Clarice voou.
Perdi a menina aos cinco, num espaço de tempo irrecuperável em nós.
Quando confesso, não estive plenamente na tua companhia nos últimos 2 anos. E de repente, sete!
Desejei ser tantas outras.
Não por egoísmo, mas pela precisão de todos ao nosso redor.
Então, lhe ensinei a olhar o todo buscando sua compreensão em minhas atitudes.
Olhe! Até onde sua vista alcança. Me diga o que você vê.
E entre desenhos, contas a pagar e poesia fui observando você tomar distância.
De tantos problemas que vivemos a resolver.
_ Tome impulso! incentivei
Vai filha! Eu preciso que vá.
Quando teu irmão nasceu, abri mão de você.
Como um pássaro que se solta na mata.
Que não sabe caçar nem se proteger.
Te pretendi aprendizados que de tão pequena
não couberam em ti.
Mesmo assim, você foi.
Voou.
Talvez por não querer me decepcionar.
Mas deve ter lhe sido dolorido.
E agora tomei atento.
Ainda que com a certeza de que sempre haveria pouso a cada retorno teu.
Deve ter lhe sido penoso alçar voo.
E isso está dentro de nós.
Dentro de você e de mim. Sabemos!
Você tornou-se responsável - extremamente competente e organizada.
Eu, continuamente desatenta, atrasada, desvairada aos trinta e oito.
Aliás, eu nunca sei a minha idade. É você quem controla meu tempo de vida.
Quando perguntam, eu te olho e você responde: 38 ou 39 - não sei ao certo. E não gosta de falar sobre a morte. Mas outro dia soltou um “provavelmente você já não mais estará aqui, mas podemos não falar sobre isso?!”.
Seguimos.
Eu levo a vida desviando minha gente de bala perdida, palavra perdida, todo tempo perdido, tanta censura inserida. Desviando teus olhos da Tv, da notícia - sem sucesso.
Porque agora você já sabe ler e o jornal descansa sobre a mesa do café.
Vamos pra fora, me diga, o que você vê?
Inseguras, mãe e filha - como pássaros fêmeas na mata.
Somos livres, tomadas por receios de toda ordem.
E quando a noite chega, você pede para dormir de mãos dadas comigo.
Eu agradeço o acolhimento.
Você me guia em meio a escuridão.
Confio.
Devolve-me em sonhos o tempo que perdemos.
E me oferece a oportunidade de lhe manter debaixo de minhas asas ao menos enquanto o sono reza sobre nós.
Voa a menina.
Assim que abrimos os olhos.
Observo tomar distância dos problemas que vivemos a resolver.
Trazendo a cada volta, um olhar de quem se distancia e vê o todo lá de cima. Nos observa por inteiro e pratica soluções que trazem conforto e amor a nós.
Voa a menina sem ressentimento.
Porque pra voar tão alto, não carrega-se peso além do próprio pesar.
….
com amor em tempo
mamãe
(Clarice completa sete anos esta semana e já sabe voar porque precisou muito cedo aprender)