Filmes vistos em 2016

O otimismo invariável de Capra se apaga um pouco numa história bruta de amor entre dois personagens estéreis, cuja química não é natural. 3/5 estrelas

O mais próximo que o Buñuel já chegou de uma screwball comedy, no seu drama corrosivo e que, aqui, sugere na pele de Quintín Guzmán uma forma de remissão moral. 3/5 estrelas

Brilhantemente espirituoso nos paralelos que cria entre o rádio e a última apresentação da companhia (com a novela de Guy Noir, as ondas representadas pela aurora, etc.), o canto do cisne de Robert Altman faz jus a sua grande carreira. 5/5 estrelas

O impacto dramático de Alan Parker se encaixa perfeitamente nos crimes cometidos contra os afroamericanos na década de 60. 4/5 estrelas

A obsessão do marido transforma-se num registro nítido de adulação à virgindade, na qual a câmera de Buñuel confere a sintomática decadência humana. 5/5 estrelas

Em alusão ao narcisismo de seus personagens burgueses, o cinismo de Buñuel ridiculariza o apreço por coisas mínimas. Sua última obra-prima. 5/5 estrelas

O mundo onírico de Buñuel é ainda um mistério que fascina. 5/5 estrelas

Prenuncia o que de fato percorreria a obra de Buñuel anos mais tarde: a miséria humana, o seu desgosto religioso e o seu interesse pelos costumes sociais. 4/5 estrelas

Possivelmente, o maior exemplo do desprezo de Buñuel pela igreja católica e o predadorismo capital. 4/5 estrelas

Há uma construção na cabana que os oito personagens estão que basicamente aponta a inteligência de Tarantino para a tensão e expectativa do que decorrerá a partir dali: na entrada de cada um dos hóspedes, uma sequência nova revela particularidades dos habitantes. É como o diretor nos convida para embarcamos numa de suas grandes obras. 5/5 estrelas

Ao abdicar de sua assinatura para voltar para o cinema, a direção de Buñuel ressalta a sua falta de crença na história e nos seus personagens. 2/5 estrelas

Sua maior diferença para a comédia otimista provinda do cinema Capriano é o nome de seu diretor, que parece um pouco mais confortável na sua segunda produção mexicana. 3/5 estrelas

Usa o campo como reflexo da neutralidade dos jovens jogadores, que finalmente entenderiam estarem entre iguais - claro, numa abordagem típica da Disney. 3/5 estrelas

O aspecto interessante d'Os Esquecidos está no próprio nome do filme: uma fábula sobre meninos abandonados por uma sociedade, que apenas recolhe seus corpos. 3/5 estrelas

Ray Milland desenvolve Dr. James Xavier com uma perturbação gigantesca, a medida que sua visão se espande. Corman convence no desespero humano; não, na ciência fajuta. 3/5 estrelas

Margheriti adiciona ainda mais violência ao universo "quente" e gráfico da Hammer, mas com uma história quase reaproveitada da Universal. 2/5 estrelas

Delineando a paronóia de (um magnífico) Gene Hackman com uma classe absurda, Coppola é genial em seu estudo de personagem, que transita entre a vocação e a obessão - numa linha tênue fabulosa. 5/5 estrelas

Com um preciosismo técnico impecável, Mario Bava alcança a perfeição estrutural em cada um de seus contos, que carregam a marca da agonia e do ocultismo sempre presente na filmografia do cineasta. 5/5 estrelas

Crawford é over, numa obra que se esforça para criar uma expectativa que nunca consegue formar. 2/5 estrelas

Já na primeira sequência de Creed, um jovem Adônis encara Mary Anne com uma raiva incontida por passar anos pela assistência social e orfanatos, sem rumo, julgando-a por sua estranha bondade no tom de voz. Afinal, ele estava descrente de boas intenções numa sociedade que, para ele, não reconhecia órfãos. Uma simbologia que se tornava ainda mais bela, quando o garoto, ao perceber que estava diante da viúva de seu pai, descerrava seu punho. 4/5 estrelas

Uma das coisas mais interessantes do curta-metragem Ave Maria é o contraste fotográfico entre social/religioso. Do lado de fora, na família, observamos cores mais intensas, enquanto no interior do convento, os tons mais brancos, desprovidos de qualquer beleza ou encanto, evidenciam a realidade das devotas. A primeira a se levantar, após o susto das batidas e pedidos de ajuda do casal forasteiro, é a mais nova – que carrega ainda a curiosidade e a benevolência humanas não cegadas pela solidão a quatro paredes. "Irmãs da misericórdia" é o título que se visualiza na porta. De alguma forma, é uma bondade que as freiras ostentam ao clímax, depois de romper o voto de silêncio ou usar água benta para o radiador de um veículo. Pode ser dono de uma história frágil, mas é uma comédia doce. 3/5 estrelas

A visão infantojuvenil sobre a guerra e a tensão que ela emana não são exclusivas do curta-metragem Shok. Uma cena particular carrega basicamente a essência da trama: após ir com o "parceiro de negócios" até uma espécie de covil habitado por um batalhão de sérvios, um garoto albanês ouve um dos homens discursar sobre o fato do filho não ter uma bicicleta, enquanto um bastardo como ele andava com uma. A tensão que separava os moleques da zona de conflito, que era apenas algo exibido na televisão, dissipa-se exatamente ali. As atuações talvez não condizem com a situação extrema. "Você é um traidor", disparado por um jovem, dá muito menos impacto do que deveria. Em compensação, a moral que surge é um símbolo inteligente para compreender, no decorrer, os opostos de uma guerra e como nascem opositores. 3/5 estrelas

Uma das coisas mais temerárias para alguém que trabalhava com as palavras e debatia sobre conceitos e teologia como Christopher Hitchens, exemplar jornalista britânico, era a perda da voz. Para ele, de alguma forma, foi gerada uma perda de identidade sem o processo da exposição do som. Na vida do tipógrafo interpretado por Matthew Needham, em Stutterer, as palavras estão longe, por sua condição vocal, mas ao mesmo tempo são cúmplices de seu cotidiano e da verborragia cibernética. Ele mantém um saudável relacionamento pela internet com uma garota que está prestes a conhecer pessoalmente, porém sua condição o assombra. Teme que a sua voz interna, que reverbera constantemente, não seja o suficiente. A pessoalidade e a intimidade do inbox são determinantes para evitarmos saber o conteúdo da conversa dos dois, numa cena admirável. Como se não pudéssemos ser companheiros daquele momento. Não importa. Já que é no olhar lacrimejante do rapaz, na cena final, que provamos o gosto de um amor à primeira vista. E literal. 5/5 estrelas

Há momentos em que a guerra se silencia e a única coisa que podemos ouvir é o choro de uma criança. É quando um batalhão se esquece pelo que luta. Ou se dá conta de que nunca soube. Em Day One, filme de Henry Hughes, Feda é o elo entre soldados americanos e uma família que será detida. O diretor narra algo difícil de conjecturar: o nascimento em uma guerra. Nesse caso, não o da protagonista, mas do bebê de Naheed. Quem gostaria de nascer em um campo de batalha? Hughes não planeja responder essa pergunta. Ele prefere se aprofundar num espírito de compaixão, mas sempre do lado americano. São eles que respeitam, tornam-se atenciosos e acodem as "mulheres despreparadas". Essa sua visão cínica ofusca a maior qualidade de Day One: a de que um único momento pode mudar tudo. 3/5 estrelas

Há dois momentos opostos em Alles Wird Gut que oferecem o mesmo significado para a pequena Lea: quando os pais afirmam que "tudo vai ficar bem". Para a narrativa de Patrick Vollrath, a expressão é o contrário da afirmação. Sempre. Nas mãos do pai ou da mãe, a menina sabe que tudo não ficará bem. Ele quer levá-la embora, ela quer levá-la para longe dele. Mas ninguém está prestando atenção nela. No que ela quer. "Não importa o que você pensa", lamenta o pai em certo momento. No curta-metragem, porém, o destino de Lea é o que nos importa. E que ela fique bem. Apesar de tudo. 3/5 estrelas