrar mensagens com a etiqueta Memórias. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Memórias. Mostrar todas as mensagens
domingo, 3 de abril de 2011
sexta-feira, 4 de março de 2011
O baloiço do avô
O avô, dono da figueira
de uma cama fez um banco
de uma cama fez um banco
de namorar o carinho dos netos.
Com a outra parte da cama
fez um baloiço de prender
a admiração deles
e ganhou o seu amor ao
baloiçá-los na figueira.
Pés no céu pés na terra!
Pés no céu pés na terra!
Tudo roda no baloiço!
Nas tardes de Verão
Nas tardes de Verão
o avô os netos
e os gatos de olhos de vidro
comiam figos sentados
na sombra do baloiço
fazendo alianças com
cordéis de carinho
Pés na terra pés no céu!
Tudo roda no baloiço!
PM
e os gatos de olhos de vidro
comiam figos sentados
na sombra do baloiço
fazendo alianças com
cordéis de carinho
Pés na terra pés no céu!
Tudo roda no baloiço!
PM
quinta-feira, 3 de março de 2011
Crónica de mundos desaparecidos.
Os Miguéis de Sousa.
Conheci-os aos três, desde menina.
O Miguéis "Fusa".
O Miguéis "Carbono".
E o Miguéis "Trigas".
Todos pequeninos, secos como bacalhaus, homens de pouco mais de um metro e sessenta, sapateiros, fumadores amarelecidos pelo tempo, bebedores de pernas abertas e equlibrio precário.
Viviam de quase nada. O quarteirão de aguardente de madrugada com broa de milho. E daí até escurecer o ritual de seis ou sete quarteirões, religiosamente.
Pela tarde o Miguéis "Fusa", que foi o que melhor conheci, estava com a vista enublada e os pensamentos entorpecidos, e dizia uns piropos corados, às raparigas solteiras que passavam...
Ele treinava equilibrismo todas as tardes, não só com ele próprio, mas com o seu chapéu na cruita da cabeça rala, e com o cigarro no canto esquerdo da boca, à ponta do lábio de baixo.
Quando não tinha o seu quarteirão de aguardente resmungava sozinho e fumava "quentuques" uns atrás dos outros.
Isaurinha não era mulher nem de medos nem de arreios, deixava-lhe o almoço feito e desaparecia todo o dia, na casa dos lavradores de Sousa. Dizia-se para ouvidos de bébé que ela se deitava com os lavradores, nos campos e nos montes, na Primavera. Fama que ganhou com o nascimento da sua primogénita, em solteira.
À noitinha aparecia a Isaurinha folgada e feliz, com os sacos de feijão, das batatas, das hortaliças, da "tora", nos braços cansados.
Lá vinha ela, fazer o jantar ao Miguéis, que a essa hora já nem as calças segurava.
Com a Isaurinha aprendia-se a encabar cebolas, a virar feijões e milho na eira, a descascar favas, a lavar as tripas do porco, para o fumeiro, a depenar galinhas, a fazer canjas, a talhar lombrigas, a fazer chás para abortar, que nada abortavam, a falar baixinho das coisas da "passarinha". Aprendiam-se coisas que hoje não servem para nada. Mas aprendiam-se!
Com ela também se aprendia a cheirar, e a ver ao longe, nos montes, as figuras de homem e mulher a caminho de enlaces clandestinos.
A Isaurinha apanhava fetos para chamuscar os porcos dos vizinhos, que tinham morte marcada para breve. Filosofava sobre a morte dos porcos. Que era rápida, trazia alegria à casa, e a não ser raramente, morria-se vivo e são.
Quando o Senhor Miguéis morreu ninguém pensou muito nisso. Assim, como assim, ele já estava um pouco morto, há muitos anos.
Algumas crianças tiveram pena, porque ele era os olhos presentes nas suas brincadeiras, todo o dia...
Mas quando morreu a Isaurinha, muitos anos mais tarde, as crianças que já eram jovens ou adultos tiveram um choque na esfera das possibilidades, é que a Isaurinha é imortal.
Conheci-os aos três, desde menina.
O Miguéis "Fusa".
O Miguéis "Carbono".
E o Miguéis "Trigas".
Todos pequeninos, secos como bacalhaus, homens de pouco mais de um metro e sessenta, sapateiros, fumadores amarelecidos pelo tempo, bebedores de pernas abertas e equlibrio precário.
Viviam de quase nada. O quarteirão de aguardente de madrugada com broa de milho. E daí até escurecer o ritual de seis ou sete quarteirões, religiosamente.
Pela tarde o Miguéis "Fusa", que foi o que melhor conheci, estava com a vista enublada e os pensamentos entorpecidos, e dizia uns piropos corados, às raparigas solteiras que passavam...
Ele treinava equilibrismo todas as tardes, não só com ele próprio, mas com o seu chapéu na cruita da cabeça rala, e com o cigarro no canto esquerdo da boca, à ponta do lábio de baixo.
Quando não tinha o seu quarteirão de aguardente resmungava sozinho e fumava "quentuques" uns atrás dos outros.
Isaurinha não era mulher nem de medos nem de arreios, deixava-lhe o almoço feito e desaparecia todo o dia, na casa dos lavradores de Sousa. Dizia-se para ouvidos de bébé que ela se deitava com os lavradores, nos campos e nos montes, na Primavera. Fama que ganhou com o nascimento da sua primogénita, em solteira.
À noitinha aparecia a Isaurinha folgada e feliz, com os sacos de feijão, das batatas, das hortaliças, da "tora", nos braços cansados.
Lá vinha ela, fazer o jantar ao Miguéis, que a essa hora já nem as calças segurava.
Com a Isaurinha aprendia-se a encabar cebolas, a virar feijões e milho na eira, a descascar favas, a lavar as tripas do porco, para o fumeiro, a depenar galinhas, a fazer canjas, a talhar lombrigas, a fazer chás para abortar, que nada abortavam, a falar baixinho das coisas da "passarinha". Aprendiam-se coisas que hoje não servem para nada. Mas aprendiam-se!
Com ela também se aprendia a cheirar, e a ver ao longe, nos montes, as figuras de homem e mulher a caminho de enlaces clandestinos.
A Isaurinha apanhava fetos para chamuscar os porcos dos vizinhos, que tinham morte marcada para breve. Filosofava sobre a morte dos porcos. Que era rápida, trazia alegria à casa, e a não ser raramente, morria-se vivo e são.
Quando o Senhor Miguéis morreu ninguém pensou muito nisso. Assim, como assim, ele já estava um pouco morto, há muitos anos.
Algumas crianças tiveram pena, porque ele era os olhos presentes nas suas brincadeiras, todo o dia...
Mas quando morreu a Isaurinha, muitos anos mais tarde, as crianças que já eram jovens ou adultos tiveram um choque na esfera das possibilidades, é que a Isaurinha é imortal.
Subscrever:
Comentários (Atom)