0% found this document useful (0 votes)
29 views58 pages

Moda de Viola

Apostilas de modas de viola
Copyright
© © All Rights Reserved
We take content rights seriously. If you suspect this is your content, claim it here.
Available Formats
Download as PDF, TXT or read online on Scribd
0% found this document useful (0 votes)
29 views58 pages

Moda de Viola

Apostilas de modas de viola
Copyright
© © All Rights Reserved
We take content rights seriously. If you suspect this is your content, claim it here.
Available Formats
Download as PDF, TXT or read online on Scribd
You are on page 1/ 58

www.cliqueapostilas.com.

br

ESTADO DE MATO GROSSO


UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MATO GROSSO
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
CAMPUS UNIVERSITÁRIO JANE VANINI

NATANAEL VIEIRA DE SOUZA

A MODA DE VIOLA E AS RESSONÂNCIAS DO DISCURSO IDENTITÁRIO

Cáceres, MT.

2012
www.cliqueapostilas.com.br

NATANAEL VIEIRA DE SOUZA

Monografia apresentada como parte dos


requisitos necessários para a obtenção do título
de graduado em Licenciatura Plena em
História. Ao Departamento de História do
Instituto de Ciências Sociais e Aplicadas da
Universidade do Estado de Mato Grosso. Área
de Ciências Humanas.
Orientador: Prof. Ms. Rubens Gomes Lacerda

Cáceres, MT.

2012
www.cliqueapostilas.com.br

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________________
Prof. Ms. Rubens Gomes Lacerda - UNEMAT
(Orientador)

___________________________________________________________________________
Prof. Ms. Adson - UNEMAT
Professor Convidado

___________________________________________________________________________
Prof. Ms. Clementino Nogueira Sousa - UNEMAT
Professor Convidado
www.cliqueapostilas.com.br

DEDICÁTORIA

“Dedico este trabalho a Jhonathan,


Bruna, Brenda e a todos e todas
que de uma forma e/ou outra,
contribuíram para que eu aqui
chegasse”.
www.cliqueapostilas.com.br

AGRADECIMENTOS

Agradeço carinhosamente a você, você, você…, pois todos vocês contribuíram de


forma espetacular com a minha entrada e com a minha manutenção na universidade,
manutenção esta que culmina com este trabalho coletivo, tecido de várias rendas, alinhavado
por várias linhas e mãos, gestação de quatro anos, fruto de risos, lagrimas, suor, insônia, mas
acima de tudo, fruto da criatividade das pessoas me cerca e me contagiam de forma positiva.
Não era minha intenção nomear pessoas a quem eu devo agradecimento, mas creio
que seja um ato quase inevitável, tanto quanto as injustiças que irei cometer ao citar alguns
nomes e esquecer outros.
A primeira pessoa que eu sempre me lembro de agradecer é minha ex-companheira,
Arimar Espinosa, pois durante os quatro anos que me dediquei ao curso de História, ela, quase
sem a minha ajuda, dedicou-se a criar e educar de forma impecável, as nossas duas filhas,
Bruna e Brenda (motivos da minha alegria e meu orgulho); não posso esquecer a
compreensão e o amor de meu filho Jhonathan Ramos de Souza.
Agradeço à minha querida e amada amiga, profª. Tereza Cristina, por sempre
acreditar que eu poderia ir além, mais que acreditar foi me convencer de que este passo, agora
dado, era possível.
Ainda agradeço aos incentivos de Pedro Cidadão; à ambiência propícia entre locador
e locatário propiciada pelo senhor Ernesto; ao ato de me tornar o intruso privilegiado na casa
de Clementino; às noitadas filosóficas/musicais que me serviram de muito aprendizado na
casa de Adson e seu maravilhoso acervo musical e intelectual; Otávio e Mauricélia, com que
fiz o meu estágio, me proporcionando uma bela imagem do exercício docente; Domingos e
Iraci que sempre contagiaram-me com sua alegria; Paulo Pirata e Elmar Figueiredo, amigos
de todas as horas, meus conselheiros universitário e conselheiros para a vida; por fim e não
menos importante, agradeço ao meu orientador, Rubens Gomes Lacerda e Patrícia Bachega,
pelas noitadas homéricas, pelo apoio incondicional, pelo ombro amigo, pelo companheirismo,
mas acima de tudo agradeço ao meu orientador pela autonomia, por acreditar no que eu penso
e escrevo.
Espero ser perdoado pelos amigos que não estão nesta lista de agradecimento.
www.cliqueapostilas.com.br

SUMÁRIO

Introdução ...............................................................................................................................08

Capítulo I
1.1. CONFIGURANDO/DEFININDO UMA TEMÁTICA: breve balanço historiográfico....14
1.2. A NOVA HISTÓRIA É REALMENTE NOVA?.............................................................17

Capítulo II
2.1. A “ORIGEM”...............................................................................................................20
2.2. MODA DE VIOLA – MODA DE RAIZ ....................................................................21
2.3. OS PRECURSORES ...................................................................................................24
2.4. MODA DE VIOLA E GÊNERO ................................................................................25

Capítulo III

3.1. RESSONÂNCIAS RACISTAS E “PATRIARCAIS” NA MODA DE VIOLA ..............35

3.2. CONCLUSÃO.................................................................................................................49

Anexos .....................................................................................................................................53

Bibliografia ..............................................................................................................................54
www.cliqueapostilas.com.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho é mapear, analisar, problematizar e dessacralizar alguns discursos


que envolvem a “moda de viola” enquanto expressão cultural “pura e inocente”, discursos
estes advindos, principalmente de agentes culturais, propagados pelos canais midiáticos e
reiterados por muitos intelectuais de diversas áreas do conhecimento. Procuramos analisar
determinados elementos da prática discursiva – e, em alguns momentos, também de algumas
práticas sociais – presentes nas modas de viola: “Boiadeiro de palavra, Preto de alma branca,
Preto inocente e Caboclo na cidade”. Para tanto, elegemos o método
arqueológico/genealógico de Foucault, que visa fazer uma arqueologia dos saberes que
impregnam os compositores das modas de viola, que dão vida a discursos que reverberam até
os dias de hoje, bem como perscrutar como esses saberes agiam/agem no tecido social. Em
alguns momentos, também utilizamos a metodologia da história do cotidiano, no intuito de
melhor observar as ressonâncias deste discurso sobre determinadas praticas sociais
contemporâneas a sua elaboração, como também, nos dias atuais. Toda esta pesquisa nos
possibilitou perceber que a própria imagem do caipira, deve ser problematizada, historicizada
e percebida como uma construção discursiva atualizada e reatualizada por algumas práticas
sociais, ou seja, não devermos perceber esta identidade como óbvia e natural, ou natural
porque óbvia.

Palavras chave: Modas de viola. Cultura. Identidade.


www.cliqueapostilas.com.br

INTRODUÇÃO: o show

Um dia alguém teve a idéia bastante curiosa de utilizar um certo número de


propriedades rítmicas ou musicais da linguagem para falar, para impor suas
palavras, para estabelecer através de suas palavras uma certa relação de poder sobre
os outros. Também a poesia foi inventada ou fabricada.

Michel Foucault1

Logo na entrada do conceituado clube de campo, um grande outdoor anuncia em


letras garrafais o espetacular evento que será realizado neste espaço, nesta noite, a partir das
00hs e 30min. Na verdade este é apenas um dos muitos anúncios que os canais/espaços
midiáticos (mass media) massificaram nos últimos vinte dias passados.

Na verdade um acirrado bombardeio, em forma de convite, ao show tão


esperado/desejado por muitos fãs que a dupla sertaneja “Rick e Renner” fizeram durante a sua
carreira e que se encontram espalhados por vários lugares.

Desde as primeiras horas do dia há grande movimentação de trabalhadores


operacionalizando a montagem de palco, luzes e som, enfim, todo o aparato necessário para a
realização de um evento com tamanha envergadura, “Show nacional”.

Muitos curiosos se acercam da equipe de trabalhadores, alguns são proprietários de


palco, outros de som e iluminação, há aqueles que são técnicos e/ou engenheiros de som ou,
ainda, simplesmente curiosos que estão ali para ver o que há de novo – última palavra em
tecnologia – que esperam descobrir como se opera, para que serve; quais os novos modelos de
amplificadores, crossover’s, compressores, equalizadores, processadores de efeitos, direct in
Box, phanton power’s, consoles digitais, microfones, cabeamentos, plugs, instrumentos; quais

1
“falando a respeito da poesia, sempre, na Gaia Ciência, Nietzsche afirma haver quem procure a origem,
Usprung da poesia, quando na verdade não há Usprung da poesia, há somente uma invenção da poesia”
FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Trad. Roberto Cabral de Melo Machado e Eduardo
Jardim Morais. Rio de Janeiro: Nau Ed, 1996. p, 15.
www.cliqueapostilas.com.br

os novos modelos de caixas de som que compõem o P.A.2, se a resposta de som é satisfatória;
quais alto-falantes são melhores na atualidade, enfim vários sujeitos que se deixam capturar
pelos ritornelos3 da tecnologia que constroem suas linhas em forma de um imenso
emaranhado de teias.

Nesta data a cidade está em polvorosa, salões de beleza lotados, as comunidades


virtuais estão “bombando” (twiter, facebook, Messenger e até o “démodé”, Orkut), torpedos
cruzam as linhas virtuais/celulares que se emaranham num misto de convites e esperas.

Já é noite, uma parada à praça central da cidade se faz obrigatória, pois este espaço
de sociabilidades e subjetividades é que torna evidente a dimensão dos acontecimentos
citadinos. É aqui, neste imenso “zoológico” que “os gatos multicolores” querem se diferenciar
dos “gatos pardos”. É neste espaço que, dado o acontecimento, há que se desfilar carros,
perfumes, roupas, calçados, cabelos, unhas, equipamentos (celulares, iPods, iPads, tablets...),
consumo em geral, que diferenciem-se dos demais “desfilantes” que por aqui trafegam num ir
e vir circular muito familiar, ao que em décadas anteriores fora chamado de footing4.

Ao cruzar os portões do Clube de Campo, qualquer observador pode notar que tudo
esta pronto; no fundo do palco, um grande banner com fotos dos referidos artistas; de ambos
os lados do palco, telões de vídeos posicionados estrategicamente; o palco se encontra
esquadrinhado, revelando o lugar de cada músico e, próximo a cada um deles, uma lista do
repertório que será executado nesta noite; os holdings, já fizeram a passagem do som; os
iluminadores marcaram a luz, posicionaram os moving’s e os lasers; o engenheiro de som faz
os últimos acertos nos cortes de frequência; o locutor oficial sobe ao palco e observa a plateia

2
Há polêmica sobre a definição de "P.A.". Em algumas interpretações significa "Aparição Pessoal" do artista, e
uma grande parte mantém a opinião de que significa "Endereço Público" (Public Address), Os técnicos em larga
escala usam o termo pra designar caixas de som e periféricos destinados à audição pública.
3
Termo deleuziano aqui agenciado da seguinte forma: “Os sons de martelos ao montar o palco onde será
realizado o Show (ritornelo 1) se conectam com o ouvido de um passante na rua (território sonoro das
marteladas), que imediatamente se deixa capturar pela curiosidade de saber o que está acontecendo. Ao
aproximar, em seu devir curiosidade, seus olhos conectam com as tecnologias que estão sendo usadas e
novamente se deixa capturar pelo desejo de conhecê-las, seu olhar continua se conectando com vários elementos
heterogêneos, cabos, plugs, designer, etc. (ritornelo 2), por fim, o som é ligado, o engenheiro de som começa a
fazer os ajustes do som (expande o território), frequências, volume, luzes, fumaça e, novamente é formado novo
ritornelo de elementos heterogeneos que vão se conectando, territorializando, etc. (ritornelo 3).
4
Ritual de paquera (flerte) desempenhado pelos jovens, desde a Belle epóque, em que moças e rapazes
circundavam a praça em sentido contrário na intenção de escolher um (a) pretendente.
www.cliqueapostilas.com.br

10

eufórica e vislumbra este imenso “jardim/cenário”, repleto de pessoas ávidas pelo início do
show que se aproxima.

O clube de campo agora se torna um não lugar, lugar de breve passagem 5, onde cada
um, numa constante emissão de signos, cartografam cada polegada deste espaço desejante, a
espera, enfim, o locutor anuncia os nomes dos artistas –, e: o show começa! A intensidade do
som aumenta; a luz e a fumaça tomam conta, desenham e redesenham formas; os lasers
cortam a escuridão, os acordes e as síncopes rítmicas enchem o ar e invadem os corpos em
êxtase.

A cena vislumbrada pela dupla de cantores (Rick e Renner) se revela a sua frente
como uma imensa torre de babel, onde as “linguagens” são as mais diversas; corpos que
falam; outros corpos que gritam, porém quase nenhum corpo fica imune ao espetáculo que se
desenha/re-desenha e reconfigura a cada momento num frenesi incontrolável.

São corpos multiformes, multicolores, corpos vibrantes, ultrapassados por múltiplas


sensibilidades, vibrações, fumaça, intensidades, profundidades, frequências, reverberações
sonoras, odores, nuances, luzes, cores e timbres; corpos que se enroscam, se tocam, se beijam,
se seduzem; corpos que expressam ansiedade, volúpia… desejo.

A plateia grita enlouquecida ao ouvir vibrar os acordes, pulsações sonoras e rítmicas


iniciais que anunciam a primeira canção e, extasiada, canta junto com os artistas como se fora
um imenso coral a-tonal/a-rítmico, sem dar importância à métrica silábica/escansão ou a
qualquer coisa que valha. Neste instante estes corpos estão numa outra “dimensão
imaginária”, talvez vivendo um momento “transcendental”, suscetíveis, alcançáveis pelos
discursos; corpos que se “deixam” moldar, corpos de uma “rostidade multi-máscaras6”;
corpos que podem ser objetivados a práticas, passíveis às novas e outras sensibilidades;

5
O termo não lugar foi cunhado por Weber (1964) que considerava o acesso a um lugar mais importante que a
proximidade com ele; O termo foi amplamente usado por vários pesquisadores como, Marc Auge e Michel de
Certeau, este último cita como exemplo de não lugares as estradas, ferrovias, aeroportos, hotéis, etc. GRAEML,
Karin Sylvia. – A relação entre lugares e não lugares na cidade: um estudo da apropriação do serviço de acesso a
internet nos Faróis do Saber de Curitiba. 2007. 185 f.

6
Por rostidade multi-máscaras quero dizer: o rosto como superfície mutável. Penso este conceito como no
sentido de Mil Platôs (Deleuze e Guatarri), o rosto/corpo como superfície onde o sentido se articula, o corpo
decodificado e codificado por esse rosto: o rosto não é animal, mas tampouco é humano, (...) há mesmo algo de
absolutamente inumano no rosto. (p. 36). DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. 1995-1997. Mil Platôs vol. 3 /
Gilles v.3 Deleuze, Félix Guattari; tradução de Aurélio Guerra Neto et alii. — Rio de Janeiro : Ed. 34, 1996
(Coleção TRANS)
www.cliqueapostilas.com.br

11

momento este, onde se tornam “presas” diante de todo este dispositivo de captura; momento
significante onde a música, o discurso e os seus ritornelos se encontram à caça.

As palavras cantadas pelos artistas, com efusão, pouco altera o humor do grande
público que o aplaude com entusiasmo, público este formado predominantemente por pessoas
do sexo feminino, ávidas por ouvi-los, tocá-los, senti-los, mesmo que fosse a distancia. Rick e
Renner brindam o público presente com as músicas que mais fizeram sucesso durante a sua
carreira. É claro que este repertório é o mesmo apresentado do Monte Caburaí ao Chuí, é o
que os artistas e produtores culturais chamam de “montar um show para uma turnê”, como se
de um extremo a outro do país, as vontades, preferências e desejos fossem o mesmo, como se
vivêssemos num país de comportamentos homogêneos; sem levar em conta a diversidade
rítmica e variedade de estilos musicais, que, se observados, teremos aí uma multiplicidade
cultural pululando aos nossos olhos.

Dentre tantas músicas que tiveram grande repercussão, uma em especial chama
atenção, trata-se da música “Paixão de Peão7”, que com euforia e animação, parte do público
canta e dança junto com os artistas, sem questionar o discurso presente nestes maravilhosos
versos: “Meu amor fugiu de mim, meu cavalo se mandou, chorei pelo meu cavalo, sorri pelo
meu amor, cavalo bom é difícil, difícil de se achar, mulher bonita é mais fácil, se encontra em
qualquer lugar”, sem titubear parte da plateia repetia em coro com grande entusiasmo.

A PROBLEMÁTICA

Diante desta “quietude”, aparente falta de reação a estes discursos presentes nas
músicas que ouvimos no dia a dia – fiquei a pensar – sobre qual estilo ou modalidade de
música estaria isenta desta lógica discursiva em que, uma mulher, tem menor valor que um
cavalo ou, discursos similares, carregados de signos outros. Afinal nenhuma música está
totalmente livre de alguma lógica discursiva, porém é importante lembrar que nem todas as
músicas estão dentro desta lógica discursiva de desvalorização da mulher.

Lembrei-me de uma das frases do locutor ao apresentar os artistas que dizia:


“venham valorizar a nossa verdadeira música, a música sertaneja com as lindas vozes em
dueto e a viola chorando”, é notório que esta frase não é de autoria do locutor, esta é uma
construção discursiva que vem de muitos anos, hoje é sempre referida quando se trata de
7
Paixão de Peão - Warner 30 anos: Rick e Renner – Lançamento 2006
www.cliqueapostilas.com.br

12

músicas chamadas de “raiz”, este estilo de música com o passar dos anos “ganhou” o status
de: a verdadeira música brasileira e/ou a mais pura, a nossa cultura, a nossa música raiz.
Estes enunciados vêm se impondo como mais um discurso muito usado para, classificar,
rotular, hierarquizar e/ou para refutar – estrategicamente –, outras formas e estilos de
canto/arte enquanto expressão do desejo.

Cabe a nós questionarmos, afinal, o que há de puro nas “modas de viola”? Os


discursos nela veiculados estão isentos de questionamentos? São por acaso discursos neutros?
A moda de viola em sua “origem” (Ursprung)8 ou essência absoluta, nada tem de segredo a
ser velado ou desvelado?

É exatamente disso que trata esta pesquisa, é este o problema eleito neste texto que
visa desnaturalizar/dessacralizar os discursos que constroem este documento, aqui
denominado música ou mais especificamente moda de viola e os enunciados que o cercam e o
mumificam como um monumento a ser divinizado, cultuado, sacralizado pelo discurso
dominante.

Creio serem válidos todos estes questionamentos e outros que porventura vierem
povoar este texto, mais ainda, creio ser justificado um esforço arqueológico-genealógico,
para, nos sedimentos discursivos, abaixo da crosta da verdade cristalizada, escavarmos e
darmos visibilidade ao que o tempo e as intencionalidades se encarregaram de
envolver/inventar.

Neste trabalho, já em seu primeiro capítulo, estaremos indicando quais ferramentas


teóricas e metodológicas vamos usar, ou seja, a ferramenta mais apropriada para
problematizar as “verdades” discursivas das modas de viola aqui trabalhadas, bem como, qual
vertente historiográfica permite-nos a usar discursos musicados como fonte documental; no
segundo capítulo, já analisando as nossas fontes documentais, trabalharemos as possibilidades
de se fazer uma arqueologia/genealogia dos conhecimentos que talvez impregnem a escrita
dos compositores da década de 1950, e que irão reverberar em suas composições
poético/musicais, ao mesmo tempo em que pensamos esta escrita com o olhar voltado para
uma história de gênero, identidade e outras possibilidades, de forma que este texto, tal qual
8
Palavra usada por Nietzsche para criticar a pesquisa da origem nestes termos, pois “ursprung” visa encontrar o
que há de mais puro, verdadeira essência, sua verdadeira identidade cuidadosamente recolhida em si mesma…
Foucault, Michel. Microfísica do poder / Michel Foucault; Organização e tradução de Roberto Machado. - Rio
de Janeiro: Edições Graal, 4ª. Ed. 1984. p. 17.
www.cliqueapostilas.com.br

13

uma medusa, acaba sendo um apontamento das várias e múltiplas possibilidades de se


trabalhar com o objeto música na perspectiva histórica; no terceiro capítulo estaremos
analisando/problematizando músicas que deixam escapar ressonâncias racistas e patriarcais,
na parte final deste capítulo usaremos uma abordagem mais próxima da história do cotidiano
que nos permite um olhar mais amiúde, tal qual uma história de “pequenos detalhes”, um
“cluster” não formatado ou um “pixel” de uma grande imagem que sutilmente se sobressai.

Nesta empreitada não se pretende esgotar todas as possibilidades de análise dos


documentos nele mencionados. Como pudemos notar no próprio período de pesquisa, o objeto
música é extremamente rico, instigante e profícuo enquanto objeto analisado. Portanto ao
analisarmos apenas uma música já teríamos subsídio para escrevermos uma tese, ao
escrevermos sobre quatro músicas, como é o caso deste texto, sobrarão muitas outras
possibilidades que no futuro, por mim ou por outros historiadores, ou mesmo a partir de
outras vertentes historiográficas, poderão ser exploradas de outras maneiras.
www.cliqueapostilas.com.br

14

CAPÍTULO I

1.1 - CONFIGURANDO/DEFININDO UMA TEMÁTICA: breve balanço


historiográfico.

De antemão vale destacar o percurso desenvolvido por um significativo número de


historiadores, principalmente a partir do início do século XX, na busca por uma disciplina de
história que privilegiassem novos sujeitos, documentos, fontes e etc.

A construção de novas perspectivas com a contribuição de intelectuais, quanto a


dimensão do entendimento e amplitude que se deveria dar ao campo da história se fazia
necessária, pois a mesma se encontrava presa em seus próprios paradigmas, fechada em seus
próprios claustros, daí a necessidade de um rompimento com os ideais positivistas e
historicistas predominantes à época, o que significou um salto quantitativo e quiçá, qualitativo
de novas possibilidades para as pesquisas posteriores.

Até então grande parte dos historiadores utilizavam conceitos da ciência para
produzir e provar resultados de suas pesquisas, a eles se viam presos e limitados, só podendo
afirmar como verdade, aqueles resultados que pudessem ser provados através dos métodos
científicos da época ou então documentos oficiais, enfim, somente através da ciência haveria
credibilidade às afirmações tidas como “verdadeiras”.

Neste caso o autor se pretendia neutro, objetivo, sem qualquer subjetividade, e,


ainda, não interferia no resultado da pesquisa, pois o documento bastaria por si mesmo à
confirmação necessária. Caberia ao historiador, tão somente, recuperar a verdade sobre as
coisas e deixá-la à mostra.

A primeira geração da escola dos annales, nascida do encontro de Marc Bloch e


Lucien Febvre, traz importantes inovações ao campo historiográfico promovendo
aproximações e possíveis diálogos entre a história e as ciências sociais, novos olhares que
contrapõe a história tradicional enraizada nos discursos grandiloquentes, que marginalizava
www.cliqueapostilas.com.br

15

muitos aspectos das experiências humanas. Para a os autores, acima referidos, toda vivência
humana é portadora de uma história e, neste caso, a primeira geração dos Annales contribui
para novas e possíveis abordagens da história.

Segundo Peter Burke9, a escola dos Annales, foi um movimento dividido em três
fases: a primeira (1929-1946), como já dissemos anteriormente, com Marc Bloch e Lucien
Febvre, apresenta a guerra radical contra a história tradicional, a história política...; na
segunda fase, o movimento inova com novos conceitos (estrutura e conjuntura) e novos
métodos (história serial das mudanças na longa duração) marcada, pela presença de Fernand
Braudel (1946-1969); a terceira fase, com Jacques Le Goff entre outros, traz um período
marcada pela fragmentação e por exercer grande influência sobre a historiografia e sobre o
público leitor, uma nova perspectiva com novas abordagens que virá a ser chamada de Nova
História ou História Cultural. Le Goff, inclusive tecerá fortes e importantes críticas às fases
anteriores:

Existe um renascer do interesse pelo evento, embora seduza mais a perspectiva da


longa duração. Esta conduziu alguns historiadores, tanto através do uso da noção de
estrutura quanto mediante o diálogo com a antropologia, a elaborar a hipótese da
existência de uma história "quase imóvel". Mas pode existir uma história imóvel? E
que relações tem a história com o estruturalismo (ou os estruturalismos)? E não
existirá também um movimento mais amplo de "recusa da história"? 10

Este embate sobre como e o que deveria ser a história não é dado, senão com muita
persistência e resistência de ambos os lados, ainda no século XIX já havia vozes dissonante
do modelo de história ciência capitaneada por, Leopold Von Ranke (historicismo),
historiadores como Michelet ou Burckhardt11 já ofereciam uma nova perspectiva diferente de
Ranke. Logo após a segunda metade do século XX a historiografia brasileira se espanta ao
deparar-se com alguns escritos de Paul Veyne12 chamando a atenção dos historiadores para as
considerações de um filósofo que escreve sobre história, com um “novo e rico” arsenal de

9
A Escola dos Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da Historiografia (Fundação Editora da UNESP,
Tradução Nilo Odalia, 1997, 153 páginas)
10
Goff, Jacques, 1924. História e memória / Jacques Le Goff; tradução Bernardo Leitão... [et al.] --Campinas, SP
Editora da UNICAMP, 1990. (Coleção Repertórios). p. 008
11
Michelet e Burckhardt, que escreveram suas histórias sobre o Renascimento mais ou menos na mesma época,
1865 e 1860 respectivamente, tinham uma visão mais ampla do que os seguidores de Ranke. Burckhardt
interpretava a história como um corpo onde interagem três forças - Estado, Religião e Cultura - enquanto
Michelet defendia o que hoje poderíamos descrever como uma 'história da perspectiva das classes subalternas.
In. Uma Reflexão sobre a História. Disponível em:
http://www.assis.pro.br/public_html//hcomp/ReflexaoSobreHistoria.html - Acesso em: 02/04/2012
12
Veyne, Paul. (1982) Como se escreve a história. Foucault revoluciona a história. Brasília,
Editora da UnB.
www.cliqueapostilas.com.br

16

conceitos, chamado Michel Foucault que imediatamente desconcerta todos os seguidores dos
antigos cânones científicos, estruturantes e grandiloquentes, segundo Margareth Rago:

Ademais, este filósofo irreverente que, aliás, nem era historiador, cometera outro
sacrilégio, outra irreverência, ao ir buscar no final do século 18, onde todos
celebravam a conquista da liberdade e dos ideais democráticos durante a Revolução
Francesa, nada menos do que a invenção da prisão e das modernas tecnologias da
dominação. Enquanto todos os olhares convergiam para a centralidade da temática
da Revolução, Foucault deslocava o foco para as margens e detonava com a
exposição dos avessos.13

E mais, um filósofo que diz que a “história dos historiadores” havia erroneamente se
preocupado com a compreensão do passado, quando na verdade deveríamos “cortar”,
despedaçar, esmiuçar, desconstruir e não compreender, e continua:

A história será ‘efetiva’ na medida em que ela reintroduzir o descontínuo em nosso


próprio ser. Ela dividirá nossos sentimentos; dramatizará nossos instintos;
multiplicará nosso corpo e o oporá a si mesmo. (...) É que o saber não é feito para
compreender, ele é feito para cortar.14

Segundo Rago, o passado, após Foucault, se reduz a discursos, os documentos a


monumentos e a história agora, não prometia um reino de paz e liberdade, não mais as
utopias, não mais um lugar inexistente como expressão de um futuro que se recusa a chegar,
mas sim o sujeito em relação ao agora, suas relações, suas vontades, o lugar que este sujeito
ocupa nesta imensa teia de dispositivos que visam normatizá-lo, dentro desta emaranhada rede
de saberes e poderes.

A partir de então, a história vista como interpretações/reinterpretações constante de


signos passa a ocupar espaço privilegiado entre alguns historiadores, que proporcionarão
visibilidade a novos sujeitos, que serão vistos por múltiplos olhares, por múltiplas lentes, sob
várias perspectivas deslocadas de seu olhar comum. Michel Foucault, não apenas inaugura
uma nova perspectiva revolucionária, mas a partir de suas reflexões, contribui para a
revitalização de outras perspectivas, como para o próprio marxismo, segundo Margareth “[…]
os historiadores anti-foucaultianos não puderam prescindir das noções de discurso, poder
disciplinar, genealogia e, sobretudo da contundente crítica à ideia da transparência da

13
RAGO, Margareth. O efeito-Foucault na historiografia brasileira.Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 7
(1-2): 67-82,outubro de 1995. Disponível em:
http://www.fflch.usp.br/sociologia/temposocial/site/images/stories/edicoes/v0712/efeito.pdf acesso em
27/03/2012
14
Foucault, Michel. Microfísica do poder / Michel Foucault; Organização e tradução de Roberto Machado. - Rio
de Janeiro: Edições Graal, 4ª. Ed. 1984. p.p. 27-28
www.cliqueapostilas.com.br

17

linguagem.” E ainda, “[…] a redescoberta do simbólico, do subjetivo, do cultural, nas análises


históricas, cada vez mais próximas da Antropologia Histórica”. (Rago, 1995, p. 70).

1.2 - A NOVA HISTÓRIA É REALMENTE NOVA?

Desde o início do século XX, “um movimento lançado por James Harvey Robinson
sob a bandeira da ‘Nova História’ defende que a história inclui qualquer traço ou vestígio das
coisas que o homem fez ou pensou, desde o seu surgimento sobre a terra.”15

Jaques Le Goff dirá que:

Ao mesmo tempo ampliou-se a área dos documentos, que a história tradicional


reduzia aos textos e aos produtos da arqueologia, de uma arqueologia muitas vezes
separada da história. Hoje os documentos chegam a abranger a palavra, o gesto.16

O que me permite pensar que: se o passado se reduz a palavra e/ou discurso, como
quer Michel Foucault e Jaques Le Goff e se a história inclui qualquer traço ou vestígio do
homem sobre a terra, como no caso da “Nova História”, penso que os discursos musicais
podem e devem ser objetos de pesquisa do historiador, pois a música se constitui como
discurso em vários aspectos, a saber, discurso oral/alfabético (letras de músicas cantadas),
discurso oral/sonoridade (melodia de música vocalizada), ritmos, estilos musicais, sequência
de notas e acordes, síncopes rítmicas, portanto, passíveis de serem problematizados e
historicizados.

No caso deste texto escolhi trabalhar, principalmente, com os discursos


orais/alfabéticos das “modas de viola”, sobretudo as que tiveram grande repercussão em sua
época (décadas de 1950, 1960, 1980), ultrapassando décadas até este início do século XXI,
sendo regravadas e seus discursos sendo difundidos e reiterados por diversos setores
midiáticos e alguns intelectuais, mantendo vivo e atualizado o enunciado “A nossa cultura,

15
BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da Historiografia: Fundação
Editora da UNESP, 1977, 153 páginas. Tradução Nilo Odalia.
16
Goff, Jacques, 1924. História e memória / Jacques Le Goff; tradução Bernardo Leitão... [et al.] --Campinas, SP
Editora da UNICAMP, 1990. (Coleção Repertórios). p. 010.
www.cliqueapostilas.com.br

18

nossa verdadeira música raiz”17. Em recente entrevista18, Álvaro Castelan19 disse o seguinte
sobre a moda caipira na contemporaneidade: “[…] no entanto, o homem brasileiro, que tem
consciência da importância de sua identidade cultural, jamais vai abandonar suas raízes, as
raízes culturais de seu povo”. Como se não bastassem o discurso midiático, temos aí o
discurso intelectual o reiterando.

Bem, se Foucault revoluciona a história, podemos também buscar pensar esta


pesquisa a partir desta perspectiva, passando pela leitura de vários historiadores e
historiadoras e/ou outros intelectuais de outras áreas do conhecimento que inspirados (as) e/ou
afetados (as) por tais reflexões possam vir a contribuir na problematização proposta. Esta
análise, de alguma forma há de cortar em minha própria carne, pois parte da minha infância
foi embalada ao som de viola e vozes duetadas em terça20, as quais serviam de trilha sonora
para as noites enluaradas nas rodas de “causos” e poesias, pão caseiro, chá de cravo e café
quente. De forma que durante muito tempo deixei-me embalar por esta música tradicional
que me permitia a percepção de um pertencimento identitário, tornado-me assim, partícipe de
uma mesma cultura do meio tradicionalista no qual eu estava circunscrito.

Parafraseando/parodiando Rubens Gomes Lacerda, declaradamente com inspiração


nietzschiana/foucaultinana, “A desvantagem desta música tradicional está no fato de
começarmos a respeitar demasiadamente o passado e perdermos a oportunidade de construir
algo de novo no presente.”21 (grifo meu). Ou ainda corremos o risco de transformar certas

17
Neste caso, alguns enunciados que constam nas modas de viola são: alguns de certa conotação racista que com
o tempo se transformam em preconceito; outros são machistas, eugênicos e até sexistas; ao serem regravados e
propagados como sendo expressão da nossa cultura, muitos agentes culturais tais como promotores de eventos,
locutores de rádio, apresentadores de televisão, aliados a alguns intelectuais, alguns citados neste texto, estarão
colaborando com a reiteração destes discursos nos dias de hoje e se constituindo em meu objeto/problema.
18
Entrevista disponível em:
http://www.nadiatimm.com/nt01/index.php?option=com_content&view=article&id=243:cultura-
caipira&catid=42:entrevistas&Itemid=61 – acesso em 01/05/2012.
19
Álvaro Castelan é formado em letras pela universidade católica de Goiás, radialista, publicou vários livros
entre eles: De Repente, a Viola e "Mundo Caipira"; Viola Caipira, Viola Quebrada; atualmente é coordenador do
departamento de cultura e membro da comissão goiana de folclore. – disponível em:
http://www.colegiodinamico.com.br/PAGINAS/ALUNO/o_professor/arquivos/catelan/catelan_curiculum_vitae.
pdf - acesso em: 01/05/2012.
20
Diz-se da terceira nota de uma escala musical, por exemplo: se a voz principal tem como tônica a nota “dó”, a
terça voz terá como referência a nota “mi”.
21
LACERDA, Rubens Gomes. POR UMA EPISTEMOLOGIA DE SENSIBILIDADE: O DESAFIO DE
ENSINAR HISTÓRIA NO LIMIAR DO SÉCULO XXI. In: DAN, E. M. C; outros.... (Org.). Contribuições
Científicas do I Semináro sobre Ambiente Urbano: Políticas Públicas e Desenvolvimento Sustentável. Cáceres:
Editora Unemat, 2010, v. , p. -. p. 41.
www.cliqueapostilas.com.br

19

músicas ou determinados estilos musicais em monumentos, desumanizá-los, torná-los digno


de adoração, sacralizá-los, porém como historiadores, acabamos descobrindo que, no final,
são discursos e como todos eles, devem ser problematizados, pois são vulneráveis e passíveis
de incorrerem ao erro.

Entretanto, ao fazer do criticismo uma bandeira, também, temos que nos preocupar
em não correr o perigo “[…] de se cair em um excesso desconstrutivista, ou seja, na neura de
tudo questionar e nada construir ou propor.” (LACERDA, 2010, p. 42).

Portanto, não se pretende neste texto fazer uma reflexão tradicional, monumental e
nem mesmo uma história crítica, nos moldes do criticismo exacerbado. Menos ainda reiterar o
discurso do respeito demasiado às músicas tradicionais ou fazer delas monumentos
sacralizados, tampouco nos colocar na posição de supremos inquisidores e acendermos a
fogueira da “verdade” que a tudo consome incorrendo, ao final de tudo, de nada propor.

Decerto que os discursos sobre as chamadas modas de viola, sacralizam-na, alguns


destes discursos remetem-nos a sua origem, quando tudo era perfeito, porém ao escavarmos e
remexermos os discursos, em meio aos sedimentos e extratos que os compõem, vê-se que em
sua essência não há toda esta pureza tão apregoada e evidenciada por tantos, vê-se, inclusive,
que eles próprios não têm essa suposta essência.

Diante destes discursos, vemos a possibilidade de munidos de uma desafiadora


epistemologia da sensibilidade, evidenciar e discutir/problematizar alguns enunciados
presente nas modas de viola e nos discursos que a construíram/inventaram.
www.cliqueapostilas.com.br

20

CAPÍTULO II

2.1. A “ORIGEM”.

Segundo o professor Arnaldo Daraya Contier, a revolução22 de 1930 passou a


demarcar não somente o momento da ruptura política, mas também a ruptura do passado
musical e cultural, pois este, na visão de alguns intelectuais dentre os quais figura o músico e
compositor Heitor Villas-Lobos, era atrasado ou sem nenhuma importância social. “A
revolução despertou no intelectual (compositor) o desejo de acercar-se do povo, das
massas…, o ano de 1930 passou a datar o nascimento de um país novo, onde o folclore
deveria desempenhar um papel preponderante.23”. Fato este que objetivara músicos e
folcloristas ao interior do Brasil em busca das raízes da nossa cultura, da pureza do nosso
folclore. Sob este ponto de vista Flaustino Rodrigues Valle dirá que “A música brasileira tem
que vir do sertão no bojo da viola”24. E ainda, “a melodia que escapa da garganta rústica de
um sertanejo inculto, é como se fora a própria natureza cantando pela boca”.25

Vive-se então, desde 1922 – sobretudo, em função do evento da semana de arte


moderna –, a euforia e o desejo de modernização da arte, da cultura, da estética, da
arquitetura, enfim, de estabelecer novos parâmetros nacionalistas de comportamento em uma
sociedade marcadamente patriarcal que, estarrecida com os novos tempos, começam a ver
transformações cada vez mais díspares das convenções vigentes, tais como observadas por
Durval Muniz de Albuquerque Junior, ao buscar cartografar as principais práticas discursivas
desta sociedade patriarcal, a partir da emergência de enunciados como: desvirilização da

22
Sobre esta questão não pretendo, neste texto, discutir se em 1930 houve uma revolução ou um golpe, afinal há
vários historiadores que de consenso e de quase comum acordo convencionaram que sobre 1930 a hipótese de
golpe é a mais acertada e aceita.
23
Contier, Arnaldo D. – Passarinhada do Brasil: canto orfeônico, educação e getulismo/Arnaldo D. Contier. - -
Bauru, SP. EDUSC, 1998. 68p. ;21.6 cm - - (Coleção Essência). pp. 45-46
24
Elementos do folklore musical brasileiro. São Paulo. Ed. Nacional, 1936. p. 11-4.
25
Ibid. p. 16.
www.cliqueapostilas.com.br

21

sociedade; horizontalização das relações de gênero. Ou seja, lembrando Fernando Vojniak,


resenhando Durval26,

[…] a modernidade trouxera o crescimento da prostituição em função do fim da


proteção que, na sociedade patriarcal, era dada, pelos homens poderosos, às meninas
pobres que defloravam; a velocidade do automóvel em detrimento do cavalo de sela,
símbolo de distinção e de masculinidade; o aumento do número de suicídios entre os
homens, o que parecia demonstrar o enfraquecimento do sexo masculino, […] que
vinha se deixando levar, cada vez mais, pelos desatinos do coração, como faziam as
mulheres27 (p. 115).

A partir da década de 1930, uma série de manifestações culturais emerge


poderosamente, atingindo todos os segmentos sociais do mundo urbanizado. O rádio, o
cinema e a música popular28 avançavam a grandes saltos influenciando e sendo influenciado
pelas práticas, anseios e desejos da sociedade como um todo, neste momento de grande
impulso modernizante.

Diante dos aspectos acima apresentados, sobretudo, em virtude da suposta ameaça do


modelo de sociedade patriarcal, provocada – segundo importantes autores do período – pela
exacerbada modernidade, arruinadora das continuidades e, ao mesmo tempo, aceleradora das
rupturas de paradigmas, que procuro situar a minha análise, tanto sobre os discursos
transcritos das modas de viola e, seus respectivos efeitos, no passado e no presente, quanto a
respeito das influências e efeitos de outros discursos que a “construíam” diante de um mundo
em transformação, ou, ainda, e talvez principal, buscar enquanto historiadores, não perceber
estes discursos como naturais e óbvios, ou naturais porque óbvios, talvez seja mesmo
necessário procurarmos problematizar o próprio conceito de origem e essência.

2.2. MODA DE VIOLA – MODA DE RAIZ

26
VOJNIAK, Fernando. Desconstruindo falas do falo. Rev. Estud. Fem., Florianópolis, v. 11, n. 2, Dec. 2003.
Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104
026X2003000200026&lng=en&nrm=iso>. access on 12 Jan. 2012. http://dx.doi.org/10.1590/S0104
026X2003000200026

27
Nordestino: uma invenção do falo - uma história do gênero masculino (Nordeste 1920/1940).
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Maceió: Edições Catavento, 2003. 256 p.

28
Termo ora usado para definir músicas de apropriação popular no sentido de “apelo às massas” e não no sentido
ideológico que o enunciado MPB ganha a partir da década de 1970.
www.cliqueapostilas.com.br

22

A palavra moda segundo o dicionário da MPB é de origem portuguesa, significando


canto, melodia ou música29. No Brasil, varia de região para região o “formato”,
poético/sonoro como este estilo musical é apresentado para o público consumidor, porém na
maioria das vezes a sua temática é voltada para o meio rural.

Os cantadores nordestinos a apresentam “improvisando” versos ao som da viola,


enquanto que nas demais regiões, as letras das músicas ou modas são previamente compostas.

Apesar de genericamente se convencionar, nos dias de hoje, que toda música


apresentada com viola é moda de viola, as primeiras gravações em discos diferenciam-nas,
por exemplo: pagode e moda de viola; o pagode, como sendo uma música ritmada, onde a
viola e o violão fazem batidas diferentes e os solos são realizados pela viola; diferentemente,
a moda de viola é quase uma letra recitada ao som da viola, com pequenos intervalos de
estrofe para estrofe, narra as suas estórias bem compassadamente onde o ritmo é ditado pela
silábica/escandir da letra composta e “solada” pela viola em uníssono com a voz30.

A viola é um destes instrumentos que nas últimas décadas, com o aperfeiçoamento


das técnicas musicais, volta a fazer parte do cenário musical, com participação em vários
estilos musicais, talvez sob o efeito da fusão musical (fusion music)31. Em grande escala, a
viola tem cada vez mais ocupado espaço entre os instrumentos de corda e, ainda,
transformado seu repertório de forma que, não expressa mais somente um repertório
estritamente rural e/ou sertanejo/caipira.

Contudo, este estilo musical – moda de viola –, ao contrário do


ecletismo/cosmopolitismo da própria viola, muitas das vezes, também é mencionado como
música raiz ou moda de raiz. Em se tratando de música raiz o jornalista, Romildo Sant'Anna32
elabora sua análise calcada nos valores de cultura e civilização. Para ele, a categoria “raízes”
remonta a tempos imemoriais e a-históricos e se revela através da criatividade e
29
http://www.dicionariompb.com.br/moda-de-viola/dados-artisticos acesso 30/10/2011.
30
Estas informações vinham escritas nas capas dos discos, como exemplificado na imagem 01 em anexo.
31
Movimento chamado nos EUA de Fusion nusic e que começa no Brasil, com mais evidência, na década de
1970, com Wilson Simonal, Jorge bem-Jor, Tim Maia, Jair Rodrigues, Sandra de Sá, entre muitos outros; no
final da década de 1980 surge entre os grandes violeiros de renome nacional, Almir Sater que irá misturar
cateretês com folk, blues, Country, influenciando uma geração de seguidores, como por exemplo, João Ormond
entre outros.
32
Sant.Anna, Romildo - A moda é viola: ensaio do cantar caipira / Romildo Sant.Anna. . São Paulo: Arte &
Ciência; Marília, SP: Ed. UNIMAR, 2000. 398 p. ; 21 cm. p. 19-20.
www.cliqueapostilas.com.br

23

espontaneidade do caipira, por isso só pode estar inserida em seu próprio contexto, que ele
considera primitivo e original.

Em sua tese de livre docência intitulada A moda é viola: ensaio do cantar caipira, o
autor não baseia seus estudos na compreensão de um gênero música caipira, mas sim sobre o
que ele chama de “moda caipira de raízes” ou de “literatura popular de longa procedência”.

A definição de “raiz”, segundo o próprio autor, é retirada de Simone Weil, que


afirma que o “enraizamento diz respeito à participação real, ativa e natural na existência de
uma coletividade que conserva vivos certos tesouros do passado e certos pressentimentos do
futuro”. Assim, para o autor, a noção de raiz pressupõe a totalização da vida do caipira no
tempo e no espaço, compreendendo a moda caipira de raízes como aquela que efetiva esta
totalização, o que, consequentemente, a torna compreensível apenas em seu próprio contexto.

Deste modo, tanto as músicas sertanejas e modas de viola gravadas em disco como
também os shows caipiras seriam, apenas “simulacros” da sociabilidade e dos ritos caipiras,
reproduções infiéis que visam assegurar – um tanto sem êxito – a aura das canções
(Sant'Anna, p. 20).

Neste texto evitaremos usar o termo música de raiz, sempre que este termo for usado
será para descrever algum enunciado, afinal, não é intenção deste texto, buscar a origem de tal
estilo musical, mas dar visibilidade e dizibilidade a alguns discursos que, apesar de “refutados
teoricamente” nos dias de hoje, ainda permeiam nossas práticas sociais e, inclusive,
discursivas.

Dentre tantas “nuances discursivas” que podemos notar nestas músicas, tentaremos
localizar quais destas, causam tanto estranhamento em um sujeito, hoje, afetado por tantos
outros discursos que, apesar de num primeiro momento, sofrer lancinantes inquietações, por
ter que cortar na carne, tentar desvencilhar de algo muito forte em sua existência passada e/ou,
ainda, presente, não conseguiu, por outro lado, deixar de ser afetado e capturado por
agenciamentos do presente, que lhe impelem a continuar a cortar na carne, pois mesmo tendo
demasiada influência destas práticas discursiva e sociais vinculadas à moda de viola, não
www.cliqueapostilas.com.br

24

consegue se desvencilhar das emaranhadas linhas rizomáticas de Deleuze e Guatarri33, Keith


Jenkins34, Michel Foucault35, entre tantos outros, não menos importantes, como Margareth
Rago36, Durval Muniz37, Roland Barthes38, Jaques Le Goff39, enfim, dos agenciamentos e
afetamentos que estes textos provocaram e provocam desde o primeiro momento em que
adentrei ao curso de História.

2.3. OS PRECURSORES

As músicas ou, modas de viola, começaram a ser gravadas no final da década de 20


do século passado e início de 30, após o trabalho corajoso, audacioso do precursor Cornélio
Pires40, com destaque para as duplas caipira, Mandi e Sorocabinha 41, Zico Dias e Ferrinho42,
Caçula e Marinheiro43, Laureano e Soares44, entre outros, formando assim o primeiro time ou,

33
Deleuze, Gilles, 1925-1995 D39m Mil platôs - capitalismo e esquizofrenia, vol. 1 / Gilles v.l Deleuze, Félix
Guattari; Tradução de Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa. —Rio de janeiro: Ed. 34, 1995 94 p. (Coleção
TRANS)
34
Jenkins, Keith – A História repensada / Keith Jenkins; tradução de Mário Vilela, 3. Ed. – São Paulo: Contexto,
2005.
35
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. edª16. Rio de Janeiro: Graal. 2001.
36
RAGO, Margareth. O efeito-Foucault na historiografia brasileira.Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo,
7(1-2): 67-82, outubro de 1995.
37
Albuquerque Júnior, Durval Muniz de. – A invenção do Nordeste e outras artes / Durval Muniz de
Albuquerque Júnior; prefácio de Margareth rago. – 2. Ed. – Recife: FJN, Ed. Massangana; São Paulo : Cortez,
2001.
38
BARTHES, Roland. Aula. Trad. Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Cultrix, 1988.
39
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Tradução Bernardo Leitão, et all. 2° Ed. Campinas: UNICAMP,
1992.
40
Cornélio Pires, nascido em Tietê, São Paulo, em 1884, foi escritor, compositor, conferencista, jornalista,
contador de causos, folclorista e poeta. http://www.widesoft.com.br/users/pcastro4/cornelio.htm - Mais
informações em: http://www.widesoft.com.br/users/pcastro4/biogrcp.htm
41
A dupla Mandi e Sorocabinha gravou de 1929 a 1940 e, sem contar as reedições, totalizou 55 discos com 110
músicas, todas de sua própria autoria, pois cantador de verdade não cantava música dos outros. São quase todas
modas-de-viola, com acompanhamento, conforme a tradição, de apenas uma viola, tocada por um ou outro.
Disponível em http://cifrantiga7.blogspot.com/2011/03/mandi-e-sorocabinha.html#ixzz1cfvSjrnw
42
Zico Dias foi motorista e Ferrinho trabalhador agrícola. Era uma dupla especializada em gêneros tipicamente
rurais. Participaram da primeira Turma Caipira formada no final dos anos 1920, por Cornélio Pires. Disponível
em: http://saudadesertaneja.blogspot.com/2009/06/zico-dias-e-ferrinho.html
43
Em 1941, Caçula, com apenas sete anos, apresentou-se tocando sanfona na Rádio Rio Preto. Em 1956, Caçula
e Marinheiro se conheceram em visita à Rádio Bandeirantes e resolveram formar uma dupla. Começaram a se
apresentar na Rádio Nacional no programa "Alvorada cabocla", apresentado por Nhô Zé. Em março de 1960,
lançaram pela Sertanejo o primeiro disco. De um lado, a guarânia "Não chores assim" e do outro a canção
rancheira "Destino de um boêmio", ambos de Caçula e Marinheiro. Disponível em:
http://www.dicionariompb.com.br/cacula-e-marinheiro/dados-artisticos
www.cliqueapostilas.com.br

25

os precursores, da memória registrada em gravações da então chamada, moda de viola ou


moda caipira.

Mais tarde surgiram várias duplas que deram prosseguimento a este estilo de música
que inspirou tantos outros, para citar dois exemplos, a atual música sertaneja que aparece no
final da década de 1970 capitaneada por Léo Canhoto e Robertinho, Milionário e José Rico e
logo depois Chitãozinho e Xororó; e atualmente o sertanejo universitário com sua grande
gama de meteóricos artistas.

2.4. MODA DE VIOLA E GÊNERO.

Ao analisarmos o momento do ápice da moda de viola ou moda caipira (década de


1940-1950), principalmente as mais populares e, o contexto político/cultural, em que estas
músicas foram compostas e/ou gravadas, verificamos, por parte da historiografia sobre a
história brasileira, que, se trata de uma época relacionada ao momento em que as populações
rurais começam a intensificar o abandono do seu meio e, se veem diante das complicações de
novos desafios da vida citadina, representados pelo avanço do processo de modernização e a
expansão capitalista. Possibilitando assim, um momento de quebra das hierarquias familiares
e contribuindo com o “declínio” do modelo de família nuclear patriarcal.

Nesta mesma época, intelectuais, compositores, cantores, artistas de um modo geral,


davam vazão aos discursos poéticos e musicais de seu tempo, discursos que os construíam.
Um desses discursos pode ser lido ou ouvido já na década de 1950, como por exemplo, a
música intitulada: “Boiadeiro de palavra45”, composta por Moacyr dos Santos, Lourival dos
Santos e Tião Carreiro.

44
"Laureano e Soares" chegaram a gravar 14 discos 78 RPM, sendo que o primeiro deles, lançado em 1931,
continha as músicas "Desafio" (Laureano e Soares) e "Casamento" (Laureano e Soares). No mesmo ano,
gravaram na Ouvidor as toadas caipiras "A Crise" (Laureano) e "O Diabo No Mundo" (Laureano), as quais
falavam sobre a crise que o Brasil e o mundo viviam naquela época. E, na mesma esteira, no ano seguinte, a
dupla lançou as modas de viola "Revolta de São Paulo" (Laureano) e "Moda dos Tecelões" (Laureano), onde
também foi retratada a situação política e social brasileira da época. A dupla foi desfeita no final dos anos 30.
Disponível em: http://violaenluarada.blogspot.com/2007/04/grandes-compositores_12.html
45
Lourival dos Santos ao final da década de 1950, compôs, juntamente com Teddy Vieira, várias músicas que
foram gravada por Tião Carreiro e Pardinho. Este “cateretê” foi a primeira composição do novo gênero
denominado “Pagode”, que foi criado pelo Tião Carreiro a partir da batida específica na Viola por ele
estabelecida. Nesse mesmo rítmo, vieram a seguir "Nove e Nove", "Em Tempo de Avanço", "A Viola e o
Violeiro", "Boiadeiro de Palavra" e várias outras composições imortais. Disponível em:
http://www.recantocaipira.com.br/lourival_dos_santos.html - Acesso em 10/04/2012
www.cliqueapostilas.com.br

26

Boiadeiro de palavra46

Autores: Moacyr dos Santos. - Lourival dos Santos. - Tião Carreiro.

Interpretes: Luis Goiano e Girsel da Viola47

Boiadeiro de palavra que nasceu lá no sertão.


Não pensava em casamento por gostar da profissão.
Mais ele caiu no laço de uma rosa em botão.
Morena cor de canela cabelos cor de carvão.
Esses cabelos compridos quase esbarravam no chão.
E pra encurtar a história era a filha do patrão.

Boiadeiro deu um pulo de pobre foi a nobreza.


Além da moça ser rica dona de grande beleza.
Ele disse assim pra ela com classe e delicadeza.
Esses cabelos compridos é a minha maior riqueza.
Se um dia você cortar nóis separa na certeza.
Além de te abandonar vai haver muita surpresa.

Um mês depois de casado o cabelo ela cortou.


Boiadeiro de palavra nessa hora confirmou.
No salão que a esposa foi com ela ele voltou.
Mandou sentar na cadeira e desse jeito falou.
Passe a navalha no resto do cabelo que sobrou.
O Barbeiro não queria a lei do trinta mandou.

Com o dedo no gatilho pronto pra fazer fumaça.


Ele virou um leão querendo pular na caça.
Quem mexeu nesse cabelo vai cortar o resto de graça.

46
Neste texto é analisado quatro músicas, esta música é rotulada como “moda de viola”, porém como já foi
esclarecido no texto, o ritmo desta música é “cateretê” e não “moda de viola”.
47
Música relançada no ano de 2001 por Luiz Goiano e Girsel da viola - O Melhor da Moda De Viola (2001).
Disponível em: http://saudade-da-minha-terra.blogspot.com.br/2008/07/luis-goiano-girsel-da-viola.html - Acesso
em 10/04/2012
www.cliqueapostilas.com.br

27

A navalha fez limpeza na cabeça da ricaça.


Boiadeiro caprichoso caprichou mais na pirraça.
Fez a morena careca dar uma volta na praça.

E lá na casa do sogro ele falou sem receio.


Vim devolver sua filha pois não achei outro meio.
A minha maior riqueza eu olho e vejo no espelho.
É um rosto com vergonha que à-toa fica vermelho.
Sou igual a um puro sangue que não deita com arreio.
Prefiro morrer de pé do que viver de joelhos.

Como dito anteriormente, os autores desta música são homens de seu tempo, vivendo
em cidades, onde o embate entre as mudanças de costumes e tradições são mais acirrados e
evidentes, estes homens (autores da música analisada) reiteram com toda intensidade o
discurso do lugar que este macho ocupa nesta relação familiar patriarcal, que – segundo
alguns intelectuais48 –, estava em declínio, mas que, ao fim e ao cabo, esperava ser salva pela
arte, pela cultura, pela literatura, pelas ciências...; ainda, neste caso, coube a músicos, a
intelectuais e compositores a missão de “perpetuar” e manter vivo este discurso.

O jornalista Romildo Sant’Anna49, em sua tese de livre docência, analisa a mesma


música e argumenta que um homem levado a uma situação-limite, de honra maculada, há de
sublimar o amor que se transformará em fúria demente; a punição de raspar a cabeça da
mulher foi, segundo Sant’Anna, trazida pelos portugueses que buscaram tal prática no código
Visigótico e que, este ato, se justificava quando a honra ultrajada tivesse que ser reparada,
quando não, com sangue. Sant’Anna, ainda dirá que:

Esta forma de resolução, quase sempre trágica, é um atrativo nas modas caipiras
mais bem aceitas pelo público, como os assassinatos em Cabocla Teresa, de Raul
Torres e João Pacífico, e Chico Mineiro, de Tonico e Francisco Ribeiro, ou, como
vimos, o aprisionamento da mulher até a morte por inanição, como na fábula de João
de Barro, de Teddy Vieira e Muibo César Cury50.

48
Sobre esta questão, ver Gilberto Freyre em sua publicação de 1937, “Nordeste”.
49
Sant’Anna, Romildo - A moda é viola: ensaio do cantar caipira /
R o m i l d o San t ’ An n a. - S ão P aulo : Ar te & C iê nc i a; Mar íl ia, SP : Ed . UNIMAR, 2000.398 p. ; 21
cm. p. 175 – 178.
50
Idem.
www.cliqueapostilas.com.br

28

Lourival dos Santos, Moacyr dos Santos e Tião carreiro, compõem esta
música/discurso no final da década de 1950 e este discurso patriarcalista/sexista estava bem
próximo de seu modo de vida, da sua realidade, das mentalidades de sua época. É claro que
este fato não justifica o teor e a gravidade do enunciado, quando muito nos permite buscar
compreender as possíveis razões de desrazões que motivam esta prática social e discursiva,
porém, não servem, ou pelo menos, não deveriam servir para explicar o raciocínio do
“ilustríssimo” jornalista Romildo Sant’Anna, que escreveu estas “pérolas” em 2000, quase
cinco décadas depois. Temos assim, além dos veículos midiáticos nos bombardeando com
discursos “sacralizantes” da nossa verdadeira cultura, ainda mais o discurso de um intelectual
do jornalismo, reiterando e procurando “justificar” e “naturalizar” tais narrativas.
Voltando um pouco mais a análise da própria temporalidade desta música,
poderíamos conjecturar algumas questões como: qual seria o modelo do corte de cabelo que a
mulher escolheu? Talvez, à La garçom, afinal este corte de cabelo foi moda durante a década
de 1930 e parte da década de 1940, embora duramente criticado, inclusive por muitos
intelectuais51. O Brasil desta época, é importante ressaltar – sob forte influência do cinema
americano –, sofria várias transformações culturais e não foi diferente com a moda.
Críticas foram tecidas, na maioria das vezes, sem levar em conta o desejo desta nova
mulher, “filha do seu tempo”, que em muitas circunstâncias buscou resistir e negociar, com as
força que tinha, para inventar novas formas de existência. Tais críticas, grosso modo, eram
frutos de uma mentalidade intrinsecamente atada à situação de dependência em relação ao
colonizador europeu, atrelada ao coronelismo, à escravidão e a influência da igreja católica,
como força política ainda bastante forte e presente na vida de milhões de brasileiros e, ainda,
funcionado como importante instrumento de controle social, capaz de engendrar aspectos
socioculturais diretamente influenciadores do patriarcalismo, conservadorismo e machismo
brasileiro. Tais aspectos, se bem observados nos respectivos versos, nos permitem entender
significativas características da condição feminina no Brasil.

Outro aspecto que podemos pensar e que também pode se notar neste discurso é que,
o poder masculino sobre a esposa e filhos no Brasil, ainda em 1950 é, significativamente,
grande; um poder que foi legitimado, por exemplo, pelo Código civil, de 191652, que
identificava o status civil da mulher casada ao dos menores, silvícolas e alienados, tornando

51
Sobre esta questão ver, Gilberto Freire “Ordem e Progresso”.
52
http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/70309 - acesso em: 13/12/2012
www.cliqueapostilas.com.br

29

as esposas civilmente incapazes. Mesmo as mudanças, no código civil em 1940, não


trouxeram grandes melhorias neste quadro, continuou, legalmente limitado o acesso das
mulheres ao trabalho e à propriedade.

Perante a justiça a esposa só deixou de ser tutelada pelo marido com a promulgação
da Lei n. 4.121, de 1962, conhecida com o Estatuto da Mulher Casada. Mesmo assim, a Lei
do divórcio só foi aprovada em 197753. O “Pátrio poder” (o poder do homem, do pai) na
família só foi revogado com a Constituição, de 198854, que em seu artigo 226 estabelece a
paridade de direitos e deveres entre cônjuges e, de ambos, em relação aos filhos. O novo
Código Civil brasileiro, afinado com a Constituição Cidadã, só entrou em vigor em janeiro de
2003.

Na música ora analisada vemos que, além de haver resquício do código visigótico
como diz Romildo Sant’Anna, há, ainda, uma antiquíssima prática, a saber, a execração
pública; o boiadeiro de palavra (personagem da música) não satisfeito com o fato de humilhar
a mulher frente ao barbeiro, obrigando-o a raspar a cabeça da morena, ainda, a fez dar uma
volta na praça55; quantas pessoas circulavam neste espaço de sociabilidades neste momento?
Quantas outras a olharam com desprezo ou desdém? E talvez, principalmente, quantas teriam
coragem de interferir nesse suplício? Provavelmente poucas, pois adágios populares como: em
briga de marido e mulher ninguém mete a colher, possuíam e talvez ainda possuam força
significativa sobre a forma de pensar e, sobretudo, agir em uma sociedade brasileira
fortemente contaminada pela prática patriarcal.

Também está presente neste discurso musical, a distância social do patrão e do


empregado. Logo no início da música, a frase que termina a primeira sextilha: “e pra encurtar
a história, era filha do patrão”; faz-nos pensar que ser filha do patrão significava ocupar um
importante degrau na hierarquia social, afinal, a morena, não era “qualquer uma”, apesar do

53
http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1977/6515.htm - Acesso em: 13/12/2012

54
http://www.dji.com.br/constituicao_federal/cf226a230.htm - Acesso em: 13/12/2012

55
Roberto DaMatta, ao analisar a oposição entre o mundo doméstico e o público na sociedade brasileira, opõe a
casa a rua, e não a praça. A praça favorece a circulação, a praça é espaço de sociabilidades. Disponível em:
http://www.renatojanine.pro.br/FiloPol/elosocial.html - acesso em 01/02/2012
www.cliqueapostilas.com.br

30

patriarcalismo privilegiar geralmente a figura masculina, o lugar social destinado à morena é


dotado de relativa significância56.

O boiadeiro era o empregado, portanto ocupava um degrau bem abaixo nesta


hierarquia social, tanto que ao se casar com a morena, ele salta para um lugar bem mais
confortável socialmente, pois segundo os autores da música “boiadeiro deu um pulo, de pobre
foi à nobreza” e, assim, podemos inferir que o casamento o elevou moralmente diante daquela
sociedade.

Vemos aqui um discurso, inicialmente de classe social, porém não poderíamos ficar
restritos apenas a uma análise classista, mas, sim, também em ressaltar importantes fatores
culturais, pois, mesmo o boiadeiro sendo de uma classe social menos abastada ou relevante
socialmente/economicamente, o seu discurso/prática de macho, de homem de palavra é
louvado no final da música, “sou igual um puro sangue que não deita com arreio. Prefiro
morrer de pé do que viver de joelhos”, inclusive, lhe permitindo entregar a filha do patrão,
sem que a este, fosse possibilitado a peculiar e cotidiana relação de respeito incontestável.

Também podemos observar que, esta prática discursiva, pode revelar mais que uma
luta de classes ou fatores culturais, nela há ainda, a possibilidade de pensarmos o enunciado
sobre a pureza de sangue, tão presente na época, podendo corroborar e reiterando o
antissemitismo, endossado pelo Estado; talvez não seja o caso de discutirmos tal temática
nesta oportunidade, mas, ainda assim, devemos salientar, a dimensão e a multiplicidade de
enunciados passíveis de serem problematizados na respectiva moda de viola; podemos,
inclusive, acrescentar que no Brasil, essa modalidade do antissemitismo político existiu
enquanto política de bastidores nos governos Vargas (1937-1945) e Dutra (1946-1950)57, que
consideravam o judeu como “raça indesejável” para compor a população brasileira. É claro
que, não estamos aqui atribuindo o sentimento antissemita a toda população brasileira, mas no
Brasil dos anos 30, a Ação Integralista Brasileira (AIB), já adotava o discurso antissemita em
suas mais diversas formas, e não se pode esquecer que se tratava do primeiro partido de

56
O autor não usaria o enunciado inocentemente, pois até hoje ser filha (o) do patrão ou de alguém importante
perante a sociedade tem sua significância, até mesmo para ser usado como tráfico de influência. A morena filha
do patrão, provavelmente fora criada para ser uma boa esposa, uma mulher que soubesse administrar e dotar de
significados o tempo e o espaço de um lar. Para melhor analisar esta questão, ver: (Ritos da vida privada
burguesa, Anne Martin-Fugier. p. 194).

57
LESSER, Jeffrey. O Brasil e a questão judaica. Imigração, diplomacia e preconceito. Rio de Janeiro: Imago,
1995. p. 65
www.cliqueapostilas.com.br

31

massas do Brasil, tendo milhares de adeptos em todo o país e utilizando-se de uma estrutura
organizacional em nível nacional até então inexistente nos partidos políticos brasileiros58.
Segundo Natália dos Reis Cruz,

[…] as elites intelectuais, já na década de 20, voltavam seus olhos cada vez mais
para os judeus, utilizando a linguagem de influência eugênica do anti-semitismo
europeu. O fato de a maioria dos imigrantes judeus virem do Leste Europeu pós-
Revolução Russa serviu para que os principais intelectuais e políticos brasileiros
confirmassem seus preconceitos de que todos os judeus eram comunistas e
exploradores econômicos59.

Entre tantas outras ações antissemitas, é interessante observar que, tratavam os


judeus como “uma anomalia a ser combatida” (Cruz, 2009) e, ainda, lhes faziam paradoxais
“acusações de que eram tanto capitalistas gananciosos como comunistas demoníacos, viviam
em cidades e nunca poderiam ser lavradores, bem como eram criminosos e bem sucedidos
demais”. (Lesser, 1995, p. 29).
A análise de cada discurso é justificada, não somente pela reiteração do discurso
dominante dos autores, pois, não custa lembrar que, Lourival dos Santos, um dos autores da
música ora analisada, pertencia a uma casta privilegiada, casado com Jandira, professora de
filosofia, irmã do dramaturgo Oduvaldo Vianna, o qual implantou as novelas no Rádio
brasileiro, Lourival, compositor desde a infância teve sua primeira música gravada em 1938,
pela Columbia, teve a oportunidade de ter suas músicas, cantadas por Lambari e Laranjinha,
nos intervalos das novelas, na antiga Rádio São Paulo60.

Tais obras devem também ser analisadas, a partir do interesse de desconstruir,


dessacralizar, formulações de discursos/práticas patriarcalistas (machistas); discursos - é
importante ressaltar - normalmente não tolerantes à diferença do outro enquanto “ser que
deseja”; discursos/práticas que buscam evidenciar a hierarquização como algo natural;
discursos estes que ficaram, sobremaneira, impregnado e arraigado, pela busca da imposição
de sentidos, no comportamento da nossa sociedade que, apesar de viver em pleno século XXI,
ainda emprega e vivencia muitas práticas características dos padrões morais advindos destes
discursos musicais, presentes na religião, na arte/cultura, na literatura, na historiografia, etc.

58
Sobre as questões anti-semitas da AIB (Ação Integralista Brasileira) ver: TRINDADE, Hélio. Integralismo. O
fascismo brasileiro na década de 30. São Paulo: Difel, 1979.
59
CRUZ, Natália dos Reis - A imigração judaica no Brasil e o anti-semitismo no discurso das elites. Política &
Sociedade, v. 8, p. 225-250, 2009.
60
Disponível em: http://www.violatropeira.com.br/3%20gera%C3%A7ao.htm – Acesso em: 13/12/2012
www.cliqueapostilas.com.br

32

Hoje, como se não bastassem alguns apresentadores de televisão e locutores de rádio


repetindo a velha ladainha: “A verdadeira cultura brasileira, a nossa moda raiz”, estes hits
musicais estão voltando a ser gravados – em grande parte pelos então chamados, sertanejo
universitário - neste caso uma das grandes duplas expoentes deste novo estilo musical, e que
tem em seu repertório, várias destas composições, às quais são apresentadas ao público em
shows, é Cesar Menotti e Fabiano, que recentemente declararam o seguinte em uma entrevista
cedida ao ospaparazzi:

OSPAPARAZZI – Por terem o sertanejo de raiz como principal referência,


vocês cantam nos shows algumas músicas desse estilo. Qual o segredo para
fazer músicas caipiras caírem no gosto da geração atual?

César Menotti e Fabiano: O segredo é ser autêntico e cantar o que faz parte
da sua alma. A música caipira faz parte da nossa. Nós cantamos o que
gostamos de ouvir e o público se identifica com isso, tanto que o auge do
nosso show é o momento dos “banquinhos”, onde cantamos as modas de
viola61.

Veja como, estes discursos ainda causam echo, ressonância e reverberação, em meio
a nossa sociedade. Causam echo porque repetem de maneira imperfeita, já que o echo é a
repetição distorcida de um som62, ou seja, reflete velhos discursos que deveriam ser
problematizados, re-significados e/ou quiçá refutados por uma sociedade que se quer mais
humana, mais tolerante com as diferenças; os sons destes discursos soam tão alto e tão
fechado em suas verdades que a ressonância é insuportável a ouvidos mais críticos e
tolerantes às diferenças; resulta que as reverberações destes discursos prolongam
sobremaneira que por décadas se vão ultrapassando incólumes e sacralizados.

A faixa etária das pessoas que formam o público consumidor desta categoria de arte
e/ou deste produto (Shows de artistas “universitários”) é em sua grande maioria de trinta anos
para baixo, vivem sendo bombardeados por estes discursos, diante de um suporte bem mais
prazeroso que uma cadeira em uma sala de aula, portanto, bem mais “fácil” de ser assimilado
o conteúdo veiculado, a música! Esta maravilhosa arte que constrói sensibilidades, motiva
passionalidades, e inventa/reinventa desejos.

61
Disponível em: http://www.ospaparazzi.com.br/celebridades/cesar-menotti-e-fabiano-revelam-detalhes-da-
carreira-3801.html - Acesso em: 13/12/2012
62
Sobre esta questão ver: Joan Scott - Fantasy Echo: História e a construção da Identidade -
http://vsites.unb.br/ih/his/gefem/labrys1_2/scott1.html - acesso em 05/07/2011
www.cliqueapostilas.com.br

33

Além de uma análise dos discursos poético-musicais da referida música, este texto
trata, obviamente, de uma história de gênero, pois, também é disso que a música fala – de uma
relação de gênero. Cada um com seus desejos, suas vontades, seus sonhos, mas infelizmente,
uma relação onde, na maioria das vezes, apenas um gênero prevalece sobre o outro, será que
podemos chamar este relacionamento com o outro, de relação de gênero, onde cada um
exerce uma parcela de poder? Ou será esta uma relação de dominação, onde um busca
sistematicamente prevalecer sobre o outro que se “deixa” assujeitar?
Marilena Chauí concebe estas práticas “[…] como resultado de uma ideologia de
dominação masculina que é produzida e reproduzida tanto por homens como mulheres.”63,
Martha Narvaz e Henrique Caetano Nardi argumentam que,

“[…] as feministas compreendem que há relações em que o poder está congelado,


saturado, não havendo mobilidade ou fluidez, o que caracteriza os estados de
dominação. A dominação se dá, então, de forma assimétrica, desigual, linear e
vertical.”64

Porém, pensando numa escrita de um texto acadêmico, uma poesia, uma peça teatral
ou numa composição musical que distancie desta prática enunciativa onde não há lugar para a
heterogeneidade a multiplicidade, distancio-me dos discursos ideológicos, como quer
Marilena Chauí, ao mesmo tempo não concebo a ideia de poder congelado como Martha
Narvaz e Henrique Caetano Nardi, mas me aproximo das argumentações de Durval Muniz de
Albuquerque Junior que diz:

“[…] Os estudos de gênero ao questionarem as hierarquias entre o masculino e o


feminino, ao porem em questão a ordem heteronormativa, a ordem patriarcal, devem
ser capazes de pôr em questão a ordem que rege a escritura, devem ser capazes de
transgredir a hierarquia de gêneros tanto na literatura, quanto nas artes e nas
ciências.”65

Durval Muniz com contagiante inspiração em Gilles Deleuze e Maurice Blanchot,


nos prescreve uma escrita que, embora exprima o pensamento e a vida, possa ir através/além

63
SANTOS, Cecília Macdowell. IZUMINO, Wânia Pasinato. - Violência contra as mulheres e violência de
gênero: Notas sobre Estudos Feministas no Brasil. Disponível em:
http://www.nevusp.org/downloads/down083.pdf - Acesso: 11/04/2012.
64
NARVAZ, Martha; NARDI, Henrique Caetano. Problematizações feministas à obra de Michel Foucault. Rev.
Mal-Estar Subj., Fortaleza, v. 7, n. 1, mar. 2007 . Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-61482007000100005&lng=pt&nrm=iso>.
acessos em 11 abr. 2012.
65
Albuquerque Júnior, Durval Muniz de. Escrever como fogo que consome: reflexões em torno do papel da
escrita nos estudos de gênero – Disponível em: http://ebookbrowse.com/escrever-como-fogo-que-consome-pdf-
d50791439 - Acesso em 10/04/2012
www.cliqueapostilas.com.br

34

de ambos; escrita que ultrapasse a vida cotidiana, como se nos afigura no presente, neste
modo de funcionar repetitivo da sociedade; uma escrita experimental que transpusesse a si
mesmo, a memória e a história; escrita capaz, sobretudo, de se desprender das teorias, dos
clichês gramaticais, lexicais e conceituais que insistem em explicar a vida. Muito mais que
uma escrita amorosa, quiçá uma escrita apaixonada, pois,
A paixão seria esta fraternidade de almas, algo que não é mais do plano da
individualidade, mas algo que desmancha o próprio indivíduo. A escrita de gênero
talvez seja esta escrita apaixonada por ser uma escrita movida não pelo amor a
alguém, mas pela paixão por algo, a paixão pelo devir, pela história, pela
possibilidade de mudança, paixão por um ser que ainda está por vir, ainda está por
criar.66

Talvez neste discurso de Durval Muniz esteja contido muito mais que uma escrita de
gênero, mas uma bela sugestão de como deve ser a escrita de um historiador sobre qualquer
temática abordada, pois qualquer temática passível de ser abordada pelo profissional da
história diz respeito à vida humana, consequentemente, a gênero.

66
Idem.
www.cliqueapostilas.com.br

35

CAPÍTULO III

3.1 – RESSONÂNCIAS RACISTAS E “PATRIARCAIS” NA MODA DE VIOLA

Na década de 1950, outro grande compositor de moda de viola surge no cenário


artístico, Teddy Vieira67, neste mesmo ano tem uma de suas obras primas gravada, a música
intitulada “Preto de alma branca”, vejamos a letra:

Preto de Alma Branca

Interpretes: Liu e Léu

Compositores: Teddy Vieira, Lauripe Pedroso

Fazenda da liberdade onde coronel vivia


seus colonos e empregados gozavam da regalia
mas tudo que é bom se acaba cada coisa tem seu dia
foi numa tarde de maio que o coronel falecia
um preto velho chorou na hora que o caixão saia
era o peão mais antigo que na fazenda existia

Com a morte do coronel o seu filho ficou patrão,


mas não herdou do seu pai aquele bom coração,
mandou chama o preto velho e disse sem compaixão,
vou manda você embora, não tenho mais precisão,
preciso aqui gente nova pra cuidar das criação,
foi outro golpe doído, na vida desse cristão.

67
Teddy Vieira Azevedo (Itapetininga/SP, 23 de dezembro de 1922 — Itapetininga/SP, 16 de dezembro de
1965) É considerado um dos compositores mais famosos do Brasil, tendo deixado mais de 200 composições
gravadas. Sem dúvidas a sua principal obra foi o “Menino da porteira”, sendo um sucesso sertanejo regravado
inúmeras vezes. Disponível em: http://compositorhg.blogspot.com.br/2012/11/teddy-vieira-luisinho-
homenagem.html - Acesso em: 13/12/2012.
www.cliqueapostilas.com.br

36

No palanque da mangueira o preto velho encostou


ali de cabeça baixa seu passado relembrou
de quantos boi cuiabano nos seus braços já berrou
quantos potros redomão sua chilena quebrou
um estalo no portão de repente ele escutou
um pantaneiro furioso na mangueira penetrou

A filha do fazendeiro a sua prendinha querida


aquele anjo inocente brincava muito intertida
o preto saiu correndo com as pernas enfraquecidas
parou na frente do boi quando ele deu a investida
no chifre do pantaneiro as suas força foi vencida
pra salvar a sinhazinha ele arrisco sua própria vida

O fazendeiro correndo cinco tiros disparou


derrubou o pantaneiro mas nada disso adiantou
abraçando o preto velho o coitado inda falou
mande benze a sinhazinha do susto que ela levou
eu preciso ir embora minha hora já chegou
e o preto de alma branca deste mundo descansou ai

Nesta música vamos notar resquícios das relações coronelísticas e o efeito da


modernidade agindo no tecido social pela via do discurso poético/musical, mais uma vez
notamos os compositores sendo objetivados pelas práticas e discursos dominantes e os
reiterando constantemente.

Bem, de forma sucinta e talvez apressada, tentemos ver quem foi Teddy Vieira:
Cursou o ensino primário em Itapetininga e em seguida transferiu-se para São Paulo, onde
concluiu o secundário no Colégio João Kophe e Oswaldo Cruz, fez a primeira composição aos
18 anos, foi funcionário público, e aos 22 anos começou a trabalhar na Colúmbia, da qual foi
diretor artístico, em 1958, transferiu-se para a Chantecler como diretor artístico.

Procuramos saber informações como estas, pelo fato de muitas músicas deste estilo,
serem compostas por pessoas analfabetas ou semi-alfabetizadas, que nem por isso deixam de
ter sua importância, mas no caso de Teddy Vieira, estamos falando de um profissional com
www.cliqueapostilas.com.br

37

status privilegiado socialmente, culturalmente, politicamente e, apesar de ser nascido no


interior de São Paulo, posteriormente se muda para a capital, passando a ser um homem com
acesso a muitas informações, pois se relacionava com muitos jornalistas e radialistas
importantes no meio midiático.

Este homem nascido em 1922 acompanhou, com estranhamento, todo o efeito que a
modernidade causou no modelo de família patriarcal; nas relações coronelísticas, paradigma
daquela sociedade; na economia; na política...; e, principalmente, nas relações interpessoais.

Ao gravar esta música – Preto de alma branca, em 1950; primeiro, denota certo
saudosismo quanto às relações coronelísticas, sobretudo, quando ressalta a “bondade” do
coronel em “permitir” que seus colonos e empregados gozassem de regalias, quais seriam tais
regalias? Talvez fosse o “consentimento” de uso da terra para plantio de subsistência, o qual,
não raro, possibilitava a este coronel o “desbravamento” quase gratuito da área e,
principalmente, logo depois da terra toda formada, expulsar estes colonos, depois é claro, do
pagamento de arrendamento pelo uso desta terra e, assim, deixa-la toda plantada com capim
para o gado68; esta era uma prática muito comum entre os “benevolentes coronéis”.

O filho do coronel, o herdeiro, cheio de ideias69 decidiu que precisava de gente nova,
com mão de obra especializada para o seu empreendimento e sem “compaixão” mandou o
preto velho embora. Não esqueçamos que na década de 1950, houve vultosos investimentos
para os grandes agropecuaristas, segundo FIBGE – Censos Agrícolas do Brasil de 1950 e
1960; Censos Agropecuários do Brasil de 1970, 1975, 1980 e 1985, somente a venda de
tratores passou de 8,372 em 1950 para 665,280 em 198570, apesar do crescimento se dar a
partir da década de 1950, podemos pensar o filho do coronel como um sujeito de grande visão
empreendedora, que após a morte do pai coloca em prática seu plano de modernização das

68
Sobre esta questão ver: FERNANDES, Bernardo Mançano. - CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DO
CAMPESINATO BRASILEIRO: Formação e Territorialização do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem
Terra - MST (1979 –1999). Disponível em: http://www2.fct.unesp.br/nera/ltd/Tese_BMF.pdf - acesso em
21/04/2012.
69
Efeito da modernização, talvez tenha buscado estas ideias na Europa ou nos Estados Unidos da América, já
que nas décadas de 1930-1940, foi muito comum à elite mandar os seus filhos estudarem nestes lugares, ideias
não muito bem vistas pelos conservadores.
70
TEIXEIRA, Jodenir Calixto. - MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA NO BRASIL: IMPACTOS
ECONÔMICOS, SOCIAIS E AMBIENTAIS. – Disponível em: http://www.cptl.ufms.br/revista-geo/jodenir.pdf
- acesso em: 07/05/2012
www.cliqueapostilas.com.br

38

suas propriedades. Será que o preto, personagem da música foi qualificado para as novas
atividades/trabalhos que surgiram desde então?
Este discurso musical não seria uma forma de esconder que desde a libertação dos
escravos, em 1888, pouco foi feito, pelo Estado e/ou pelas elites, em relação à educação e a
qualificação destas e outras pessoas?

Na narrativa que se segue prevalece o pensamento maniqueísta que vive norteando


boa parte da literatura, da política, da historiografia, enfim, das várias áreas do conhecimento.
Parece-nos que, constantemente, temos que ter um deus e um demônio ou, um bom e outro
ruim, um bem e outro mal, para compreendermos e explicarmos as relações que nos cercam
sem levar em conta as muitas outras variáveis, dentre as quais, o desejo do outro.

Outra faceta discursiva da música ora analisada que me chamou a atenção é, sem
dúvida, o enunciado/título, “O preto de alma branca”, pois lembra muito ainda os discursos
de branqueamento da raça, e neste caso, começando pelo branqueamento da alma do negro. O
período que compreende o final do século XIX e primeira metade do século XX é tido como
um dos mais eugênicos na história do Brasil, entre as várias medidas de eugenia, podemos
ressaltar a que visava o branqueamento da raça, era sem dúvida uma das mais preocupantes,
Maria Aparecida Silva Bento nos alerta que, “[…] Havia uma expectativa de o Brasil tornar-
se um país branco, como consequência do cruzamento de raças.”71

Maria Bernardete Ramos Flores72, também faz alusão a este período em que vários
intelectuais de diversas áreas do conhecimento propagandearão várias medidas com o claro
intuito de padronização brasílica de beleza; para dar efeito de verdade às medidas propagadas,
Psicólogos, sexólogos, artistas plástico, intelectuais, políticos, educadores, religiosos, juristas,
artistas, jornalistas, antropólogos…, todos imbuídos, engajados na “invenção” de um novo
modelo de beleza brasílica, pautados nos modelos propagandeados na Europa. Renato Kehl73,

71
BENTO, Maria Aparecida Silva - BRANQUEAMENTO E BRANQUITUDE NO BRASIL – Disponível em:
http://www.ceert.org.br/premio4/textos/branqueamento_e_branquitude_no_brasil.pdf - Acesso em 24/04/2012
72
A política da Beleza: Nacionalismo, corpo e sexualidade no projeto de padronização brasílica – Diálogos
latinoamericanos, número 001 – Universidade de Aarhus – Aarhus, Latinoamericanistas, pp. 88 – 109 /
http://redalyc.uaemex.mx/pdf/162/16200108.pdf – acesso em 05/07/2011
73
Segundo Maria Bernardete Ramos Flores, Renato Kehl foi o fundador e diretor do Boletim de Eugenia em
1929. Um dos organizadores dos congressos de Eugenia no Brasil. Entre os livros de sua autoria, citamos alguns,
os quais tem relação direta com a questão da eugenia, escritos entre os anos de 1920 e 1940: Pais, Médicos e
Mestres; Como Escolher um bom Marido; Como Escolher uma boa Esposa; Catecismo para Adultos; Porque
sou Eugenista; Aparas Eugênicas; Sexo e Civilização; A Cura da Fealdade; Melhoremos e Prolonguemos a
Vida. – Idem.
www.cliqueapostilas.com.br

39

Afrânio Peixoto74, Hernani de Irajá75, Oliveira Viana76, são alguns dos pensadores com farta
produção intelectual e que visavam esculpir novos corpos e padrões de beleza, gestados na
Europa dos séculos XVIII e XIX, fruto do liberalismo e formação das nações.

No século XX, com a crise do liberalismo e a instalação dos governos totalitários,


transfere-se a questão da auto-perfectibilidade individual para a perfectibilidade da nação
como sujeito coletivo. Estes são alguns discursos que reverberavam nos meios científico,
cultural, artístico e religioso durante a primeira metade do século XX. Talvez entendendo
estes dispositivos de saber e poder, possamos também entender o que objetivavam e
inspiravam estes compositores e as suas canções.

O discurso desta música composta na década de 1950, talvez seja o fruto discursivo
deste modelo de sociedade. Hoje seis décadas depois, elegermos tais enunciados musicais
como nossa cultura e/ou nossa raiz, talvez explique porque ainda somos tão preconceituosos,
porque não toleramos as diferenças, porque a nossa sociedade ainda queima índios, moradores
de ruas e outros “anômalos”, porque ainda tratamos de modo preconceituoso pessoas que nos
prestam serviços, como o caso incansavelmente noticiado pela rede Globo sobre o médico
Heverton Otacílio de Campos Menezes contra mulheres afrodescendentes durante o exercício
de seu trabalho77. Implícitas no discurso desta música são as objetivações a estas práticas
sacralizadas em versos, prosas, acordes e cantos, que ainda permeiam os sedimentos do
enunciado, nossa verdadeira cultura, nossa música raiz.

Em 1963, Tião carreiro e Pardinho gravou um disco intitulado, “Casinha da serra” e,


na sexta faixa do disco uma música chamada, “Preto inocente”, de composição de: Teddy
Vieira, Campão e Bento Palmiro. Nesta música, como na anterior, os compositores

74
Afrânio Peixoto, escritor, médico, educador, historiador, romancista, escreveu 141 obras: tratados de medicina
legal e de higiene, poesias, novelas e romances sertanejos e urbanos, livros de e sobre educação, biografias,
estudos literários, monografias sobre folclore, pensamentos e reflexões, História, teatro, perfis, impressões de
viagens, terras e países. Na área da medicina legal, escreveu várias obras. Em 1910, Elementos da medicina
legal; Em 1916, Psicopatologia Forense; em 1927, Medicina legal dos acidentes de trabalho e das doenças
profissionais; em 1932, Novos rumos da medicina legal; em 1934, Criminologia e Sexologia Forense. – Idem.
75
Hernani de Irajá, artista plástico e médico sexólogo - Principal obra: Morfologia da Mulher. Nesta obra o autor
afirma que como os seus livros anteriores “[…] este será de grande utilidade não só aos estudiosos, aos médicos,
ginecologistas, antropologistas, como também aos escultores e pintores que se interessam pelos problemas da
raça e assuntos brasileiros”. – Idem.
76
Para Oliveira Viana, “[…] em regra, o que chamamos mulato é o mulato inferior, incapaz de ascensão,
degradado nas camadas mais baixas da nossa sociedade…”. – Idem.
77
http://globotv.globo.com/rede-globo/jornal-nacional/v/policia-do-df-indicia-psicanalista-por-racismo/1930016/
www.cliqueapostilas.com.br

40

apresentam um discurso que visa de certa forma, “promover” o negro ou o preto à condição
de ser humano, um ser que tem, entre outras características, a faculdade de ter bondade,
benevolência, como o nosso personagem anterior (Preto de alma branca), e mesmo quando o
querem “inocentá-lo” de algo que não cometeu, não conseguem se livrar do racismo que os
objetivam, vejamos:

Preto inocente

De: Teddy Vieira - Campão - Bento Palmiro.

Interpretes: Tião Carreiro e Pardinho

Quando eu soube desse fato pelo radio anunciado


Que um tal preto fugido morreu por haver roubado
As façanhas que ele fez me deixou muito amolado
Por alembrar que os pretos sempre são os mais visados
Mas diante da verdade eu vi que estava enganado

Vou contar o causo direito do modo que se passou


Porque o pai de Suzana num criminoso virou
Na hora que deu o tiro foi que a Suzana gritou
Oh papai porque fez isso o senhor nem me consultou
Se eu ainda estou com vida é o preto que me salvou

No mato eu tava lenhando logo pegou escurecer


O caminho que eu voltava eu não podia mais ver
Naquilo avistei o preto de susto peguei tremer
Mocinha não tenha medo escutei ele dizer
Eu sou preto só na cor mal nenhum vou lhe fazer

Eu tava muito cansada o meu corpo não agüentou


Fui sentar debaixo dum toco uma cobra me picou
O preto rancou da faca o meu pé ele sangrou
O veneno da serpente com a boca ele tirou
Pra salvar a minha vida com a morte ele brincou
www.cliqueapostilas.com.br

41

E aqui nessa cabana ele trouxe eu carregando


E que nem um sentinela na porta ficou vigiando
Lá fora na mata escura as feras tava uivando
Abatido pelo sono coitado foi cochilando
Veio o senhor de surpresa e a vida foi lhe tirando

Com as palavras de Suzana o seu pai pegou chorar


Fosse coisa que eu pudesse de novo a vida eu lhe dar
Com o sangue desse inocente minha honra eu fui manchar
Este chão que ele pisava eu não mereço pisar
Sei que vou ser condenado só Deus pode me livrar

Logo na primeira parte da música os autores aludem o discurso da perseguição aos


negros, podemos pensar que um “preto fugido” poderia significar que este era um fora da lei,
os autores deixam claro que o preto supostamente “fugia porque roubou”; se não houvesse
roubado o mesmo não estaria fugindo (o que se descobre mais tarde), os compositores deixam
claro que pela condição de sua negritude que já o coloca na condição de “visado”, caso um
branco roube e um preto esteja por perto, fatalmente o preto será o primeiro suspeito.

Bem, podemos observar que o racismo nesta época ainda é muito grande, a começar
pelo próprio enunciado/título da música, “Preto inocente”, pois não se diz desta forma de um
branco, “o branco inocente”. Esta prática discursiva impregna os nossos enunciados até hoje
como forma de nomear, classificar, hierarquizar; é comum ver designações como estas, na
televisão, nos jornais, revistas, etc., quando se é negro, vez ou outra se é estereotipado de:
ator negro, a atriz negra, cantor ou cantora negra, mulher ou homem negro, como se a cor da
sua pele fizesse parte da descrição, do rótulo ou marca registrada, como se estivesse falando
de eletrodoméstico “a geladeira Brastemp, o fogão Dako, a batedeira Arno”; engraçado, não
se fala assim do ser humano branco.

Na terceira parte da música, o preto se torna assombroso, pois Suzana (personagem


da música) ao avistá-lo começa a tremer, e para tranquiliza-la e ser digno de credibilidade, ele
deve renunciar à cor das suas ações: “Eu sou preto só na cor, mau nenhum vou lhe fazer”.
Vemos aí no discurso dos compositores o negro ou preto sendo objetivado a renunciar a sua
cor para obter credibilidade e respeito. Em 1951, Gilberto Freyre deixa clara as suas ideias em
www.cliqueapostilas.com.br

42

Sobrados e Mocambos78, sobre uma suposta democracia racial, com grande acesso a
mobilidade para o negro; porém o que se constata na década de 1960, num estudo patrocinado
pela UNESCO, encabeçadas por Florestan Fernandes e Roger Bastide, dentre outros, é a
constatação da existência do preconceito racial no Brasil, segundo Francisco Carlos de
Lucena:

“[…] as pesquisas de Florestan Fernandes e dos demais estudiosos do projeto da


Unesco, denunciaram tal democracia racial como sendo um mito falseador da real
situação dos “negros” e “mestiços” no país. Ao contrário de uma democracia racial,
Fernandes (1966) declara que no Brasil as pessoas têm vergonha de afirmar que são
racistas”79.

Continuando, nesta terceira parte da música, podemos notar o quanto a figura do


preto ainda assombra as pessoas, Durval Muniz ao escrever “A Invenção do Nordeste e outras
Artes”, nos alerta sobre os discursos que construíram o medo do negro80, ou seja, este é um
discurso datado do final da década de 1920 e que vem reverberando nas décadas seguintes. Só
o fato de o preto ser encontrado perto de uma donzela ferida, já o transformou em culpado,
sem júri e nem clemência, sua pena foi a máxima. A morte!

Segundo pesquisamos, na década de 1970 parece haver um hiato na produção de


modas de viola de grande repercussão na mídia, década de muita turbulência política e grande
efervescência no mundo artístico, dado o descontentamento de parte da sociedade com o
regime instaurado pela ditadura militar no Brasil e, que não se deixaram levar pelos versos de
Miguel Gustavo (Pra frente Brasil, hino à seleção brasileira). De um lado tínhamos os
cantores e compositores que eram denominados “da MPB” que se empenharam em dar vazão
ao seu descontentamento em forma de protesto musical; de outro lado, na música sertaneja,
vão aparecer novos nomes de grande repercussão na mídia da época, tais como, Léo Canhoto
e Robertinho, Milionário e José Rico, Chitãozinho e Xororó, entre outros, com outra proposta
musical; proposta esta que se tornará um marco, contudo, por uma questão de espaço e,
sobretudo, de objetivos não a estudaremos neste momento. Talvez não tenha sobrado espaço

78
FREYRE, Gilberto. - Sobrados e Mocambos: Decadência do Patriarcado Rural e Desenvolvimento Urbano.
Rio de Janeiro; José Olympio, 1951.
79
LUCENA, Francisco Carlos de. A mistura das "raças": o caso brasileiro. Revista Ágora, v. 3, p. 46-61, 2009. –
Disponível em: http://www.iseseduca.com.br/pdf/revista3/arquivo36.pdf - Acesso em: 02/05/2012
80
Sobre a construção/invenção do medo do negro, ver: Albuquerque Júnior, Durval Muniz de - A invenção do
Nordeste e outras artes / Durval Muniz de Albuquerque Júnior; prefácio de Margareth Rago. – 2. Ed – Recife:
FJN, Ed. Massangana; São Paulo : Cortez, 2001. p. 61
www.cliqueapostilas.com.br

43

na mídia para as modas de viola e/ou as mesmas não tiveram grande repercussão, creio que
uma pesquisa mais apurada, no futuro, poderá apontar novos e esclarecedores dados.

Na década de 1980, várias duplas sertanejas gravaram a moda de viola intitulada,


“Caboclo na cidade” dos compositores “Nhô Chico e Dino Franco”. Sobre Nhô Chico, poucas
informações puderam ser apuradas, tais como: começou a sua carreira em 1974 como
cururueiro ao lado do, já famoso, “Parafuso”, compôs junto com os mais renomados violeiros
e compositores da época e tem como o seu maior sucesso a música, “Caboclo na cidade” que
fez em parceria com Dino Franco e que foi regravada por muitas duplas posteriormente.

Por outro lado temos Osvaldo Franco (Dino Franco) nascido em 1936 que em 1954
começa a sua carreira artística na Rádio Marconi de Paraguaçu Paulista. Dois anos após, em
1956, estava na Capital e cantou com Tibagi (da dupla Tibagi Miltinho). Nessa época Dino
Franco tinha o nome artístico de Pirassununga81. Após várias tentativas com muitos parceiros
e alguns discos gravados, se tornou produtor de elenco da gravadora Chantecler, passando a
produzir os discos das duplas famosas da época: Lourenço e Lourival, Abel e Caim, Liu e
Léu, entre outras. Trabalho este que permitiu, após tantas e tantas experiências, “a felicidade
de encontrar Mouraí (Luiz Carlos Ribeiro) nascido em Ibirarema/SP, em 19 de julho de 1946,
com quem gravou um total de 16 discos. A dupla só veio apartar com a morte de Mouraí
ocorrida em 17 de outubro de 2005”82.

No início da década de 1980 a dupla Dino Franco e Mouraí lançam o disco (LP)
intitulado “Rancho da paz” e, neste mesmo disco a canção “Caboclo na cidade”, vejamos a
letra na íntegra.

Caboclo Na Cidade

Autores: Nhô Chico e Dino Franco

Interpretes: Dino Franco e Mouraí

Seu moço eu já fui roceiro no triângulo mineiro onde eu tinha meu ranchinho.
Eu tinha uma vida boa com a Isabel minha patroa e quatro barrigudinhos.

81
Disponível em: http://www.recantocaipira.com.br/dino_franco.html Acesso em: 13/02/2012 às 17hs e 56 min.
82
idem
www.cliqueapostilas.com.br

44

Eu tinha dois bois carreiro, muito porco no chiqueiro e um cavalo bom, arriado.
Espingarda cartucheira quatorze vacas leiteiras e um arrozal no banhado.

Na cidade eu só ia a cada quinze ou vinte dias pra vender queijo na feira.


E no mais estava folgado todo dia era feriado pescava a semana inteira.
Muita gente assim me diz que não tem mesmo raiz essa tal felicidade
Então aconteceu isso resolvi vender o sítio e vir morar na cidade.

Já faz mais de doze anos que eu aqui já to morando como eu to arrependido.


Aqui tudo é diferente não me dou com essa gente vivo muito aborrecido.
Não ganho nem pra comer já não sei o que fazer to ficando quase louco.
É só luxo e vaidade penso até que a cidade não é lugar de caboclo.

Minha filha Sebastiana que sempre foi tão bacana me dá pena da coitada.
Namorou um cabeludo que dizia Ter de tudo, mas fui ver não tinha nada.
Se mandou pra outras bandas ninguém sabe onde ele anda e a filha tá abandonada.
Como dói meu coração ver a sua situação nem solteira e nem casada.

Até mesmo a minha veia já tá mudando de idéia tem que ver como passeia.
Vai tomar banho de praia tá usando mini-saia e arrancando a sobrancelha.
Nem comigo se incomoda quer saber de andar na moda com as unhas todas vermelhas.
Depois que ficou madura começou a usar pintura credo em cruz que coisa feia.

Voltar pra Minas Gerais sei que agora não dá mais acabou o meu dinheiro.
Que saudade da palhoça eu sonho com a minha roça no triângulo mineiro.
Nem sei como se deu isso quando eu vendi o sítio para vir morar na cidade.
Seu moço naquele dia eu vendi minha família e a minha felicidade!

Esta música, segundo as arguições dos seus autores (Nhô Chico e Dino Franco)
denotam, o saudosismo, a perplexidade e a frustração de um pequeno proprietário de terras,
que dado os efeitos da modernização da agricultura e pecuária que privilegiaram apenas os
grandes proprietários, vende o que tem pra vir morar na cidade, o que o deixará frustrado, pois
se vê num mundo em transformação, onde estas transformações acontecem em grande
velocidade e se sente deslocado de seu meio, perplexo diante do “novo” que vislumbrava a
www.cliqueapostilas.com.br

45

sua frente. Este fenômeno ocorrido entre o campo e a cidade foi muito comum no final da
década de 1970 e início da década de 198083.

Este homem já estava acostumado com a rotina da vida no campo, ao ato costumeiro
de se levantar cedo e tirar o leite, correr até o paiol para pegar o milho e debulhar para as
galinhas no terreiro (separar as palhas “boas” pra o cigarro palheiro), a tratar dos porcos, a
cuidar do arrozal no banhado, e, a cada quinze ou vinte dias selava o seu cavalo e ia vender os
seus queijos na cidade, aproveitava para tomar umas pingas com os amigos enquanto
proseava sobre as novidades, saber as notícias da capital e da região, talvez até passasse –
com muito cuidado – na zona do “baixo meretrício”, afinal a carne é fraca e em alguns
momentos o desejo fala mais alto, porém voltava logo para o sítio, pois tinha que apartar os
bezerros, para no outro dia recomeçar tudo outra vez. Apesar da rotina dura e da lida diária
deste pequeno proprietário, que não é pouca, o mesmo considerava todo dia, feriado.

Afinal, todos estes afazeres davam sentido pra sua existência de macho, ter
“domínio” deste pequeno “feudo” fazia-o senhor de um reino que era “seu”, um reino regido
pela natureza e movido pela sua determinação, por sua vontade, sua força, sua figura de
homem. Um homem regido por outros códigos de honra, outros signos, o mundo deste
caboclo caipira é cheio de peculiaridades, homem que conversa com a terra, as plantas, os
bichos; onde o tempo é quase imóvel, as mudanças são quase imperceptíveis. Antonio
Candido descreverá este mundo e seu ator principal da seguinte forma:

“[…] A cultura do caipira, como a do primitivo, não foi feita para o progresso; a sua
mudança é o fim, porque está baseada em tipos tão precários de ajustamento
ecológico e social que a alteração destes provoca derrocada das formas de cultura
por eles condicionada. Daí o fato de encontrarmos nela uma continuidade, uma
sobrevivência das formas essenciais, sob transformações de superfície que não
atingem o cerne senão quando a árvore já foi derrubada – e o caipira deixou de o
ser”84. (CANDIDO, 1987: 82-83)

Como vemos nesta citação, a literatura procura afixar este caboclo a uma identidade
imóvel, a uma continuidade eterna sem nenhuma ruptura, o que nos leva a questionar, será
que a cultura deste caboclo é tão frágil que não suporta mudanças? Será este ser condenado

83
História da vida privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea / coordenador-geral da coleção
Fernando A. Novais; organizadora do volume Lilia Moritz Schwarcz – São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
– (História da Vida Privada no Brasil; 4). p. 619.
84
CANDIDO, Antonio. Os parceiros de Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus
modos de vida. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1987.
www.cliqueapostilas.com.br

46

eternamente à imutabilidade cultural/social? Será a vida humana - consequentemente a


natureza - a história, tão linear e previsível?

A tela de Almeida Junior e de seu “Caipira picando fumo” durante muito tempo foi
interpretada e elogiada pela sua simplicidade e naturalismo85, Monteiro Lobato a via como
uma verdadeira representação de um mundo simples, singelo, pobre e que deveria ser
ultrapassado pela modernização, urbanização, industrialização, que dado os seus efeitos no
tecido social transformaria este caipira em um novo ser, moderno, afeito à escolaridade,
higiênico e trabalhador. Vemos que enquanto a literatura busca o afixar, a arte quer que o
caipira mude, venha compor este “seleto” grupo de seres modernos, urbanos e que contribuem
para o progresso, pois o caipira “jeca”, sempre foi considerado um entrave para a
modernização e consequentemente para o progresso. Se bem que logo depois o próprio
Monteiro Lobato volta atrás nesta análise, e pede desculpas ao caipira por tê-lo criticado sem
ter a real noção de suas condições86.

Os autores/compositores desta música buscam construir no seu presente algo pescado


“em fragmentos de um passado rural e pré-capitalista; são buscadas em padrões de
sociabilidade e sensibilidade patriarcais, quando não escravistas”87.

Dino Franco, um dos compositores e interpretes da música, “Caboclo na cidade”,


nasceu em 1936, a sua infância e adolescência caminharam juntas com todas estas
significativas mudanças culturais, sociais, políticas, etc., todas estas mudanças o
influenciaram, e esta influência idílica estará presente nas suas composições. O caboclo é
apresentado como um ser que desconhece o luxo, a vaidade, o desejo, ou que restringe o seu
desejo à “imutabilidade identitária”; de repente se vê vítima de todas estas novas experiências
que com o tempo se tornam objeto do desejo de sua família.

85
Hoje há várias outras interpretações, para Jorge Coli: “Sem nenhuma concessão a um pitoresco feito de
detalhes supérfluos, o picador de fumo, na sua postura concentrada, expondo de modo crucial sua faca,
interpondo-a de fato entre si mesmo e o expectador, protege-se, protege a sua autonomia individualizada, protege
pela violência possível, o lugar frágil que ocupa no mundo”. (Coli, 2002, p. 31) - OLIVEIRA, Lucia Lippi. Do
Caipira Picando Fumo a Chitãozinho e Xororó, ou da roça ao rodeio. Rev. USP, São Paulo, n. 59, nov. 2003 .
Disponível em <http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
99892003000400022&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 07 maio 2012.
86
BUENO, Eva Paulino. (In) Tolerância Linguística e Cultural no Brasil. Revista Espaço Acadêmico – N° 31 –
Dezembro 2003. Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/031/31bueno.htm - Acesso em:
19/06/2012.
87
Albuquerque Júnior, Durval Muniz de - A invenção do Nordeste e outras artes / Durval Muniz de Albuquerque
Júnior; prefácio de Margareth Rago. – 2. Ed – Recife: FJN, Ed. Massangana; São Paulo : Cortez, 2001. p.77
www.cliqueapostilas.com.br

47

Segundo o discurso dos compositores desta moda de viola, o caboclo ao sair do


campo, ao abandonar todas as coisas que dão sentido a sua vida, perde a sua identidade,
identidade esta que o fixou num tempo e num espaço em que as rupturas eram lentas, o tempo
tinha outra duração, o sol e não o relógio, as estações do ano, as fases da lua...; o seu espaço
era, por ele limitado/ilimitado, o rio pra pescar, o sítio seu refúgio e labor; e idas esporádicas à
cidade.

Ao deparar-se com uma vida agitada na cidade, onde as suas qualificações como
homem do campo, que inventa o seu próprio horário de trabalho, sem ninguém lhe dar ordens,
não são bem vistas. O caboclo constata que não se dará bem com essa gente, não se adaptará a
essa nova vida, nesse mundo afetado/contaminado pela velocidade e transformações advindas
da modernização.

Sua filha desejosa por um homem, diferente do seu pai, com uma linguagem também
diferente, cheia de gírias; deseja também novos trajes, não mais o vestido de chita e a sandália
havaiana, mas o tênis All Star – muito popular na época –, a minissaia com legging em cores
cítricas, jaquetas de brilho, vestido acinturado, saia balonês, em geral um look colorido e
ousado, talvez inspirado em Madona; novos pensamentos e comportamentos, afinal as
músicas que invadiam as ondas sonoras do rádio brasileiro objetivam a novas práticas, enfim,
novos desejos; Sebastiana, a filha do nosso personagem, agora, possivelmente ouve outros
estilos musicais, tais como, Rock nacional e internacional, MPB e/ou Eletromusic; as ondas
sonoras agora transitam por frequências modulada (FM) e não apenas pelas amplitudes
modulada (AM).

Um cabeludo adolescente ou adulto na década de 1980 poderia ser um dos hippies da


década de 1970 que acreditava no amor livre, que não se prendia a lugares ou apenas a uma
pessoa, sem uma identidade que o fixava a apenas um desejo, quase um nômade! Veste-se de
forma despojada; talvez influenciado por Maikon Jackson ou Kurt Cobain com seus tênis All
star e suas calças rasgadas e blusas que abusavam das cores e muito coladas ao corpo, todas
peças de vestuários que foram fundamentais no comportamento da juventude da década de
1980.

A sua mulher, talvez cansada de ser “Amélia”, resolve experimentar novos desejos,
satisfazer velhas e/ou novas vontades que lhe proporcionasse escapar da mesmice, da vida
monótona de mulher de sitiante de vida sedentária, talvez ela tenha sentido vontade de
www.cliqueapostilas.com.br

48

desconstruir/dessacralizar esta tão propagada “Amélia”, enfim, descobre que tem pernas
bonitas e resolve mostrá-las, passa a usar minissaia, apesar de pequenas imperfeições
causadas por cicatrizes e efeitos do implacável tempo, suas pernas longas e bem desenhadas
agora são protegidas por meia calça; descobre que seu rosto tem traços lindos, passa a usar a
pintura para delineá-lo, com um delineador preto usado na parte superior e inferior do olho,
que darão um olhar profundo; os lábios bem corados e destacados, desenhados com o batom
vermelho dá o efeito de boca aveludada; nas maçãs do rosto a escolha recai sobre os tons
bronzeados de blush – não mais o rouge -, o indicado é usar um pincel com cerdas macias e
fazer movimentos suaves na diagonal; suas mãos agora não servem apenas para as lides
domésticas, mas também uma extensão de beleza adornada pelo esmalte vermelho ou cores
inspiradas no new wave dos anos 80; e qual seria o lugar ideal pra desnudar toda esta beleza e
provocar desejos, ser elogiada, ser novamente olhada com descarada volúpia? A praia, aonde
ela vai se banhar, ou ainda, dar voltas na praça da cidade local. Afinal o seu marido, o
caboclo, está muito ocupado em se adaptar à modernidade, em lamentar a venda do sítio, em
criticar sua esposa e envergonhar-se da gravidez da sua filha que desconhece o paradeiro do
namorado.

Estes desejos não são levados em conta pelos compositores, pois os mesmos estão
impregnados pelo discurso “neo-atávico”, saudosistas do tempo em que o núcleo da família
era o caboclo, o homem, o macho; saudosos de um tempo em que os desejos desta família
passavam pelo crivo deste chefe provedor.

O personagem principal da música, no final da letra diz o seguinte: “Nem sei como
se deu isso quando eu vendi o sítio para vir morar na cidade. Seu moço naquele dia eu vendi
minha família e a minha felicidade!”. Ao dizer que vendeu a sua família, o mesmo pressupõe
que esta família era sua propriedade, ao fazer esta afirmativa “eu vendi minha família”
presume-se que esta “propriedade” não poderia ser vendida e, ele, o caboclo, detém ou deteria
este poder de dispô-la ou não, portanto os discursos da masculinidade – patriarcalista e
sexismo, presentes na respectiva música –, estavam em voga mais do que nunca, talvez
ressoando até hoje, mesmo que nuançados pelas diferenças do tempo.
www.cliqueapostilas.com.br

49

CONCLUSÃO

Escolhemos trabalhar este tema por várias razões, uma das quais nasceu da
inquietação causada pela reiteração de muitos discursos – discursos que, como efeito de
verdade, ressoam pelos corredores da memória com ênfase em enunciados tais como: moda
de viola, a mais pura, a nossa verdadeira moda raiz –, que sempre incomodaram a mim e a
várias pessoas com quem convivemos no meio acadêmico e social; outra razão, não menos
importante, foi notar que algumas duplas88 ou cantores solo, estão voltando a regravar estas
músicas ou similares a estas, que dado a sacralização pelos meios midiáticos serviram de
inspiração para outros compositores prosseguirem compondo na mesma lógica discursiva;
ainda, pessoas estão sendo objetivadas a ouvi-las; a nosso ver, curiosamente as críticas tecidas
– em sua grande maioria – sobre este tema tem sido, de certa forma, efetuadas por uma crítica
rasa, sem nenhuma historicidade, e nem mesmo a partir de uma problematizarão do tema;
vemos que no próprio meio acadêmico, muitos intelectuais, porém não todos, não se
incomodam com os efeitos destes e outros discursos musicados, sacralizados e propagados na
grande mídia, talvez estejam preocupados demais com outros aspectos da vida acadêmica.

Somos sabedores que, sempre devemos nos espantar com o óbvio, com relação ao
discurso da arte e, neste caso, especificamente a música não é diferente, consideremos que
devemos sim, questionar toda vez que ouvirmos da boca de locutores de rádio, de
apresentadores de televisão ou de agentes culturais, de forma generalizante, que precisamos
preservar esta ou aquela arte pelo motivo de ser esta a expressão da nossa cultura, a nossa
raiz, pois, se continuarmos a cultuar estes discursos estaríamos assim contribuindo para que
muitas práticas – algumas descritas, historicizadas e problematizadas neste trabalho –
condenáveis continuassem a existir. Talvez por mantermos estes discursos (impressos em
algumas modas caipiras ou moda raiz) em evidência; talvez por mantermo-nos sacralizando

88
Chitãozinho e Xororó - 1996 – Clássicos Sertanejos (Polygram) – Gravaram entre várias canções caipiras a
moda de viola “Caboclo na cidade”.
www.cliqueapostilas.com.br

50

estes monumentos, ainda sejamos racistas, patriarcalistas, sexistas, preconceituosos e não


tolerante com as diferenças.

Procurei inserir neste texto, como fonte documental, músicas que tiveram grande
repercussão no passado ou que ainda repercutem nos dias de hoje, pois a nosso ver, o que
estes compositores criaram em seu tempo, retratava até certo ponto o pensamento da sua
época, o que já se caracterizava em um problema, pois muitos destes discursos objetivaram
práticas nocivas à sociedade, afinal o discurso inventa/constrói o mundo e, ao reiterarmos
estes discursos nos dias de hoje, continuamos a perpetuar práticas e discursos sociais
catastróficos para a nossa sociedade, pois o discurso da eugenia, da fealdade da nossa raça89,
do racismo, do sexismo…; continua vivo em muitas destas músicas.

No entanto de nada adianta termos uma hipertrofia de leis, “punindo” ou cerceando


certas práticas, se não mudarmos as nossas relações diante do outro, do diferente, da
diferença, da diversidade, da multiplicidade. Para ficarmos apenas com um simples, porém
elucidativo exemplo, enquanto esta pesquisa estava em andamento a Assembleia Legislativa
da Bahia aprovou um projeto que proíbe o governo do Estado de contratar bandas que tenham
em seu repertório canções cujas letras veiculem "atentados contra a dignidade da mulher".
Caso sancionada, a chamada lei "antibaixaria", proposta pela deputada estadual Luiza Maia
(PT), criará regras diversas para coibir a ação90. Ainda, um vídeo de um programa da Redetv
circulava na internet e discutia a letra da música “Bruto, Rústico e Sistemático,” cantada por
João Carreiro e Capataz, que segundo o vídeo, gerou indignação por conter traços
homofóbicos91. Neste programa houve reivindicações por parte de grupos que se sentem
ofendidos e desrespeitados pelo teor da letra, mas o que nos chamou mais atenção foram as
novas formas de nomear as ofensas, se alguém ainda não se acostumou com o conceito
chamado de “homofobia”, prepare-se pois no vídeo acima citado, novos conceitos estão
surgindo, tais como: transfobia e lesbofobia.

89
A política da Beleza: Nacionalismo, corpo e sexualidade no projeto de padronização brasílica– Diálogos
latinoamericanos, número 001 – Universidade de Aarhus – Aarhus, Latinoamericanistas, pp. 88 – 109 /
http://redalyc.uaemex.mx/pdf/162/16200108.pdf – acesso em 05/07/2011 – 22hs e 28 min.
90
http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI5689233EI306,00BA+aprovada+lei+que+veta+shows+publicos
+com+musicas+machistas.html - Acesso em: 29/03/2012
91
http://www.redetv.com.br/Video.aspx?124%2C28%2C245960%2Centretenimento%2Cmanhamaior%2Cmusic
a-gera-polemica-ao-incitar-a-homofobia-1
www.cliqueapostilas.com.br

51

Outros pontos importantes nestes dois acontecimentos – o projeto de lei aprovado


pela Assembleia Legislativa da Bahia e o vídeo da Redetv – é que, em ambos os casos, os
comentários a respeito, atribuem à falta de sensibilidade humana como sendo falha da escola,
falha dos educadores que não trabalham adequadamente com a temática “diversidade sexual”
nas escolas.

Este discurso tem me preocupado, pois o educador tem sido culpabilizado por muitas
das maldades humana; parece que as pessoas não sentem desejos e/ou não são objetivadas a
novos desejos pelos mais diversos meios midiáticos que, constantemente privilegiam o
consumo conspícuo sem levar em conta uma sociedade melhor e mais educada. Os pais, nesta
sociedade moderna, não dispõem de tempo para educar os filhos, dado as demandas desta
nova ordem técnico-científica empresarial, aludida brilhantemente por Denise Bernuzzi Sant’
Anna,92 sobrando ao professor mal-pago e desmotivado a incumbência de fazer este trabalho.
Os meios midiáticos procuram se isentar da culpa alegando que o mesmo financia a educação
por meio dos seus impostos, ou seja, os meios midiáticos ao pagarem seus impostos justificam
a dês-educação que os mesmos prestam a sociedade bombardeando as crianças, jovens e
adultos com o que há de pior em suas programações todos os dias, em contrapartida, colocam
os educadores na linha de tiro.

Assim, empurrando a responsabilidade de um para o outro – ora o poder privado


empurra para o Estado, ora o Estado empurra para o poder privado a responsabilidade da
educação – a educação vai ficando cada vez mais esquecida, o professor (a) desmotivado, a
escola desinteressante e os alunos desinteressados.

Talvez tenhamos que incutir em nossas práticas uma nova épistémè, uma
epistemologia da sensibilidade que possa dar conta de nela transbordar a multiplicidade; que o
outro possa ser levado em conta, não só na música, na poesia, na literatura, na historiografia,
ou mesmo em todas as relações interpessoais do dia-a-dia, desde a moça que vende o passe
para a entrada no cinema, o senhor que entrega o botijão de gás, o frentista do posto, enfim a
qualquer ser humano que venhamos a nos relacionar.

Talvez devamos ser e agir como o acorde musical que naturalmente suporta as
dissonâncias e mesmo assim harmoniza, ou então o compasso musical que suporta as
92
SANT’ANNA, Denise Bernuzzi. “Transformações do corpo: controle de si e uso dos prazeres”. In: RAGO,
M.; ORLANDI, L. B. L.; VEIGA-NETO, A. (orgs.). Imagens de Foucault e Deleuze: ressonâncias
nietzschianas. Rio de Janeiro: DP&A, 2005, p. 99-110.
www.cliqueapostilas.com.br

52

mudanças das síncopes rítmicas, dando possibilidades mil de variações, dependendo apenas
da inventividade/criatividade humana.

Não se trata, obviamente, de hierarquizarmos as nossas músicas – esta tem qualidade,


aquela não tem – trata-se de reelaborarmos os nossos discursos, dar novos sentidos às
palavras, para que os nossos discursos venham objetivar, inventar, re-inventar novas práticas,
novas sensibilidades, novas formas de fazer canções, poemas, textos, telas, vídeos, aulas,
relações...
www.cliqueapostilas.com.br

53

ANEXOS

01- PASSAGEM DE MINHA VIDA - Querumana


(Pardinho - Carreirinho)
02- VERDADEIRO PALHAÇO - Milonga
(Tião Carreiro - Paulo Calandro)
03- CABOCLO NO CASSINO - Xote
(Tião Carreiro - Teddy Vieira)
04- REI SEM CORÔA - Pagode
(Tião Carreiro - Sebastião Victor)
05- CASINHA DA SERRA - Cururú
(Pardinho)
06- PRETO INOCENTE - Moda
(Teddy Vieira - Campão - Bento Palmiro)
07- TUDO CERTO - Pagode
(Tião Carreiro - Moacyr dos Santos)
08- MINHA HISTÓRIA DE AMOR - Toada Ligeira
(Carreirinho - Armando Rosas)
09- BEBENDO PRÁ ESQUECER - Tango
(Tião Carreiro - Nízio)
10- DOCE ILUSÃO - Rasqueado
(Nízio - Mário Aguinaldo)
11- BI-CAMPEÃO MUNDIAL - Pagode
(Teddy Vieira - Zé Carreiro)
12- GUARDA JUDEU - Milonga
(Marrueiro - Anízio Teodoro)
13- FILHO DE ARAÇATUBA - Cururú
(Tião Carreiro - Moacyr dos Santos)
14- MEU PASSADO - Cateretê
(Dino Franco)

Fonte: http://www.tiaocarreiro.com.br/d03.htm - acesso em 14/12/2012


www.cliqueapostilas.com.br

54

Bibliografia

ALBUQUERQUE Júnior, Durval Muniz de - A invenção do Nordeste e outras artes / Durval


Muniz de Albuquerque Júnior; prefácio de Margareth Rago. – 2. Ed – Recife: FJN, Ed.
Massangana; São Paulo : Cortez, 2001. p. 77
ALBUQUERQUE Júnior, Durval Muniz de - A invenção do Nordeste e outras artes / Durval
Muniz de Albuquerque Júnior; prefácio de Margareth Rago. – 2. Ed – Recife: FJN, Ed.
Massangana; São Paulo : Cortez, 2001. p. 61
ALBUQUERQUE Júnior, Durval Muniz de. – A invenção do Nordeste e outras artes / Durval
Muniz de Albuquerque Júnior; prefácio de Margareth rago. – 2. Ed. – Recife: FJN, Ed.
Massangana; São Paulo : Cortez, 2001.

ALBUQUERQUE Júnior, Durval Muniz de. Escrever como fogo que consome: reflexões em
torno do papel da escrita nos estudos de gênero – Disponível em:
http://ebookbrowse.com/escrever-como-fogo-que-consome-pdf-d50791439

ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Nordestino: uma invenção do falo - uma
história do gênero masculino (Nordeste 1920/1940).
Maceió: Edições Catavento, 2003. 256 p.

BARTHES, Roland. Aula. Trad. Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Cultrix, 1988.

BENTO, Maria Aparecida Silva - BRANQUEAMENTO E BRANQUITUDE NO BRASIL –


Disponível em:
http://www.ceert.org.br/premio4/textos/branqueamento_e_branquitude_no_brasil.pdf

BUENO, Eva Paulino. (In) Tolerância Linguística e Cultural no Brasil. Revista Espaço
Acadêmico – N° 31 – Dezembro 2003. Disponível em:
http://www.espacoacademico.com.br/031/31bueno.htm
BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da Historiografia
(Fundação Editora da UNESP, Tradução Nilo Odalia, 1997, 153 páginas)

BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da Historiografia:


Fundação Editora da UNESP, 1977, 153 páginas. Tradução Nilo Odalia.

CANDIDO, Antonio. Os parceiros de Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a


transformação dos seus modos de vida. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1987.
CONTIER, Arnaldo D. – Passarinhada do Brasil: canto orfeônico, educação e
getulismo/Arnaldo D. Contier. - - Bauru, SP. EDUSC, 1998. 68p. ;21.6 cm - - (Coleção
Essência). pp. 45-46

CRUZ, Natália dos Reis - A imigração judaica no Brasil e o anti-semitismo no discurso das
elites. Política & Sociedade, v. 8, p. 225-250, 2009.
www.cliqueapostilas.com.br

55

DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. 1995-1997. Mil Platôs vol. 3 / Gilles v.3 Deleuze,
Félix Guattari; tradução de Aurélio Guerra Neto et alii. — Rio de Janeiro : Ed. 34, 1996
(Coleção TRANS)

DELEUZE, Gilles, 1925-1995 D39m Mil platôs - capitalismo e esquizofrenia, vol. 1 / Gilles
v.l Deleuze, Félix Guattari; Tradução de Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa. —Rio de
janeiro: Ed. 34, 1995, 94 p. (Coleção TRANS)

Elementos do folklore musical brasileiro. São Paulo. Ed. Nacional, 1936. p. 11-4.

FERNANDES, Bernardo Mançano. - CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DO CAMPESINATO


BRASILEIRO: Formação e Territorialização do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem
Terra - MST (1979 –1999). Disponível em: http://www2.fct.unesp.br/nera/ltd/Tese_BMF.pdf

FLORES, Maria Bernardete Ramos. A política da Beleza: Nacionalismo, corpo e sexualidade


no projeto de padronização brasílica– Diálogos latinoamericanos, número 001 – Universidade
de Aarhus – Aarhus, Latinoamericanistas, 2000, pp. 88 – 109 /
http://redalyc.uaemex.mx/pdf/162/16200108.pdf
FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Trad. Roberto Cabral de Melo
Machado e Eduardo Jardim Morais. Rio de Janeiro: Nau Ed, 1996. p, 15.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder / Michel Foucault; Organização e tradução de


Roberto Machado. - Rio de Janeiro: Edições Graal, 4ª. Ed. 1984. p. 17.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder / Michel Foucault; Organização e tradução de


Roberto Machado. - Rio de Janeiro: Edições Graal, 4ª. Ed. 1984. p.p. 27-28

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. edª16. Rio de Janeiro: Graal. 2001.

FREYRE, Gilberto. - Sobrados e Mocambos: Decadência do Patriarcado Rural e


Desenvolvimento Urbano. Rio de Janeiro; José Olympio, 1951.
GOFF, Jacques, 1924. História e memória / Jacques Le Goff; tradução Bernardo Leitão... [et
al.] --Campinas, SP Editora da UNICAMP, 1990. (Coleção Repertórios). p. 008

GOFF, Jacques, 1924. História e memória / Jacques Le Goff; tradução Bernardo Leitão... [et
al.] --Campinas, SP Editora da UNICAMP, 1990. (Coleção Repertórios). p. 010.

GRAEML, Karin Sylvia. – A relação entre lugares e não lugares na cidade: um estudo da
apropriação do serviço de acesso a internet nos Faróis do Saber de Curitiba. 2007. 185 f.

http://cifrantiga7.blogspot.com/2011/03/mandi-e-sorocabinha.html#ixzz1cfvSjrnw

http://compositorhg.blogspot.com.br/2012/11/teddy-vieira-luisinho-homenagem.html

http://globotv.globo.com/rede-globo/jornal-nacional/v/policia-do-df-indicia-psicanalista-por-
racismo/1930016/
http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI5689233EI306,00BA+aprovada+lei+que+veta
+shows+publicos+com+musicas+machistas.html
www.cliqueapostilas.com.br

56

http://saudade-da-minha-terra.blogspot.com.br/2008/07/luis-goiano-girsel-da-viola.html -
Acesso em 10/04/2012

http://saudadesertaneja.blogspot.com/2009/06/zico-dias-e-ferrinho.html

http://violaenluarada.blogspot.com/2007/04/grandes-compositores_12.html

http://vsites.unb.br/ih/his/gefem/labrys1_2/scott1.html

http://www.colegiodinamico.com.br/PAGINAS/ALUNO/o_professor/arquivos/catelan/catela
n_curiculum_vitae.pdf - acesso em: 01/05/2012.

http://www.dicionariompb.com.br/cacula-e-marinheiro/dados-artisticos

http://www.dicionariompb.com.br/moda-de-viola/dados-artisticos acesso 30/10/2011.

http://www.dji.com.br/constituicao_federal/cf226a230.htm - Acesso em: 13/12/2012

http://www.fflch.usp.br/sociologia/temposocial/site/images/stories/edicoes/v0712/efeito.pdf
acesso em 27/03/2012

http://www.nadiatimm.com/nt01/index.php?option=com_content&view=article&id=243:cultu
ra-caipira&catid=42:entrevistas&Itemid=61 – acesso em 01/05/2012.

http://www.ospaparazzi.com.br/celebridades/cesar-menotti-e-fabiano-revelam-detalhes-da-
carreira-3801.html

http://www.recantocaipira.com.br/dino_franco.html
http://www.recantocaipira.com.br/lourival_dos_santos.html - Acesso em 10/04/2012

http://www.redetv.com.br/Video.aspx?124%2C28%2C245960%2Centretenimento%2Cmanha
maior%2Cmusica-gera-polemica-ao-incitar-a-homofobia-1
http://www.renatojanine.pro.br/FiloPol/elosocial.html

http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
99892003000400022&lng=pt&nrm=iso
http://www.violatropeira.com.br/3%20gera%C3%A7ao.htm

http://www.widesoft.com.br/users/pcastro4/biogrcp.htm

http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1977/6515.htm - Acesso em: 13/12/2012

http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/70309 - acesso em: 13/12/2012

JENKINS, Keith – A História repensada / Keith Jenkins; tradução de Mário Vilela, 3. Ed. –
São Paulo: Contexto, 2005.

LACERDA, Rubens Gomes. POR UMA EPISTEMOLOGIA DE SENSIBILIDADE: O


DESAFIO DE ENSINAR HISTÓRIA NO LIMIAR DO SÉCULO XXI. In: DAN, E. M. C;
www.cliqueapostilas.com.br

57

outros.... (Org.). Contribuições Científicas do I Semináro sobre Ambiente Urbano: Políticas


Públicas e Desenvolvimento Sustentável. Cáceres: Editora Unemat, 2010, v. , p. -. p. 41.

LE GOFF, Jacques. História e Memória. Tradução Bernardo Leitão, et all. 2° Ed. Campinas:
UNICAMP, 1992.

LESSER, Jeffrey. O Brasil e a questão judaica. Imigração, diplomacia e preconceito. Rio de


Janeiro: Imago, 1995. p. 65

LUCENA, Francisco Carlos de. A mistura das "raças": o caso brasileiro. Revista Ágora, v. 3,
p. 46-61, 2009. – Disponível em: http://www.iseseduca.com.br/pdf/revista3/arquivo36.pdf
NARVAZ, Martha; NARDI, Henrique Caetano. Problematizações feministas à obra de
Michel Foucault. Rev. Mal-Estar Subj., Fortaleza, v. 7, n. 1, mar. 2007 . Disponível em
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-
61482007000100005&lng=pt&nrm=iso

NOVAIS, Fernando A.; organizadora do volume Lilia Moritz Schwarcz. História da vida
privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea / coordenador-geral da coleção –
São Paulo: Companhia das Letras, 1998. – (História da Vida Privada no Brasil; 4). p. 619
Paixão de Peão - Warner 30 anos: Rick e Renner – Lançamento 2006

RAGO, Margareth. O efeito-Foucault na historiografia brasileira.Tempo Social; Rev. Sociol.


USP, S. Paulo, 7 (1-2): 67-82,outubro de 1995. Disponível em:
RAGO, Margareth. O efeito-Foucault na historiografia brasileira.Tempo Social; Rev. Sociol.
USP, S. Paulo, 7(1-2): 67-82, outubro de 1995.

Ritos da vida privada burguesa, Anne Martin-Fugier. p. 194.

SANT.ANNA, Romildo - A moda é viola: ensaio do cantar caipira / Romildo Sant.Anna. .


São Paulo: Arte & Ciência; Marília, SP: Ed. UNIMAR, 2000. 398 p. ; 21 cm. p. 19-20.

SANT’ANNA, Denise Bernuzzi. “Transformações do corpo: controle de si e uso dos


prazeres”. In: RAGO, M.; ORLANDI, L. B. L.; VEIGA-NETO, A. (orgs.). Imagens de
Foucault e Deleuze: ressonâncias nietzschianas. Rio de Janeiro: DP&A, 2005, p. 99-110.
SANT’ANNA, Romildo - A m o d a é v i o l a : e n s a i o d o c a n t a r c a i p i r a /
R o m i l d o Sant’Anna. - São Paulo: Arte & Ciência; Marília, SP: Ed.UNIMAR,
2000.398 p. ; 21 cm. p. 175 – 178.

SANTOS, Cecília Macdowell. IZUMINO, Wânia Pasinato. - Violência contra as mulheres e


violência de gênero: Notas sobre Estudos Feministas no Brasil. Disponível em:
http://www.nevusp.org/downloads/down083.pdf

TEIXEIRA, Jodenir Calixto. - MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA NO BRASIL:


IMPACTOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E AMBIENTAIS. – Disponível em:
http://www.cptl.ufms.br/revista-geo/jodenir.pdf
www.cliqueapostilas.com.br

58

TRINDADE, Hélio. Integralismo. O fascismo brasileiro na década de 30. São Paulo: Difel,
1979.

Uma Reflexão sobre a História. Disponível em:


http://www.assis.pro.br/public_html//hcomp/ReflexaoSobreHistoria.html - Acesso em:
02/04/2012

VEYNE, Paul. (1982) Como se escreve a história. Foucault revoluciona a história. Brasília,
Editora da UnB.

VOJNIAK, Fernando. Desconstruindo falas do falo. Rev. Estud. Fem., Florianópolis, v. 11,
n. 2, Dec. 2003. Available from
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104
026X2003000200026&lng=en&nrm=iso>. access on 12 Jan. 2012.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104 026X2003000200026

You might also like