Cachimbo e Maracá. Na foto Mãe Graça de Xangô no VI Kipupa Malunguinho. Foto de Laila Santana.
Juremofobia em Pernambuco
“Orixá não caminha junto com fumaça”!
Hoje, 27 de outubro de 2011 recebi informações da última reunião da V Caminhada dos Terreiros de Pernambuco, ocorrida no Núcleo da Cultura Afro Brasileira da Prefeitura do Recife, localizado no Pátio de São Pedro. Informações essas que me deixaram muito preocupado com a mentalidade que ainda está pairando nas cabeças dos babalorixás e iyalorixás que constituem esse movimento do povo de terreiro, que virou entidade jurídica (Associação Caminhada dos Terreiros de Pernambuco).
Através do coordenador religioso do QCM - Quilombo Cultural Malunguinho, Sandro de Jucá, tivemos notícias sobre a sanção da Caminhada em cecear a manifestação do povo da Jurema no percurso. Isso não é novidade! A mais de 3 anos nós do QCM lutamos contra essa Juremofobia, cachimbofobia, ou ainda fumaçofobia do povo de terreiro.
Veja esse vídeo gravado em um dos seminários de preparação da caminhada em 2009, eu defendendo a participação da Jurema:
É óbvio que para uma religião se manifestar publicamente, ela tem que levar seus símbolos e elementos particulares para poder ser identificada. No caso da Jurema Sagrada, o que a identifica além das roupas coloridas, chapéu de palha e lenço vermelho no pescoço é o cachimbo, elemento essencial do culto, instrumento que integra o juremeiro e juremeira, pois é liturgicamente o símbolo mais forte, junto, claro, com sua fumaça sagrada.
Essa posição soa ridícula. Como é que uma caminhada política do povo de terreiro, e sabendo-se que a prática da Jurema é de terreiro e que todos os participantes dessa Caminhada cultuam Jurema, pode ser ceceada, impedia e inibida? Isso seria de fato juremofobia? Ou auto-rejeição religiosa?
Sabe-se que a prática da Jurema e os juremeiros, incluindo-se os índios e pajés vêm sendo perseguidos historicamente desde o século XVI, primeiro pelos jesuítas, depois pelo governo e polícia e hoje pelo próprio povo de terreiro? Não é possível que os catimbozeiros e catimbozeiras, hoje estejam submetidos ao nagocentrismo tão popular no Brasil todo. É possível? É sim! É só ver que a fumaça dos cachimbos não podem se misturar em um ato público e político na rua em uma caminhada com os santíssimos orixás... Já que a justificativa para tal proibição é que no percurso da caminhada se cantará só, e repito, só para os Orixás... Ficando a Jurema e a Umbanda para o final da Caminhada, como vem sendo esses 5 anos...
Pode-se ainda ver uma imagem discreta de cachimbo no cartaz da caminhada. Pra isso entrar ali foram necessário anos de discussões. Isso faz rir também. Como os sacerdotes e sacerdotisas não entendem o valor e a importância da Jurema para todos os terreiro?
Para nós, fim de caminhada é dispersão, momento de todos irem embora, descansar do longo caminho percorrido, não momento de “privilegiar” a Jurema! Todos cansados do percurso terão mais uma vez que assistir a um show de Jurema, em um palco “especial” montado no Largo do Carmo, ou no memorial Zumbi dos Palmares (o “Playnobil” de Abelardo da Hora, o Zumbi menos negro e representativo da história das artes plásticas no mundo) como preferirem chamar o local no centro do Recife.
Claro que essa discussão que proponho aqui não tira o valor e representatividade que essa e outras caminhadas do povo de terreiro têm politicamente para nossa religião. Mas, tenho que alertar que xenofobia de dentro pra dentro da caminhada é uma situação crítica do povo de terreiro de Pernambuco.
Não dá nem mais pra discutir nas reuniões. Escutam-se pelos bastidores até que vão tomar os cachimbos dos juremeiros e quebrar... Isso é um absurdo completo. Dá até nojo e vergonha como alguém que é de terreiro pode agir e pensar dessa forma. Isso demonstra que muitos ainda não estão preparados para serem supostas lideranças dessa caminhada.
Há rumores ainda de punição aos que não obedecerem aos “critérios construídos durante todo o ano, nas reuniões da Caminhada”. Alguém pode conceber isso? É sério? Nossa, estamos mesmo em uma ditadura do povo do nagô? Ou serão problemas pessoais entre esses dirigentes e a organização do povo da Jurema?
Colocam a justificativa da teologia de que a Jurema não se mistura com o Orixá, e “isso pode causar problemas, pois essas linhas não devem se cruzar”... Até entendo essa regra para dentro do local sagrado dos terreiros, não para a rua, em um momento “coletivo” de luta por direitos coletivos. Não cabe essa explicação juremofóbica e altamente esvaziada teologicamente.
E mais, subestimam ainda a fumaça... Colocam-nos como tabagistas fumantes... Sequer respeitam a dimensão sagrada dos juremeiros em fumar seu cachimbo sacralizado. Querem nos colocar como desordeiros e como àqueles que querem dividir a Caminhada... Nada disso! Queremos somar! Mas não admitiremos essa juremofobia, essa xenofobia descabida conosco!
A JUREMA MERECE RESPEITO!
E nos respeitem!
Nós, Povo da Jurema não abaixaremos a cabeça! Faremos nossa concentração na Rua da Guia, local simbólico para nosso culto, e levaremos sim os cachimbos, os maracás, as nossas roupas e símbolos para integrar o evento. Pois chega de repressão. Já basta o racismo histórico brasileiro, a intolerância religiosa nacional, a discriminação e a xenofobia dos “outros”. Vamos lutar por nosso espaço de direito e queremos ver quem vai ser contra nós. Pois conosco seguem Malunguinho e uma velha guarda de mulheres e homens que sabem e entendem o valor de ser juremeiro e juremeira. Não são pessoas colocadas na situação de massa de manobra nem de “idiotização”. São pessoas que entenderam através dos mais de 8 anos das discussões propostas pelo QCM – Quilombo Cultural Malunguinho em ter auto-estima e estudar a jurema que se apresentarão como tais nas ruas do Recife, para mostrar a cara que a Jurema tem!
Povo da Jurema em consentração separada na V Caminhada dos Terreiros de Pernambuco em 2011. Foto de Michelle Rodrigues.
Sobô Nirê Malunguinho!
Salve a Jurema Sagrada!
____________________________
Decidi publicar este texto só agora por motivos interpessoais entre o Quilombo Cultural Malunguinho e a coordenação da Caminhada dos Terreiros de Pernambuco. A foto que tem os juremeiros e juremeiras na Rua da Guia, em consentração separada, registra o momento de nosso protesto contra esse absurdo teológico e político. Esperamos que em 2012, esta situação se resolva e que a Jurema possa ter seu espaço como todas outras religiões de terreiro no percurso de toda caminhada. Estamos na luta e de olhos abertos para enxergar os processos de exclusão que a Jurema vem sofrendo historicamente. Lembro ainda que em postagens anteriores neste blog, publiquei a matéria de jornal que registrou nosso protesto e o divulgou no dia seguinte da caminhada. Neste mesmo dia (04/11/2011), fundamos a Rede Nacional do Povo da Jurema. Instância que em breve publicaremos mais informações e participantes.
Alexandre L’Omi L’Odò
Coordenação QCM
alexandrelomilodo@gmail.com