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sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Infância adiada



as crianças sentam-se no banco
onde não tem jardim
a brincar com o verde
onde não corre a esperança
na manhã que desperta
onde não brilha o sol
num lugar de encruzilhadas
onde não existem caminhos
num sonho de asas inchadas

onde já não há crianças


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sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Angústia para o jantar



O rumor do vento a atravessar os véus do crepúsculo
faz-me lembrar por momentos teu assobio antigo
quando me chamavas, ao longe, para ir jantar
e eu tinha de abandonar a brincadeira e correr para casa
por temer que te zangasses com a minha demora.
Abro os olhos, atento ao movimento subtil das sombras,
na ilusória esperança de descortinar tua silhueta,
teu braço erguido a acenar à entrada do pátio
como quem chega de um lugar distante e esquecido.
Mas essa entrada já não existe, e tu também não.

Há muito que deixei de ser o menino que brincava na rua
e que em ti encontrava a segurança de um agitado esvoaçar.
Inquieta-me agora a ideia de não saber por onde andas,
em que esconsos caminhos te perdeste, dentro da noite,
e também eu me sinto perdido, sufocado pela tua ausência,
que recordação alguma poderá preencher. São horas de jantar
e não tenho apetite nem vontade de voltar a casa.
Se soubesse assobiar como tu o fazias, chamar-te-ia
para que viesses correndo e não te atrasasses,
mas não consigo mais do que um sopro rouco e apagado
que de certeza nunca serás capaz de escutar,
ou talvez escutes e nem sequer possas responder;
não possas largar tudo aquilo que tens para fazer
para regressar esta noite, e sentares-te comigo à mesa.

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domingo, 8 de maio de 2011

A voz da infância


Há uma voz que me chama
do sótão obscuro da noite
onde escondi a memória
que se despenhou numa curva do tempo.
Como um grito de aves moribundas
sacudindo o luto dos ossos
rumina as sílabas frias do meu nome
num eco ferrugento
que roça o estuque baço das paredes.

Quando lhe pergunto o que me quer
e porque razão me vem atormentar
com a recordação de dias esquecidos,
a voz detém-se,
refugiada num gemido de sombras gastas
e não me responde.
Lesta, desce as paredes enrugadas,
serpenteando no soalho flutuante
até se perder no esconso dos caminhos
ao fundo de antigos corredores
numa lonjura de portas mal fechadas.

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quarta-feira, 23 de março de 2011

Velha infância


Minha mãe invoca constantemente
imagens de uma velha infância,
como se se tratasse de uma vida anterior,
sepultada nas distantes orlas do tempo.
A sua própria infância.
Um palco secreto
povoado de rostos e lugares míticos
onde se abriga da monotonia do presente,
como se o tempo tivesse parado
quando dobrou a curva da adolescência,
e nenhuma outra vida a habitasse.

Enquanto divaga,
com o olhar perdido para lá da cerca,
remoendo relíquias de um tempo distante,
antes dos céus terem envelhecido
e o sol, em queda livre,
se precipitado nos abismos do poente;
vai fiando as memórias dispersas
de uma alvorada espoliada.

Movendo-se dentro da redoma frágil
desse mundo acabado,
– a menina que um dia foi,
espreita pelos postigos secretos de outrora
nos extintos jardins de uma inocência esbatida,
teimando em trazer o sol de maio
para o outono decrépito
que lhe queima as últimas folhas.

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quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Rosto fechado


Guardo no silêncio obscuro das gavetas
os retratos da criança que um dia fui
retendo a imortalidade fugaz do meu rosto
como indelével prova para futura memória
de um canto breve no rumor errante do fogo.

Para que saibam que houve um tempo
em que me guiava o fulgor insólito das manhãs
e a luz das secretas primaveras por corromper;
mantenho as gavetas fechadas a sete chaves
para que o tempo não possa nelas entrar
e, de novo, faça dançar o vento doentio do outono
manchando o colorido sorriso do meu rosto infantil.
:

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Poema de Natal



O poema é como um pequeno pinheiro branco
que decoramos com a tinta das mãos sujas,
quando o inverno cospe as neves solitárias
e a alma se fecha no musgo de um sótão vazio.
De joelhos, sobre o mármore corrompido do soalho
estendemos enfeites, como criança ávida de carícias:
Pequenas bolinhas de fantasia puída;
velhas luzes já sem cor nem brilho;
um rastilho de silêncio e sonhos entrelaçados
no matizado serpenteante das fitas;
e, por fim, no topo da árvore, as estrelas cadentes
que tombaram dos céus arruinados da infância.

Tudo isto, numa estranha mescla de nostalgia,
para celebrar o natal de todas as nossas agonias.


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quarta-feira, 15 de setembro de 2010

A caminho da Escola


Subitamente, perdi-me numa curva do caminho,
confundido pela sombra cega dos becos
e o empedrado corroído da memória.
Sem saber como, nem porquê,
vejo-me de novo de bata branca lavada
e mochila apinhada de livros, às costas,
nos caminhos primários que me levam à escola.

Um remoinho de ventania e poeira
atira-me para próximo da casa de partida,
como um peão castigado pelos dados
numa estranha reprise do jogo da glória,
devolvendo-me tudo o que estava adormecido,
excepto, a luz das manhãs que já não existem
e o sorriso inocente do meu rosto de criança.


poema escrito em 2010-08-28
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