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sexta-feira, 3 de junho de 2011

Cordel de Marconi Araújo


O CANGAÇO E SEU SIGNIFICADO
Marconi Pereira de Araújo (*)

(1)
Contarei uma passagem
Nas linhas que agora traço
Lá do século dezenove
Veja agora o passo a passo
Não é mera brincadeira
É história verdadeira
Daquilo que é cangaço

(2)
Este nome vem de canga
Peça de madeira usada
Pra prender o velho boi
Naquela época passada
Em carro assim, de transporte
Para o sul ou para o norte
De carga leve ou pesada

(3)
Falo de carro de boi
Que sempre foi importante
Ô bicho bom, resistente
Tão forte e até elegante
De tão grande utilidade
Ele exerceu na verdade
Um papel preponderante

(4)
Mas cangaço meu leitor
Quem avisa amigo é
É algo bem mais profundo
Que lembra bandido até
Crime e ação violenta
Fuga rápida e também lenta
Seqüestro de coroné

(5)
Tudo nasceu no nordeste
Na região sertaneja
Grupo armado visava
Fazer valer a peleja
De impor sua própria vontade
O Império sem lei, na verdade
Do jeito que fosse seja

(6)
Os cangaceiros assim chamados
Recebiam fiel proteção
De coronéis a representar
Grupos políticos da região
Sua ação foi facilitada
Pela reação fracassada
E o isolamento do sertão

(7)
A gana assassina dos bandos
Nem se pode imaginar
Teve aceitação veemente
Tanto apoio popular
Por fato dito tão nobre
Roubo de rico pra pobre
Fez cangaço mais reinar

(8)
É o que acontece agora
Nos tempos tão atuais
Onde favelas e morros
Têm gangs e maiorais
Que protegem os moradores
Mas que cometem horrores
Fuzilando e tudo mais

(9)
O maior representante
Do grande império sem lei
Era o Senhor do Sertão
Que do Cangaço era Rei
Chupando manga era o cão
Se chamava Lampião
Se tu não sabes eu sei!

(10)
Cabra da peste e bruto
Ele era assim retratado
Para outros porém todavia
Era digno, um herói arretado
Por luta glória ou inglória
Sua intrigante história
É fato tão estudado

 (11)
Virgulino Ferreira da Silva:
O nome de Lampião
Homem pernambucano
O cangaceiro de então
Invadia fazendas, cidades
E cometia atrocidades
Era o terror do sertão

(12)
Levava dinheiro e jóias
E tudo enfim de valor
Depois dividia o roubo
E agia com rigor
Um espetáculo à parte
Bem mais que obra de arte
Do banditismo era ator

(13)
No bando de Lampião
Não havia preconceito
Tinha também mulher
Atuando de seu jeito
Maria Bonita em ação
Assaltou até coração
Pra elevar seu conceito

(14)
Casou-se com Lampião
Dá pra prever o babado
Uma filha desse amor
Provocando batizado
Vinda de dois cangaceiros
Casal vinte de guerreiros
Foi para o bando um achado

(15)
Dezoito anos do cangaço
De Lampião foi bastante
Pra mostrar a sua força
E o quanto foi atuante
Ele roubou, enriqueceu
E por emboscada morreu
Em data assim bem marcante

(16)
Mil novecentos e trinta e oito
Final de julho se fez
Cessar enfim o cangaço
Vinte e oito do mês
Entendi agora o compasso
E tão bem o passo a passo
Basta contar até três

(17)
Ficou fácil então entender
O cangaço realmente
Com o linguajar do povo
De modo assim envolvente
Concluo e o faço agora
Pois sei que é chegada a hora
De ir e seguir em frente

(18)
Quem prestou atenção percebeu
Cangaço: marco importante
História de nossa gente
Papel tão relevante
Para a região do nordeste
Lampião o cabra da peste
Foi símbolo mais que marcante



(*) O poeta é servidor da Justiça Federal há 21 anos, exercendo atualmente as funções de Diretor de Secretaria da 10ª Vara Federal em Campina Grande/PB. Há alguns anos vem desenvolvendo trabalhos em formato de cordel, tendo sido premiado em 2003 pela Justiça Federal na Paraíba, quando do 1º Concurso de Literatura de Cordel promovido por aquela Instituição, ocasião em que apresentou sua obra sob o título “Justiça Federal fazendo História”.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Martelo de Vitor "Lobisomem"


SENTIMENTO CANGACEIRO

Corre em mim um sangue de CANGACEIRO
E carrego um brilho de LAMPIÃO
Que reflete no aço de um facão
Meu espírito forte e guerreiro
Tenho DEUS como sagrado coiteiro
Pra enfrentar as volantes da maldade
Mentira, traição e falsidade
Me trouxeram angústia e rebeldia
Quando vejo injustiça e covardia
Me desperta a impulsividade


Meu instinto animal se faz presente
Ferindo muito mais do que um punhal
Mas procuro guardar em meu bornal
Alegria e bondade simplesmente
Pontear a viola do repente
Com estrofes de amor e esperança
Pra cantar o xaxado da bonança
E encontrar minha Maria Bonita
Pois a estrada da vida é infinita
E nela cangaceiro não descansa


Trago no peito a minha cartucheira
De carinho e amor bem carregada
Para quando encontrar a minha amada
Minha Maria Bonita cangaceira
Vou fazer rainha a mulher rendeira
E viver nossa vida a namorar
Só a ela que eu vou desejar
De respeito entre nós seremos ricos
E perder a cabeça em nossa Angicos
Só se for de prazer ao te amar. 

terça-feira, 8 de junho de 2010

Cordel de Guaipuan Vieira


Esse eu fui buscar lá na coluna "Repentes, motes e glosas", de Pedro Fernando Malta, no Jornal da Besta Fubana. Eu já conhecia há muito tempo a "Chegada de Lampião no Inferno", mas a chegada do cangaceiro no céu foi para mim uma novidade.

A chegada de Lampião no Céu
Guaipuan Vieira
Foi numa Semana Santa
Tava o céu em oração
São Pedro estava na porta
Refazendo anotação
Daqueles santos faltosos
Quando chegou Lampião.


Pedro pulou da cadeira
Do susto que recebeu
Puxou as cordas do sino
Bem forte nele bateu
Uma legião de santos
Ao seu lado apareceu.


São Jorge chegou na frente
Com sua lança afiada
Lampião baixou os óculos
Vendo aquilo deu risada
Pedro disse: Jorge expulse
Ele da santa morada..


E tocou Jorge a corneta
Chamando sua guarnição
Numa corrente de força
Cada santo em oração
Pra que o santo Pai Celeste
Não ouvisse a confusão.


O pelotão apressado
Ligeiro marcou presença
Pedro disse a Lampião:
Eu lhe peço com licença
Saia já da porta santa
Ou haverá desavença.


Lampião lhe respondeu:
Mas que santo é o senhor?
Não aprendeu com Jesus
Excluir ódio e rancor?…
Trago paz nesta missão
Não precisa ter temor.


Disse Pedro isso é blasfêmia
É bastante astucioso
Pistoleiro e cangaceiro
Esse povo é impiedoso
Não ganharão o perdão
Do santo Pai Poderoso


Inda mais tem sua má fama
Vez por outra comentada
Quando há um julgamento
Duma alma tão penada
Porque fora violenta
Em sua vida é baseada.


- Sei que sou um pecador
O meu erro reconheço
Mas eu vivo injustiçado
Um julgamento eu mereço
Pra sanar as injustiças
Que só me causam tropeço.


Mas isso não faz sentido
Falou São Pedro irritado
Por uma tribuna livre
Você aqui foi julgado
E o nosso Onipotente
Deu seu caso encerrado.


- Como fazem julgamento
Sem o réu estar presente?
Sem ouvir sua defesa?
Isso é muito deprimente
Você Pedro está mentindo
Disso nunca esteve ausente.


Sobre o batente da porta
Pedro bateu seu cajado
De raiva deu um suspiro
E falou muito exaltado:
Te excomungo Virgulino
Cangaceiro endiabrado.


Houve um grande rebuliço
Naquele exato momento
São Jorge e seus guerreiros
Cada qual mais violento
Gritaram pega o jagunço
Ele aqui não tem talento.


Lampião vendo o afronto
Naquela santa morada
Disse: Deus não está sabendo
Do que há na santarada
Bateu mão no velho rifle
Deu pra cima uma rajada.


O pipocado de bala
Vomitado pelo cano
Clareou toda a fachada
Do reino do Soberano
A guarnição assombrada
Fez Pedro mudar de plano.


Em um quarto bem acústico
Nosso Senhor repousava
O silêncio era profundo
Que nada estranho notava
Sem dúvida o Pai Celeste
Um cansaço demonstrava.


Pedro já desesperado
Ligeiro chamou São João
Lhe disse sobressaltado:
Vá chamar Cícero Romão
Pra acalmar seu afilhado
Que só causa confusão.


Resmungando bem baixinho
Pra raiva poder conter
Falou para Santo Antônio:
Não posso compreender
Este padre não é santo
O que aqui veio fazer?!


Disse Antônio: fale baixo
De José é convidado
Ele aqui ganhou adeptos
Por ser um padre adorado
No Nordeste brasileiro
Onde é “santificado”.


Padre Cícero experiente
Recolheu-se ao aposento
Fingindo não saber nada
Um plano traçava atento
Pra salvar seu afilhado
Daquele acontecimento.


Logo João bateu na porta
Lhe transmitindo o recado
Cícero disse: vá na frente
Fique despreocupado
Diga a Pedro que se acalme
Isso já será sanado.


Alguns minutos o padre
Com uma Bíblia na mão
Ao ver Pedro lhe indagou:
O que há para aflição?
Quem lá fora tenta entrar
E também um ser cristão.


São Pedro disse: absurdo
Que terminou de falar
Mas Cícero foi taxativo:
Vim a confusão sanar
Só escute o réu primeiro
Antes de você julgar.


Não precisa ele entrar
Nesta sagrada mansão
O receba na guarita
Onde fica a guarnição
Com certeza há muitos anos
Nos busca aproximação.


Vou abrir esta exceção
Falou Pedro insatisfeito
O nosso reino sagrado
Merece muito respeito
Virou-se para São Paulo:
Vá buscar este sujeito.


Lampião tirou o chapéu
Descalço também ficou
Avistando o seu padrinho
Aos seus pés se ajoelhou
O encontro foi marcante
De emoção Pedro chorou.


Ao ver Pedro transformado
Levantou-se e foi dizendo:
Sou um homem injustiçado
E por isso estou sofrendo
Circula em torno de mim
Só mesmo o lado ruim
Como herói não estão me vendo.


Sou o Capitão Virgulino
Guerrilheiro do sertão
Defendi o nordestino
Da mais terrível aflição
Por culpa duma polícia
Que promovia malícia
Extorquindo o cidadão.


Por um cruel fazendeiro
Foi meu pai assassinado
Tomaram dele o dinheiro
De duro serviço honrado
Ao vingar a sua morte
O destino em má sorte
Da “lei” me fez um soldado.


Mas o que devo a visita
Pedro fez indagação
Lampião sem bater vista:
Vê padim Ciço Romão
Pra antes do ano novo
Mandar chuva pro meu povo
Você só manda trovão.


Pedro disse: é malcriado
Nem o diabo lhe aceitou
Saia já seu excomungado
Sua hora já esgotou
Volte lá pro seu Nordeste
Que só o cabra da peste
Com você se acostumou.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Cordel e Cangaço



ARIEVALDO VIANA NO CENTENÁRIO DE MARIA BONITA

No dia 8 de março o poeta cearense ARIEVALDO VIANA estará em Salvador-BA, a convite de VERA FERREIRA, neta de Lampião e Maria Bonita, participando de uma palestra sobre MARIA BONITA NA LITERATURA DE CORDEL.

APRESENTAÇÃO

O Centenário de Maria Bonita é uma iniciativa da OSCIP Sociedade do Cangaço que conta com a parceria da UNEB e o apoio da Biblioteca Pública do Estado da Bahia. A finalidade é realizar uma série de ações comemorativas sobre Maria Bonita: exposição, mostra de cinema, ciclo de palestras, entre outras atividades que foram pensadas para romper com um histórico silencioso sobre a importância da mulher no movimento do Cangaço. Geralmente, eventos que trabalham o Cangaço não enfatizam temáticas que discutem gênero, como também não delimitam o papel social da mulher na estrutura política do movimento. Neste sentido, o Centenário torna oportuno a abertura da temática gênero no tempo e espaço do Cangaço.

Os interessados devem realizar pré-inscrição online durante o período de 22 de fevereiro à 4 de março de 2010. As inscrições serão efetivadas presencialmente no local do evento nos dias 04 e 05 de março, conforme lista a ser divulgada.

Maiores informações: www.fotolog.terra.com.br/acorda_cordel
www.fotolog.terra.com.br/miolodepote



As Vagas são limitadas!

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Cangaço


POESIA CANGACEIRA

Outra valiosa contribuição que recebi durante as férias foram as poesias de Sandro Kretus, que vieram em forma de comentário. Uma delas é essa:

CODINOME LAMPIÃO

O meu nome é Virgulino
O lagarto nordestino
Ouça bem o que lhe digo
O cangaço é meu quintal
Meu sobrenome é perigo
Vai logo me dando essas moedas
Vai logo rezando á padre Ciço

Foi com Antônio e Levino
Com meus irmãos eu aprendi
Que no cangaço o homem
Tem que ser macho
No cangaço o homem
Não pode dormir


Leão valente e cangaceiro
Macho de todas as maneiras
Foi assim que eu me apresentei
Na tropa do sinhô Pereira

Vendo o sofrimento de meu povo
Nas mãos do crime eu cai
Na casa da baronesa
De água branca eu bebi

Peguei o bicho pelo pescoço
Prendi Antônio Gurgel
Um frio na espinha desceu pelas costas
Me gelando a boca do céu

Numa agonia de dá dó
Foi dois de uma vez só
Perdi Colchete e Jararaca
Na invasão á Mossoró

O calango escondido
Não aceitou a derrota
Mas tive que esperar
Pois Pernambuco, Paraíba
E Ceará, estavam á me caçar

Atravessei o São Francisco
Com cinco cabras na mão
E foi lá na Bahia
Que eu me levantei do chão

Um certo dia escondido
Na fazenda de um coiteiro
Foi lá que eu encontrei
Meu amor verdadeiro

Só tinha um problema
Era a mulher do sapateiro

Fugiu comigo em nome desse amor
Enchendo meu coração de alegria
Maria Déia, cheia de idéia
Flor nordestina

Na caatinga
Debaixo de um umbuzeiro
Nasceu minha filha Expedita
Lindo anjo vindo do céu
Á iluminar minha vida

Com minhas roupas de Napoleão
Feitas pelas minhas mãos de artesão
Apresentei meu bando e minhas cartucheiras
Ás lentes de Abrão

O meu olho que vazava
Dr: Bragança arrancou
Confesso tive medo
Mas não senti nenhuma dor

Meu destino tava chegando
Senti meu peito sangrar
João Bezerra e Aniceto Rodrigues
Vieram me atocaia

Vi cai Quinta-feira
Vi cai Mergulhão
Vi cai Enedina
De joelho no chão

Vi Moeda e Alecrim
No rabo do foguete
Vi cai Macela
Vi cai Colchete

Antes de dar meu último suspiro
Pensei no meu amor
Onde tá Maria Bonita?
Minha amada
Minha flor

Fui Virgulino Ferreira da Silva
Codinome Lampião
Vivi, amei, e morri
Nos braços do Sertão.

Sandro Kretus
O andarilho da terra do fogo

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Cordel e cangaço (Pernambucano de Mello)



O CORDEL COMO FONTE DE PESQUISA



É comum se encontrar textos dizendo que o cordel desenvolveu-se no Nordeste Brasileiro como veículo condutor de notícias, informações, as quais eram passadas em sessões informais de leitura dos folhetos ou nos encontros de violeiros.


Outro dia, vi até na revista “BRASIL: almanaque de cultura popular”, que é distribuída nos vôos da TAM, uma matéria assinada por Mariana Albanese, na qual autora referia-se ao cordel como “uma literatura popular, com características genuinamente brasileiras”, e prosseguia: "Meio de comunicação de massa, o 'jornal do sertão' faz a crônica de sua época e ainda hoje se destaca em feiras e mercados de cidades como Juazeiro do Norte, Recife e Campina Grande".(Nº 89, agosto de 2006).
Hoje, porém, quero destacar o cordel, não apenas como meio de comunicação, mas como fonte de pesquisa histórica e sociológica.
Terminei de ler o livro “GUERREIROS DO SOL: violência e banditismo no Nordeste do Brasil”, de Frederico Pernambucano de Mello, e chamou-me a atenção o quanto o cordel é utilizado pelo autor no desenvolvimento do seu trabalho, aliás, um belo trabalho. Cada capítulo tem como epígrafe uma estrofe do tipo:


Rio Preto foi quem disse
E, como disse, não nega,
Leva faca, leva chumbo,
Morre solto e não se entrega.
(verso de pabulagem bradado em combate pelo famoso cangaceiro da segunda metade do século XIX, cf. Luís da Câmara Cascudo, Flor de romances trágicos, 1966.

Como ninguém ignora
Na minha pátria natal
Ser cangaceiro é coisa
Mais comum e natural;
Por isso herdei de meu pai
Esse costume brutal...
(Francisco das Chagas Batista, A história de Antonio Silvino, s.d.).

Mas a obra não se limita a usar a poesia popular nas epígrafes. Um exemplo bom disso encontrei nas páginas 65 a 67, nas quais a obra trata da figura do valentão, homem que não era tido como fora da lei, mas que, segundo o autor, “enganchava a granadeira e, viajando léguas e mais léguas, ia desafrontar um amigo, parente ou mesmo um estranho que tivesse sofrido algum constrangimento ou humilhação”.
Para dar uma idéia do sentimento do povo sertanejo em relação aos valentões Frederico Pernambucano De Mello lança mão dos versos do poeta Manuel Clementino Leite, antigo versejador do sertão paraibano, do século XIX. O trecho do livro é o seguinte:


Clementino aponta a origem histórica do valentão através de uma ilustre ascendência bíblica; estrema-a do cangaceiro, a seu ver, uma figura moralmente menor; sustenta que a probidade não se mostrava nele incompatível com a vida de questões; caindo finalmente num justificável casuísmo, em que aponta os grandes do seu tempo e, por certo, da sua admiração de sertanejo e de poeta:

Desde o princípio do mundo
Que há homem valentão
Um Golias, um Davi,
Carlos Magno, um Roldão
Um Oliveira, um Joab,
Um Josué, um Sansão.

Eu não chamo valentão
A cangaceiro vagabundo
Que quer ser um Deus na terra
Um primeiro sem segundo
Que vive a cometer crimes
E ofender todo mundo.

Tenho visto valentão
Ter sossego e viver quieto
Morando dentro da rua
Comprando e pagando reto
Trabalhar, juntar fazenda
Deixar herança pr’os neto.

Só se esconde o valentão
Que vive com o pé na lama
José Antonio do Fechado
Morreu em cima da cama
Brigou, matou muita gente,
Morreu mas ficou a fama.

Eu três homens valentões
No Pajeí conheci:
Quidute, Joaquim Ferreira,
E José Félix Mari
Mora dentro de Afogados
Tem grande negócio ali.

Mais adiante, nas páginas 178 a 180, o autor, já dissertando sobre os cangaceiros, fala do grupo dos Guabiraba, e mais uma vez busca apoio na poesia popular:


Ainda no meado do século [XIX], passaram a atuar os Guabiraba, sob a chefia dos irmãos Cirino, Jovino e joão, e do cuhado destes, Manuel Rodrigues. “Naturais da vila de Afogados da Ingazeira, ao pé da serra da Baixa Verde, no sertão pernambucano, fizeram-se bandidos nas escolas do Pajeú de Flores, onde praticaram tantos crimes que foram obrigados a fugir para Teixeira, na Paraíba”, eis o retrato que nos fornece Gustavo Barroso [...]. Em sua faina de poeta a seu modo historiador, Leandro Gomes de Barros pinta o gupo de Cirino com traços bem carregados;

Os Guabiraba eram um grupo
De três irmãos e um cunhado,
Todos assassinos por índole,
Cada qual o mais malvado
Aquele sertão inculto
Tinha essas feras criado.

A audácia do bando transparece clara nestes versos, pedaços de um antigo ABC de autor tão inculto quanto inteligente, com que se obtém uma reconstituição bem mais precisa da situação descrita, particularmente do clima épico em que se feriam as disputas que envolviam cangaceiros:

Agora estou me lembrando
Do tempo dos Guabiraba...
O capitão Zé Augusto
Cercou a serra e as aba,
Encontrou os cangaceiros
Quase Fagunde se acaba!

Cercou a serra e as aba
Com trinta soldado junto,
Falou para os cangaceiros:
São pouco! Apareça muito!
Tomou a boca da furna
Trouxe carga de defunto.

Deram fogo duas horas,
Bala na serra zoando,
Com a distância de três léguas
Todo o povo apreciando
E o povo todo dizendo:
Fagunde tá se acabando!

Enéas foi dos primeiro
Como o mais influído...
O capitão disse a ele:
Cabra, não seja atrevido,
Receba beijo de bala
No mole do pé do ouvido!

Foi um beijo envenenado
Como besouro estrangeiro
A bala beijou na fonte
Já se viu tiro certeiro
E isso serviu de exemplo
Pro resto dos cangaceiro...

Guerreava o capitão
Com dezoito cangaceiro!
Passando bala por bala,
Como troco de dinheiro,
Matou dois, baleou três,
O resto depois correro...

Homes bem afazendado
Viu toda sua riqueza
Descer de águas abaixo,
Contra a sua natureza,
Por causa do cangaceiro
Foi reduzido à pobreza.

Mandou o chefe da turba
Retirar os baleado,
Que o sague regava o chão
Como em matança de gado
E disse, devagarinho:
Os macaco tão danado!

Nada se pode fazer!
Guardemos para o futuro...
A noite está que nem breu,
Ninguém enxerga no escuro,
Pode ser que em outro “baile”
A gente atire seguro.



É isso. Dá gosto ver o cordel registrando os fatos, comentando os movimentos políticos, descrevendo os fatos pitorescos da nossa história. Parabéns a Frederico Pernambucano de Mello, que soube ir buscar nessa fonte matéria prima para o seu trabalho.


E o melhor é que, basta ir a uma feira de muitas cidades do Nordeste, para ver que o cordel continua lá fazendo esse mesmo trabalho, e com temas atuais. Na Internet também tem aparecido muita coisa. Mundo Cordel é um espaço que está sempre à disposição para colaborar.