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quarta-feira, setembro 26, 2007

Um rio de cultura atomatada (3)


Desta vez o tempo era pouco e por isso a fatal viagem de Bus Turistic tinha de ocorrer, pois não houve oportunidade para entrar em museus e monumentos. A volta não é como a de outras cidades. É bem mais pequena e não são muitas as paragens, pelo que o tradicional hop on - hop off não resulta tão bem.
Valência é a terceira cidade de Espanha em termos de área metropolitana. Mas o seu centro histórico é muito condensado na margem direita de um cotovelo que o Túria escavou. Nesta zona, estão todos os monumentos dos quais se destaca La Lonja, uma igreja encimada por uma pomba na sua torre, onde os pais que abandonavam os filhos ao cuidado da igreja, pediam que olhassem para cima enquanto eles se escapuliam pelas ruas estreitas. O Mercat Central, um edifício com uma estrutura em ferro ornamentado por vitrais e azulejos coloridos. Ou as duas torres que em tempos foram porta de entrada da cidade, a Torre de Serranos e a Torre de Quart. As torres são respectivamente dos séculos XIV e XV, mas as primeiras estão tão bem conservadas que parecem ser bem mais recentes. Já as Torres de Quart mostram os sinais do tempo e também as marcas do avanço das tropas napoleónicas sobre a cidade, durante a Guerra da Independência espanhola. Passando por baixo desta, a Carrer de Quart e depois a Carrer de Caballeros levam-nos ao centro da cidade, à Praça da Virgem e a toda a zona comercial.
Mas por mais estranho que pareça, voltamos sempre ao rio, porque é no rio, ou pelo menos em parte do seu antigo leito que reside desde 1998 a nova jóia da coroa valenciana. A Ciutat de les Artes i de les Ciences, obra do nosso também já familiar Calatrava e que ocupa uma área relativamente extensa da zona leste da cidade, a caminho do porto e do mar. A volumetria dos edifícios e mas ao mesmo tempo a sua harmonia é impressionante. O complexo possui várias estruturas, L’ Hemisféric (uma espécie de cinema 3D/360º/Imax), L’ Umbracle (uma estrutura ajardinada), L’ Oceanográfic (um aquário como o de Lisboa mas com partes ao ar livre), Palau de les ciènces Príncipe Felipe (um Visionarium ou um pavilhão do conhecimento) e O Palau de les Arts Reina Sofia (ainda não está pronto mas será composto de museus e salas de espectáculos). Valência não deu para mais, mas ainda assim poderia escrever mais uns seis posts. Não terá sido uma cidade surpreendente e nalguns aspectos é capaz de ter deixado algo a desejar, mas tenho confiança que talvez apreciada com mais calma a cidade possa ter outro encanto. Até sempre.


sexta-feira, setembro 21, 2007

Um rio de cultura atomatada (2)


Ok, não há rio. Cada um decide sobre a sua cidade e faz-lhe o que entende. Aliás a ideia de uma espécie de Central Park pelo meio da cidade, nem sequer é totalmente disparatada, e é provavelmente melhor do que encher tudo de prédios. Mas e então o Mar, onde fica?
Também não? Pois, assim é complicado fazer uma regata... Mas a verdade é que ela se fez em detrimento da candidatura de Cascais/Lisboa.
O Mar está lá, mas obriga-nos a uma relativamente longa viagem de eléctrico, para lá chegar. Valência é mais ou menos como Aveiro, mas sem ria...
No fim do percurso, a praia e o porto. Como todos (ou quase) os locais de grandes eventos que custam milhões de Euros, o recinto de apoio à America’s Cup está praticamente ao abandono. Tem um café e uma loja de souvenirs. Nós três éramos a maioria das pessoas no local, sem contar com os funcionários.
Mas a praia é bonita. Longas costas, bem guarnecidas de passeios largos, restaurantes cafés e hotéis e pelo que dá para ver boas infra-estrutura de apoio à praia. Toda a zona parece um pequeno bairro piscatório que deu lugar ao turismo (onde é que eu já vi isto…), onde os preços acompanham a qualidade de renovação feita para a America’s Cup.
Em Valência é preciso andar. Andar muito, quase sempre para acabar numa das três principais praças da Cidade. A do Ajuntament, a de la Reina e a da Virgem.
Sim, não me enganei, é mesmo Ajuntament. Nesta parte de Espanha, como em tantas outras existe uma segunda língua. Aqui é catalão que se fala… Que nenhum valenciano me ouça senão ainda me dá uma bordoada. É que aquilo que eles dizem falar é Valenciá e não Catalá. Só o mais empenhado dos académicos consegue perceber onde está a diferença. Mas não interessa nada porque parece na mesma que se estão todos a cuspir e em Valência quase ninguém fala mesmo valenciano.
É mais como uma espécie de coisa gira para turista ver. Ter os nomes dos edifícios oficiais e dos Carrers (ruas) em duas línguas dá sempre mais personalidade a um sitio. É a mística…


quarta-feira, setembro 19, 2007

Um rio de cultura atomatada (1)



Valência não tem tomates. Antes tivesse, ou se calhar até tem, mas apodreceram... É a única forma de se conseguir explicar o inexplicável odor que se faz sentir em toda a cidade. Ou os tomates podres ou então o “rio” Túria… Esse elixir de brisa fluvial…
Confesso que Valência foi das cidades que mais me custou orientar-me antes de lá chegar. Tenho por hábito andar a fazer umas pesquisas pela net, já saber os principais locais das cidades que visito e a melhor forma de me movimentar por lá. Com valência isso foi quase impossível, apesar da abundante informação que existe no site de turismo lá do burgo.
Até é normal. Valência é uma cidade muito antiga. Segundo parece já toda a gente por lá andou. Ele foi fenícios, romanos, muçulmanos e por fim aragoneses e espanhóis. Depois a cidade tornou-se um grande porto marítimo, uma capital comercial e ao mesmo tempo uma grande confusão labiríntica, que sem a “preciosa” ajuda de um terramoto ou de um incêndio como em Londres, conseguiu chegar aos nossos dias. Só no início do séc. XX se criaram grandes avenidas arrasando-se pelo caminho uns quantos conventos.
Mas é impossível não se ficar confuso com a cidade. Toda a sua documentação refere um rio, o rio Túria, para além de constantes referências à herança marítima da cidade, até porque recentemente foi palco da America’s Cup. Mas uma pergunta assalta-nos o espírito, logo a seguir à pressão dos 42º centígrados, onde raio é que está a refrescante água que permite estes gajos terem um slogan que anuncia “Valência – um Rio de cultura”? Será que o rio é um sentido metafórico-cultural?
Não, não há mesmo rio. Ou melhor já houve. Mar nem vê-lo (mas já lá vamos). Como percebemos mais tarde, o rio Túria continua a estar oficialmente no seu sítio, só que a água foi desviada para fora da cidade depois de umas enchentes na década de 60 do séc. XX. Agora tem o pomposo nome de Antiguo cauce del rio Túria (antigo leito do rio Túria) e por lá nasceram jardins e campos de futebol para os valencianos passarem os tempos livres. O Rio, esse foi despromovido e obliterado para uma sinistra coisa chamada colector sur, no fundo um esgoto.
Que força é esta que movimenta uma cidade a prescindir do seu rio? Que coisa estranha para acontecer na segunda metade do séc. XX, e que provavelmente é a responsável pelo calor inexplicável e o odor inaceitável que paira pela cidade. Ainda mais estranho é que o leito do rio não foi preenchido, passando a fazer parte do tecido urbano normal. Continuam a manter-se todas as pontes e todos os cais de embarque das margens. Mas o mais psicótico é continuarem a construir-se pontes sobre o “rio”, ainda que por baixo se instale uma estação de metro no leito… Não me parece nada normal este tipo de comportamento. É uma espécie de dor de membro fantasma. Cortaram o rio, mas continuam a senti-lo...



terça-feira, setembro 18, 2007

Gente com tomates


O regresso à rotina de depois de umas merecidas férias. Claro está que a doutrina diverge. Haverá quem me ache um vulgar calão que nem férias merece, mas por enquanto vou preferindo a minha fundamentada opinião sobre o bem que as férias fazem. Aliás, quase é bom trabalhar só para se poderem ter férias.
Desta vez por lado diferentes, ou nem por isso. Novamente Espanha, ou melhor, sempre Espanha, mas por motivos diferentes. Valência e depois Buñol, porque não existem tomates noutras paragens (acho eu). Uma guerra alimentar é algo que é capaz de ferir a mais violenta sensibilidade dos moços dos transgénicos, mas a verdade é que é bem interessante.
Os tomates são apenas uma parte de uma festa, ou antes o seu auge. Últimas quartas-feiras de Agosto de todos os anos, desfilam pelas ruas ínfimas de Buñol, vários camiões carregados de toneladas de tomates maduros (alguns nem por isso) que a custo se movimentam pela multidão de ingleses, americanos, mexicanos, japoneses e uns poucos mas orgulhosos e divertidos portugueses. Sim, os espanhóis parecem ser poucos. Já diz o ditado, em casa de ferreiro…
Uma simples hora, que na realidade é uma eternidade tomatal, acompanhada que é de um pau ensebado com bónus (um jamón como não podia deixar de ser) de umas cañas de litro e de uns bocadillos, logo a seguir de um apinhado Toma-Tren para lá chegar.
Uma festa popular é certo, mas com dress code. A banca que anuncia o Kit Tomatina não o desmente. Uns óculos de mergulhador, uma toca amarela e uma máquina fotográfica descartável com protecção aquática, são acessórios obrigatórios à protecção dos convivas, assim como ao registo para a posteridade. Mas a tomatina é mais que tomates. É também água. Muita água, bem fria e de alta pressão. É também chinelos voadores, concurso mister t-shirt molhada e voadora, mas também concurso de máscaras, sejam elas bananas, vestidos de noiva, quimonos ou simplesmente a farda “Até Já” da TMN.
Uma hora de encontrões e empurrões e a rara oportunidade de levar com muitos mais tomates do que aqueles que se conseguem atirar aos demais e manter um sorriso na cara. Completamente encharcados, com uma coloração excepcionalmente avermelhada e a sentir a pele a estalar à medida que o sol começa a fazer secar o tomate, regressamos ao comboio apinhado e a Valência com a sensação de dever cumprido.
Não é totalmente errado pensar que por aqui se atiram tomates. É preciso tê-los para se participar neste evento e sobreviver incólume :)






sexta-feira, maio 12, 2006

Hösok

Budapeste é uma cidade cheia de problemas.
Desde logo um problema de gigantismo arquitectónico, acompanhado por uma incompreensível falta de noção espacial dos seus habitantes, a juntar a uma língua que faz com que 2/3 da cidade tenham alguma coisa no seu nome com Ferenc (Francisco...).
Aqui vamos ter imensas surpresas em relação ao que esperávamos da cidade.
Gente mais afável não deve haver e a nossa famosa hospitalidade fica arrumada a um canto perante a simpatia dos húngaros.
Logo à chegada, 7 pessoas distintas quiseram oferecer-nos táxis, quartos e taxas de câmbio mais favoráveis, uns amores, numa simpatia capaz de fazer corar de vergonha as nazarenas que anunciam rooms, chambre ou zimmer…
Um posto de turismo depois e iniciávamos a nossa aventura em Budapeste. A primeira impressão não é boa, à saída da estação tudo parece confuso, empoeirado e velho. O autocarro não inspira confiança devido à cor azul gasta pela sol, ou devido à ferrugem, mas principalmente devido ao desconhecimento dos motoristas em relação à morada do nosso hotel mesmo quando assinalada num mapa.
Afinal a desconfiança tinha razão de ser. Após várias paragens e apesar da simpatia de um senhor de idade que confirmava com um aceno as paragens que passávamos, acabámos perdidos. Nós, e por mais estranho que pareça o motorista também... (continua)

sexta-feira, maio 05, 2006

Yes, i speak a little...

De regresso à estrada, ou melhor de regresso à jornada de comboio que já desde Barcelona não fazia.
Praga vai ficando para trás e o encanto perde-se nas pequenas coisas. No urbanismo cinzento e nas arestas vivas dos comboios e das estações que nos levam a Holosovice.
O comboio é bom, mas afinal é alemão. Partiu 5 horas antes de Berlim e se quiséssemos levar-nos-ia até Bucareste na Roménia, mas essa é uma viagem para outras núpcias.
A paisagem aguada pelos rios cheios com o degelo das neves é interessante mas não resiste ao cansaço que acaba por nos derrotar e aos poucos instala-se o silêncio entre os quatro e pouco tempo depois o sono.
Em Bratislava tudo será diferente. A cidade é muito mais pequena, e temos de compreender porque só desde 1993 é que a cidade se tornou novamente capital de um país após quase 50 anos de domínio comunista.
Aqui o aparente estilo estalinista de que tinha falado em Praga, está mais presente. Aliás alguns dos edifícios deste período são mesmo marcas indeléveis da paisagem, que a transformaram para sempre. Exemplo disto é este edifício da Slovenský rozhlas (Rádio Eslovaca) e a Nový Most (Nova Ponte sobre o Danúbio) que os mais afortunados poderão confirmar nas fotos que lhes vou enviar ou aqui.
Da estação para "o" Hotel de Bratislava, pelo menos assim terá sido noutras alturas em que o PCUS se reunia no Hotel Kiev para as suas jornadas parlamentares de verão... No caminho a motorista de táxi orgulhosa da sua terra não hesita em apontar-nos numa língua próxima do checo mas ainda mais complexa, o Prezidentský Pálac, o Palácio Presidencial.
Aqui não é tão fácil falar em Inglês mas ainda assim um bagageiro do Kiev cumprimenta-nos com um expressivo e correcto "Bom dia, como estao" assim que percebe sermos portugueses.
O Hotel é um choque, e permite que se adense a ideia que a cidade parou algures num tempo longínquo, numa espécie de atmosfera ao mesmo tempo glamourosa (como o Miguel fez questão de frisar) e ao mesmo tempo decadente.
O Kiev terá uma altura de uns 20 andares embora não o correspondente número de andares. É um monólito de betão de cor acastanhada que se ergue sobre uma base gigantesca como se a ponte de um porta-aviões se tratasse (como o Miguel tb fez questão de frisar). Tudo é alcatifável no Kiev, o chão, as mesas-de-cabeceira, as bancadas do posto telefónico. Fora isso a sobriedade das linhas e dos halls em pedra com pequenas informações (castanhas) em Eslovaco e Inglês dão-lhe um ar sinistro.
O centro de Bratislava divide-se em três ou quatro praças na direcção do Danúbio (Danuj), devidamente recuperadas a pensar no crescente fenómeno do turismo ocidental. Lojas modernas, um posto de turismo funcional e a fatal feira de artesanato numa pequena praça com arcadas que fecha durante a noite até porque é a Câmara Municipal.
Lamentavelmente por estas bandas tudo fecha às segundas, e por pontaria do destino chegámos num domingo à tarde... Assim não foi possível visitar o Primacialné Palác – o Palácio Primacial que tem o infeliz nome de Primate's Palace em Inglês.
Uma sucessão de pequenas estátuas decora o centro de Bratislava na Hlavné Námestí. Napoleão, Cumil, ou melhor Men at Work, Schöne Nazi (Não sei se o nome tem alguma coisa a ver com os ditos Nazis, mas não me parece...) e um soldado que de dentro da sua guarida protege a praça.
No caminho para o Danúbio as ruas abrem-se numa grande praça onde fica o Narodné Divadlo (Teatro Nacional) que continua numa alameda cheia de restaurantes e esplanadas com um jardim central, a Hviezdoslavovo Námestí (sim, é impossivel ler isto).
Primeiro vislumbre do Danúbio. Confesso que embora soubesse que era um dos principais rios da Europa, nunca tinha imaginado que fosse tão grande, ou melhor que fosse tão forte. Certamente devido às cheias a corrente que o rio tinha era bastante forte e é noite no Circus Barok (bar Circus) uma espécie de barco atracado à margem parecia estarmos em andamento tal era a corrente.
No caminho para o Castelo (Bratslavský Hrad) começa a notar-se uma forte intervenção urbana a atirar para o projecto Polis, que a adesão à União começa a propiciar. O castelo permite uma ampla vista sobre a cidade e apesar de fechado permite o acesso a uma praça central no seu interior onde um conjunto de militares fardados parece receber uma lição de história de um oficial.
Tentar falar com os Eslovacos é sempre uma aventura. Tal como disse mais acima, aqui o inglês não vingou apesar do esforço dos locais, e é frequente a resposta ao “Do you speak english?” ser “Yes, i speak a little...” e o ”little” é mesmo só este "little", porque ao responder a uma pergunta em inglês, geralmente recorrem a uma torrente de palavras disparadas em Eslovaco com umas imperceptíveis palavras em inglês pelo meio, num sotaque continuo.
A sugestão para quem vai a Bratislava é ter cuidado nas direcções que recebe, é sempre preferível confirmar três vezes (ou mais) a não ser que estejam dispostos a viajar sem destino pela cidade e arriscarem-se a ter de dialogar num qualquer idioma com a maquinista/revisora de um comboio suburbano, de uma estação para onde não pretendiam ir.
Fora estas peripécias Bratislava não é uma cidade de tanta animação, mas é uma cidade em que facilmente se faz aquilo que se chama agora citybreak de fim de semana.
Descanso, cultura, vistas panorâmicas, história e boa gastronomia se porventura não optarem pelo Goulash :), tudo embrulhado num ambiente Art Nouveau quanto baste.

terça-feira, maio 02, 2006

No coração da Europa

Vim de Portugal com algumas expectativas mais ou menos fundadas sobre os destinos para onde me dirigia no que geralmente chamamos de Leste. Levava também uma encomenda motivada pelas notícias que antecederam a minha partida. Comprovar in loco a ultrapassagem que a República Checa aparentemente nos teria feito naqueles obscuros relatórios dos bancos centrais que com uma disciplina quase militar dizem quem é que está à frente de quem, e fazer um relatório.
Essa encomenda é mais simples de resolver no que toca à Republica Checa e em particular a Praga, porque não quero competir em relatórios com os senhores comissários a quem pagam bem melhor do que a mim.
A República Checa não é mais rica nem mais desenvolvida que Portugal, mas pode vir a ser.
A cidade de Praga é bem mais difícil de definir do que este simplismo económico.
Tenho dificuldades, à distância de mais de uma década da queda do Muro, em imaginar Praga sob o jugo comunista que se instalou sobre a Checoslováquia após a segunda guerra mundial, não fossem alguns edifícios (apesar de poucos) facilmente identificáveis com um estilo talvez estalinista.
A cidade transpira uma força extraordinária a que não será alheia a sua robusta arquitectura medieval, cheia de pequenas ruelas, becos e passagens que geralmente desembocam em pontes magníficas ou praças soalheiras.
Aqui é impossível fugir à confusão politica que Portugal se viu alheio nas lutas entre reinos do centro da Europa e é quase possível identificar as marcas que cada nova invasão, ocupação ou guerra civil foram deixando na cidade ao longo dos tempos. Tudo parece correctamente organizado em camadas perfeitamente identificáveis em que se pode facilmente distinguir estilos diferentes e culturas diferentes.
E que cultura, a cidade fervilha em acontecimentos culturais. É certo que existe um aproveitamento turístico do fenómeno cultural, mas que mal pode vir ao mundo por se assistir a um pouco de Jazz da Dixie Band na Karlov Most (Ponte de Carlos, que irei falar mais à frente), ou num concerto de Bach numa qualquer igreja Barroca?
Toda esta cultura parece fazer sentido naquela que é a cidade de Kafka e onde não parece haver qualquer ressentimento em relação ao facto do escritor se ter expressado principalmente na língua alemã, o que viemos a saber era relativamente comum por estas bandas no tempo dos Habsburgos e do Império Austro-húngaro. Por estas ruas o perturbado escritor deambulou e criou o seu universo próprio que tanto admiramos hoje em dia.
Fervorosamente religiosos, abundam pela cidade as igrejas e os monumentos religiosos dos quais a fotografia que aqui associo será um bom exemplo dos muitos que poderia aqui colocar. Esta catedral (Nª Sr.ª de Tyn) situa-se no centro histórico classificado pela UNESCO e é muito perto dos apartamentos que em boa hora acabámos por escolher. Este centro que geralmente se traduz nos guias como a Praça da Cidade Velha ou Old Town Square dá pelo nome de Stáromestská ou Stáromestské Námestí na difícil língua checa. Nesta foto está também o monumento (em baixo a verde) a Jon Huss, cuja morte desencadeou as guerras religiosas Hussitas e provocaram as conhecidas defenestrações de Praga, sim... foram três…
Antes das defenestrações e da guerra dos trinta anos que resultou na ocupação pelos Habsburgos até ao início do séc. XX, Praga foi Capital da região da Boémia, o que fará muito mais sentido na Praga que renasceu depois da queda do Muro. Abundam pela cidade os cafés e esplanadas onde uma cerveja gelada escorre facilmente garganta abaixo, mas também abundam os casinos (maiores ou menores) as casas de strip e os cabarés da Praça Venceslau. Alguns deles prometem mesmo a presença de 150 meninas em palco a fazer recordar os melhores momentos do Can Can do Moulin Rouge.
A cidade é basicamente plana o que permite longos e agradáveis passeios pelas margens do Vlatva (estranha nome checo do rio Moldova). As únicas excepções são a colina em que se encontra o castelo, que no seu interior tem o medieval palácio real que foi o cenário das defenestrações, assim como a basílica de São Jorge (muito apreciado nestas bandas) e a Catedral de São Vito. Outra elevação da cidade é o monte Pétrin onde uma torre estilo Eiffel mas mais pequena faz as delícias dos fotógrafos de ocasião por uma bela foto panorâmica.
As margens do Vlatva permitem passeios longos até Vysehrad (uma fortificação na zona sul da cidade, mas quase sempre resultam numa ida à Ponte de Carlos. A Karlov Most é uma ponte pedonal, ao melhor estilo medieval, claramente influenciado pelas construções de pontes romanas deixadas um pouco por toda a Europa, mas adornada em toda a sua extensão por santos. A ponte e a Stáromestská são o centro da vida da cidade. Ambas fervilham de turistas, e de barraquinhas a vender os mais variados produtos relacionados com Praga e a sua história adaptada ao modelo de um íman de frigorifico.
Estes dois locais são o ponto de encontro das dezenas de línguas que se ouvem na cidade e muito provavelmente onde melhor se capta o espírito de Praga.
São estes mesmos turistas que enchem a Stáromestská na zona do relógio astronómico e que de hora a hora aplaudem freneticamente os santinhos que aparecem numas pequenas janelas por cima do relógio. Nós também cumprimos este ritual mas ficámos um pouco desiludidos, talvez esperássemos uns santos mais activos…
É fácil falar com os checos, que aparentemente apreciam o esforço dos estrangeiros em dizer umas palavras em checo como Dobrý Den (Bom dia), mas é impossível comer Goulash e Schnitzel. É sem duvida uma visita que vale a pena até porque poderia estar aqui a escrever até amanha de manhã.
Lembrei-me agora que me esqueci da história de retirarem as placas das ruas após a Primavera de Praga para dificultar as purgas que o KGB pretendia fazer… é uma história que fica para outra altura, mas que revela bem o tipo de povo que é o Checo.

Nota: a confusão dos tempos verbais pode derivar de este texto ter sido começado em Praga e acabado em Portugal.

terça-feira, maio 03, 2005

Grande Maçã


Nova Iorque é grande. Mas mesmo GRANDE....

O primeiro impacto quando se chega a Manhattan é olhar para o céu. Quer dizer, não será bem para o céu, é mais para os arranha-céus enormes que nos rodeiam. Lembro-me que no primeiro dia havia algum nevoeiro, o que fazia com que o topo de alguns dos edifícios ficasse acima das nuvens... Para quem está habituado à relativa baixa altura dos prédios em Lisboa, há de facto um grande diferença, e embora a certa altura possa parecer que todos os prédios nova-iorquinos são todos iguais, não deixa de ser impressionante.

Falando em altura, devo dizer que um dos meus sonhos era estar no cimo do Empire State Building, algo que consegui depois de passar por filas monstruosas de turistas que deviam ter o mesmo sonho que eu. Calculo que depois do 11 de Setembro o Empire State seja o edifício mais alto de Nova Iorque, pois é impossível andar pelas avenidas sem dar de caras com o raio do prédio, sempre à espreita, quase que a pedir para lhe tirarem mais e mais e mais fotografias (assim se explica como rapidamente se tiram umas 100 ou 200 fotos...). Subimos a uma altura de 86 andares (não sei quantos metros isso dá, só sei que é muito...), e depois de nos habituarmos aos fortes ventos que parecem querer-nos lá em baixo, onde é o nosso lugar, é de tirar a respiração, sentimo-nos de facto no topo do mundo (que me perdoem as pessoas que já foram até ao Evereste e afins...).

Falando em 11 de Setembro, também estivemos no Ground Zero, e é uma sensação estranha estar num sítio onde milhares de pessoas morreram e num espaço que parece ao mesmo tempo tão vasto e tão pequeno. A cidade ainda vive afectada por este momento trágico da nossa história recente, e não são poucos os restaurantes, museus, lojas de souvenirs, e outros que tais, com algum tipo de “artefacto” que recorda essa fatídica data. Para um português é estranho mas compreende-se a genuína dor que estas pessoas sentem. Como alguém dizia no outro dia, a grande maioria das pessoas tinha família, amigos ou amigos de amigos, que ficaram no meio dos escombros do World Trade Center. E, apesar de tudo, estes sentimentos de dor representados pelos tais “artefactos”, sempre são melhores do que o sentimento ultra-nacionalista que atravessa a cidade. Basta olhar para o sinal mais óbvio, as bandeiras. Bandeiras, bandeiras e mais bandeiras. Sejam meia dúzia delas a decorar a fachada de um MacDonald’s, ou uma só enorme a tapar a fachada da Bolsa de Nova Iorque, em Wall Street, elas estão em todo o lado. Se a mim já me parece esquisito em Portugal ainda haverem bandeiras nas janelas da altura do Euro 2004, podem imaginar como me senti ao andar pelas ruas da Grande Maçã...

A cidade não esqueceu o 11 de Setembro, como é normal, e a prova disso é o enorme dispositivo de segurança que encontramos em muitos dos “landmarks”. Locais onde me recordo que tenhamos passado por detectores de metais: Museu de História Natural, Museu Guggenheim, Empire State Building, Ferry para a Estátua da Liberdade, Nações Unidas, e sei lá mais o quê. Como dizia um dos meus colegas de viagem, “se as nossas mochilas fossem sensíveis aos raios X, já estavam cheias de tumores”. A ver se consigo que percebam a minha opinião sobre esta “paranóia”: compreendo em absoluto o porquê de tudo isto e não me chateia minimamente ter sido quase revistado em todos estes sítios (lembro-me de uma outra ocasião em que tive de tirar o cinto e também me recordo de ver algumas pessoas a tirar os sapatos, tal como o tivemos que fazer no aeroporto de Newark). O que realmente me deixou chateado é a forma como as autoridades americanas põem na prática estes sistemas de segurança. Vou apenas pegar no exemplo que é o corolário do que acabei de escrever, que foi a viagem de ferry até à ilha onde se encontra a Estátua da Liberdade. Logo no local onde estamos a comprar os bilhetes, vemos enormes placas a informar os turistas que não podem levar mochilas para o ferry (algo que acaba por não acontecer) e que não podemos levar a bordo canivetes, isqueiros, armas brancas, bombas, “pepper sprays”.... Espera lá, “bombas”??? Será que esta gente acredita mesmo que, se eu levasse uma bomba para a estátua, ia declará-la antes de embarcar? (a propósito, isto cai dentro da categoria de perguntas que é preciso responder antes de entrar no país, do género “é um terrorista?”, ou “esteve em contacto com gado recentemente?”, ou mesmo “caso tenha nascido antes de 1900 e troca o passo, esteve envolvido em actividades nazis durante a II Guerra Mundial?”). Em seguida vamos para a fila, mas ainda não é a fila para entrar no barco, mas sim a fila enorme para entrar numa tenda onde iremos ser revistados. E que melhor impressão logo à partida do que ter 2 jovens com aparência de terem acabado de vir do Bronx a cortarem os bilhetes antes de entrarmos na tenda? É de facto a melhor forma de dar alguma credibilidade à preocupação com a segurança (estava a ser irónico, caso não tenham percebido). Depois entramos numa tenda que poderia perfeitamente ser de circo, tendo em atenção a atitude dos agentes da autoridade/seguranças que lá se encontram. A antipatia é geral, os berros dados aos turistas (estrangeiros ou americanos, é indiferente) também, e a falta de respeito é de bradar aos céus. Bem sei que Portugal nestas coisas ainda não é grande exemplo a seguir, mas estes jovens abusam. Nunca me tinha sentido tanto como um animal no caminho para o matadouro (tentei inclusive fazer alguns ruídos animalescos para ver se eles percebiam... sem efeito). Ok, pensar-se-ia que aquela gente está ali para cumprir normas de segurança e não para ser simpática, é um ponto de vista perfeitamente defensável (Então experimentem ir à visita guiada das Nações Unidas, onde também passam por detectores de metais, mas os seguranças mostram empatia com os turistas e mostram que de facto é um inconveniente ter que passar por aquelas coisas... será que é porque nas Nações Unidas estamos a pisar terreno não americano?). Mas então que dizer da quantidade de gente que iam deixando entrar no ferry? Eu que estava numa das “varandas” só via gente e mais gente a entrar e só me perguntava se estavam à espera que o barco afundasse para dizerem que já estava cheio. Isto para não falar na quantidade de crianças que se iam debruçando nas amuradas, que não tinham protecção, a ver se conseguiam cair no rio. Mais tarde, já na ilha, iríamos ver um destes barcos a chegar, e mais pareceria uma imagem de um país de terceiro mundo, onde uma multidão de refugiados tentava fugir de uma qualquer guerra... Estranho conceito de segurança tem o departamento de Homeland Security dos Estados Unidos...

Ainda no assunto da simpatia (ou falta dela), tenho uma outra opinião que gostaria de partilhar convosco. Não sei em que empresa vocês trabalham, mas na minha e em muitas de amigos meus, semestre sim semestre não, vejo-me perante mais uma acção de formação de atendimento ao cliente, ou técnicas motivacionais, ou comportamento do consumidor, e o que acontece normalmente é que estas técnicas de atendimento são provenientes dos States. De modo que começamos a imaginar que o atendimento lá seja de 5 estrelas. Bom, o que me aconteceu a mim e às pessoas com quem viajei foi que o atendimento tomou 2 caminhos possíveis: por um lado, um atendimento super-eficiente nalgumas lojas, mas quase aos berros com os clientes, e, por outro lado um atendimento antipático, indiferente, do género “odeio o meu trabalho, por isso não tenho que te tratar bem enquanto cliente”. Verdade seja dita que, ao contrário de Barcelona, não fui atendido por alguém que estava a fumar atrás do balcão, mas mesmo dentro dessa escala as coisas não foram muito boas. Excepções há sempre, mas se vos disser que os sítios onde fomos bem atendidos foram um “diner” propriedade de gregos (que até se meteram connosco por causa do Euro, mas sempre de uma forma afável) e um restaurante italiano onde o jovem que estava a atender eram um bonacheirão tipicamente latino, acho que começamos a ver um padrão, certo?

Bom, não comecem a pensar que tudo isto faz com que uma visita à Grande Maçã não valha a pena. Não, não se trata disso, apenas há que partir de Portugal com uma razoável dose de paciência. Porque de facto há coisas bem bonitas em Nova Iorque. O Museu de História Natural, por exemplo, onde uma pessoa passa horas e horas extasiado no meio de esqueletos de dinossauro, culturas de todo o mundo, ou frente a frente com uma reprodução em tamanho original de uma baleia azul. Lindo, lindo, lindo... E as horas passam a correr... Se vos disser que entrámos por volta das 10 e meia, e saímos já a passar da 2 da tarde, não andarei muito longe da verdade. Também o Museu de Arte Moderna (MoMA, para os amigos) me deixou de boca aberta. No mesmo espaço temos exposições a puxar para o pós-pós-moderno (para quem tem mais abertura de espírito), exposições de volta do design dos nossos dias, e pinturas originais de “monstros” com Andy Warhol, Pablo Picasso, Diego Rivera, Salvador Dali ou Van Gogh, só para mencionar alguns. Acho que todos nós “levámos” connosco alguma coisa que nos agradou no MoMA.

E que dizer do Central Park? Mesmo no centro de Nova Iorque têm um sítio onde podemos fazer um jogging todos os dias (e simultaneamente “atropelar” os idiotas dos turistas que estão parados no meio do caminho a tirar fotos... comigo, por acaso, foram mais os dois ciclistas que tentaram passar-me por cima na Ponte de Brooklyn) passear os nossos cães (sim, porque nova-iorquino que se preze tem no mínimos uns 3 cães, todos de tamanhos diferentes), fazer um slalom com o nosso bebé dentro de um carrinho todo aerodinâmico, ou mesmo fazer uma partidinha amigável de basebol (juro que estivemos uns bons três quartos de hora a olhar para aquilo e mesmo assim não percebemos nada daquilo... nós é mesmo o pontapé na chincha e mais nada...). Mas o Central Park é mesmo imponente, e imagino que no Outono ou no Inverno seja ainda mais belo. E afinal de contas, não é em todos os parques que podemos “comprar” um banco de jardim e dedicá-lo à memória do nosso ente mais querido, com direito a plaquinha e tudo... Esta gente é mesmo esquisita...

Como portugueses que somos, o nosso lado gastronómico não podia ficar esquecido. Quando penso numa palavra para descrever a comida em Nova Iorque, só me consigo lembrar de duas: ataque cardíaco. Pois é, se nós cá já somos aquilo que tão bem conhecemos, os americanos decidiram fazer o mesmo mas em ponto grande, pois claro! Eu achei esquisito que, quando chegámos ao aeroporto de Newark, no caminho desde a chegada até ao recolher da bagagem, tenha visto nas paredes uns 10 desfibrilhadores (sabem aquelas máquinas que dão choques no nosso coração para que o mesmo volte a bater?), tal como se fossem extintores. Mas assim que comecei a fazer refeições, comecei a compreender... Desde hambúrgueres (como não podia deixar de ser...), até ovos mexidos com bacon ao pequeno-almoço, passando por sobremesas enormes em restaurantes mexicanos, até um pequeno-almoço esquisito no MacDonald’s chamado McGriddles, que não era mais que uma fatia de bacon super-salgado com ovo no meio de duas fatias de pão doce, até chegarmos ao famoso Hot-Dog, que, a meu entender, exige anos e anos de prática no seu manuseamento, pois assim que dei a primeira dentada, metade dos molhos foi parar ao chão...Pelo meio tive direito a provar o verdadeiro “fortune-cookie” chinês, com a minha sina lá pelo meio, bebi uma verdadeira limonada vietnamita (que eu gostei mas que houve outros que acharam que não era seguro estar a beber aquilo), e ainda deu tempo para recordar um prato dos meus tempos de Coreia... O ponto alto, para mim, foi um spaghetti à carbonara que comi num restaurante italiano em Little Italy, que me soube a comida angelical. Foi também neste restaurante que provei o único café de jeito em toda a cidade. Sim, porque aqui é o reino dos Starbucks, deve haver centenas e centenas destes cafés espalhados pela cidade. Nós até estranhávamos quando ficávamos 5 minutos sem ver um, mas nessa altura de certeza que apareciam uma dezena de nova-iorquinos com copos daquela mistela à nossa frente. Houve até quem tivesse pago uns bons dois dólares e meio por uma aguinha suja, isto depois de quase interrogarmos o empregado se era mesmo um “expresso”.

Por todas estas coisas, a viagem até Nova Iorque vai ficar guardada num local muito especial e, mais não seja, terei sempre as centenas de fotos que tirei para recordar os bons momentos lá passados. Deixo-vos algumas das frases-chave desta viagem que me trazem neste momento um sorriso ao rosto...

“Are you a terrorist?”
“A minha máquina fotográfica não está boa...”
“What’s you number, SIR?”
“Do you know the dangers of lead poisoning?”
“Cuidado Lolita!”
“Olha, umas baratinhas!!”
“Isso já tem a gorjeta incluída?”
“Sounds good...”

“Start spreading the news
I’m leaving today
I wanna be a part of it
New York, New York…”
By Nuno Fonseca

segunda-feira, maio 02, 2005

Ground Zero

Independentemente das opiniões que tenhamos sobre a arrogância americana ou sobre o papel dos americanos no mundo não podemos ficar indiferentes ao imenso espaço agora vazio do ground zero. Afinal os americanos comuns ou os imigrantes que ali morreram, tal como os portugueses ou outros estavam apenas a tentar safar-se, assim como dar uma vida melhor as suas famílias.

Para mim não é possível imaginar agora uma américa sem o 11 de setembro ou uma new york sem aquela gigantesca ferida física para além de psicológica. Talvez as coisas fossem diferentes antes dos atentados, mas esta américa que vimos com os nossos olhos, é uma américa em pânico e ainda um bocado em histeria colectiva em relação a uma segurança a que não está habituada na sua própria casa.

No interesse de todo o mundo livre (onde nós tb nos incluímos, por mais estranho que isso possa parecer a alguns americanos,..) seria útil que a américa olhasse um pouco para dentro e tentasse perceber a razão dos seus erros.

Junto à zona do WTC há uma pequena capela (St Paul's chapel) que juntamente com o ground zero se tornou um local de comemoração dos heróis americanos do dia da tragédia. Temos alguma dificuldade em perceber em que foram heroís mas se calhar é melhor chamar-lhes heróis e não mártires... Nesta capela foi onde descansaram e receberam refeições polícias e bombeiros que se encontravam nas operações de busca. O jardim com cemitério desta capela ficou tão danificado que só reabriu em 2003.

Neste momento existem ainda prédios de 40 e poucos andares que se encontram de tal forma danificados que terão de ser demolidos antes de avançar o projecto para aquela zona, mais um tributo à ambição humana que pretende voltar a ser o mais alto edificio do mundo.

De volta à capela além de inúmeros objectos daqueles dias (que tb podem ser encontrados noutras zonas da cidade) realiza-se um pequeno serviço religioso de evocação e recordação de todos os que morreram. Cada um de nós tê-lo-á sentido de formas diferentes.

Eu optei por esquecer as palavras que ouvi sobre "o apoio aos nossos líderes e as forças no iraque" e senti o silêncio que se seguiu com alguma emoção, e achei que a pequena capela e a simplicidade do acto traduziam uma infíma parte da mágoa que continua a haver nesta cidade.

Torre de Babel

Recordam-se das notas de 20 escudos? Sim, aquelas com o Gago Coutinho? O dinheiro deste lado do atlântico continua a ter o mesmo cheiro das notas de 20 desse tempo em que tudo parecia mais fácil.

Aqui nem tudo é fácil, mas parece tendo em conta a quantidade de notas que temos de transportar todos os dias. Mas as dificuldades começam logo a entrada...

Depois de umas 8h de avião que deviam fazer-nos merecer um café decente, um banho e uma cama temos ainda de prestar uma espécie de estranha vassalagem à porta do império... Funcionários tb eles estrangeiros mas já abençoados pela "pax americana" tentam com razoável sucesso questionar a utilidade de uma visita ao centro do mundo. O questionário previamente preenchido é esclarecedor... "É ou alguma vez foi terrorista? É ou foi filiado na Gestapo quando tinha menos 700 anos que agora? Está ou esteve envolvido com gado antes de embarcar?" são alguns dos mimos à entrada junto com a estúpida pergunta se viaja sozinho ou acompanhado como se isso representasse alguma coisa...

Estranhamente começo a perceber a razão de tantos estranhos processos nestes tribunais. Os funcionários ou empregados são todos muito, mas muito prestáveis... A não ser que sejam europeus, todos parecem ter faltado às formações comportamentais que por aqui damos aos "colaboradores" portugueses com base em modelos bem americanos mas que por aqui não são aplicados.

Por falar em Europa não nos vamos conseguir livrar do momento de glória do Euro 2004... Mas pelas piores razões. O grego que nos atendeu no nosso primeiro pequeno almoço e seguintes, na broadway, fez questão de nos relembrar a nossa derrota entre doses astrónomicas de gordura em ovos sobre salame com acompanhamento de panquecas com doce... Não, não é exagero. Qualquer coisa que eu possa dizer sobre a comida é sempre pouco em relação à quantidade de gordura...

Não é de estranhar o elevado número de adultos gordos mas tb de crianças. Mas honestamente parece não haver alternativa a este tipo de de comida... Se calhar é por isso que existem em todos os restaurantes instruções de o que fazer em caso de uma pessoa se engasgar ou ter um ataque de coração no restaurante.... Faz todo o sentido... Com a quantidade de comida e com a gordura que ela trás o mais certo é engasgarem-se e caírem para o lado com um ataque... No entanto os cartazes tem o interessante pormenor de pedir que se pergunte à vítima se se está a engasgar... (are you choking, sir?) É capaz de se obter uma resposta interessante.

Alguma caminhada depois para desfazer algumas calorias e começa a nossa descida ao esgoto, perdão, ao metro que de tão sujo e maltratado mais parece um esgoto, mas que melhor sítio para nos começarmos a integrar na vida da cidade. Aqui encontramos americanos de vários sotaques, orientais de diversas origem, europeus que cá trabalham ou turistas como aqui os portugas, indianos ou paquistaneses e uma forte predominância de hispanícos de toda a américa latina.

Se existe um torre de babel moderna ela fica em new york.

quarta-feira, janeiro 26, 2005

All about small things... (London chronicles III)


Depois de uma frustrante nega vinda de um homem de saia com um chapéu em forma de penico só porque já passava das 17h, lá conseguimos entrar na torre de londres no dia seguinte. Aquilo que parecia ser uma saudosista visita ao passado (os primeiros a montar aqui a barraca chegaram bem antes do romanos...) rapidamente se tornaria num momento bastante simpático da história da viagem. O responsável era agora um novo guarda (os yeoman's) com o tal chapéu em forma de penico que nos deu alguma divertidas explicações. "Now they call it Fosters" foi a forma que o guia encontrou para nos explicar que ainda podíamos encontrar à venda um tipo de cerveja de má qualidade (small beer) que era dada aos pobres ou viajantes que procuravam abrigo na torre. Mas a história do mais antigo monumento de londres é uma história de sangue e tortura... Aqui foram assassinados traidores mas tb príncipes e rainhas que insistiam em perder a cabeça quando não davam filhos ao henrique VIII.... Foram tb cometidos alguns erros como a decapitação por engano de um filho ilegítimo do rei... Quando perceberam o erro correram a tirar a cabeça do pau onde se encontrava espetada/exposta à entrada de Londres e tiveram a coser de volta ao corpo para que se pudesse pintar um retrato do defunto para a posteridade... afinal havia ali sangue real... O retrato lá se fez mas o pintor nunca viria a receber o pagamento porque o quadro foi considerado pouco vivo.... Ironias britânicas...

Daqui para a colossal catedral de São Paulo. Um dos mais emblemáticos símbolos de londres que teve direito a cobertura mundial no casamento do Carlos com a Diana... (mas isso não interessa para nada...) a cúpula desta catedral eleva-se a algumas centenas de metros e são precisos uns esgotantes 538 degraus para chegar lá acima...
Mas o que mais impressiona não tem a ver com a dimensão inacreditável do local mas com a inacreditável homenagem que tal como em Westminster é feita aqueles que morreram pelo Reino Unido. Provavelmente a minha surpresa deriva de sermos um país com muito poucos heróis e termos muito poucas histórias de verdadeiro altruismo, mas aqui , seja nas artes da guerra ou nas artes das letras o país sabe reconhecer aqueles que o fizeram chegar longe. Só alguns nomes... estão aqui o almirante Nelson, o nosso amigo (?) Wellington e são tb homenageados os homens e mulheres que durante os bombardeamentos alemães da II guerra mundial montaram a defesa da catedral para que esta não fosse destruída pelo blitz.

Como as antiguidades estavam no nosso percurso lá fomos para mais um caminho de metro com uma ou duas mudanças para conseguirmos encontrar o British Museum e as múmias roubadas do Cairo...

Mais tarde, depois de alguma comida para alimentar a caminhada e de mais algum tempo de metro estamos de volta a Piccadilly e vamos no encalço do turbilhão da chinatown... Passeamos pelos restaurantes com aspecto duvidoso, de nome impronunciável e com pato já lacado pendurado nas vitrines... e quase jurariamos que aqueles chineses todos de gravata e charuto que sairam de uma carrinha preta eram membros de alguma tríade ou mafia da zona.... optámos por nos afastar para irmos ao não menos estranho Zoo bar... "party hard or go home" era o lema do bar, música comercial acessivel na onda da mega FM, caras bonitas e vestidos curtos apesar do frio que se fazia sentir na rua. Fim do dia num Planet Hollywood às moscas onde nem já o modelo do agora governador da california com a tromba toda desfeita no seu papel de Terminator parece convencer alguém a lá ir.

Para fim de festa arrumámos as malas de manhã e partimos para a catedral do consumo... o Harrods... não sem antes alimentarmos uns esquilos demasiado atrevidos nos kesington gardens, que vêm comer à nossa mão quando lhes mostramos um chocolate. O Harrods é clássico e situa-se num edificio antigo e vitoriano mas o seu conteúdo não é diferente dos antigos armazens do chiado ou do actual corte ingles... os preços não são assim tão loucos....
Faltava para completar em beleza a nossa viagem uma ida ao natural history museum para vermos os primeiros a terem andado por terras de sua majestade muito antes de os ingleses se considerarem como tal.... sim, a galeria dos dinossauros com os seus esqueletos completos em salas monstruosas.

Londres é tudo isto que vos tenho dito nos ultimos dias e muito mais, Londres é uma metropole a perder de vista onde se mistura uma inglaterra clássica, real e monumental com a heterogeneidade das pessoas de todo o mundo que lá vivem. London is all about small things... pequenas coisas como o Mind the Gap no metro, a necessidade de identificação nos bares, as passadeiras na estrada com indicação do look right ou look left ou a inexistência de cães vadios ou de lixo. Londres é o cuidado com a memoria colectiva do maior imperio de sempre e a força que aparentemente ele continua a ter.

Depois da paranoíca segurança do aeroporto de Stansted (continuo sem perceber como se pergunta a alguém se outra pessoa pode ter introduzido algum objecto na nossa bagagem(????) não seria melhor perguntar logo de forma educada: Are you a terrorist?) e depois da pouca pontualidade britanica dos aviões irlandeses chegámos e já estamos cheios de nostalgia... que sentimento tão português....

segunda-feira, janeiro 24, 2005

Os cogumelos mágicos (London chronicles II)

Para continuar a falar em grandeza o mercado de camden town não é grande... É imenso... Na realidade não é um mercado mas sim uma sucessão de vários mercados, Camden market, camden lock ou inverness street market (a semelhança com o inverno não é propriamente estranha...).
Todos eles estão ligados por um emaranhado de ruas e vielas onde é virtualmente possível encontrar tudo... Mesmo tudo... Milhares de turistas de todo o mundo dividem as ruas com a fauna local. E que fauna... Eles são góticos ou punks (sim, os 80 continuam bem vivos por aqui) mas tb estrangeiros a procura de uma oportunidade de negócio.
Uma das milhares de espanholas que temos encontrado dizia que o mercado não tinha nada de característico... Se calhar não tem, mas não tem porque não é possível dizer que tem um tipo de produto próprio mas antes todos os produtos. Apenas uma pequena lista: roupa para todos os estilos, sapatos e botas com pêlo por dentro (e por fora) milhares de souvenirs, as t-shirts mais subversivas do planeta (pope smokes dope é quase inocente no meio destas) e dezenas de bancas de cogumelos mágicos...
Espera lá cogumelos mágicos???
Isto não é daquelas cenas que o pessoal das raves gosta? Pois é... Aparentemente aqui é legal e até se vendem pequenos mushroom grow kits... É capaz de ser um grande negócio para importar... Aliás as bancas são o ideal para alguém interessado em experiências, digamos alternativas.... Além dos cogumelos tb se vendem poppers (afrodisiaco para aqueles momentos mais íntimos) chupas de cannabis e todos os cachimbos que permitam fumar todos os tipos de droga imaginável.
Depois do choque que tudo isto representa só nos conseguimos recompor depois de uma tigela de seafood noodles directamente da barraca tailandesa. Best regards

sábado, janeiro 22, 2005

Size does matter... (London chronicles I)


O tamanho é mesmo uma coisa importante... E esta é um cidade em grande... Provavelmente quem vive aqui nem percebe, mas uma rede de metro com bem mais de 50 estações, jardins com 121 hectares ou 15 pontes fazem desta provavelmente a maior cidade da europa... Tudo aqui fica demasiado longe para um português pouco habituado a grandes distâncias e tudo aqui é demasiado caro para o ordenado de qualquer português...
Existe por todo o lado um ar de formalidade britânica que é amplamente gozada pelos guias turísticos dos autocarros, sejam eles ingleses ou australianos... Ficámos a saber que os ingleses tem um monumento que honra os pirilampos das duas guerras (sim, pirilampos...mas tb os burros e os cavalos) e que ainda acham que perderam o jogo contra Portugal no Euro2004 porque nós tivemos sorte...
A cidade é monumental, em cada esquina há uma boa oportunidade de uma boa foto, só monumentos a soldados desconhecidos ou conhecidos já devemos ter fotografado uns 10... É o que faz querer andar sempre a porrada com outros países e ainda por cima fazer passar a ideia que só se estavam a defender...
Em westminster coroam-se reis sobre os restos mortais de umas 400 pessoas, pode até dizer-se que eles são coroados no cemitério... Os túmulos estão todos a monte, no chão ou em altura de acordo com a importância do morto...
Começamos a ficar convencidos que o inglês não é a língua mais falada aqui... Talvez o indiano ou o árabe estejam a concorrer directamente com o inglês... Alguns deles têm o interessante trabalho de segurar uma placa o dia inteiro que apenas indica um macdonalds ou um indian tandoori na rua de baixo. A generalidade dos empregados de balcão fala um inglês 6 vezes pior que o meu. Aliás, são às centenas as lojas de indianos do tipo loja dos 300 com postais da princesa Diana ao lado de cuecas com a bandeira inglesa ou porta chaves com pequenas tower bridge, mas dão jeito porque estão abertas até as tantas.
Buckingam não é tão grande como parece na tv e os guardas perderam à muito a formalidade exigida e fazem agora um render da guarda especialmente dedicado aos milhares de máquinas digitais que os querem fotografar. Ainda assim há uns palhaços que se divertem a tentar perturbar os imperturbaveis cavaleiros reais gritando e dançando a volta deles.
Segundo soubemos o tony tem a residência oficial no número 10 de downing street mas na realidade mora no número 11 porque 17 quartos eram aparentemente insuficientes...
Tb parece que a al qaeda deixou marcas por aqui... Não se consegue tirar uma foto decente em downing street devido a quantidade absurda de polícias e de blocos de betão... Sim, blocos de betão que estão por todo o lado nos edifícios oficiais... Ficam lindos pintados de preto a volta da elitista houses of parliement e do big ben ou em cor de tijolo em buckingam. O big brother mora por aqui... Saudações londrinas...