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sexta-feira, 27 de março de 2009

Teatro Extremo em Almada: 15 anos a criar novos públicos

Nascido em 1994, o Teatro Extremo assumia-se como uma companhia itinerante, vocacionada para a infância e juventude.
Tinha como grande objectivo cativar mais gente para o teatro. Hoje, passados 15 anos, o Extremo é uma referência no seu sector de actividade. E organiza um dos mais importantes
eventos culturais do país para o segmento infanto-juvenil: o festival Sementes, realizado, anualmente, em Maio. Em entrevista ao Almada Cultural, Rui Cerveira e Fernando Jorge Lopes (dois dos fundadores da companhia), reconhecem que muitos objectivos foram já alcançados: há mais público e uma indústria cultural mais pujante. Mas queixam-se da recorrente falta de apoios. E defendem que, para crescer e ampliar a actividade, precisam de novas instalações. Por isso mesmo, são um dos grupos que se candidataram à gestão do antigo Teatro Municipal de Almada.



O Teatro Extremo nasceu em 1994, com a intenção de ser uma companhia de teatro itinerante, vocacionada para o público jovem e para as crianças. O primeiro espectáculo chamava-se "Os Infernos da Barca", reunia textos de Gil Vicente, Shakespeare e Bertolt Brecht, numa "desconstrução" do Auto da Barca do Inferno. Era já um trabalho "portátil" e destinado ao público das escolas secundárias. Tal como o segundo, "O Capuchinho Branco Sujo", que actualizava a famosa e tradicional história infantil. (Audio de uma entrevista de Rui Cerveira sobre esses dois espectáculos, referindo a origem do Teatro Extremo e o panorama teatral almadense na primeira metade da década de 90, disponível aqui) O Teatro Extremo começou a ensaiar em Lisboa; mudou-se depois para um barracão de Cacilhas, onde, na época, ensaiavam vários grupos de teatro (o já demolido Espaço Lemauto, concessionado então à companhia Olho). Em 1995, o Extremo faz a sua primeira produção "fixa", num novo espaço, também em Cacilhas (instalações da Nimbus Portugal, na antiga Parry & Son). Era "Os Gnomos de Gnu", a partir do texto homónimo de Umberto Eco.Entretanto, fica sem espaço próprio, quando a Lemauto e o espaço da Nimbus são demolidos (em 1996) e começa a procurar casa própria - que consegue, alguns anos mais tarde, nas instalações que ainda hoje ocupa, em Almada Velha.Sem perder de vista o objectivo de formar novos públicos, começa a organizar, logo em 1996, o festival Sementes.
Primeiro como festival de teatro e, mais tarde, como uma mostra de artes, mais abrangente, mas sempre vocacionada para o "pequeno público".Em 2008, remodelam a sua sala de espectáculos. Mas consideram-se limitados no espaço que têm. E, para crescer e expandir a sua actividade, candidataram-se à gestão do antigo Teatro Municipal de Almada (processo que está a decorrer, com uma negociação entre a Câmara Municipal de Almada e diversos grupos do concelho).
Excertos da entrevista com Rui Cerveira e Fernando Jorge Lopes (disponivel na integra em http://vitorinices2.blogspot.com/):


Um dos vossos objectivos, anunciados desde o princípio, era cativar novos públicos. Ao fim de 15 anos, pensam que conseguiram concretizá-lo?
Fernando Jorge Lopes - Penso que sim.
Rui Cerveira - Nós notamos até que quando fazemos espectáculos para um público mais adulto, temos menos gente do que quando apresentamos produções para o público infanto-juvenil. E aí nós percebemos que esse público actualmente parece que tem maior apetência para vir ao teatro do que o público adulto. Isso tem a ver com o trabalho que se fez, e não só nós, as outras companhias, que trabalharam para esse público e que trouxeram as pessoas.

Como?
F.J.L. - Por exemplo, os pais vão com as crianças ao teatro. Sem as crianças não iam. Claro que uma das nossas grandes preocupações é trazer o público jovem. Aliás no nosso festival, a filosofia que está patente é que depois de um ano inteiro em que o público de Almada vem ver espectáculos, vai haver ali um concentrado, uma série de outras realidades artísticas, de propostas estéticas, de forma a que isso complemente a formação do público.

Quais são os apoios que o Teatro Extremo recebe da administração central?
R.C. - Temos de continuar a apresentar as candidaturas sempre. Não somos convencionados. Nos últimos 4 anos temos sido apoiados bianualmente.

Esse subsídio bianual é para a actividade toda do Teatro Extremo? Inclui o Sementes?
R.C. - Inclui o Sementes.

Não há um subsídio próprio para o Sementes?
R.C. - Do poder central não.

O subsídio que recebem da CMA é suficiente? Precisam de mais apoios?
R.C. - É óbvio que não é suficiente.
F.J.L. - A gente reconhece o esforço. Vá lá, já não será residual, como o do Ministério, mas é pouco para o trabalho que temos.
R.C. - Não chega a ser o dobro do que o Ministério nos dá.

Quantos são os elementos a tempo inteiro do TE?
R.C. - Os que recebem ordenado, todos os meses? Somos 10.

Portanto, vocês têm 10 pessoas a quem têm de pagar ordenado ao fim do mês?
R.C. - Exacto. Segurança Social, essas coisas todas. E está tudo dentro da legalidade, e pagam todos os seus impostos.
F.J.L. - Também duvidamos que isso seja a generalidade das coisas que acontecem no nosso país...
R.C. - A recibo verde só temos mesmo as pessoas que vêm por períodos de tempo. Ou vêm fazer um espectáculo, ou fazer formação, ou contratados por um mês para nos ajudarem no Sementes.

Candidataram-se à utilização do Teatro Municipal antigo por considerarem que o vosso espaço já não chega, ou têm outros objectivos?
R.C. - As coisas estão relacionadas. Por exemplo, na nossa sala, para fazermos um desenho de luz temos que usar mais projectores do que numa outra sala que tivesse umas medidas mais adequadas. E depois, um festival com o âmbito e com a dimensão do Sementes não se consegue fazer apenas com a nossa sala. Claro que nós podemos utilizar outros equipamentos do município, felizmente. Mas mesmo assim são poucos. Porque tens de fazer montagens, e num festival tudo isto a tempo. Se estás a fazer uma montagem não podes estar a apresentar o espectáculo. Tinhas necessidade de mais salas ainda no concelho.

Falaste em outros espaços do município. Isso inclui o Teatro Azul (novo teatro municipal de Almada)? Já lá foram?
R.C. - Já apresentámos lá um espectáculo. Mas torna-se pouco viável apresentar lá espectáculos do Sementes, porque eles nos pedem por dia 90 contos.

Eles quem?
R.C. - Quem faz a gestão do espaço, que é a Companhia de Teatro de Almada. E nós não temos esse dinheiro para estarmos a alugar uma sala. Eles têm também um apoio do município à programação. E portanto esperavamos que eles nos ajudassem, porque nós, ao apresentar lá espectáculos, estamos também a contribuir para a programação daquele espaço.

Isso não devia ser articulado com a Câmara?
R.C. - Deveria. Mas o que a Câmara nos diz é que o espaço é gerido pela Companhia de Teatro de Almada e que portanto ela é que sabe como é que consegue gerir aquele espaço sem ter prejuízo.

É então um espaço municipal, mas gerido pela Companhia de Teatro de Almada. Em que difere a vossa proposta para o Teatro Municipal da gestão actual de um espaço como o Teatro Azul?
F.J.L. - Em vez de nos estarem a pagar, ali tem de funcionar ao contrário. Tem de ser o teatro a arranjar maneira de ter o que os outros grupos não têm. Se estamos a queixar-nos de uma coisa, não é para repetir a mesma história, como é óbvio.


quarta-feira, 5 de novembro de 2008

TEATRO DO OPRIMIDO?!!



TEATRO DO OPRIMIDO?!

O termo Teatro do Oprimido é um termo que suscita algumas dúvidas e até algumas contestações. Contestação porque há quem diga que se trata de teatro para o oprimido, não vendo que não se trata disso, mas sim de teatro feito pelo, para e do próprio oprimido. Esse termo não significa nenhuma adjectivação da escolástica, nem é tampouco uma improvisação nominal. O nome surgiu com a necessidade de enformar um conjunto de técnicas e de visões novas que pretendiam revolucionar o teatro em si. O teatro em todo a sua dinâmica, seus objectivos, seus propósitos e sua arte. Associado ao nome de Teatro do Oprimido está invariavelmente o de Augusto Boal. Porquê?

Rebobinando no tempo…Quem é Augusto Boal?

Augusto Boal nasce no Rio de Janeiro em 1931, filho do padeiro português José Augusto Boal e da dona de casa Albertina Pinto. Forma-se doutor em engenharia química na antiga Universidade do Brasil, actividade que nunca veio a exercer. Vai para Nova Iorque, estudar dramaturgia na Universidade de Columbia, onde frequenta o Actor’s Studio com John Gassner. De volta ao Brasil em 56 onde fica até 1970, Boal integra o Teatro de Arena de São Paulo. O Arena foi criado em 53 como uma alternativa à cena teatral da época, o seu objectivo era produzir espectáculos de baixo custo, de dramaturgia brasileira. No ano de 58, surge a peça era Eles Não Usam Black-Tie do jovem autor, Gianfrancesco Guarnieri. Black-Tie, esteve mais de um ano em cartaz, e abriu caminho para o surgimento de um movimento chamado Seminários de Dramaturgia. Procurando um teatro relacionado com a realidade brasileira, surgem desses seminários uma nova dramaturgia brasileira: Gianfrancesco Guarnieri, Oduvaldo Vianna Filho, o Vianninha; Plínio Marques, Roberto Freire, Edy Lima, Chico Pereira da Silva, Benedito Ruy Barbosa, Flávio Migliaccio, entre outros.

Em 1960 Boal apresenta Fogo Frio, de Benedito Ruy Barbosa, uma produção conjunta entre o Arena e o Teatro Oficina, através da qual orienta um curso de interpretação. Dirige também, para o Oficina A Engrenagem, adaptação dele e de José Celso Martinez Corrêa do texto de Jean-Paul Sartre. Em 62 o Arena atravessa uma nova fase: a nacionalização dos clássicos. José Renato deixa a companhia e Boal assume a liderança. Acabam as encenações de textos produzidos no Seminário de Dramaturgia. Em conjunto com o Teatro Arena encena Um Bonde Chamado Desejo, de Tennessee Williams; O Melhor Juiz, o Rei, de Lope de Vega, entre outros.

A fase seguinte foi a dos musicais: assim foram feitos espectáculos como Arena conta Zumbi, Arena conta Tiradentes, Arena conta Bahia etc. Experimentando o sistema curinga, em que cada actor representa vários personagens ou vários actores representam o mesmo personagem.

Entretanto a partir de 1964, a ditadura militar brasileira inicia a perseguição a indivíduos com atitudes “subversivas”. É em 70 que o Teatro Arena faz as suas primeiras incursões ao Teatro Jornal (génese do teatro do oprimido).

Exílio

Em 71, com a ditadura militar Boal foi preso e torturado. Foi exilado. Vai para a Argentina, terra da sua companheira Cecília Boal, onde permanece durante cinco anos. É lá que desenvolve o Teatro Invisível. É no Peru que nasce o Teatro Fórum e a sistematização do Teatro Imagem: o Fórum nasceu porque Boal não entendia o que uma espectadora dizia e pediu-lhe para subir ao palco e mostrar o que pensava; e o Teatro Imagem porque no Peru, com as suas 47 línguas, tornava difícil o entendimento, então… façam imagem – a real e a do desejo. Fazer é a melhor maneira de dizer! Já dizia José Marti.

Viaja para Portugal, onde permanece durante dois anos. Realiza, com o grupo A Barraca, a montagem A Barraca Conta Tiradentes, em 1977. É aí que escreve Mulheres de Atenas, uma adaptação de Lisístrata, de Aristófanes, com músicas de Chico Buarque.

Em 79 muda-se para Paris, onde cria o Centre du Théatre de l’Opprimé. Enquanto está na Europa, trabalha em diversos países onde desenvolve técnicas introspectivas do Teatro do Oprimido: Arco-íris do Desejo. Convidado pelo então Secretário de Educação do Estado do Rio de Janeiro, Darcy Ribeiro, Boal volta ao Brasil em 1986 para dirigir a FÁBRICA DE TEATRO POPULAR. O objectivo era democratizar a linguagem teatral, de forma a motivar o diálogo e a transformação da realidade social.
Ainda em 1986, em conjunto com artistas populares, cria o Centro de Teatro do Oprimido – CTO-Rio, para difundir o Teatro do Oprimido no Brasil.

Boal no papel de vereador usou a técnica do teatro fórum para legislar: teatro legislativo, ou seja, a partir da intervenção dos espectadores, criar projectos de lei. Quando o espectador intervém transforma-se em actor (espect-actor), e simultaneamente o eleitor transforma-se em legislador.

Vimos, através desta pequena incursão pela vida de Boal como surgiu o TO e como começou a ser utilizado, e por ordem cronológica vemos como surgiram os seus vários ramos. Ao contrário do que pode parecer, não foi Boal que “inventou” o TO, como ele próprio diz, o Teatro do Oprimido já vem desde os tempos mais remotos.

Panorâmica Nacional

Boal quando regressa no final da década de 50 ao Brasil, vê que o teatro que está sendo representado é uma espécie de cópia do teatro europeu, textos antigos e balofos que não representam de todo a realidade brasileira. Existe toda uma estrutura teatral com a qual Boal se inquieta e interroga. Qual é o “ritual teatral” em voga? Então… existem os teatros, depois cada teatro tem a sua equipa de actores, que são um género de seres divinais, há uma peça cujo texto não é nacional, normalmente é europeu e de conteúdos exógenos à realidade envolvente, há um público, esse público compra um ingresso. Esse ingresso não tem preço popular. Esse público vê a peça, emociona-se, aplaude, o ego dos artistas aumenta, esse público vai depois para casa. Algumas das inquietações de Boal são onde se pode fazer teatro? Quem pode fazer teatro? Qual o verdadeiro papel do público?

É aqui que começam a ser dadas algumas respostas de maneira a combater o cenário elitista teatral de então. Ora bem, como é que num país de 180 milhões de pessoas, com uma taxa de alfabetização que em 2000 é de 86.4 (em 1970 era de 67.1) se consegue fazer chegar a um número amplo de pessoas a arte teatral? Democratizando-a. Levando as técnicas e os meios de produção (as próprias técnicas) até às populações, aos bairros, às favelas, às fábricas, às ruas, às escolas… Enfim, usando a arte como arma de emancipação popular.

É aqui que a teoria/prática boaliana se cruza com a Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire – pedagogo, também ele brasileiro. Este género de intervenção teatral é assente na pedagogia e princípios políticos do método educacional popular desenvolvida pelo educador brasileiro Paulo Freire, cujos pontos basilares são: averiguar a situação vivida pelos participantes; analisar as origens da causa da situação, incluindo fontes internas e externas da opressão; explorar soluções em grupo para esses problemas; agir para mudar a situação decorrente dos preceitos da justiça social.

As explorações de Boal são esforços para transformar o “monólogo” da tradicional performance num “diálogo” entre a audiência e o palco considerando para isso o diálogo como a mais comum e saudável dinâmica entre as pessoas. E que os participantes são todos capazes de dialogar e conversar – por oposição ao monólogo, que representa a opressão. É aqui que se estabelece a ligação fulcral entre o TO e a PO. Segundo o método freiriano é necessário que se transforme o monólogo (opressão) – que ele chamava de “educação para a domesticação” – em diálogo – que ele chamava de “educação para a libertação”. Aqui tanto o aluno como o professor são ambos cúmplices do processo de aprendizagem, inspirados na sua acção “dialógica”/dialéctica da educação.

Voltando ao Teatro Fórum…

Os objectivos primordiais das peças de teatro fórum são fazer com que a dramaturgia, enlace, conflito e desenlaces estejam a encargo dos actores e dos próprios espectadores. Bem como de multiplicação de formadores do Teatro do Oprimido. A peça de teatro fórum não termina no fim do "espectáculo", ela continua depois com a participação dos espectadores, que entram em cena para dar o seu contributo para a alteração do problema apresentado. O espectador para além de transformar a solução apresentada, é ele próprio transformado em espect-actor. Deixa de ser mero objecto para ser ele sujeito da história.

O Teatro Fórum providencia uma aproximação inovadora do público e é o centro do Teatro do Oprimido. É a forma mais usada pelos educadores. O TF tem sido utilizado por educadores e organizadores para democratizar as suas próprias organizações, analisando os problemas e preparando-se para a acção. No TF, os participantes determinam qual é o seu tema de prioridades – normalmente problemas do quotidiano – e desenvolve pequenos temas. O desenrolar da peça serve como veículo para analisar o poder, estimulando o debate público e procurando soluções. Os participantes exploram a complexidade da relação individual/grupal e uma variedade de níveis de troca, que são:

- a dinâmica do poder dentre e entre grupos;

- a experiência e o medo de impotência do individuo;

- rígidos conceitos de percepção que criam falta de comunicação/conflitos, bem como maneiras de os transformar.

O objectivo do teatro fórum não é encontrar a solução ideal, mas inventar novas maneiras de confrontar problemas. Depois de cada intervenção, os membros da audiência são solicitados para intervir (através do mediador - curinga), parando a acção, substituindo os actores em palco, e ensaiar as suas ideias. A experiência foi apelidada de “ensaio para a vida”. Fazendo a separação entre o actor (aquele que actua) e o espectador (aquele que observa mas não lhe é permitido intervir na situação teatral), o TF é praticado por “espectadores-actores” que têm a oportunidade de actuar e observar, e por quem orienta processos de diálogo que auxiliam em posteriores processos de análise. O acto teatral é assim experimentado como uma intervenção consciente, como um ensaio para a acção social assente numa análise colectiva e partilhada dos problemas. Este particular género de intervenção teatral é assente na já referida pedagogia do oprimido:

- averiguar a situação vivida pelos participantes;

- analisar as origens da causa da situação, incluindo fontes internas e externas da opressão;

- explorar soluções em grupo para esses problemas;

- agir para mudar a situação decorrente dos preceitos de justiça social.

O bom fórum é aquele que apresenta a opressão, que pode ser combatida, e não a agressão (último estágio de opressão) que é inevitável. Quando o modelo mostra apenas a agressão provoca a resignação, o sentimento de fatalidade, o que desmobiliza os “espectadores”.

Em jeito de conclusão, como Boal costuma dizer: todos podem (e devem) fazer teatro, até os actores. O Teatro pode-se fazer na rua, na escola, no bairro, até no Teatro. Interessa é usar a ferramenta!

Palavras-chave:

Curinga | Espect-actor | Pedagogia do Oprimido | Poética do Oprimido | Teatro Fórum | Teatro do Oprimido

Bibliografia Utilizada:

- Boal, Augusto, Hamlet e o filho do Padeiro; ed. Record, (1999?)
www.ibge.gov.br

Bibliografia aconselhada:

- Boal, Augusto, Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira. 1975;
- Boal, Augusto, Stop: ces’t magique. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980;
- Boal, Augusto, Jogos para atores e não-atores. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998;
- Boal, Augusto, 200 Exercícios e Jogos para o Actor e o não Actor com vontade de dizer algo através do Teatro.

terça-feira, 15 de julho de 2008

A 3ª Festa de Teatro de Almada - Julho de 1986


Numa altura em que o Festival de Teatro de Almada está a comemorar 25 edições, o Almada Cultural junta-se à celebração e aproveita a deixa para publicar imagens da 3ª Festa de Teatro de Almada, que aconteceu em 1986. É uma selecção de fotografias publicadas no "Jornal da Festa" desse ano.









A Festa de Teatro de Almada foi o evento que antecedeu (e originou) o Festival (de teatro) de Almada. A Festa, organizada pela Companhia de Teatro de Almada (nesse tempo ainda conhecida também como Grupo de Campolide) decorria nas ruas de Almada Velha e no "Sítio do Palco Amarelo", no Largo da Boca do Vento.A partir de 1988, a Festa de Teatro de Almada passou a realizar-se no Palácio da Cerca (equipamento autárquico, conhecido actualmente como Casa da Cerca).








Já nos anos 80, a Festa de Teatro era um dos eventos que mais mexia com a comunidade almadense. E, mesmo nos primórdios, apresentava já uma programação de grande qualidade. Hoje, é unanimemente reconhecido como um dos melhores festivais de teatro europeus.


Encontram mais informação no site da Companhia de Teatro de Almada:
http://www.ctalmada.pt/



E no blogue de António Vitorino, memórias das festas e festivais de teatro de Almada, nos anos 80 e 90:http://vitorinices.blogspot.com/2008/07/homenagem-ao-festival-de-almada.html

E aqui mesmo, no Almada Cultural (por extenso), uma entrevista com Joaquim Benite, em 1996 - ano em que o evento passou a designar-se simplesmente Festival de Almada:
http://almada-cultural.blogspot.com/2007/07/para-recordar.html

sábado, 3 de maio de 2008

Festival Sementes 2008 - dia 1

"Seres da Floresta" - os Trupilariante, no Mercado de Almada





quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

“Chico do Norte”, teatro de Alexandre Castanheira


(Um excerto do epílogo de “Chico do Norte”, texto para Teatro, de Alexandre Castanheira: Chico Carrapeto, “dito Chico Beirão, depois Chico do Norte”, encontra-se com o filho, Toino, em Paris - para onde este tinha emigrado – e tenta convencê-lo a regressar a Portugal. A acção decorre pouco depois do 25 de Abril de 1974.)

Toino: E terei trabalho lá em baixo, pai?

Chico: Pois claro que tens, Toino. A Cooperativa é de todos. Vais trabalhar como os outros.

Toino: Ainda me parece um sonho!

Chico: Mas não é Toino. Portugal é outro!

Toino: Oh pai, não diga isso! Qual Portugal!? O Alentejo! O Alentejo é que é outro. Veja lá o que fazem no Norte! Atentados, bombas, fogos em sedes, fogos nas matas, eu sei lá…!

Chico: Não, Toino! O povo é o mesmo no Norte e no Sul. A exploração e os exploradores são os mesmos. Os explorados também. O povo do Norte é tão bom como o povo do Sul mas há coisas que lhe escondem.

Toino: Ele é que não quer ver!

Chico: Não é verdade, Toino. Estás a falar mal de ti mesmo e de mim. Eu sou do Norte e tenho honra nisso. Mas enquanto fui Chico Beirão, em Amarante, era um trabalhador que sabia que era explorado, que sabia bem que era o Freitas e os seus amigos que nos exploravam, mas não sabia como podia lutar contra ele. Ele tinha tanta força! Tinha tudo nas mãos: os salários, o Grémio, a polícia e a terra que era o nosso ganha-pão!

Toino: E a Câmara!

Chico: Tudo, Toino, tudo! É difícil um homem mexer-se contra um tal poder. E depois eu sabia o que pensava, mas já não sabia o que pensava o Elias, mesmo ao nosso lado, nem o Esteves, logo a seguir, nem o Machado, o Abílio, todos os que estavam na mesma que eu… Não nos misturávamos, não discutíamos, a não ser quando havia algum temporal que a todos prejudicava. Então sim, estávamos todos unidos contra o tempo, quem pagava as favas era o tempo. Mas contra o Freitas, isso já ninguém ousava unir-se, senão acontecia como aos operários da têxtil e das minas. Ia tudo pró chelindró da PIDE!

Toino: Mas isso também se passava no Sul, pai!

Chico: Enganas-te, Toino. Quando fui parar com a tua mãe ao Alentejo aprendi coisas que me abriram os olhos. Lá o patrão não era o Freitas, era o Durão. Mas eram iguais um ao outro. Só pensavam em explorar, em viver à custa dos trabalhadores. Mas havia no entanto diferenças também, e importantes.

Toino: Quais?

Chico: Olha, o Freitas, a gente tinha-o sempre debaixo de vista. Passeava na terra, viamo-lo na Câmara, vinha discutir à nossa casa o pagamento das rendas, recebia-nos no Grémio, eu sei lá… Qualquer passo que déssemos, lá o tínhamos na frente, mandão, autoritário, ameaçador. Era o cacique da terra, o dono de tudo, das terras e dos homens, do gado e das pastagens, das sementes e dos adubos, dos celeiros e dos armazéns. Pela força do dinheiro comprava tudo. Até homens, filho, até homens!

Toino: E esse tal Durão?

Chico: Era diferente. Só ía à casa que tinha na propriedade do Rosal no tempo da caça. O resto do tempo morava em Lisboa. Casara com a filha dum banqueiro da capital e não gostava nada do Alentejo. Queria era festas e ópera e viagens ao estrangeiro. Por isso o Durão era o patrão, o dono de tudo também, mas quem nós víamos na nossa frente era o capataz, um tal Gregório. Um malandro, claro está. Mas com ele era só a questão das jornas que nós discutíamos.

Toino: E as sementes?

Chico: Mas não, filho. Nós no Alentejo não tínhamos terra. Quando passei a ser o Chico do Norte só tinha os braços, nada mais. E todos os outros trabalhadores eram como eu – só os braços, Toino. Não havia rivalidade entre nós. Estávamos todos iguais deante do lacaio do patrão. Por isso estávamos todos unidos também. O Durão era maior agrário ainda que o Freitas, mas não era o cacique. Olha Toino, na cabeça dos trabalhadores tinha mais peso o que dizia o “Avante!” que o que dizia o Durão. Já vês que é muito diferente! Por isso a luta é mais difícil no Norte, é mais difícil de fazer conhecer a verdade da Ravolução aos pequenos agricultores do Norte. Até o padre às vezes não ajuda!

Toino: Quem? O padre Soares?

Chico: Esse não ajuda mesmo nada a esclarecer! Se queres saber, antes de te vir buscar a Paris, resolvi ir à terra, tanto mais que a Zefa, de Santo Tirso, estava muito mal e tinha-me escrito a dizer que me queria ver.
Toino: está melhor?

Chico: Está sim, melhorou muito. Ainda não é desta que irá pró céu.

Toino: Ainda bem, que eu gosto muito dela e ainda a quero ver. Quando eu me puser a falar francês deante dela, o que ela vai rir!

Chico: Mas como te ia dizendo. Fui à terra. Falei com o Elias e o Estevas. Não sabiam de nada!... Pensavam que nós no Alentejo tínhamos roubado a terra, a casa, as máquinas, o gado, tudo, ao agrário e a todos os que tinham um pedacinho de seu! Diziam que tínhamos dividido tudo entre nós e que andávamos agora a vender tudo para continuarmos à boa vida, sem trabalhar. Que só queríamos era comer e dormir com as filhas de um e de outro no maior dos deboches. Que estávamos a dar cabo e tudo o que o patrão e os pequenos agricultores tinham conseguido arranjar ao fim de uma vida de trabalho!

Toino: Não é possível, pai, eles não lhe disseram isso…!
Chico: Disseram, pois! E sabes quem lhes tinha metido isso na cabeça? O padre Soares! O malandro do Freitas, depois do 25 de Abril, aparece menos. Fio posto fora da Câmara por uns democratas do MDP/CDE, no Grémio perdeu força ou tem medo de empregar a força antiga, o que sei é que aparece menos. Deve ter medo que a Revolução vá também prá frente no Norte e lhe venha pedir contas e, por isso, prefere que não dêem por ele.

Toino: Então as coisas melhoraram!

Chico: Melhoraram qual carapuça! O malvado o que fez? Comprou o padre Soares! Este é que vai lá a casa dele constantemente e depois vai de rua em rua, de casa em casa contando o que segundo ele estão fazendo no Sul os comunistas – que é como ele chama aos alentejanos. E depois, ao domingo, na missa, não queiras saber: “Livrai-nos Senhor das forças do mal que roubam as terras a quem as trabalha, roubam o pão aos nossos trabalhadores, fazem trabalhar os velhos ou, se já não servem para trabalhar, dão-lhes uma injecção por trás da orelha e matam-nos logo para não serem obrigados a dar-lhes de comer”!

Toino: E ninguém dá cabo desse mentiroso?

Chico: Isso era o que a reacção queria, filho. Se um dia alguém der uma sova ao Soares, então será o Freitas que reaparecerá a gritar: “Já cá chegaram os comunistas! Começou a violência comunista! Unamo-nos contra os comunistas!”

Toino: Malandro!

Chico: Queres tu ver do que eles são capazes? Quando foi a entrega do tractor dos emigrantes à Cooperativa de Lousada, dois dias antes os dirigentes da cooperativa receberam cartas dizendo que se aceitassem o tractor seriam mortos, pois o tractor tinha dos comunistas e, portanto era obra do diabo e precisava, por isso de ser destruída! Na véspera a terra apareceu cheia de papéis avisando o povo de que não deviam deixar lá entrar aquele engenho do demónio, que o deviam destruir à entrada! O povo não o fez e recebeu em festa o tractor, mas à noite nesse dia ninguém se atrevia a andar na rua com medo de alguma vingança! Já vês o ambiente que a reacção faz reinar no Norte!

Toino: De facto, assim deve ser difícil de mostrar àquela gente o que na verdade se passa desde o 25 de Abril…

Chico: Pois é. Precisamos todos de os ajudar a compreender. Ir lá explicar-lhes ou escrever à família a contar como é a verdade. Eu, quando lá fui, foi o que fiz. Falei com o Elias e o Esteves. Eles saíram-se com aquelas mentiras todas. E eu disse-lhes: vocês querem conhecer a verdade? Têm confiança em mim? Temos sim Chico e queremos ouvir-te. Então organizem uma assembleia de pequenos proprietários na Casa do Povo, que eu vou lá explicar.

Toino: E eles?

Chico: Eles? “Na Casa do Povo?”, perguntou o Esteves. Pois, respondi eu, não é a casa de todos agora? “De todos?” Foi a vez do Elias falar: “Ela continua a ser do Freitas e nem está aberta. Há mais de um ano que está fechada!”. Eu então expliquei-lhes o que nós tínhamos feito à nossa, como a puséramos ao serviço de todos e disse-lhe: “Então se não pode ser lá, que seja na casa de um de vocês”. E assim foi. No dia seguinte, quando cheguei de casa da Tia Zefa, fui à casa do Abílio e fiz a reunião de explicação. Não estavam lá muitos, pois alguns tiveram medo, como se ainda estivéssemos em fascismo. Contei-lhes tudo o que fizemos com a terra da reforma agrária. Nunca tinha visto olhos tão esbugalhados!...

Toino: E eles convenceram-se?

Chico: Sabes filho? Como sou do Norte penso que acreditaram. Mas não esqueças que logo no dia seguinte já o Soares e o Freitas devem ter recomeçado a sua obra de destruição reaccionária…

Alexandre Castanheira
"Chico do Norte", Teatro, Setúbal, 1977