“Quando o médico lhe tirou as ligaduras e a levou ao jardim, a menina que já não era cega viu ‘a árvore que tem luzes’. Foi essa árvore que procurei entre os pomares de pessegueiros do Verão, nos bosques do Outono e ao longo de todo o Inverno e toda a Primavera, durante anos. Até que um dia estava a passear ao lado do rio Tinker, não pensando em coisa nenhuma, e vi a árvore que tem luzes. Vi o cedro das traseiras, em que as rolas-carpideiras se empoleiravam durante a noite, tenso e transfigurado, cada uma das suas células zumbindo com ardor. […] Não era tanto ver, mas ser vista pela primeira vez, deixada sem fôlego por um olhar poderoso. A torrente de fogo esmoreceu, mas continuo a usar a sua energia. Aos poucos, as luzes apagaram-se no cedro, as cores morreram, as células extinguiram-se e desapareceram. Eu continuava a ressoar. Fui um sino toda a minha vida, mas nunca o soube até esse momento em que me vi erguida e tocada.”
- Annie Dillard, Peregrinação em Tinker Creek, trad. Inês Dias
(Antígona, 2025)