Dalila Teles Veras
Meu Pai – Retrato Falado
Da palavra escrita, tudo ignora
acha que ler demais faz mal
à saúde e aos olhos
(à semelhança de Caeiro
acredita apenas no que vê e vive
nas árvores, nos pássaros, na Tv)
Elegeu, durante oito décadas
algumas (poucas) verdades
imarcescíveis
Também à maneira de Caeiro
não acredita em metafísica
(aliás, ignora solenemente o termo)
mas vez ou outra, elege um Menino Jesus
que tanto pode ser o seu médico
(compreende suas dores – sábio para sempre)
alguém que lhe fale em espanhol
ou aquele que lhe diga apenas o que deseja ouvir
Na memória auditiva
preservou frases imutáveis
válidas para todas as ocasiões
(tantas vezes repetidas
até serem transformadas em verdade)
Não acredita em fantasmas
nem que o homem chegou à lua
Odeia políticos e política
(o Presidente é o culpado por tudo)
No plano dos afetos
os pais e os irmãos
a primeira namorada
a companheira definitiva
os filhos e os netos
dois ou três amigos de infância
(nenhum na velhice – já morreram todos)
Algumas (poucas) paixões
:
fotografar
conduzir automóveis
criar passarinhos
vangloriar-se de seus (ingênuos) feitos
Não aceita que lhe falem da velhice
(nenhuma de suas mazelas, acredita,
dela é decorrente)
Um homem frugal
de pensamento concreto
(o que nós vemos das cousas são as cousas)
O mundo resume-se
à sua ética particularista e particularíssima
(o mundo – e o corpo – como vontade)
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