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domingo, novembro 07, 2021

YASMINA REZA, ALICIA DUJOVNE ORTIZ, SEAMUS HEANEY, ROQUE DALTON, ANA SANTIAGO & LANGLOIS

 

 

TRÍPTICO DQP – Trevas da noite no céu do dia & vice-versa... – Ao som da pianista austríaca Emma Schmidt, interpretando obras de Busoni, Alban Berg e Schoenberg no álbum 3 Piano Pieces (Naxxo, 2015). – Sempre tive a impressão de que sou o que escapuliu do vão de quatro paredes e pernas no meio destes atordoados dias. Desde quando seja lá o que for dos caminhos inventados pelas palavras, atento a cada instante, o voo. É como se todo dia fosse véspera de um cataclismo e nada desse por conta, porque um holocausto silencioso e nada suave em sua ameaça. Minhas lembranças são como retratantigos na fabulação livre e sei, cioso em toda parte me espalhei pelas ruas e túmulos, entre vivos e mortos – mais mortos que vivos, eram ou são, não sei -, corpestranhos que professam seus repúdios de nada, soterrados pelos desmandos e complôs. Quão vão tudo se parece e não exagero nem superestimo, muita confusão entre a tenacidade e a intolerância, ceticismo e rancor (e o meu nome escondido na boca dum sapo qualquer, disseram e me rio). Na verdade, mais um momento interrompido – para quem lia O elogio ao ócio (GMT, 2002), de Bertrand Russel: A ideia de que os pobres devem ter direito ao lazer sempre chocou os ricos... O trabalho mantinha os adultos longe da bebida e as crianças afastadas do crime... Eu penso que o fato de se permitir que essas pessoas sejam ociosas não é nem de longe tão nocivo quanto o fato de se exigir dos assalariados que escolham entre o sobretrabalho e a privação... -, era um zunzunzum a tratar de Emma. Quem? Alguém apontou um saco cheio, logo ali abandonado. Aproximei-me e eram publicações, capas duras, brochuras. Logo deu pra ver o volume da Crônica de Lúcio Cardoso; e, ao remexer hesitante, entre outros, logo embaixo o Diário dele. De quem seria? Eram muitos. Mexer não devia, toda precaução. Alguém havia esquecido ali num canto alguns livros, ou jogado no lixo, parece – era prática que se tornou costumeira no país. Curioso, procurei por quem perguntar a posse daquilo. Ao invés disso, o que ouvi foi a respeito de Emma. De novo, quem? Saí acompanhando e constatei que não era a idolatrada ativista Goldman, nem a Bovary de Flaubert, era outra. Ora, quem? Era uma tal que se passava por Schmidt – só depois soubera, na verdade Anna Ecklund (1882-1941) -, que julgavam possuída por espírito maligno, ou coisa do gênero. Vôte! Disseram chamar por não sei quem, enquanto repetiam que era a Banga da Besta que reapareceu e havia endoidecido. De novo? Esse povo crédulo inventa cada coisa. Ah, como tudo anda tão confuso, de perder o fio. Aos sons e gemidos, apareceu-me a poeta argentina, Alicia Dujovne Ortiz: Quando a água / ferve / é / uma chuva calma que dura toda a / tarde mas / quando / o azeite é / frito / é / um aguaceiro violento no verão grandes / gotas quentes beijos de lábios que arrancam / os poros resposta de beijos grossos ou / gotas de pele e ouço / oh eu ouço a / tempestade das cebolas fritas o gemido da / carne na grelha e às vezes das xícaras sim / das xícaras que docemente choram / baixinho se eu as / encher de chá ai / meu Deus um ovo balança quando vou quebrá-lo meu cotovelo na mesa esmaga / parentes e aumento da / dor / pela minha casa pelos meus gestos uma voz conhecida / ! Devo dizer-lhe secretamente que, / na minha infância, mal / conseguia segurar uma / maçã viva / demais com minhas próprias mãos. Eu também, desde criança tudo me escapa entre os dedos, ou dissolve de nem me dar conta, até o sonho na perda da memória.

 


A vida não poupa ninguém... – Imagem: Cassandra implora vingança de Minerva contra Ajax, do pintor neoclássico francês Jerome-Martin Langlois (1779-1838) – Não demorou muito e mais adiante, novamente só no meio da loucura do trânsito inexorável, semáforos, frenagens, roncos de motores, zoadas sonoras, e lá estava mesmo era envolvido na trama do Deus da carnificina (Âyiné, 2021), da dramaturga francesa Yasmina Reza: crianças às agressões, os pais se envolvendo, incialmente, apaziguadores, até o escandaloso irascível de nenhuma conciliação: desaforos, sangue nas vestes, o risível e o patético, a ruína de gente e mundo. Para mim, ali a Loucura repulsiva, como se eu estivesse deveras nas cenas adaptadas por Polanski do teatro dela: aqueles que não se refazem ou não conseguem superar suas perdas e derrotas. Tento por todos os meios poupar a mãe dos salafrários e dos néscios, sobreviventes do genocídio como eu, quase impossível. Ou melhor, tal como Sobre nossa moral poética, do poeta salvadorenho Roque Dalton: Não confundir, somos poetas que escrevem / da clandestinidade em que vivemos / Não somos, pois, cômodos e impunes anônimos: / de frente estamos contra o inimigo / e cavalgamos muito perto dele, na mesma trilha. / E o sistema e os homens / que atacamos através de nossa poesia / com nossa vida lhes damos a oportunidade de que sejam cobrados / dia após dia. Sim, no fim é tudo muito tristalegre, confusainda, para quem já foi longalém: ainda sofro porque sei que tudo passa, nenhuma dor é maior que a esperança. Esta cidade é a minha – um hospício bizarro a céu aberto -, e algo me diz que ela não mais existe.

 


A mulher-biblioteca... – Imagens: Arte da artista Ana Santiago. - Desfiava então fiapos de sonhos e afazeres por trezentas vezes tantos dias de não deu ou deu não e extrema solidão. Porque a vida é o que vem depois de ser feliz na grama molhada com o cheiro de coisas agradáveis, até que enfim! E soletrava o nome de tudo que via, o mistério de cada ser e objetos. E a artista que soubera, repentinamente emergiu vigorosa e linda, como se me convidasse pelas dependências do seu ateliê. E fui, entrei e era tudo muito belo e ela me ofertou uma rosa e era o poema (para Marie) do poeta irlandês Seamus Heaney (1939-2013): Amor, aperfeiçoarei para você o menino / Que em meu cérebro com diligência manheira / Cava com pá pesada e faz com relva arrimo / Ou patinha no esterco de funda caleira. / Todo ano eu semeava o metro de jardim. / Com camadas de céspede o muro eu erguia / Para ter distantes galinhas e bacorim. / Todo ano, à entrada deles, o monte ruía. / Ou no lodo sugante eu chapinhava / Com gosto e representava fluidez da caleira, / Mas sempre meus bastiões de argila e vasa / Rompiam-se com a vinda da chuva-criadeira. / Amor, aperfeiçoe para mim este menino / De estreitos e imperfeitos limites quebrando ao léu: / Dentro em novos limites agora, ordene o domínio / E quadre o círculo: quatro paredes e um anel. Fiquei comovido e, ao mesmo tempo, surpreso: dos olhos dela os seus quadros e cerâmicas, cores e risos, e eu me deliciando de sua profusa arte no sorriso poético dos seios de versos e páginas que descobriam seu ventre e coxas e pernas e livros - na minha cabeça ela era bailarina estadunidense Trisha Brown (1936-2017) dançando nua para dinamitar meus pensamentos e emoções. E com a oferta de suas mãos livros emergiam e ela, a mulher-biblioteca, a me dispor do que jamais saberia de todas as coisas e me rendia em lê-la e tudo o mais, até detectar entre os volumes os 31 livros de poemas de Vital Corrêa de Araújo (entre eles, eu vi Revérberos do sal sublevado e Céu – estábulo de relâmpago), os 30 livros de Admmauro Gommes (entre eles Cláudio Veras e a alógica poesia de Vital Corrêa de Araújo e Vate Vital: aspectos da obra poética de Vital Corrêa de Araújo), e muitos outros que me ensinaram ser a vida uma pausa de ondas e luto pelos devires e nada mais restava a não ser inteiro na íntegra gratidão daquele momento. Até mais ver.

 

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segunda-feira, outubro 12, 2020

MONTALE, ALBAN BERG, ELIANE PROLIK, POLANSKI, NÍSIA FLORESTA, TICIANO & NELSON FERREIRA

 

 

TRÍPTICO: DIÁRIO DO QUARTO CALEIDOSCÓPIO – PRIMEIRO ATO - Ao som de Lyric suíte for string concert, de Alban Berg - É sempre noite. Lá fora o mundo barulhento e o genocídio: fúria, bravata, infâmia, fanatismo, ganancia, amolações triviais. Parece nonsense e tudo sob suspeita: as pessoas se tornaram revoltosos vulcões eruptivos e se detratam uns aos outros. A parede acende como uma tela cinematográfica: a Via Láctea. Um meteoro surge da quina do teto, acompanho seu percurso descendente até se espatifar num ponto qualquer do piso. Da explosão, um minúsculo ser caminha em minha direção, cresce a cada passo, já quase dois metros, reconheço Barão de Munchausen que me acena, faz uma mesura e me aponta para outro minúsculo que aparece do mesmo lugar que saiu. Também cresce a cada passada, já reconheço, é Alice: Você está completamente pirado! Um segredo: as melhores pessoas são assim. Ela pisca um olho, chama o companheiro que está com as pestanas arqueadas olhando para mim com um escárnio e braços abertos. Ambos seguem de volta e desaparecem. Não era sonho, sabia, era o alerta para o inimigo invisível e o medo da contaminação: lavar bem as mãos, tudo esterilizado. Do meu quarto, o caleidoscópio: a toca do meu coelho. Não preguei o olho, a parede acendia e apagava, parecia me convidar para atravessar a galáxia. Mantenho-me quieto, cabeça aos joelhos, até o fim uma oração de serenidade: um dia de cada vez e as circunstâncias, assim seja! Um esforço fora do comum, nada funciona direito com o desgoverno. O pangaré gostou ou não? Não sei, cuidado com o monstro, ele está em Brasília. Que toquem fogo no mundo, ninguém sobreviverá.

 


SEGUNDO ATO DO CADERNO DE NOTAS – Imagem: arte da escultora, desenhista e gravurista Eliane Prolik. – A cena: Ela saiu do escritório e foi visitar a família em Cachoeira do Sul. Lá informou que ia se mudar de Canoas para São Paulo. A despedida e a estrada aberta. Aos vinte sete anos, a militância no VPR. Era 17 de maio, preparos para o aniversário dia 25. A surpresa de 4 tiros, 1 no braço, outro no peito, 2 nas costas alcançando a coluna. Nenhuma festa mais, a família desestruturada: o pai soube por um delegado do assassinato e morre de desgosto. A irmã Valmira se mata. Apenas uma tabuleta ao vento esquecida com a inscrição: Alceri Maria Gomes da Silva (1943-1970). Juntou-se a Labibe e Catarina, lá haverá justiça, pelo menos. Diante de mim, Nísia Floresta: Flutuando como barco sem rumo ao sabor do vento neste mar borrascoso que se chama mundo, a mulher foi até aqui conduzida segundo o egoísmo, o interesse pessoal, predominante nos homens de todas as nações. Ela sorri e me oferece um botão do lírio da felicidade. As imagens são tantas: asfixiados numa câmara de gás das autocracias e, ao lado, jogaram pela janela um idoso numa cadeira de rodas. Outras cenas superpostas: joelho fardado no pescoço de um negro indefeso, agressões físicas, tortura, caça policial, tiros. No meio disso tudo sou O Pianista de Polanski e ouvi alguém dizer que ali outro abotoou o paletó, pronto, viagem perdida: Se fosse de morte matada, pelo menos! Quem ainda acredita no Estado: nunca cumpriu a sua parte, sempre se desvia para interesses e comodidade. O que ainda nos resta além do extermínio, não sei.

 


TERCEIRO ATO: MANUSCRITOS DO CADERNO, NOVELA INSTANTÂNEA – Imagem: Perseu & Andrômeda (1554), de Ticiano. - Lá vou eu... Atravessava o pátio da rodoviária, um troço e lá estou enfermo, estirado no piso. Quando dei por mim, o meu quarto era uma enfermaria hospitalar, empurrada para lá e para cá. O mundo girava e eu imóvel, uma dor profunda no peito, nenhuma ilusão, desiderato pras cucuias. À espera de uma revelação, caí no vazio, não sei se haverá como emendar a vida. Sou saudade de tudo. Ouvia alguém alertar: Cuidado com o degrau. E o Paradoxo de Zenão era um poema de Montale: Vós, palavras, traís em vão o ataque / secreto, o vento que sopra no coração. / A razão mais verdadeira é de quem cala. Já sabia o solo minado, um passo em falso, cara ou coroa: a sorte estava lançada. O poder das escolhas e perdi pilares, extensores e pontes, quanta mendacidade ao meu redor. Minha especialidade? Viver, apenas. Fraqueza? Seguir. Sempre vou e, quando dou fé, todos estão voltando. Que descascasse o abacaxi, o pau ia cantar, com certeza. Sobrevivi a todo tipo de recusa e fui soterrado por enorme pedra. Isso há anos. Qualquer reincidência ou é efetiva ou duvidosa. Falando às paredes sou o que quiser que eu seja, nada mais. Até mais ver.

 

NELSON FERREIRA, O MORENO BOM

Felinto, Pedro Salgado, / Guilherme, Fenelon / Cadê teus blocos famosos? / Bloco das flores, Andaluzas, Pirilampos, apôis-fum / Dos carnavais saudosos / Na alta madrugada / O coro entoava / Do bloco a marcha-regresso / E era um sucesso dos tempos ideais / Do velho Raul Moraes / Adeus, adeus minha gente / Que já cantamos bastante / Recife adormecia / Ficava a sonhar / Ao som da triste melodia.

Evocação nº 1, frevo de bloco do compositor, músico e maestro Nelson Ferreira (1902-1976), autor de inúmeras composições nos mais diversos estilos, como canção, foxtrote, tango e, sobretudo, frevos. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

 



ROSA MECHIÇO, ČHIRANAN PITPREECHA, ALYSON NOEL, INDÍGENAS & DITADURA MILITAR

    Imagem: Acervo ArtLAM . Ao som de Uma Antologia do Violão Feminino Brasileiro (Sesc Consolação, 2025), da violonista, cantora, compos...