Hoje a morte de um
jovem famoso após um acidente de viação é notícia de última hora. Hoje faz 5 anos que ia perdendo pela segunda vez um
irmão num
acidente do mesmo tipo. De hoje a pouco menos de um mês faz onze anos que perdi o meu irmão da mesma forma.
Tinha 22 anos, acabado o curso nesse dia e saído de casa depois do jantar e de chinelos de praia para passear o cão.
No dia seguinte eu esperava a família em minha casa para continuarmos a comemorar o fim do seu curso. Ele ia finalmente gozar qualquer coisa parecida a férias antes de pegar ao trabalho que já o esperava. Tinha uma namorada e o futuro era já planeado a dois. Em vez disso recebi uma chamada a dizer que ninguém sabia do meu irmão. A carne ficou na bancada a descongelar.
À porta do prédio encontrou um amigo de infância que também tinha vindo passar o fim-de-semana a casa e que o convidou a ir dar uma volta com ele ao quarteirão para lhe mostrar o seu carro novo. Parece que não queria ir porque estava cansado e de chinelos, mas o (nosso) amigo lá o convenceu e foi. Ficámos a saber disto tudo no dia seguinte graças ao vizinho cusco do prédio da frente que nunca larga a janela e ouviu a conversa toda.
A meia-dúzia de quilómetros de casa um carro ao ultrapassá-los dá-lhes um toque na traseira, o carro entra em despiste e embate contra uma árvore abraçando-a com o lado do condutor.
O nosso amigo morreu horas depois, após várias cirurgias. O cão morreu no local. O meu irmão ficou em morte cerebral com um único lanho na testa. Levavam os dois cinto. O homem que lhes bateu chamou a polícia mas ficou a ver tudo de longe sem se identificar. Desconfia-se que estaria alcoolizado ou sob o efeito de outras substâncias mas não há como provar nada. Até a forma como decorreu o acidente é uma suposição porque embora tenhamos acabado por descobrir o carro e provado a sua ligação ao acidente foi impossível, sem testemunhas que tivessem visto o acidente do princípio ao fim, formalizar uma acusação e o caso foi arquivado.
Só descobrimos o seu paradeiro muitas horas depois do acidente, já passava da hora do almoço. Morreu três dias depois no momento em que eu chegava ao hospital, para o ver durante uns minutos na única visita permitida, numa segunda-feira dia 17, numa réplica perfeita do que tinha acontecido com a minha mãe precisamente três meses antes. Tal como três meses antes, voltei para casa para esperar o meu pai e lhe dar a notícia. Como três meses antes, tive de voltar a dizer à minha irmã de apenas 14 anos que tínhamos perdido mais um de nós.
Se andam na estrada tenham cuidado. Se andam na estrada e têm cuidado, não descurem a falta de cuidado dos outros. Se andam na estrada e têm cuidado com o que fazem e com o que os outros fazem tenham na mesma atenção, porque mesmo tendo cuidado e não havendo ninguém à nossa volta, é muito simples ver o filme da nossa vida passar-nos à frente dos olhos, em apenas
um segundo.
Nós não somos imortais. O amanhã não é garantido. Pensem nisso quando ligarem o carro da próxima vez.